É o único “pelicano de platina ainda vivo”, uma distinção só atribuída a mais duas pessoas. Reconhece que, “em parte”, está nas suas mãos o futuro de Tomás Correia à frente da maior mutualista portuguesa. E foi criticado, nas últimas semanas, por ter dito que não seria um “ministro ou um secretariozeco” a afastar a gestão do Montepio.
Vítor Melícias diz que ficou surpreendido com a polémica que se levantou com essa afirmação, noticiada pelo Observador, mas do alto dos seus 80 anos — 50 deles passados em dezenas de cargos ligados ao poder — não retira nem uma vírgula. Pelo contrário, até carrega nas tintas: “o Governo não manda lá” porque o Estado não é nem deve ser o dono disto tudo.
O padre franciscano recebeu o Observador no Convento do Varatojo, em Torres Vedras, no início de uma semana que será marcada pela assembleia geral desta quinta-feira. Não desmente quem o apelida de “eminência parda” do Montepio e assume que é mesmo um homem chave nos destinos da mutualista. Tanto assim é que até achou estranho que, num momento como este, os jornalistas do Observador tenham sido os primeiros a ir ouvi-lo sobre o futuro do Montepio.
“O Estado não é dono de tudo. Aqui não demite ninguém”
A quem é que se referia quando disse, na última reunião do conselho geral, que não era “um secretariozeco” ou um “ministro” que ia retirar Tomás Correia da mutualista?
Eu não me referia ao Tomás Correia, referia-me aos órgãos sociais. A comunicação social parece que tem estado a confundir e a dizer que eu sou o patrono do Tomás Correia — quando o Tomás Correia nasceu eu já lá andava há que tempos… As minhas posições como presidente da assembleia geral e presidente do conselho geral, neste momento, são de absoluta isenção. Simplesmente, eu, como fiz em todas as organizações onde estive — bombeiros, misericórdias, mutualidades — tenho assumido sempre a defesa da lista institucional.
Porquê?
Por estatuto, normalmente, estas organizações têm a obrigação, para não se criar vazio, de a própria administração propor uma lista — essa é a lista institucional. Eu tenho sempre integrado (se me convidam) ou apoiado essa lista, embora não participe em atos de campanha. Depois, pode haver outras listas — pelas quais tenho absoluto respeito.
Certo, mas referia-se, então, a quem, com a história do secretariozeco?
Disse isso, sim, já tinha dito também fora da sessão formal. Não sei se usei a expressão secretariozeco ou não, mas se calhar usei, porque eu uso muito esse tipo de expressão. Até podia dizer padreco, ou fradeco. Espantou-me foi terem dado tanta importância a isso.
Espantou-o porquê?
Porque o importante nessa frase é que o Governo — ou seja, o secretário de Estado, o ministro, seja quem for — não tem poder para demitir órgãos sociais de qualquer associação, designadamente IPSS ou mutualidades. Isso consta claramente do código das mutualistas: o Governo tem tutela, exerce-a, pode investigar, etc. Mas, depois, comunica ao Ministério Público — e quem demite é o tribunal, o poder judicial. A sociedade civil não depende do Estado, o Estado não é dono de tudo. O Estado é obrigado a respeitar a autonomia da sociedade civil. Deus nos livre que a sociedade civil — desde logo, uma mutualista com o peso que tem o Montepio — se dobrasse às suas excelências senhores ministros, secretários de Estado e não sei o quê.
De onde vem a influência de Vítor Melícias, o padre “malandreco” que manda no Montepio
Mas o que está a mudar é que passa para um órgão supervisor, a ASF (Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões)...
O Montepio, há muitos anos, tem vindo a passar por um processo de transformação. Já quando eu lá estava, há mais de 20 anos, desejávamos que houvesse uma separação — ou, pelo menos, uma distinção — da ação bancária, creditícia, e da ação social, propriamente dita.
Era tudo um só…
Era tudo um só… E, mesmo eu, que sou padre, não sou incapaz de gerir uma coisa, mas não sou propriamente um banqueiro. Quando fui para lá [para a Caixa Económica] sabia lá o que era um… daquelas linguagens esquisitas que eles usam… um cash flow. Nem tinha de saber. Ainda hoje, estou lá há muitos anos, e não tenho de saber essas coisas técnicas. Tenho é de saber dirigir, saber criar condições para que os técnicos intervenham quando o assunto é técnico e que intervenham os outros quando é para intervir.
Hoje já há essa separação, mas por ordem do Banco de Portugal…
Mas já era vontade nossa, já há muito tempo… O Banco de Portugal não mandou. É ao contrário: é o Banco de Portugal que tem poder para nos dar isso. E uma vez que as mutualidades têm atividades para-seguradoras ou quase-seguradoras (embora nós consideremos que o seguro mutualista é diferente do seguro) nós próprios constituímos uma companhia de seguros, de direito privado.
"Quantos mais vierem à assembleia geral, melhor"
↓ Mostrar
↑ Esconder
Na assembleia geral da mutualista Montepio, “um conjunto de associados vai apelar ao chumbo das contas” e de eventuais votos de confiança que surjam a Tomás Correia, disse Carlos Areal, adversário do presidente, à agência Lusa.
