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AFP/Getty Images

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O Irão de 2019 é igual ao Iraque de 2003? Quatro razões que desfazem esse mito

O Irão e os EUA podem estar à beira de uma guerra, mas olhar para um possível conflito pelo prisma do Iraque de 2003 é errado. Desta vez, EUA não têm aliados — e enfrentam um inimigo muito mais forte.

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O Irão é muito maior e mais poderoso do que o Iraque de Saddam

Muito dificilmente haverá no mundo quem conheça tão bem a capacidade militar do Irão do que EUA que, além de terem informação obtida pelos seus próprios meios, têm ainda a cooperação da Arábia Saudita e de Israel — os dois maiores rivais do Irão na região — nesta matéria.

Por isso mesmo, em Washington D.C., nomeadamente nos corredores do Pentágono, não haverá quem não conheça os enormes desafios que uma guerra contra o Irão apresentaria — que são sumamente maiores do que os EUA encontraram quando, ao lado de tropas britânicas, invadiram o Iraque.

Recorde-se que a invasão do Iraque começou a 19 de março de 2003 e que logo a 9 de abril as tropas aliadas já controlavam a capital, Bagdad. Por fim, a 1 de maio, George W. Bush daria como terminada a invasão.

Quando os EUA invadiram o Iraque em 2003, o regime de Saddam levou menos de dois meses a cair (KARIM SAHIB/AFP/Getty Images)

(KARIM SAHIB/AFP/Getty Images)

Ora, no Irão, muito dificilmente viria a ser este o caso.

Primeiro, por questões geográficas: o Irão tem 1,648 milhões de quilómetros quadrados, praticamente quatro vezes mais do que o tamanho do Iraque. Depois, por razões demográficas: em 2003, a população do Iraque rondava os 25 milhões, ao passo que atualmente o Irão conta com 82 milhões de pessoas.

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Depois, há as questões militares. À altura da invasão dos EUA, o Iraque tinha, de acordo com um estudo de 2005 do Council on Foreign Relations, entre 300 a 350 mil militares, dos quais dois terços eram recrutas. Quanto a forças de elite, haveria apenas 15 mil homens. Sendo o Iraque de 2003 um país isolado a vários níveis, sem aliados de relevo, a sua capacidade militar estava em declínio já á altura. Entre a primeira guerra do golfo e a segunda, perdeu 40% das suas forças e, nesse período, não modernizou as suas armas e equipamento.

O Irão tem quatro vezes a área do Iraque, mais do triplo da sua população no início da invasão de 2003 e um poderio militar incomparavelmente maior — tem o maior e mais diverso arsenal de mísseis. Além disso, ao contrário do Iraque, tem aliados. Dois deles, são de enorme peso: a Rússia e a China.

Ora, no Irão, os números são outros. Além de ter, de acordo com o Center for Strategic and International Studies, 523 mil militares no ativo, o Irão conta ainda com 250 mil na reserva. Além disso, este think tank descreve o Irão como tendo o “maior e mais diverso arsenal de mísseis”. A estes, devem ainda juntar-se os 130 mil rockets que se estima estarem na posse do Hezbollah, grupo armado sediado no Líbano apadrinhado pelo Irão.

Depois, há também o facto de, ao contrário do Iraque de 2003, o Irão ter aliados de peso. Se o Iraque era um pária das relações internacionais à altura, o mesmo já não se pode dizer do Irão, que tem uma relação cada vez mais forte com a Turquia (um aliado dos EUA que se tem afastado progressivamente de Washington D.C.) e o mesmo pode ser dito sobretudo do caso da Rússia e da China.

Por fim, o Irão pode provocar apenas com os seus meios uma crise energética a nível mundial. Ao contrário do Iraque, o Irão é uma potência marítima — e tem na sua geografia o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 30% do petróleo que é comercializado em todo o mundo. “Cerca de 30% do crude consumido em todo o mundo passa naquele estreito. Se aquelas águas passarem a ser inseguras, o abastecimento de todo o Ocidente pode estar em risco”, disse Paolo d’Amigo, presidente da Intertanko, organização que junta os transportadores de petróleo independentes.

