A riqueza criada em Portugal poderá cair até 2% em 2021, receiam os economistas do Católica Lisbon Forecasting Lab (NECEP) num ano que se previa ser o da recuperação pós-Covid. A confirmar-se este cenário – que não é, sequer, o mais pessimista – isso poderá significar que Portugal irá ficar aquém da retoma que os economistas preveem para a zona euro, sobretudo a confirmar-se uma aceleração do processo de vacinação no qual a Europa está, para já, a marcar passo. O “comportamento imprevisível e hesitante” do Governo de António Costa não ajuda, diz o NECEP.
Depois da quebra de 8,4% que deverá ter ocorrido no ano de 2020, “o pior registo de sempre nas séries modernas da economia portuguesa”, o NECEP arrasou a anterior previsão de um crescimento de 2,5% em 2021 e, agora, dá como perdido também este novo ano. Com o novo “confinamento severo anunciado pelo Governo a 13 de janeiro, aquilo que era um evento de probabilidade importante, mas baixa, tornou-se uma certeza” e o mais provável é uma nova contração económica de 2%.
“Esta previsão assume que a economia em 2021 deverá andar ao nível do terceiro ou quarto trimestres de 2020 se for possível aliviar as medidas de confinamento, mas baixará para valores não muito melhores do que os observados no segundo trimestre do ano passado em confinamentos semelhantes ao que está atualmente em vigor”, explica o Católica Lisbon Forecasting Lab. Com o país novamente em confinamento, a atividade económica “poderá não ser suficiente para assegurar crescimento económico [positivo] já este ano, especialmente num cenário de confinamento prolongado como o que se antecipa”.
Ao Observador, João Borges Assunção, que coordena o NECEP, explica que Portugal sofre pelo facto de “o peso dos setores mais fustigados pelas medidas de confinamento e pela limitação geral da mobilidade terem um peso na economia portuguesa bastante grande”. “Mas o ambiente económico geral é bastante incerto na Europa e não será preciso confinamentos severos muito prolongados para que a generalidade dos observadores independentes e entidades oficiais revejam em baixa as perspetivas da zona euro para este ano”, antecipa João Borges de Assunção.
Novo confinamento pode tirar até 15 mil milhões de euros à economia no primeiro trimestre
Num cenário mais otimista, o NECEP antecipa que a economia portuguesa poderá ambicionar um crescimento de 3% – “a hipótese de crescimento não pode ser excluída à partida, dado que o terceiro trimestre do ano passado ilustra bem a possibilidade de uma recuperação rápida quando se aliviam as medidas de confinamento”. Porém, sendo “muito elevada” a incerteza das previsões, o cenário mais animador não cria grandes expectativas e o NECEP admite um cenário mais gravoso, no qual a economia derrapa 4% este ano.
“Comportamento hesitante e imprevisível” do Governo não ajuda
“É provável o aumento da taxa de desemprego para valores entre 7% a 8%, bem como a deterioração das contas públicas e a necessidade de um orçamento retificativo ou suplementar para 2021″, diz o NECEP, reconhecendo que em 2020 as perdas económicas teriam sido muito mais graves “na ausência das medidas de apoio à economia introduzidas a partir de abril, com destaque para os apoios ao emprego em situação de paragem, redução ou retoma de atividade, moratórias de crédito, concessão de novos créditos subsidiados e medidas de estímulo monetário do BCE”.
Nesta fase, “a atividade económica está a evoluir de forma muito assimétrica”, diz o organismo económico da Católica na sua última atualização da Folha Trimestral de Conjuntura. “Os setores da construção, indústria e agricultura estão a resistir relativamente bem”, mas “a fileira do turismo está a ter perdas muito significativas”. Por outro lado, “no comércio a retalho e nos serviços há ainda assimetrias significativas. O retalho alimentar, excluindo a restauração, resiste, tal como o retalho de bens tecnológicos. Já o restante retalho, incluindo o vestuário e calçado, ou os serviços de proximidade estão a enfrentar perdas severas, embora não tão pronunciadas como no turismo”, salienta o NECEP.
