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O envelhecimento da população coloca os governos dos vários países perante um enorme desafio: o de se adaptarem para responder às diferentes necessidades dos mais idosos, nomeadamente ao nível da prestação de cuidados de saúde. Portugal não escapa à regra: é mesmo um dos países mais envelhecidos da Europa. Mas será que os idosos são mesmo responsáveis pelo aumento das despesas de saúde? E poderá o envelhecimento da população matar o Serviço Nacional de Saúde geral, universal e tendencialmente gratuito?
Os especialistas ouvidos pelo Observador afastam um cenário tão negro, explicando que não é líquido que uma população mais envelhecida conduza a um aumento da despesa pública com saúde. Mas, sim, alertam que é preciso adotar medidas no sentido de reorganizar a prestação de cuidados de saúde, por forma a garantir a sustentabilidade do sistema. É que os mais idosos precisam de outro tipo de cuidados, que não necessariamente os hospitalares, mais caros por natureza. Vamos por partes.
Seremos menos e mais velhos
Aqui está o nosso cenário futuro: A esperança média de vida, em Portugal, tem vindo a crescer, ao mesmo tempo que a natalidade enfrenta tempos difíceis – estes dois indicadores conjugados resultam numa maior percentagem de cidadãos mais velhos.
Em 2014, de acordo com o gabinete europeu de estatísticas (Eurostat), Portugal era já o quarto país mais envelhecido da União Europeia (UE): 19,9% da população tinha mais de 65 anos de idade. No top 3 estavam a Itália (21,4%), a Alemanha (20,8%) e a Grécia (20,5%).
E o futuro, em termos de estrutura demográfica, não se avizinha mais jovem. Muito pelo contrário. As projeções mais recentes da Comissão Europeia apontam para uma contração de 22% da população portuguesa até 2060, para os 8,2 milhões de habitantes. E ainda de acordo com as mesmas projeções, em 2060, 11,3% da população terá menos de 14 anos e mais de um terço (34,6%) terá 65 ou mais anos. Ou seja, vai haver mais pessoas mais velhas.
O problema não é exclusivamente português. Esta é uma realidade que se estende aos restantes países da Europa. Tanto assim é que no conjunto dos estados-membros da União Europeia, em 2060, haverá dois trabalhadores para cada pessoa com mais de 65 anos, segundo a Comissão Europeia. Nos dias de hoje o rácio é de quatro para um.
Viver mais anos não significa dar mais despesa
E quando se fala em população envelhecida, pensa-se, regra geral, em pessoas mais doentes, com comorbilidade (várias doenças), dependentes e, por isso, com maiores necessidades de cuidados de saúde. Aliás, nos discursos dos vários governantes, o envelhecimento tem sido, habitualmente, apontado como um dos elementos que exercem pressão sobre a sustentabilidade do sistema de saúde.
A própria Comissão Europeia, no “Ageing Report 2015”, refere que “a estrutura demográfica, e a idade em particular, é um dos motores da subida das despesas com saúde”. E há mesmo estudos que referem que as pessoas com mais de 65 anos registam consumos de cuidados de saúde três a cinco vezes superiores aos jovens. No relatório da Direção-Geral de Saúde (DGS) “Portugal – Idade Maior em Números 2014” verifica-se que, em 2012, 50,53% dos custos com internamento em Portugal foram gastos com pessoas com 65 anos ou mais.
Mas, na verdade, a literatura que existe sobre este assunto explica que é difícil estabelecer exatamente o impacto da idade nas despesas públicas com saúde porque tudo depende de como as pessoas envelhecem, ou seja, se vivem mais anos saudáveis ou doentes, lê-se no relatório “How can health systems respond to population ageing?“, publicado pela Organização Mundial de Saúde, em 2009. Aliás, vários investigadores já demonstraram que a idade tem contribuído menos para o aumento da despesa pública com saúde do que se pensava — e em alguns estados-membros verificou-se mesmo uma redução da despesa per capita na população acima dos 85 anos. A Comissão Europeia, no relatório deste ano sobre o envelhecimento, refere mesmo que “viver mais anos, morrer com uma idade mais avançada e ser saudável durante grande parte da vida poderá conduzir a poupanças”.
Quer as análises do passado, quer as projeções futuras, mostram que outros fatores, especialmente a inovação tecnológica, têm um maior impacto sobre os custos com saúde. O caso dos Estados Unidos é disso exemplo: comparando com outros países com população mais envelhecida, os EUA apresentam gastos com saúde muito mais altos.
Também um relatório publicado em 2013 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) mostra que a despesa pública com saúde cresceu, em média, 4,6% a cada ano em Portugal entre 1995 e 2009. E o que mais contribuiu para esse crescimento foi a determinante “residual”, que integra os preços e a inovação. O efeito da idade deu o menor contributo para o aumento da despesa.
