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"O desfecho, com a morte do bebé, poderia ter sido o mesmo no Algarve". 15 respostas sobre o caso da grávida transferida para Lisboa

Hospitais e PGR vão investigar a morte do bebé do Algarve que acabou por nascer em Lisboa. Em 15 respostas explicamos o que aconteceu, passo a passo, e o que está por detrás da falta de incubadoras.

Poderia o desfecho ter sido outro? Essa é a pergunta a que ninguém consegue responder com certeza absoluta no caso da grávida que viu o seu filho morrer minutos depois do parto. Tinha sido transferida de Faro para Lisboa, por falta de incubadoras no Algarve. Com muitas perguntas sem resposta, e depois de os dois hospitais envolvidos terem anunciado que vão investigar internamente o que correu mal, o Observador explica-lhe, passo a passo, o que aconteceu e o que estava em causa. Para isso, falou com Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos.

O médico obstetra, que prefere não comentar o caso em concreto por não conhecer os seus detalhes clínicos, acredita que o desfecho poderia ter sido exatamente o mesmo se o nascimento tivesse acontecido no Algarve, já que uma grávida em pré-eclâmpsia “nada tem de banal”. Este tipo de gravidez, explica, “é uma das situações de risco mais importantes” com que um médico se pode deparar.

Quanto ao transporte, defende que a ambulância é nesta situação a escolha acertada, já que, se for preciso fazer um parto de emergência, isso não pode acontecer num helicóptero.

Nestas 15 perguntas e respostas, procuramos explicar o caso.

O que é que aconteceu?

No dia 1 de agosto, uma grávida, em situação de risco, apresentou-se no Hospital de Faro, e, ao que o Observador apurou, já depois de ter tentado ser atendida no Hospital de Portimão. A grávida estava em pré-eclâmpsia e foi transferida para o Hospital Amadora-Sintra, a 290 quilómetros de distância. O motivo? Era necessário interromper a gravidez, o procedimento habitual neste tipo de situação clínica, mas no Algarve não havia nenhuma incubadora disponível para receber o bebé de 32 semanas. A mais próxima estava na região de Lisboa.

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Uma vez que as dez incubadoras do Hospital de Faro estavam todas ocupadas, a decisão da equipa médica foi a de transferir a grávida que, de ambulância, chegou ao Amadora-Sintra no dia 2 de agosto, à noite. O parto foi provocado no dia seguinte e o bebé morreu minutos depois do nascimento, segundo noticiou nesta quarta-feira o Correio da Manhã.

O que é a pré-eclâmpsia?

A pré-eclâmpsia é uma situação que complica algumas gravidezes e que se traduz num aumento da tensão arterial materna. No final da gravidez, está acompanhada de um outro conjunto de alterações que podem levar a problemas da mãe e do bebé, explica ao Observador o presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos. “A tensão arterial pode aumentar de tal modo que coloque em risco a mãe, com probabilidade de ter um acidente vascular cerebral, uma complicação cardíaca, ou causando alterações a níveis renais em situações muito extremas. Por haver hipertensão, a irrigação do feto pode ficar comprometida, ou seja, as artérias que levam sangue para o útero e para a placenta podem levar menos sangue, menos oxigénio e com isso também provocar sofrimento fetal”, esclarece Alexandre Valentim Lourenço.

Nestes casos, estamos sempre perante uma gravidez de risco: “De muito risco, é uma das situações de risco mais importantes.”

Como é que se trata?

A pré-eclâmpsia termina após a gravidez, normalmente ao fim de dois ou três dias. No entanto, ela pode ser ligeira ou mais grave. Alexandre Valentim Lourenço, médico obstetra, explica que nas situações mais ligeiras se pode tentar estabilizar a tensão da mãe através de medicamentos, dando mais hipótese à criança de sobreviver. No entanto, o caminho mais seguido é o de terminar a gravidez. “Há critérios clínicos muito claros para interrupção da gravidez na pré-eclâmpsia, quando a tensão não se consegue controlar com medicamentos, quando existe uma falência do rim ou do fígado, que acontece nas hipertensões muito graves. O tratamento mais correto da pré-eclâmpsia é terminar a gravidez porque sabemos que este tipo de hipertensão pode fazer com que a mãe sofra, e há situações que podem levar à morte. Em Portugal já não é natural nem frequente morrer-se de pré-eclâmpsia, mas em países em vias de desenvolvimento é um das causas mais importantes de morte materna”, detalha.