Em poucas palavras, “a economia portuguesa entra em 2021 num ambiente de elevada incerteza associada à evolução da pandemia, da administração de vacinas e das medidas de confinamento, bem diferente do que se antecipava há poucas semanas”. Além disso, “o Governo deverá acrescentar alguma incerteza a este quadro complexo por via do seu comportamento imprevisível e hesitante”, salienta o organismo coordenado por João Borges de Assunção, ex-conselheiro económico na Presidência de Cavaco Silva e, também, no Governo de Durão Barroso.
Retoma na Europa “pode superar expectativas”, diz o Capital Economics
O Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou esta terça-feira aquilo que já estava bom de ver: com esta nova vaga, a recuperação económica da zona euro deverá arrastar-se um pouco mais no tempo. O FMI acredita agora num crescimento económico de 4,2% este ano entre os países da moeda única, menos um ponto percentual do que previa há apenas três meses. Os principais parceiros comerciais de Portugal têm meses difíceis pela frente, o que é preocupante porque foram as exportações (de bens) que animaram a economia portuguesa nos meses de verão, antes da chegada da chamada “segunda vaga”.
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Ainda assim, na última conferência de imprensa do Banco Central Europeu a presidente Christine Lagarde lançou uma mensagem de confiança (embora estivesse ciente de que isso poderia fazer apreciar o valor do euro face aos outros pares cambiais, o que penaliza as exportações europeias). Ainda que admita a possibilidade de uma nova recessão na zona euro – definida como dois trimestres consecutivos de taxas negativas de crescimento –, Christine Lagarde assegurou, na semana passada, que são “menos acentuados” os riscos negativos para a economia europeia, em comparação com o que se temia no início desta nova vaga de infeções.
E este é um otimismo que surgiu, também, numa nota de análise publicada pela Capital Economics. No mesmo dia em que a Universidade Católica antecipou o possível recuo de 2% no PIB português em 2021, o Capital Economics apontou que a zona euro poderá terminar o ano com um avanço de 4%, em linha com as estimativas que o FMI viria a fazer esta terça-feira (4,2%).
A confirmar-se esse otimismo para a economia europeia isso provavelmente atenuaria o cenário “negro” previsto pelo NECEP para Portugal. Mas há três fatores que podem fazer com que Portugal não consiga acompanhar a retoma prevista para a zona euro: além da composição da economia portuguesa referida por João Borges de Assunção, com forte dependência de setores mais castigados pelas características desta crise, a banca nacional é na Europa aquela com maior peso de créditos em moratória (embora isso não pareça preocupar muito o Banco de Portugal) e, por outro lado, no final do ano passado a Comissão Europeia estimou que o Estado português foi dos que menos gastaram na resposta à crise pandémica (em proporção do respetivo PIB).
Há 46 mil milhões de euros em moratórias, indica (finalmente) o Banco de Portugal
Tudo dependerá da forma como decorrer a vacinação, permitindo levantar as restrições ao movimento dos cidadãos. Para já, o processo está a ser muito lento na Europa: segundo o tracker da Bloomberg, Israel lidera o “campeonato” da vacinação nesta fase, com quase 43 cidadãos por cada 100 já vacinados. Os Emirados Árabes Unidos surgem a seguir, com quase 24 por cada 100 – o Reino Unido já vacinou 10,6% da população e os EUA 7,1%. Em contraste, porém, os países da União Europeia vêm muito atrás – Alemanha apenas 2,2 em cada 100 cidadãos, Espanha só 2,7 e Portugal 2,5.
O Capital Economics está confiante de que este processo vai acelerar e “até meados deste ano, progressos razoáveis na distribuição da vacina nas maiores economias devem injetar uma nova vida na recuperação económica à escala global”. Com percentagens maiores na vacinação poderá ser possível levantar as restrições e, embora cada país tenha depois de tratar as “cicatrizes” da crise, na segunda metade do ano as empresas poderão reabrir, as perturbações nas cadeias de valor vão reduzir-se e muitas famílias vão querer gastar parte das poupanças que conseguiram fazer durante os períodos de confinamento. Além disso, há a garantia dos bancos centrais de que a política monetária continuará expansionista e as economias vão, também, beneficiar dos estímulos orçamentais dados pela chamada “bazuca europeia” de investimentos.
“Acreditamos que o PIB da zona euro irá regressar aos níveis pré-pandémicos no segundo trimestre de 2022, embora possam aqui existir grandes diferenças entre os diferentes países“, remata o Capital Economics.