“É verdade que o número de pessoas com mais de 65 anos está a aumentar, mas hoje uma pessoa com 65 anos é relativamente saudável e não necessita de cuidados muito diferentes daqueles que uma outra com 50 ou 60 anos necessita”, sublinha Alexandre Abrantes, docente na Escola Nacional de Saúde Pública.
Apesar da dificuldade em medir o impacto do envelhecimento na despesa pública dos países, a Comissão Europeia, no “Ageing Report 2015“, deixa algumas projeções para o crescimento da despesa pública, resultante do envelhecimento da população, nos diversos estados-membros da União Europeia (UE). E no cenário que é utilizado como referência pela Comissão Europeia, a fatia da despesa pública com a saúde é a que vai sofrer uma maior pressão por causa do envelhecimento, passando de 6% do Produto Interno Bruto, em 2013, para 8,5%, em 2060. Mais do que, por exemplo, a despesa com pensões.
“Em 47 anos, passar de 6% para 8,5% não é um efeito brutal. Se olharmos para trás vemos que demos saltos desses na despesa pública em saúde em muito menos tempo”, começa por dizer o economista Pedro Pita Barros, acrescentando que um dos “enganos” é “considerar-se que a inovação cara destinada aos idosos (para tratar, por exemplo, o Alzheimer) é um custo do envelhecimento, quando é um custo da inovação”. E porquê? “Porque se estamos a dizer que todos têm direito ao que é possível hoje e passarmos a ter mais idosos que precisam, então não se deve negar esse acesso e os custos sobem.”
Os especialistas contactados pelo Observador, à semelhança de outros autores estrangeiros, destacam outro ponto importante: a maior fatia de despesa pública em saúde concentra-se no último ano de vida e, sobretudo, nas últimas semanas, pelo que viver mais anos não significa necessariamente dar despesa durante mais anos. Pode apenas significar um adiamento da despesa.
“Maior longevidade pode apenas adiar um desses momentos de maior despesa”, argumenta Nuno Sousa Pereira, professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Na mesma linha de pensamento, Pita Barros lembra que “o maior volume de despesas de saúde ocorre nos últimos anos de vida e cada vez mais pessoas têm esse custo depois dos 65 anos, o que significa que nas estatísticas aumentam as despesas de saúde com idosos, mas no total do sistema de saúde são apenas despesas que em vez de ocorrerem aos 60 anos ocorrem aos 65 ou mais”.
O SNS vai ter de mudar
E é por tudo isto, e também porque o “envelhecimento é lento” que, segundo os especialistas contactados pelo Observador, não é previsível que o envelhecimento “mate” o Serviço Nacional de Saúde. Mas a verdade é que o SNS do futuro não poderá ser como o que hoje conhecemos.
“O envelhecimento da população vai obrigar o Serviço Nacional de Saúde a evoluir e a mudar o tipo de serviços que oferece e a maneira como os presta”, antecipa o médico Alexandre Abrantes, docente da Escola Nacional de Saúde Pública.
“Estas pessoas têm, muitas vezes, várias doenças em simultâneo (comorbilidade) e têm graus crescentes de incapacidade motora e mental. Por isso precisam de mais cuidados continuados, além de cuidados de proximidade”, como “cuidados domiciliários e sistemas de telemonitorização e telemedicina”, alerta Alexandre Abrantes.
Também o economista Pedro Pita Barros considera que o “desafio central do envelhecimento é sobre o modelo de organização do Serviço Nacional de Saúde e a resposta que este oferece às necessidades da população”. É que se “se antevê uma população idosa, com múltiplas condições crónicas, a pretender acesso a cuidados de saúde, não é menos verdade que a resposta pretendida não é o internamento em instituições de saúde, mas sim o acompanhamento na residência habitual e com o próprio doente a monitorizar e a gerir a sua condição“, afirma o professor da Universidade Nova de Lisboa.
E esta nova organização “não é necessariamente mais exigente em termos de recursos”, explica Pita Barros, até porque “Portugal tem um SNS com uma boa rede de cuidados de saúde primários, elemento central dessa maior proximidade ao cidadão no seu dia-a-dia”. “Se soubermos aproveitar este ponto de partida, em lugar de se ter o envelhecimento a matar o SNS, teremos o envelhecimento a rejuvenescer o SNS.”