“Cerca de 30% do crude consumido em todo o mundo passa naquele estreito. Se aquelas águas passarem a ser inseguras, o abastecimento de todo o Ocidente pode estar em risco."
Paolo d’Amigo, presidente da Intertanko

Uma subida dos preços do petróleo não iria afetar a segurança energética (ao contrário do que acontecia em 2003, antes da descoberta de amplas reservas de gás de xisto nos EUA, o setor norte-americano de 2019 quase não importam recursos energético) mas iria ainda assim afetar indiretamente os preços do bens importados a economias que depende do petróleo alheio — onde se destaca a China, o maior importador de crude do mundo.

Desta forma, os elementos dissuasores de uma invasão ao Irão por parte dos EUA são muitos — geográficos, demográficos, militares e comerciais — e, repita-se, poucos são os que escapam ao conhecimento do Pentágono.

Os EUA (do povo ao Presidente ao povo, passando pelo Congresso) já não querem ir para uma guerra

Além dos elementos dissuasores atrás referidos, há outro tão importante que merece ser destacado isoladamente: a política.

Em 2020 há eleições presidenciais nos EUA e Donald Trump não quer outra coisa que não ganhá-las. Uma guerra declarada e aberta contra uma potência de grande dimensão, depois dos traumas que resultaram das invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), custando mais vidas e dólares, dificultaria muito a reeleição de Donald Trump.

“A principal diferença entre hoje e o crescendo que levou à guerra no Iraque é que o instinto de Donald Trump diz-lhe para evitar um conflito com o Irão. Trump está em modo de campanha para ser reeleito em 2020 e uma guerra de grande dimensão no Médio Oriente iria prejudicá-lo”, diz ao Observador Nicholas A. Heras, investigador de segurança do think-tank Jamestown Foundation e especialista no Médio Oriente. “O sentimento público nos EUA é hoje muito menos favorável a guerras no Médio Oriente do que era em 2003”, sublinha. Donald Trump, cujo sucesso eleitoral de 2016 foi erguido muito à custa de uma estratégia resultante de sondagens internas, estará mais do que ninguém ciente desse facto.

“A principal diferença entre hoje e o crescendo que levou à guerra no Iraque é que o instinto de Donald Trump diz-lhe para evitar um conflito com o Irão. Trump está em modo de campanha para ser reeleito em 2020 e uma guerra de grande dimensão no Médio Oriente iria prejudicá-lo."
Nicholas A. Heras, investigador de segurança do think-tank Jamestown Foundation

No final de maio, altura em que a atual escalada de tensões dos EUA com o Irão começava, depois de quatro petroleiros terem sido atingidos na costa dos Emirados Árabes Unidos, uma sondagem da SSRS apontava que apenas 28% dos norte-americanos acreditavam que o Irão era uma “ameaça muito séria” A opção mais escolhida foi a que indicava o Irão como uma “ameaça moderadamente séria”, com 38%. Seguia-se “apenas uma ligeira ameaça” com 19% e “nenhuma ameaça” com 11%. Estes números demonstravam ser bem abaixo da edição anterior desta sondagem, realizada no início de maio de 2018. À altura, a opção mais escolhida, com 40%, foi mesmo a que dizia que o Irão é uma “ameaça muito séria”, seguindo-se 35% para “ameaça moderadamente séria”, depois 15% para “apenas uma ligeira ameaça” e 7% para “nenhuma ameaça”. Ou seja, a tendência é para que, aos olhos do público norte-americano, o Irão continue a ser uma ameaça — mas cada vez menos premente.

