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O problema não é novo e a solução está longe de ser encontrada. São já várias as denúncias sobre a falta de condições em lares e a última, sobre as condições em que vivem cerca de 60 utentes num lar da Lourinhã — Delicado Raminho –, abriu, mais uma vez, esta caixa de pandora. Afinal, por que razão é que este lar não foi identificado antes pela Segurança Social, como é que é feita a fiscalização nos lares e quais as consequências para quem não cumpre as regras e permite que idosos vivam em más condições e estejam mal alimentados? O Observador preparou 10 perguntas e respostas sobre a realidade das residências para idosos em Portugal.

O que é que terá acontecido no lar Delicado Raminho, na Lourinhã?

“A pessoa acamada come tudo passado. O pequeno-almoço são papas feitas com farinha de trigo, adoçante e água. O almoço é feito com o resto do jantar, com a sopa do jantar do dia anterior triturada com pão e com água”. Este foi o relato que uma das funcionárias do lar Delicado Raminho, na Lourinhã, fez à SIC.

Mas não é só a nível alimentar que este lar falhará com os utentes: muitas vezes, as roupas são lavadas sem detergente – permanecendo o cheiro a urina e a fezes –, as trabalhadoras são obrigadas a utilizar as mesmas luvas descartáveis com vários idosos, os banhos são tomados com água fria e não existe aquecimento. E há relatos de pessoas com fome e com feridas que resultam da permanência nas camas e nas cadeiras.

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Como funciona a fiscalização dos lares legais por parte da Segurança Social? E quantos lares legais existem?

Existem duas formas de fiscalização, explica ao Observador João Ferreira de Almeida, presidente da ALI – Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso. A primeira, a mais comum, é feita em formato de monitorização e, neste caso, é dirigida pelos técnicos distritais da Segurança Social. No total, segundo os dados mais recentes divulgados pelo ministério da Saúde em 2020, existem cerca de 2.500 lares legais em Portugal e que são — ou deveriam ser — alvo de fiscalização regular.

Mas existe aqui um pormenor, alerta João Ferreira de Almeida: “Na maioria das vezes, a visita da técnica de acompanhamento é feita com agendamento”, o que significa que os responsáveis do lar sabem sempre qual o dia e a hora em que terão de abrir as portas a uma visita dos técnicos.

Só em caso de fiscalização por denúncia é que não existe marcação e é nestas situações que os responsáveis pelos lares são surpreendidos pela Segurança Social. E, quando existe denúncia, a fiscalização já não é feita pelos técnicos distritais, mas sim pelo departamento de fiscalização desta entidade.

Aliás, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, explicou precisamente a questão esta segunda-feira, quando respondia a questões dos jornalistas: “Há, naturalmente, visitas regulares e há visitas de fiscalização. E essas nunca são anunciadas, nem o devem ser, precisamente para detetar situações que sejam sinalizadas”.

O lar da Lourinhã era alvo de monitorizações com que regularidade?

Não se sabe quantas vezes é que os técnicos da Segurança Social visitaram o lar da Lourinhã. Sabe-se, no entanto, que as visitas eram agendadas, como acontece na maioria das situações. E uma das trabalhadoras alertou para os avisos prévios que eram feitos a propósito destas visitas por parte da Segurança Social: “Somos avisadas com antecedência quando há uma fiscalização. A Segurança Social avisa sempre quando vai aparecer”.

Existe alguma maneira de controlar aquilo que os técnicos da Segurança Social encontram nas visitas regulares?

A partir do momento em que a direção de um lar, seja este da Lourinhã ou outro, é avisada é possível “arranjar algumas coisas para disfarçar algumas situações menos boas”, explicou fonte ligada a estruturas residenciais para idosos.

E deixa também o alerta: “Estas situações, muitas vezes, nem são detetadas pela Segurança Social, porque os técnicos só querem ver os contratos dos trabalhadores e as licenças. Não existe uma conversa com nenhum dos idosos para se perceber em que condições vivem”.

O Observador tentou perceber junto do ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social quantas fiscalizações foram feitas em lares legais só no ano passado, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

Além da Segurança Social, estes lares são controlados por outras entidades?

Sim. Além da Segurança Social, que faz a monitorização e fiscaliza quando há denúncias, também a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e os delegados de saúde pública podem fazer fiscalizações.

No caso da ASAE, esta autoridade entra em ação quando estão em causa as condições alimentares e existem suspeitas de más práticas relacionadas com a alimentação dos idosos. E na página da ASAE surgem vários exemplos de fiscalizações feitas neste tipo de instituições e que resultaram no encerramento das cozinhas e na instauração de processos. Por exemplo, em abril de 2016, os inspetores da ASAE fiscalizaram 110 locais e instauraram 18 processos de contraordenação. “Foram apreendidos cerca de 275 kg de produtos alimentares por falta de requisitos de acondicionamento de géneros alimentícios, num valor total que ronda os 1400 euros, tendo-se ainda procedido à suspensão de atividade de 4 estabelecimentos por incumprimento dos requisitos gerais de higiene”, refere o comunicado.

Já no ano seguinte, em 2017, de 120 fiscalizações resultaram duas detenções e foram ainda encerradas duas cozinhas “por incumprimento dos requisitos gerais e específicos de higiene”.

