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Portugal, sobretudo Cascais, foi paixão à primeira vista para Antenor Patiño, o magnata boliviano herdeiro de uma poderosa família do ramo do estanho que mandou construir em 1957, em Alcoitão, o palácio que seria casa de verão e palco do “baile do século”, mas também a edificação original do condomínio de luxo Quinta Patino, conhecido pela exclusividade e segurança. Essencialmente, pelo luxo.
Por estes dias, famoso também por ser morada de João Rendeiro, o ex-banqueiro do Banco Privado Português (BPP) que está em fuga da Justiça portuguesa — cujo motorista comprou um apartamento no mesmo condomínio —, moradia onde estavam as 124 obras de arte que começaram a ser recolhidas sob a orientação da Polícia Judiciária (existem suspeitas sobre a autenticidade de pelo menos três, sendo que 15 terão desaparecido).
Foi nos anos 50 do século passado que o milionário boliviano começou a comprar parcelas de terreno até formar a quinta que, ao todo, é composta por 50 hectares dominados por uma vegetação de tipo mediterrânica. No topo mandou edificar o palácio que atualmente está à venda por mais de 20 milhões de euros — longe de ser a única casa, Antenor tinha moradas diferentes em vários países, da Bolívia ao México e aos Estados Unidos.
Tinha também uma vida amorosa agitada — o divórcio da primeira mulher, Maria Cristina de Borbón y Bosch-Labrus, prima do rei Afonso XIII de Espanha, arrastou-se durante mais de 20 anos em tribunais de diferentes nacionalidades (espanhóis, franceses, norte-americanos, bolivianos e mexicanos). Já apaixonado por Portugal, onde passava os meses mais quentes, era Béatrice de Rivera y Digeon quem ocupava o seu coração, e com quem casou em Londres em 1960, de acordo com o jornal Público.
Patiño, que morreu em 1982 aos 85 anos, foi em tempos considerado um dos homens mais ricos do mundo — o pai, Símon Patiño, ficou conhecido como o “rei do estanho” na Bolívia. Apesar de as operações da família terem sido nacionalizadas após a revolução de 1952, a família manteve extensas ligações à mineração na América do norte e do sul e também na Europa.
É a partir do final de 1980 que surge o condomínio pelas mãos de um grupo de capitais encabeçado pelo Banco Espírito Santo, como conta o Expresso num artigo de 2009, que designa a Quinta Patino como “uma aldeia de luxo”, onde, à época, viviam nomes como Diogo Vaz Guedes, que em 2019 era tido como um “gestor caído em desgraça”, Manuel Dias Loureiro, ex-ministro de Cavaco Silva (Assuntos Parlamentares e da Administração Interna), mas também o ex-jogador Simão Sabrosa, hoje com 41 anos, José Maria Ricciardi, um dos antigos administradores do BES, e João Rendeiro, à época já a braços com a Justiça. Em 2016, viviam perto de 150 famílias milionária nos 93 lotes sob o chapéu Quinta Patino.
14 quartos e 17 casas de banho: Palácio Patino vale 23 milhões
A primeira casa que António Nunes da Silva assinou na Quinta Patino foi em 1996, tinha o condomínio de luxo tal qual o conhecemos nascido há relativamente pouco tempo. A moradia projetada num lote sossegado, com duas caves e uma dimensão à volta de 700 metros quadrados, apresentava linhas clássicas, algo longe da traça contemporânea que hoje dominam as mais recentes construções. À época, esclarece o arquiteto, ainda não havia grande aceitação por esse tracejado mais moderno, de linhas essencialmente direitas — todos os projetos arquitetónicos tinham (e têm) de ter a aprovação de uma comissão nomeada pela administração da Quinta Patino, da qual inicialmente fizeram parte o arquiteto Luís Rebelo de Andrade e o engenheiro Ramalho Ortigão (só assim os projetos dão entrada na Câmara Municipal de Cascais).
Dessa casa em particular, a tal de 700 metros quadrados, António lembra-se bem: curiosamente, já vai na quarta remodelação. Se nos anos 90 o primeiro cliente necessitava de muitos quartos para acomodar os sete filhos, o mais recente tem preferência por divisões maiores e closets. Atualmente quem lá vive é um casal brasileiro. Esta é uma das cerca de 10 moradias com o selo do atelier de António Nunes da Silva, situado num palacete dos anos 1920, no Estoril — as casas foram concebidas para empresários e, sem querer divulgar apelidos, membros das “famílias tradicionais portuguesas”.