A maior parte dos norte-americanos acreditam que o Irão é uma ameaça, mas cada vez menos (JEWEL SAMAD/AFP/Getty Images)

(JEWEL SAMAD/AFP/Getty Images)

Depois, há também o Congresso. Em 2003, os EUA de George W. Bush invadiram o Iraque com o apoio do Congresso. Se é certo que havia uma maioria republicana tanto na Câmara dos Representantes como no Senado que facilitou as contas a George W. Bush, o facto é que também houve democratas a votar a favor da guerra — como foi o caso de importantes senadoraes democratas, como Chuck Schumer (atual líder dos democratas no Senado); John Kerry e Hillary Clinton, ambos candidatos presidenciais democratas derrotados e ex-secretários de Estado de Barack Obama; ou Joe Biden, ex-vice-Presidente e atual candidato à presidência dos EUA.

Ora, em 2019, muito dificilmente Donald Trump arrancaria daquelas duas câmaras uma luz verde para entrar em guerra com o Irão. Além de a oposição do Partido Democrata em bloco — o que cortaria, logo à partida, a aprovação da Câmara dos Representantes —, Donald Trump teria provavelmente uma nega por parte do Senado, já que vários republicanos (que ali têm maioria) têm expressado a sua oposição a uma nova guerra no Médio Oriente.

Desta vez, os EUA não têm aliados dispostos a ir para a guerra

Antes de invadir o Iraque, George W. Bush assegurou-se de que os EUA tinham o apoio de vários aliados. Por mais impopular que a guerra fosse, por exemplo, junto dos governos de França ou da Alemanha, o facto é que além de uma grande aliança com o Reino Unido, também a Austrália, Espanha e Polónia enviaram contingentes de menor dimensão para auxiliar na invasão do Iraque. Ultrapassada essa fase, já durante a ocupação militar do Iraque, vários países enviaram tropas, incluindo França, Alemanha e até Portugal.

O Reino Unido de Tony Blair juntou-se aos EUA de George W. Bush no Iraque — mas em 2019, Trump dificilmente consegue aliados contra o Irão (PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images)

(PAUL J. RICHARDS/AFP/Getty Images)

Por agora, tudo sugere que o mesmo não viria a acontecer numa invasão ao Irão em 2019. Os exemplos são vários.

Da parte do Reino Unido, a disponibilidade parece ser nula — desde que os EUA saíram do acordo nuclear com o Irão, a posição oficial de Londres tem sido a de continuar a apostar na manutenção daquele pacto, com os países que ainda restam nele. Essa tem sido a posição da primeira-ministra demissionária, Theresa May, e também a de Jeremy Hunt, candidato àquele lugar. “Estamos muito preocupados com o risco de um conflito vir a acontecer acidentalmente devido a uma escalada que não seja intencional”, disse Jeremy Hunt em maio. Já o outro candidato, e provável sucessor de Theresa May, Boris Johnson, tem-se escusado a comentar este tema. Porém, tendo em conta que o Brexit, agendado para 31 de outubro, domina a agenda política do país, muito dificilmente Boris Johnson daria um passo em direção a uma guerra no Irão.

Da parte da Alemanha, Angela Merkel também tem expressado preocupação e, esta sexta-feira, manifestou o seu apoio a “negociações diplomáticas” e a uma “solução política para uma situação tão tensa”. Quanto a França, o Presidente Emmanuel Macron disse que “temos de evitar uma escalada na região” e enviou o seu principal conselheiro para o Irão, Emmanuel Bonne, em missão para Teerão, com o objetivo de ter “reuniões a alto nível” com o “objetivo de contribuir para um serenar das tensões”.

Desta forma, caso avançasse para o Irão, os EUA de Donald Trump fá-lo-iam muito provavelmente sozinhos — ou seja, mais uma razão para não o fazerem.

O Iraque não tinha força numa mesa de negociações, mas o Irão e os EUA têm muito que falar

Em 2003, o Iraque estava a ser acusado pelos EUA de ter armas de destruição maciça — algo que, como se soube depois, não sei confirmava. Desta forma, perante aquela “certeza” de Washington D.C., seria quase impossível ao Iraque evitar uma invasão norte-americana numa suposta ronda negocial antes da guerra. Para os EUA de George W. Bush, por mais que o Iraque dissesse em contrário, era ponto assente que Bagdad tinha armas de destruição maciça.

