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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O bar que dançou a Macarena como se não houvesse pandemia e a concentração ilegal num miradouro. “Ali parece que não há Covid”

Quando os restaurantes fecharam às 22h30, centenas de pessoas concentraram-se no miradouro de São Pedro de Alcântara sem cumprir as regras. Já antes o Observador testemunhou vários atropelos à lei.

O aviso já tinha sido dado, minutos antes, por um proprietário de um bar que se converteu em restaurante para poder abrir, no Bairro Alto: “Este horário de encerramento [22h30] o que faz é forçar as pessoas a irem para os miradouros. É irem lá e verem. Ali parece que não há Covid. São centenas.” E eram. No miradouro de São Pedro de Alcântara, a menos de 300 metros da esquadra da PSP do Bairro Alto, várias pessoas — o número avançado inicialmente pelas autoridades ao Observador foi 500 — concentraram-se sem cumprir as regras impostas pela pandemia e a beber álcool, o que continua a não ser permitido na via pública, mesmo na nova fase de desconfinamento.

A grande maioria não tinha máscara nem cumpria o distanciamento social. Com as discotecas fechadas, a multidão estava dividida por diversos grupos — alguns mais pequenos, com meia dúzia de pessoas, mas outros com largas dezenas, à volta de colunas de som, muitos a dançar. As várias centenas de pessoas só viriam a dispersar quase duas horas depois, pela 00h20, quando uma carrinha de intervenção da PSP com sete agentes estacionou no local. O efeito foi quase imediato. Assim que se aperceberam das luzes, ouviram a sirene e viram os agentes a aproximarem-se, começaram a sair, ordeiramente, ora subindo em direção ao Príncipe Real, ora descendo em direção ao Chiado.

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“Filmem, exatamente, a irresponsabilidade”, disse um dos agentes, assim que viu a equipa do Observador a gravar o momento da chegada da PSP. “Estávamos em Alvalade [onde, após o jogo do Sporting contra o Nacional, foi necessária intervenção policial]. Não conseguimos vir mais cedo”, acrescentou, em jeito de justificação.

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A operação foi pacífica e o contacto mais direto aconteceu quando os agentes pediram a alguns jovens que deitassem as garrafas de álcool para o lixo — um pedido que foi acedido de imediato. A PSP — entretanto já com 12 agentes — manteve-se vários minutos no local para garantir que os grupos não regressavam e só viria a abandonar já perto da 1h00. Mas, para trás, ficaram várias dezenas de garrafas de álcool vazias, no chão de um miradouro que não ficou muito tempo desocupado. Cerca de uma dezena de jovens para ali voltaram quando as autoridades saíram do local.

“I just want to get beer!”

Quando o Observador chegou ao miradouro, poucos minutos depois das 22h30 — a hora a que passaram, a partir deste sábado, a fechar os restaurantes aos fins de semanas —, encontrou três elementos da polícia municipal no local, a observar a concentração, mas sem nunca intervir. Dois carros patrulha, também da polícia municipal, chegaram a passar junto ao miradouro, com vários minutos de diferença, mas se a intenção fosse dispersar a multidão, nenhum efeito surtiu. Os grupos, de portugueses e estrangeiros, mantiveram-se a beber, a conviver e até a dançar. Um bar/discoteca a céu aberto.

“I just want to get beer!” [Só quero uma cerveja!], disse um jovem que por ali passava. Não seria difícil encontrá-la. O Observador detetou, pelo menos, duas pessoas a vender garrafas de álcool no local, transportadas num saco de plástico preto. E ainda um estafeta de uma plataforma de entregas, que ali foi entregar, à margem da lei, uma litrosa a pedido de um grupo de jovens.

As regras em vigor dão mais uma hora — até às 21h00 — para comprar álcool, mas continua a não ser permitido beber na rua, nem em restaurantes se não houver comida a acompanhar, como frisou António Costa, no último briefing de Conselho de Ministros. A ideia, dizia o primeiro-ministro, era que estes locais não se transformassem em bares, que continuam fechados.