Quando o empreendimento foi lançado, em meados da década de 90, todos os escritórios situavam-se no Palácio Patino, em tempos residência do magnata boliviano, o qual está novamente à venda pela quantia de 23 milhões de euros: são 14 quartos e 17 casas de banho espalhadas ao longo de três pisos, com uma área bruta privativa de 3.350 metros quadrados. O Palácio Patino, tal como é conhecido, foi construído nos anos 50 e teve como inspiração a arquitetura portuguesa do século XVIII. A casa de férias de Antenor Patiño é o resultado da sua paixão por Portugal e ocupa três hectares dos 50 que perfazem a totalidade do famoso condomínio de luxo, situando-se no ponto mais alto do mesmo: à predominante e omnipresente paisagem verde junta-se a vista mar.
A descrição disponível no site da imobiliária Sotheby’s International Realty salienta as características arquitetónicas únicas: “biblioteca de inspiração joanina, tetos de madeira, paredes decoradas com frescos e azulejos dos séculos XVII e XVIII”. Sala de cinema, ainda com os projetores originais dos anos 60, spa com sauna, banho turco e sala de massagens, pavilhão de bowling e sala de chá ajudam a contar a história do edifício que, ao longo dos tempos, foi tendo várias funcionalidades — além de todas as comodidades, uma capela do século XVII foi trazida do Minho e reconstruida no local; durante uns tempos deu guarida ao corpo do milionário boliviano que viria a falecer em 1982 e que mais tarde foi trasladado para o país de origem.
Segundo o arquiteto António Nunes da Silva, o palácio chegou a ser sede do lançamento do empreendimento, mas também a pertencer a todos os moradores do condomínio, que tentaram rentabilizá-lo de várias formas. Foi um clube para residentes e seus convidados com “um ambiente exclusivo e uma casa de jantar privada”, onde o arquiteto celebrou os 50 anos da mulher, mas também um pequeno hotel de charme que não teve grande sucesso.
Acabou por ser comprado, em 2007, pelo magnata dos casinos Stanley Ho, que à data desembolsou 10 milhões de euros (em 2016 era notícia a venda da última moradia daquilo que restava do palácio original de Patiño, onde Beatriz de Rivera y Digeon viveu até 2009, altura em que faleceu com 99 anos). Mais de dez anos depois, o valor duplicou — luxo, privacidade e segurança compõem o descritivo feito pela imobiliária, através da qual é possível fazer uma visita virtual.
Ginásio, lago, circuitos pedestres e o metro quadrado dos milionários
Segurança é, indiscutivelmente, o termo mais usado nas descrições feitas do condomínio de luxo, tanto pelo arquiteto como por Macarena Osorno, que trabalha há 15 anos na imobiliária já citada. Sobre o palácio prefere não falar, mas dá luzes sobre como se vive no interior da Quinta Patino, que sempre pertenceu à sua equipa. São, ao todo, 93 lotes essencialmente dominados por moradias — o lote 23 é a exceção, já que é composto por 55 apartamentos. A par da “localização extraordinária”, a poucos minutos do Estoril e do acesso à autoestrada, proporciona “uma vida bastante tranquila, muito exclusiva no sentido de privacidade e com um nível de segurança único”.
Ninguém consegue entrar no condomínio sem autorização de um proprietário. Existe ainda uma carrinha interna que transporta o serviço doméstico entre a entrada da portaria e as respetivas moradias. “Existem condomínios com segurança, mas são ou apartamentos ou moradias geminadas que carecem de privacidade. Quem valorize viver numa moradia, num terreno grande com privacidade, dificilmente consegue a segurança que se tem na Quinta Patino.” Se uma pessoa não quiser ser vista, não é vista, diz.
Ao vasto circuito de câmaras, existem ainda rondas de segurança contínuas dentro do condomínio. “Se formos visitar um imóvel com clientes e, depois quisermos mostrar as infraestruturas da quinta sem primeiro o proprietário que nos conhece ter avisado a portaria ou nos acompanhar no passeio, o segurança vem atrás de nós a pedir para sairmos da propriedade”. Para quem procura segurança, assegura Macarena Osorno, esta é a opção, tanto que um grande número de brasileiros vive no condomínio. Na lista de nacionalidades constam ainda portugueses, franceses e alemães, ainda que moradores oriundos de países da América do Sul ou de Angola também sejam uma realidade.
Há trilhos, circuitos de manutenção para fazer caminhadas, três campos de ténis, campo de futebol, parque infantil, ginásio, lago e uma piscina comum que, na verdade, poucos moradores utilizam — não é de estranhar que assim o seja, uma vez que todas as moradias têm piscina privativa. O que não existe é comércio: a vontade de tomar um café fora de portas ou de ir às compras obriga necessariamente à utilização do carro. E, como em todo o lado, há ainda relações entre vizinhos, que frequentam as casas uns dos outros.