Se a mãe estiver estabilizada, espera-se pelas 40 semanas?

O momento da interrupção da gravidez varia muito com a probabilidade de se ter um bebé saudável ou não. “Se acontece às 22 ou 23 semanas, nós perdemos o feto. Se a pré-eclâmpsia acontecer mais tardiamente, temos de balançar o que está a acontecer ao feto e o que é que está a acontecer à mãe, de maneira a interromper a gravidez no momento mais certo, sem pôr em risco nenhum dois. Claro que quanto mais prematuro, maior possibilidade de surgirem complicações fetais. Mas não vale a pena esperar pelas 40 semanas. Sabemos que partir do termo, por volta das 36 semanas, o feto é viável. Se o feto estiver com boas condições, podemos interromper a gravidez mais cedo”, defende Alexandre Valentim Lourenço.

Normalmente consegue-se salvar o feto? E vai ser saudável?

Sim, a não ser que haja complicações muito graves, como, por exemplo, deslocamento de placenta e em que a gravidez tem de ser interrompida antes de o feto ser viável, explica o presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos. “Se o bebé tem 24, 25 semanas temos de tentar manter, tratar e equilibrar a criança, mas nem sempre é possível. Apesar de ser frequente termos bebés de 24 semanas que sobrevivem, alguns deles ficam com sequelas. Estes bebés que nascem depois de uma pré-eclâmpsia são, além de prematuros, pequenos, porque não cresceram por causa da hipertensão da mãe. Estamos a falar de bebés de 400, 500 gramas. A mortalidade ou complicações como uma paralisia cerebral podem fazer com que o bebé tenha graves sequelas para a vida”, sublinha o médico obstetra.

Assim, explica Alexandre Valentim Lourenço, não há qualquer garantia de que a criança seja saudável: “Depende de quando vamos conseguir interromper a gravidez e das complicações que possam surgir, ou não, associadas à hipertensão. A hipertensão na gravidez tem um espetro clínico muito variável, às vezes é muito ligeiro, equilibra-se bem, outras vezes é muito rápido e catastrófico.”

Se o bebé nasce com 32 semanas vai precisar de uma incubadora. "Se não houver nenhuma disponível é um risco muito grande", diz o médico obstetra Alexandre Lourenço

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Se há pré-eclâmpsia, também existe a eclâmpsia?

Sim, é uma situação clínica semelhante, mas já com convulsões maternas. “Quer dizer que o sistema central nervoso da mãe já está afetado e ela entra em coma e em convulsões. Todo o nosso trabalho é evitar que uma grávida entre em eclâmpsia. Nessas situações, podemos perder a mãe”, diz Valentim Lourenço.

A que é que uma grávida deve estar atenta para perceber se sofre de pré-eclâmpsia? É detetável?

É detetável, porque consiste na medição da tensão arterial e, por isso mesmo, os médicos estão sempre de sobreaviso durante a medição da tensão. Há alguns fatores de risco: mulheres que já são hipertensas previamente, quando têm diabetes, quando as mães muito mais velhas ou muito novas, esclarece o presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos. “Os médicos têm protocolos específicos, onde se fazem análises, onde se mede a tensão, e onde se está atento a alguns sinais como as dores de cabeça ou dores de estômago que podem estar associados ao agravamento das situações de pré-eclâmpsia”, esclarece.

A pré-eclâmpsia é uma situação frequente a nível mundial, e nos países em que os cuidados e a vigilância não estão otimizados é uma causa de morte frequente quer do feto quer da mãe, explica o médico obstetra. “Causa de morte em Portugal existe, temos sempre situações muito graves e extremas, mas conseguimos detetar e vigiar em maternidades de apoio perinatal diferenciado — nestas maternidades de fim de linha, como a de Faro. Estas grávidas estão internadas, podem estar 2, 3, 4 semanas a serem estabilizadas e interromper-se a gravidez com todo o suporte necessário em termos de anestesia, de obstetras, de neonatologia.”

Numa situação como a que ocorreu, a transferência não devia ter sido feita de helicóptero?

