Diz que foram segundos. 15 ou 20. Os suficientes para pensar no filho de dois anos e em tudo o que lhe faltava viver. Não via o fogo, porque o fumo escureceu tudo. Estava tudo negro. Mas ainda sentiu o calor, numa orelha. Até que encontrou um lugar para se abrigar. Enfiou-se naquela mina. Protegido. A inalação de monóxido de carbono roubou-lhe os sentidos. Já não se lembra dos minutos seguintes. O militar da GNR, Bruno Correia, foi encontrado inconsciente pelos colegas do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) da GNR. A escassos metros dos dois bombeiros que perderam a vida no combate a um fogo em Tondela, no pulmão da serra do Caramulo. Foi em Agosto de 2013.
“Se os meu colegas não me tivessem encontrado nos minutos seguintes, o desfecho teria sido outro”, recorda ao Observador o militar, ainda em recuperação. Foram precisos alguns meses até falar sobre o assunto como fala agora. Bruno Correia voltou há cerca de três meses ao serviço. Mas encontra-se “em serviços moderados” no centro de meios aéreos de Santa Comba Dão. Ainda não pode apanhar sol e aguarda uma junta médica que vai ditar se, este verão, já pode regressar ao serviço operacional.
Naquele dia 29 de agosto, Bruno Correia entrou de serviço pela manhã. As temperaturas estavam altas e, dias antes, dois bombeiros e um autarca tinham perdido a vida no combate a dois grandes fogos que deflagraram na Serra do Caramulo. Pensava-se que as chamas estavam extintas, quando o fogo reacendeu em S. Marcos, no concelho de Tondela. No pulmão da serra do Caramulo.
Soou o alarme para a intervenção do GIPS. Bruno Correia equipou-se e partiu para o terreno com os colegas. Eram cinco militares na brigada helitransportada e três outros militares de apoio. “O terreno era íngreme. Estávamos a combater ao lado dos sapadores florestais. Até que entro no vale encaixado e o fogo fez aquele efeito eruptivo”.
Os militares retiraram-se de imediato para “a zona de segurança” quando Bruno Correia percebeu que os bombeiros que ali combatiam estavam em perigo. Tentou avisá-los “para os perigos que estavam a correr”. O relatório sobre os Grandes Incêndios de 2013, feito pelo Governo, relata que Cátia Pereira Dias, 21 anos, e Bernardo Cardoso, 18, ambos da Corporação de Carregal do Sal, “atuavam com um grupo de combate numa estrada a meia encosta, junto de um desfiladeiro”. Antes de iniciar a “erupção” a “maior parte das equipas” retirou-se, “mas a equipa de Carregal do Sal atrasou‐se a fazê-lo e foi colhida pelas que provocaram queimaduras mortais nos dois bombeiros referidos e noutros elementos da equipa”. Cátia morreu no local. Bernardo ainda foi levado para o hospital, mas não resistiu.
“Vi os bombeiros. Avisei-os, mas já era tarde. Foram frações de segundo. Como era uma encosta muito acentuada, não vi o fogo. Estava rodeado de uma coluna de fumo e não via nada num raio de um ou dois metros. Procurei abrigo junto à viatura dos bombeiros, onde acabou por se refugiar a rapariga que viria a falecer. Foi quando encontrei mina. A cinco metros da carrinha. Escondi-me. Senti a orelha a queimar. Pensei que não me safava. E perdi os sentidos”.
Os colegas encontraram-no minutos depois. O militar foi transportado para o Porto, para tratamento numa câmara hiperbárica. Foi depois levado para Viseu, com queimaduras de 2º e 3º grau no corpo. No final de fevereiro voltou ao serviço “moderado”. “Ainda não sei se fico com mazelas físicas”. O que sabe, para já, é que não quer mudar de serviço. “Vou voltar lá e fazer o melhor. Mas aprendi que a vida está acima de qualquer bem material”.
Bruno Correia nasceu em Castelo Rodrigo, na Guarda. Entrou na GNR quando tinha 25 anos, vindo do exército. Foi o ano em que o GIPS foi criado. Integrou logo o efetivo de 359 militares que, na altura, tinha apenas responsabilidades sobre cinco distritos. Hoje o GIPS tem ao seu serviço 726 militares para 11 distritos.
Os militares do GIPS, entre 15 de maio a 15 de setembro, dedicam-se “quase em exclusivo ao combate a incêndios florestais em primeira linha”, explicou ao Observador o comandante do GIPS, tenente-coronel Tavares. Fora deste período, “estes militares estão prontos para atuar em qualquer catástrofe ou acidente grave. Dando ainda apoio ao dispositivo territorial, de âmbito policial, através de patrulhamento conjunto ou autónomo, coordenado pelo comando dos Comandos Territoriais”.
Nove mortes e 145 mil hectares de área ardida
Em 2013 houve menos incêndios, mas ardeu a maior área (um total de 145 mil hectares) desde os registos de 2005. Os dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas revelaram que ardeu uma área 31,8% superior à ardida em 2012, embora haja registo de menos 2 575 ocorrências.
As temperaturas altas do mês de agosto tornaram as chamas incontroláveis. Oito bombeiros e um autarca perderam a vida no combate. O governo pediu um relatório sobre o combate aos fogos. E apontou falha humana. Exigiu mais formação. E mais cooperação.
Os distritos de Viana do Castelo, Viseu, Vila Real, Guarda, Braga, Porto e Bragança foram os que sofreram mais com os fogos florestais, totalizando 90% da área ardida.
Os suspeitos
Em 2013, a Polícia Judiciária deteve mais de 100 suspeitos de incêndios florestais. Dois dos suspeitos detidos foram formalmente acusados pelo Ministério Público de crimes de incêndio florestal, homicídio qualificado e ofensa à integridade física qualificada, pelos fogos e as vítimas que provocaram na serra do Caramulo.
Um dos suspeitos admitiu às autoridades ter ateado sete focos de incêndio com um isqueiro. Queria vingar-se da GNR por causa de uma multa de trânsito, alegou. O Ministério Público quer que sejam julgados por um tribunal de juri.