Luxo e segurança pagam-se caro, ainda que os preços praticados sejam muito díspares — variam consoante o tamanho do terreno, o tipo de imóvel e de arquitetura, dos materiais de acabamento, da orientação solar e até da localização na própria Quinta Patino (quanto mais longe uma casa estiver da estrada, com o silêncio progressivamente absoluto, mais cara será). Considerando os valores no mercado e o que a imobiliária consultada tem disponível, o metro quadrado varia entre os 7 mil e os 21 mil euros, no entanto, aquilo que é efetivamente vendido varia entre os 6 mil e os 12 mil euros. Entre os 93 lotes, as moradias podem estar implantadas em terrenos de 2 mil a 5 mil metros quadrados, embora haja propriedades em terrenos “muito superiores a essas áreas”.
Não é de todo de estranhar que também o valor do condomínio seja, para bolsos mais comuns, estratósferico. “Comparativamente, o valor das moradias é ligeiramente inferior aos apartamentos porque estes, além de terem de pagar condomínio por estarem dentro da Quinta Patino, têm um outro condomínio que tem que ver com a piscina”, diz Osorno. Assim, pode haver apartamentos a custar 1.600 euros ao trimestre e moradias de uma dimensão bastante grande a pagar 2.100 euros ao trimestre (o que dá 700 euros por mês). “O valor é superior na moradia, mas se for fazer as contas por preço do condomínio por metro quadrado… Mas isto não é igual para todos, depende das áreas.” Incluído no preço do condomínio está a água do furo usufruída pelas moradia — “Significa uma grande poupança em termos de manutenção”, justifica.
Também os 55 apartamentos do lote 23 variam muito entre si. A tipologia mais pequena será um t2, mas desengane-se quem pensar que tal se possa traduzir em áreas mais humildes. Após uma consulta no sistema, Osorno explica que já venderam apartamentos de dois quartos com 172 ou 221 metros quadrados, incluindo um t3 com 253 metros quadrados. “O mercado está muito dinâmico neste momento. Temos disponíveis sete moradias [incluindo um terreno com um projeto aprovado] e existem muito poucos terrenos disponíveis para construção”, diz ao Observador. “Diria que neste momento, em termos de condomínios fechados de moradias, sem dúvida que é para mim o mais seguro da zona.”
Atrizes de Hollywood e um infiltrado no “baile do século”
Aos 44 anos, Firmino tomou uma decisão invulgar após escutar uma conversa de café sobre aquele que ficaria conhecido como “o baile do século”, a festa que a 6 de setembro de 1968 ocupou a Quinta Patino e fez aterrar em Portugal figuras da realeza e da aristocracia europeia, até atrizes de Hollywood de renome, como Audrey Hepburn, Zsa Zsa Gabor, “a bomba de Budapeste” que tentou sair do Hotel Palácio sem pagar a conta, e a italiana Gina Lollobrigida ou simplesmente “Lollo”.
O filho de Firmino, que prefere não ser identificado, ainda se recorda do destaque dado ao evento pelos jornais da época. Acima de tudo, recorda-se de ouvir a história do pai na primeira pessoa, a mesma que passou de geração em geração e perdura na família como uma graça que nunca perde a graça. “Ele tinha um certo fascínio pelo Jet set e sabia que ia existir a festa. Estávamos todos de férias em Vila Nova de Cerveira e o meu pai ouve dizer num café que os fogueteiros de Lanhelas, conhecidos por serem os melhores, iam para baixo no dia seguinte para fazer um show na festa do Patiño.”
A conversa escutada em surdina foi o suficiente para que Firmino, o engenheiro, se decidisse a acompanhar os fogueteiros, muito embora o domínio da pirotécnica não fosse nada com ele. Assim, apanhou boleia, passou por Lisboa para alugar um fraque e chegou à festa na companhia de quem mais tarde iria lançar os foguetes. “O meu pai sempre foi uma pessoa muito atrevida, de entrar em todo o lado.” Quando lá chegou, Firmino andou às voltas a estudar a forma como se podia intrometer, até chegar à conclusão que o melhor era mesmo entrar pela porta principal, à qual chegavam os carros com os convidados: havia apenas um porteiro a abrir a porta e, depois disso, zero segurança. Firmino esperou que um carro chegasse e que as pessoas saíssem do veículo para entrar pela porta oposta e fazer-se passar por um dos convidados. Resultou: teve até direito a continência.