Mas da intenção à prática vai um grande caminho e não só há formas de dar a volta à lei como há quem a ignore por completo, como testemunhou o Observador na noite deste sábado. Os restaurantes não podem vender álcool para a rua (exceto se for na esplanada), mas há quem o faça, disse ao Observador Henrique Pereira, proprietário do bar Friends, no Bairro Alto, que já desde o ano passado mudou o código de atividade para estar autorizado a vender comida — e, assim, poder funcionar sempre que o Governo reabre os restaurantes. “Isto não é sustentável por muito tempo. Há mais pessoas do que esplanadas disponíveis. É por causa disso que depois se juntam todos ali nos miradouros. Tem sido recorrente”, conta ao Observador. Como alternativa, sugere que os horários de funcionamento dos restaurantes possam ser alargados até à meia-noite.

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Numa passagem pelo Bairro Alto, houve quem cumprisse as regras — esplanadas a servir refeições, até grupos de dez, com o devido distanciamento entre as mesas. Mas também completos atropelos à lei: pessoas a beber álcool em pé, na rua, junto a bares/restaurantes, ou em esplanadas, sem qualquer comida a acompanhar. Se os bares têm ordens de fecho, muitos destes locais que se reinventaram e, na teoria, passaram a vender comida para poderem continuar abertos, não estavam a fazê-lo.

Henrique Pereira garante, ao Observador, que em todas as mesas do seu bar/restaurante coloca sempre aperitivos para os clientes, mas reconhece que muitos não os consomem e acabam apenas por beber álcool. Mas também diz que a PSP, que ali vai todas as noites, nunca levantou problemas quanto a isso. Só o fez quando, numa das ações de fiscalização, encontrou um ex-funcionário a beber no interior do estabelecimento fora de horas. A multa foi de 2.000 euros.

Para evitar que outras cheguem, a equipa de Henrique está atenta. Às 22h30, antes de sair do estabelecimento, um jovem com uma mochila é interpelado por um funcionário. Tinha arranjado forma de transpor o álcool vendido no local em copos de plástico para uma garrafa, para consumir na rua. Mas não o autorizaram. “Se ele for apanhado, quem apanha somos nós. A lei diz que não podemos vender álcool para a rua. Ponto.”

Num bar dançava-se a “Macarena” como se não houvesse pandemia

Dale a tu cuerpo alegría, Macarena
Que tu cuerpo es pa’ darle alegría y cosa buena
Dale a tu cuerpo alegría, Macarena
Eh, Macarena, ¡Ay!

O último verso foi várias vezes cantado em uníssono pelos clientes de um dos bares em que o Observador entrou. “Vende comida?”, perguntámos. “Não, comida não, só bebida”, responderam-nos. Ainda assim, estavam abertos, enquanto muitas discotecas ao lado permanecem encerradas por força da lei.

Este foi o caso mais evidente de atropelos à lei: clientes sem qualquer distanciamento, pessoas sem máscara, algumas delas a dançar a famosa coreografia — com ou sem copo na mão — num pequeno varandim no segundo piso, a partir do qual se podia ver a banda que brindava os presentes com o clássico da dupla Los Del Río. Braço esquerdo esticado, depois o direito, vira cada um, para depois os cruzar. Mãos na cabeça, agora na barriga e a seguir na anca. Pernas ligeiramente fletidas e um novo “Eh, Macarena ¡Ay!“.

Lá fora, um grupo de três jovens detém-se a olhar para o interior, indecisos se entram ou não enquanto espreitam, no telemóvel, o jogo do Sporting contra o Nacional. Abanam a cabeça e batem o pé. Mas acabam por desistir. Outros, que já não encontram espaço lá dentro, mantêm-se no exterior, a ouvir o que conseguem quando a porta do bar se mantém aberta. Cá fora, há uma pessoa encarregue de a ir fechando de tempos a tempos — presume-se, para abafar o barulho — e vai olhando de um lado para o outro da rua. Talvez à procura da polícia que por ali não passou durante a meia-hora que o Observador ali esteve.

À frente, outro bar — esse, sim, com venda de comida —, até tem fila para entrar. Mas, como testemunhou o Observador, só uma mesa tem uma refeição (pizzas). Nos outros casos, bebe-se, mas comida nem vê-la.

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