Há casos, no entanto, em que a fiscalização é feita em conjunto – pela Segurança Social, pela ASAE e ainda por um delegado de saúde pública. Por exemplo, no ano passado, estas três entidades fizeram uma fiscalização a um lar da Santa Casa da Misericórdia, na Póvoa de Varzim, depois da denúncia de 20 casos de escabiose entre idosos daquela instituição.

O caso da Lourinhã agora conhecido é uma exceção?

Não. Aliás, nos últimos anos têm sido divulgados vários casos de estruturas residenciais onde os idosos vivem em más condições. Uma das últimas denúncias aconteceu em Boliqueime, num lar da Santa Casa da Misericórdia, em junho do ano passado: uma mulher 96 anos permanecia deitada na cama e o seu corpo estava coberto por formigas.

Funcionário de lar em Boliqueime acusado no caso de utente atacada por formigas

Este caso resultou na intervenção do Ministério Público, que deduziu a acusação na semana passada e acusou um dos funcionários da instituição do crime de ofensas à integridade física por negligência. “Centenas ou milhares de formigas entraram no quarto onde se encontrava a mulher e morderam-na na cabeça, membros e corpo, provocando-lhe irritações na pele e babas”, relata o MP, acrescentando que a idosa estava “desorientada no tempo e no espaço”.

Mas as condições em que vivem muitos idosos foram, sobretudo, expostas durante a pandemia, precisamente através da identificação de surtos. E, além das condições, foram também expostos muitos lares ilegais. Por exemplo, em janeiro de 2021, um surto em Samora Correia resultou na morte de cinco pessoas — dos 44 utentes, apenas um escapou à infeção por Covid-19. Este lar acabou por ser encerrado de imediato, uma vez que não existiam “condições mínimas para permanência” naquele local, adiantou na altura a Segurança Social.

Covid-19. Morreram cinco idosos após surto em lar ilegal de Samora Correia, em Benavente

Todos os lares ilegais estão fora do radar da Segurança Social?

Nem todos. Aqui há duas situações, explica o presidente da ALI. A primeira refere-se a casos em que os lares não reúnem condições e estão completamente à margem do radar da Segurança Social e só podem ser detetados através de uma denúncia. E, claro, nestes casos, o Governo não tem como saber o que acontece, muitas vezes, em moradias ou apartamentos transformados em dormitórios para idosos clandestinos.

Já a segunda situação acontece quando é pedida à Segurança Social a respetiva licença para funcionamento do lar, mas a luz verde é recusada. “O que acontece é que as pessoas descobriram antes e não ligaram, ou descobriram depois que a casa, estruturalmente, não pode ser licenciada — porque não tem dimensões, ou faltam quartos. Depois mantêm-se a funcionar assim, sem licenciamento. E como a fiscalização da Segurança Social é muito diminuta, conseguem manter-se assim anos a fio”, explicou João Ferreira de Almeida.

Em alguns casos, os lares, que continuam para todos os efeitos ilegais perante a Segurança Social, têm “uma empresa de suporte da sua atividade económica, pagam impostos, têm o pessoal a descontar para a Segurança Social”, acrescentou o presidente da ALI.

Um lar ilegal está livre de fiscalizações?

Não. Como já foi explicado anteriormente, sempre que existe uma denúncia sustentada, tanto o departamento de fiscalização da Segurança Social, como, por exemplo, a ASAE, podem fiscalizar os lares ilegais. Aliás, a via da denúncia é, muitas vezes, a que permite identificar a existência de lares ilegais.

O que é que acontece depois da identificação dos lares ilegais? Os lares são encerrados de imediato?

Só em 2020 e 2021, foram identificadas 1.008 estruturas ilegais pela Segurança Social – 48 fecharam e 186 foram notificadas para encerrar.  E é neste último ponto que reside um dos problemas, segundo o presidente da ALI: “Há muitas situações em que a Segurança Social se limita a emitir uma ordem de encerramento voluntário, com um prazo de 30 dias. Mas a maioria dessas notificações ficam por cumprir, porque, apesar de intimadas, não fecham. Há uma ou outra que fecha por causa dessa intimação, mas muitas vezes é também porque se instalaram noutra casa, na rua de trás, ou noutra povoação”.

Segurança Social identifica mais de mil lares ilegais desde 2020 e fecha em média dois por mês

O Observador pediu os dados atualizados ao ministério dirigido por Ana Mendes Godinho, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

No caso de lares legais, como o da Lourinhã, uma inspeção determinada pelo Governo pode ter como consequência o encerramento?

Sim – ou o encerramento imediato, ou a notificação para encerramento no prazo de 30 dias, caso a situação não se altere. Para já, ainda não foi determinado o encerramento do lar da Lourinhã, mas esta pode ser uma das consequências. O que se sabe até agora, e o anúncio foi feito por Ana Mendes Godinho esta segunda-feira, é que “foi enviado um pedido de fiscalização imediata urgente à situação do lar para perceber o que é que se passa”. “O que nos tem de mover a todos é a proteção das pessoas”, acrescentou a ministra.

Maus-tratos a idosos em lar da Lourinhã. Ministra ordena inspeção imediata da Segurança Social