A resposta de Alexandre Valentim Lourenço é um firme ‘não’. “As grávidas que estão no terceiro trimestre não estão aconselhadas a deslocar-se em meios aéreos. Se a situação for mais complexa — mesmo sem ser em pré-eclâmpsia —, o meio aéreo não é a forma correta de atuar. Há crianças que nascem em ambulâncias, mas isso seria impraticável num helicóptero. Teria de parar o helicóptero. A ambulância pára no meio da estrada, tem marquesas específicas e conseguimos ter um parto, mas num meio aéreo não.”

Era impensável provocar o parto sem ter uma incubadora disponível?

Neste caso concreto, o bebé nasceu com 32 semanas, sendo absolutamente necessário ter uma incubadora disponível para recebê-lo. Não havendo uma disponível, o risco é demasiado grande para se provocar o parto, defende o representante da Ordem dos Médicos, a não ser que o bebé estivesse em iminência de nascer. “Nesse caso, se o parto tivesse de ocorrer, podíamos pôr o bebé numa incubadora de transporte, provisória, que não é claramente a melhor solução, embora, quando nascem, estas crianças sejam transferidas em transportes próprios, em incubadoras móveis. Costumamos dizer que a melhor incubadora para estes bebés muito pequenos é o útero materno, a não ser que haja uma situação grave que inviabilize a permanência no útero.  Desde que não haja um trabalho de parto em curso e que a situação esteja estável, faz sentido transportar da forma que foi feito. Estas decisões são tomadas com muito cuidado — há uma equipa médica envolvida, não é um médico isoladamente que decide e tenta-se perceber os prós e os contra do transporte.”

"As gravidezes de terceiro trimestre não estão aconselhadas a deslocar-se em meios áereos, porque pode ser uma situação mais complexa. Mesmo sem ser em pré-eclâmpsia o meio áereo não é a forma correta de atuar. Às vezes, há crianças que nascem em ambulâncias e isso seria impraticável num helicóptero. Teria de parar o helicóptero. A ambulância para no meio da estrada, tem marquesas específicas e conseguimos ter um parto."
Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos

O transporte de grávidas de risco é habitual?

“Infelizmente, estamos muito habituados a lidar com esta situação porque é normal e corrente. Acontece todos os dias em Lisboa. Se temos uma unidade de neonatologia cheia, temos de transferir uma grávida de uma maternidade para a outra. Se a mãe não estiver estável, não transportamos, porque podemos pôr em risco a própria mãe”, explica Valentim Lourenço.

Acima de tudo, a equipa médica tem de garantir que a criança nasce num hospital onde está uma equipa médica pronta para lidar com o seu caso.

Em Lisboa, foram divulgados vários casos de grávidas que não puderam ser atendidas no hospital a que se dirigiram. No entanto, nenhuma delas era situação de risco. Segundo denúncia do Sindicato Independente dos Médicos, para além do caso noticiado de uma mulher grávida que não pôde ser atendida no Hospital Amadora-Sintra por falta de médico anestesista, muitas grávidas recebidas em vários hospitais da grande Lisboa (Santa Maria, São Francisco Xavier, Maternidade Alfredo da Costa, Amadora-Sintra e Cascais) foram encaminhadas para o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, por falta de médicos especialistas nos respetivos centros hospitalares.

Grávidas da grande Lisboa estão a ser encaminhadas para Hospital de Loures por falta de médicos especialistas nos outros hospitais

Só há dez incubadoras no Algarve? Temos falta de incubadoras em Portugal?

Alexandre Valentim Lourenço não sabe precisar quantas incubadoras existem no Algarve, mas lembra que no Hospital de Portimão há incubadoras disponíveis quando há serviço de neonatologia a funcionar. O problema é que nem sempre isso acontece. Se o serviço está encerrado, as incubadoras não estão disponíveis.

Quanto ao resto de Portugal, prefere falar em falta de número de camas do que de incubadoras. O que pode acontecer é haver um pico de nascimentos — e, especificamente, um pico de nascimentos de bebés prematuros —, o que leva a que, em determinado momento, as incubadoras disponíveis não sejam suficientes. Estes picos não são, no entanto, previsíveis.