Mas serão precisos mais do que apoios ao nível da prestação de cuidados de saúde. “As pessoas mais velhas precisam de outro tipo de apoios que as ajudem nas compras da semana, na cozinha, na higiene pessoal, etc.” Por isso mesmo, na opinião do médico Alexandre Abrantes, os técnicos do SNS “terão que melhorar muito a sua integração com os prestadores deste tipo de serviços sociais” e os cuidadores informais terão de ter formação e alguma “compensação”, “uma vez que este trabalho tem um valor económico e poupa gastos ao SNS e à Rede Integrada de Cuidados Continuados”.
Já Nuno Sousa Pereira, professor da Faculdade de Economia, da Universidade do Porto, considera que se o SNS “não adaptar as prioridades a uma população mais envelhecida, é um passo para a insustentabilidade do sistema” e por isso defende a “aposta na prevenção e em estilos de vida saudáveis desde as idades mais jovens”. Nuno Sousa Pereira vai mesmo mais longe: “Chegou a altura de se conceberem estratégias ao nível do financiamento que corresponsabilizem os utentes por contribuírem para que tenham um envelhecimento saudável“. O mais aproximado que temos hoje a isto é o sucessivo aumento, por exemplo, do IVA do tabaco e álcool – mas aqui a responsabilização é indireta, por via do preço do produto e não do pagamento do tratamento.
Para ajudar à proximidade, Nuno Sousa Pereira é apologista de uma “maior abertura à introdução de tecnologia direcionada para o acompanhamento e monitorização de idosos”. Isto sem esquecer os “cuidados primários e continuados” e uma “aposta muito relevante nos cuidados domiciliários”, menos onerosos do que os hospitalares.
Os governos têm vindo, gradualmente, a abrir mais camas na rede de cuidados continuados, em Portugal. Em julho, havia mais de 7.300 lugares nos vários tipos de unidades destes cuidados e 6.527 vagas nas equipas ao domicílio, segundo a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Mas a verdade é que continua a haver muita gente internada em hospitais que deveria estar a receber outro tipo de cuidados. Em junho, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) alertou para o facto de as vagas da rede representarem “menos de 30% das necessidades atuais e ainda menos das expectáveis necessidades futuras relacionadas com o envelhecimento populacional em Portugal”.
Partidos defendem mais cuidados de proximidade
Da direita à esquerda, os partidos que estão na corrida às legislativas dedicam algumas linhas a esta questão da prestação de cuidados de saúde aos mais idosos e todos, sem exceção, defendem a aposta nos cuidados de proximidade e na prevenção.
A coligação Portugal à Frente (PSD/CDS-PP) promete combater o “isolamento, especialmente dos mais idosos, promovendo proximidade no atendimento, atuando prioritariamente nos locais de residência (…) com a colaboração das famílias, IPSS e Câmaras Municipais”. Os dois partidos, atualmente no Governo, comprometem-se ainda a “promover uma maior integração entre a rede de hospitais, de centros de saúde e de unidades de cuidados continuados e paliativos”. De resto, além de frisarem a questão da aposta na “prevenção”, falam em incentivar a utilização da telemedicina e de equipamentos de uso pessoal que monitorizem o estado de saúde.
Também o Partido Socialista se propõe a manter as pessoas mais velhas por mais tempo no seu ambiente familiar, “desenvolvendo a telemonitorização e a telemedicina”. Os socialistas falam igualmente na promoção de medidas de prevenção. Além disso, dedicam algumas linhas aos cuidados continuados: “A rede de cuidados continuados (…) tem que ser estimulada na comunidade e na periferia das grandes cidades para chegar ao domicílio dos idosos e dependentes, integrada com a rede de ação social”. Ainda uma atenção especial para os cuidadores informais, que apoiam as pessoas dependentes nos domicílios. O PS fala em lhes dar “reconhecimento e apoio”.
“É necessário criar um ambiente favorável a um envelhecimento ativo e saudável, que deve contar com a participação ativa das autarquias”, lê-se no programa apresentado pelo PS.
Já o PCP, que começa, no seu programa eleitoral, por defender a aposta na prevenção, tem mesmo um capítulo dedicado ao “envelhecimento e direitos dos reformados, pensionistas e idosos”. O partido liderado por Jerónimo de Sousa diz que é preciso garantir o acesso dos mais idosos a “cuidados de saúde integrados e continuados e paliativos”. Além disso, o Partido Comunista apoia a “criação de uma rede pública de equipamentos e serviços públicos de apoio à terceira idade (lares, centros de dia, apoio domiciliário)”, bem como o “incentivo à participação na vida social, política e cultural”.
Por seu turno, o Bloco de Esquerda insiste no “alargamento da rede pública de cuidados continuados” e promete dar “prioridade à formação de equipas e unidades de cuidados continuados (domiciliários) na dependência direta dos cuidados primários”, bem como à constituição das Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados.
Texto: Marlene Carriço
Ilustrações: Milton Cappelletti