Ora, no caso do Irão de 2019, não só este tem capacidades para desenvolver armas nucleares, como faz alarde disso mesmo. Se está comprovado que o acordo nuclear do Irão levou aquele país a limitar a sua atividade nuclear apenas à produção de energia, o facto é que, depois de Donald Trump ter anunciado a retirada dos EUA daquele acordo, Teerão voltou a apontar que estava disposto a retomar a via nuclear também para a sua defesa. Esta segunda-feira, em resposta ao destacamento de mil tropas norte-americanas para o Médio Oriente, o regime iraniano deu um passo em frente e anunciou que vai, em breve, enriquecer mais urânio — devolvendo-o a uma fase em que estaria mais perto de conseguir produzir armas nucleares.

“O Presidente Trump tem uma escada de escalada de tensões com o Irão cuidadosamente planeada. O seu derradeiro objetivo é puxar o Irão para uma mesa de negociações com transmissão em direto na televisão, onde possa chegar a um acordo melhor do que o do Presidente Obama.”
Nicholas A. Heras, investigador de segurança do think-tank Jamestown Foundation

Mais do que a chamar uma guerra até si, o Irão pode, desta forma, estar a repetir aquilo que Kim Jong-un fez ao longo de 2017 (num só ano, a Coreia do Norte fez 17 testes com mísseis, incluindo um com capacidade para uma explosão nuclear) para obter aquilo que o ditador norte-coreano conseguiu em 2018: sentar-se à mesa com Donald Trump para negociar tréguas.

E esse pode ser também um desfecho pretendido pelo Presidente dos EUA, assinala Nicholas Heras. “O Presidente Trump tem uma escada de escalada de tensões com o Irão cuidadosamente planeada”, diz ao Observador. “O seu derradeiro objetivo é puxar o Irão para uma mesa de negociações com transmissão em direto na televisão, onde possa chegar a um acordo melhor do que o do Presidente Obama.”

Porém, assinala este investigador, o atual momento sugere que essa mesa de negociações não está já ao virar da esquina. “O problema para Trump é que a estratégia de pressão máxima que a sua administração está a seguir leva o Irão a querer resistir contra ele e a não fazer quaisquer concessões”, diz. “Por isso, se Trump não fizer nenhumas concessões ao Irão em breve, terá de esperar até às eleições de 2020.”

Donald Trump pode estar à procura de um novo acordo com o Irão, melhor do que o de Obama — o que, em véspera de eleições, seria um importante trunfo (PETE SOUZA / WHITE HOUSE / HANDOUT HANDOUT/EPA)

PETE SOUZA / WHITE HOUSE / HANDOUT HANDOUT/EPA

Chegados a uma mesa de negociações, tantos os EUA como o Irão teriam possíveis concessões a fazer ao outro lado.

Do lado dos EUA, um alívio das sanções contra o Irão seria uma concessão significativa — e bem-vinda da parte daquele regime, já que o sufoco económico tem levado a manifestações de rua incómodas, perante a subida dos preços da comida (57% na carne , 47% no leite e vegetais, 37% nos ovos e queijo). Além disso, sugere Nicholas Heras, os EUA podem ainda oferecer ao Irão “um mecanismo seguro e estável de acesso à economia global através da Europa ou, possivelmente, da Rússia ou China”.

Do lado do Irão, uma oferta a fazer seria a de voltar aos termos do acordo nuclear de 2015 e, indo mais longo do que foi firmado naquele pacto, limitar o apoio a grupos armados seu aliados, como o Hezbollah (que atua no Líbano e na Síria), tal como a retirada de tropas do Irão. Além disso, também a estabilidade do Iraque, onde o Irão apoia e financia milícias xiitas, pode ser uma exigência dos EUA — que ali perderam 608 militares às mãos de milícias pró-Irão entre 2003 e 2011.

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