“Temos muitas incubadoras em Portugal, mas momentaneamente pode haver menos num sítio. Não temos feito crescer as unidades hospitalares [número de incubadoras], não tem havido investimento e, nos últimos anos, temos bebés cada vez mais pequenos a nascer. Há 20 anos, um bebé com 28 semanas normalmente morria. Hoje, com 24 semanas, sobrevive. Precisamos de mais unidades: quanto mais prematuro for o bebé, mais tempo ele fica na incubadora e hoje precisamos de mais camas de incubadoras do que as que precisávamos há dez anos”, diz o presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos.

O problema é outro: “As incubadoras são fáceis de comprar. Só que as maternidades foram calculadas para um número de partos e situações em que todas elas respondem ao utente. Se houver maternidades que encerram em contingência, esses bebés são distribuídos pelas outras. E é tudo mais difícil.”

O desfecho desta história poderia não ser trágico se houvesse uma incubadora disponível no Algarve?

O médico obstetra prefere não comentar o caso em concreto, uma vez que não conhece a situação clínica em detalhe. No entanto, ressalva que esta situação nada tem de banal, é uma situação clínica muito grave.

“Não tenho como saber. A criança podia nascer no Algarve e ter o mesmo desfecho. Quem tomou a decisão na altura, com certeza tomou uma decisão acertada tendo em conta as condições do Algarve naquele momento”, defende Valentim Lourenço.

Porque é que o parto só aconteceu umas horas depois?

De novo, o presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos prefere não arriscar uma resposta por não conhecer os detalhes da situação clínica da mãe e do bebé. No entanto, acredita que, se fosse necessário, o parto teria sido feito de imediato. “De certeza que a mãe chegou à noite, foi estabilizada, avaliada, monitorizada. Se o bebé estivesse em sofrimento, teria sido feita imediatamente uma cesariana, com toda a certeza”, argumenta.

Um bebé que nasce depois de pré-eclâmpsia, pode sofrer, por exemplo, de paralisia cerebral e ter graves sequelas para a vida

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O caso vai ser investigado?

Os dois hospitais envolvidos na transferência da grávida já anunciaram que vão abrir processos internos de investigação, algo que o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, já tinha exigido.

Também a Procuradoria-Geral da República anunciou a abertura de um inquérito às circunstâncias da morte do recém-nascido. Ao Observador, o Ministério da Saúde avançou que tem estado a “acompanhar a situação e teve conhecimento, junto dos hospitais, de que foram seguidos todos os procedimentos de cuidados de saúde adequados”.

Há um problema específico do Algarve?

Alexandre Valentim Lourenço defende que o problema com as maternidades, de falta de especialistas, equipamentos e condições, é generalizado. “A situação do Algarve é semelhante às outras. O problema do Algarve é estar a 290 quilómetros da outra rede, tal como Beja e Évora estão longe. Aqui, em Lisboa, temos uma rede de sete ou oito maternidades. É diferente”, argumenta.

Na sua opinião, o que falta é investimento nesta área. “O Algarve é um hospital central, está é muito velho. Tem tecnologia e qualidade de médicos suficiente para que o hospital de Faro seja um hospital central, mas pode é não ter capacidade para o volume atual de doentes. Já não é suficiente. Tirando as maternidades privadas, ou as parcerias público-privadas, todas as outras maternidades estão muito desadequadas. As que foram feitas na região de Lisboa, são todas privadas ou parcerias público-privadas, que nós teimamos em destruir. A de Cascais, do Beatriz Ângelo ou a de Vila Franca de Xira foram construídas por grupos privados no âmbito das parcerias público-privadas e têm condições de espaço e de logística que as outras não têm.”

“As duas maternidades mais diferenciadas, a Maternidade Alfredo da Costa e Santa Maria, em Lisboa, têm maternidades que já deviam ter sido desativadas e transformadas numas mais modernas. A MAC tem uma boa neonatologia porque fez obras internas. A maternidade de Santa Maria foi inaugurada no tempo da ministra Ana Jorge. E continua por fazer. Foi posta a primeira pedra. Temos projetos de maternidades parados há dez anos, desde o tempo da crise. A MAC tem mais de 80 anos, a de Santa Maria mais de 60. Está na altura de fazer alguma remodelação. Precisamos de mais camas e melhores camas. Temos espaços planeados e desenhados para maternidades do século passado. A MAC tem enfermarias de 8 camas, Santa Maria de 4 camas. São condições que se justificavam em 1970, não se justificam em 2020”, conclui Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos.

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