“O meu pai teria 44 anos, ainda era relativamente jovem e bem parecido”, tanto que dançou “boa parte da noite” com Gina Lollobrigida, hoje com 94 anos. “Ele ficou tão entusiasmado que não queria deixar de contar a história, inclusive à minha mãe. Lembro-me de estar de férias e da minha mãe estar ao telefone a ouvir a história… Ele a vangloriar-se por ter estado a dançar com a Gina.” O tema virou chacota vitalícia entre família e amigos e uma história contada repetidas vezes por um protagonista de peito cheio, orgulhoso. “Não houve muita gente [comum] que tenha ido à festa, muito menos sem convite”, especula o filho que perdeu o pai em 2004, tinha ele 80 anos. “Esta história era, para ele, quase uma medalha. Ouvi-a contar várias vezes, inclusive às minhas filhas”.
O baile no palácio, cujo anfitrião era o boliviano Antenor Patiño, foi uma das “festas do século” desse setembro louco em Portugal — a festa estrondosa na mansão em Alcoitão aconteceu precisamente na mesma altura em que António de Oliveira Salazar era operado de urgência no Hospital da Cruz Vermelha na sequência de uma queda da cadeira, no início do mês anterior.
No dia seguinte à festa, o Diário Popular dedicava uma página escrita na primeira pessoa ao evento considerado “um êxito”, povoado por milionários e artistas, com direito a “pavilhão iluminado” e adornado com as cores de Portugal, verde e vermelho. Também as flores, as louças, os candeeiros, as cadeiras, as alcatifas e os espelhos eram de selo nacional. “Toalhas inspiradas nos antigos damascos portugueses, desenhadas a vermelho e verde, com o emblema dos Patiño. Paredes inteiras forradas de verdura. Candeeiros lacados de vermelho. Lagostas armadas em centros de mesa condiziam com os candeeiros”, lê-se no mesmo antigo cuja autora exalta ainda a “elegância das mulheres estrangeiras”, incluindo a própria anfitriã — “Béatrice Patiño vestia Dior. Branco e ouro. Especialmente desenhado para ela”. O marido acompanhou-a no tom, ao vestir o smoking branco com o qual seria mais tarde fotografado. A noite do boliviano terminou já o sol tinha nascido e já os convidados tinham ido a banhos na piscina do palácio.
Foram cerca de 1.700 os convidados para uma festa que, segundo o The New York Times, terá demorado um ano a planear no que à decoração a cargo da dupla Valerian Rybar e Jean François-Daigre diz respeito — entre eles, Raimundo Orsini, da influente família Orsini de Roma, mas também condes, príncipes e princesas, herdeiros de fortunas imensas (como Henry Ford, os Rothschild e os Rockfeller) e, representares de uma realidade oposta, membros do governo cujos nomes a censura não permitiu que os jornais da época divulgassem.
A festa que gerou histeria nos media nacionais teve concorrência: dois dias antes, na quinta em Colares, o milionário Pierre Schlumberger deu um baile à semelhança do evento de Patiño, este último descrito no Diário de Notícias como “a festa mais fabulosa que algum dia se realizou em Portugal”, mas também a “mais interdita”, na qual apenas “meia dúzia de portugueses” tinha conseguido “obter o famigerado cartão branco que permitia a entrada no recinto”. O certo é que ambos os eventos fizeram encher de caras e nomes famosos o Ritz e o Tivoli, em Lisboa, mas também o Hotel Palácio do Estoril. E ainda nessa semana, o industrial Manuel Vinhas organizava na Herdade do Zambujal a única festa portuguesa daquele setembro de 1968.
Um pacto de morte milionário?
Em 2015, uma notícia manchava a reputação do condomínio, depois de um segurança da Esegur ter encontrado o corpo da milionária Maria Estela Lacombe, ainda em camisa de noite, entendido no chão da moradia do lote 76, à data avaliada em três milhões de euros. Segundo o Jornal de Notícias, num artigo datado de 20 de setembro desse mesmo ano, a Polícia Judiciária suspeitava que teria existido um pacto de morte entre a cidadã brasileira e o marido, o sueco Anders Christer Larsson, que se suicidou de seguida no Cabo da Roca. As autoridades tomaram primeiro conhecimento da morte deste e só depois deram conta da antiga tradutora que perdeu a vida aos 64 anos e foi notícia no país de origem.
A publicação dava conta que um pacto de morte era suspeita dos investigadores, uma vez que a mulher lutava há muito contra uma doença grave, para a qual estaria a ser fortemente medicada. Assim, dois cenários eram lançados que nem dados num jogo de tabuleiro: o marido teria assassinado a mulher para acabar com o seu sofrimento e cometido suicídio de seguida ou a morte desta teria sido acidental e decorrente de uma tentativa de socorro — segundo o Correio da Manhã, Maria Estela era magnata da indústria imobiliária no Brasil. O casal estava junto há mais de 30 anos. Não existindo terceira pessoa envolvida, o inquérito acabou por ser encerrado.