A propósito desta assembleia geral, um outro opositor, Eugénio Rosa, acusou Vítor Melícias e Tomás Correia de não publicitarem a realização da assembleia geral, como se não tivessem interesse em que aparecesse muita gente.
“Não é a primeira vez que ele faz isso. Ele faz sempre isso. Já não estranho nada. Quando convoco uma assembleia geral é para que toda a gente lá vá, foi convocado com o tempo estatutário e quanto mais pessoas lá estiverem melhor é. Essa é boa.”
A Lusitania…
Sim, depois a Lusitania Vida, etc. Essa parte foi sempre verificada e supervisionada pelos seguros. Nos produtos mutualistas é que houve, primeiro em França e depois cá, essa tentativa de que também esses fossem tratados como seguros. Nós resistimos, e ainda hoje acho que não é o que deve acontecer. O processo evoluiu e hoje é a ASF que tem a supervisão. Mas quando este processo estava a decorrer surgiu, simultaneamente, gente a contestar a direção e diziam “ai, agora os seguros é que vão fiscalizar isso e vão dizer se sim ou se não“. Não é bem assim, porque a ASF tem, efetivamente, o poder de verificar a idoneidade, mas não é de demitir a seu livre prazer. [Para perder idoneidade] é preciso ter feito um crime doloso, transitado em julgado.
A lei das seguradoras diz que basta ser acusado, pronunciado, e não é preciso chegar a ser condenado… Basta isso para que a ASF diga: “Entreguem lá a carta de demissão deste senhor”.
Eu disso não tenho a certeza, mas, de qualquer forma, não se trata “deste senhor”, trata-se de um colégio. Embora os jornais depois digam que é tudo o Tomás Correia, que o Tomás Correia é que manda naquilo. Não é bem assim. São cinco membros e cada um tem direito de voto e suponho eu que não são carneiros. São pessoas com capacidade e com autoridade.
Mas aqui não se fala em demitir, fala-se de a mutualista possivelmente achar que está acima da lei.
Mas não está acima da lei, cumpre a lei. E, neste momento, julgo que até já começou o processo [de avaliação de idoneidade] e julgo que está muito bem. Há de correr tudo muito bem, se Deus quiser.
Então se, num dos próximos dias, a ASF considerar que este ou aquele não tem idoneidade…
(interrompendo) Aí logo se verá, os termos em que considera isso, como é que é e como é que não é. Não sou bruxo, não se pode antecipar isso. O que posso dizer é que será aplicada a lei, em relação a seja quem for — não é apenas ao Tomás Correia. Irá sempre cumprir-se a lei, com o máximo respeito pelas pessoas, pela liberdade das pessoas e pela defesa da própria dignidade da instituição. Foi sempre isso que fiz e será sempre isso que irei fazer.
Marcelo e a clarificação da lei. “Nem todos pensam pela mesma cabeça”
Disse que a imprensa fala muito de Tomás Correia — acha que esta foi uma lei, ou uma clarificação de lei, ad hominem?
Houve algumas pessoas, alguns muito responsáveis, que defenderam isso mesmo. Constitucionalistas…
Mas o Presidente da República também é um constitucionalista e promulgou a lei em poucas horas.
Exatamente, por isso é que nem todos pensam pela mesma cabeça, e têm todo o direito de o fazer. Eu não analisei suficientemente o decreto, nem o li ainda, para dizer se é ad hominem ou não, mas julgo que não é por aí que se vão criar dificuldades. Suponho eu.
Dificuldades em que sentido?
Aquilo não diz que é para o Tomás Correia, diz que é para o órgão. Portanto, se eles vão observar o órgão, não há problema nenhum.
Tomás Correia é que tem dito que a lei é dirigida a ele…
O Tomás Correia ter-se-á consultado — eu não falei com ele sobre isso — com constitucionalistas, designadamente de Coimbra, que lhe terão dito isso. Eu não acredito que, por exemplo, o Marcelo iria aceitar coisas inconstitucionais. Porém, se porventura for, e se alguém levantar o problema, ele será o primeiro a querer que as coisas se clarifiquem. Não tenho nenhum motivo para estar preocupado com isso.
Porquê?
Porque, seguramente, o que vai acontecer é haver uma verificação e, depois, se houver dados para isso, alguém tem de proceder, ou o tribunal ou o que quer que seja.
“O que quer que seja”, isto é, um dos cenários possíveis é que Tomás Correia tenha de sair.
Se saísse não sei porque é que sairia só o Tomás Correia, estão ali vários…
Tomás Correia “foi um grande presidente”. “Mas em mim nunca mandou”
Mas no caso de Tomás Correia (já falaremos sobre os outros): se saísse haveria eleições?
Não, se saísse só um não há eleições, ou se saírem dois não há eleições. Saindo um qualquer depois substitui-se esse. Os outros ficam — se não forem também postos fora, no que eu não acredito –, mas….
Pode acontecer?
Se tiverem cometido alguma coisa de mal….
Mas, pondo as coisas de outro modo: Tomás Correia é a pessoa certa para liderar a mutualista Montepio neste momento?
Acho que ele tem feito um grande papel. Depois do Costa Leal, mesmo até mais do que o Silva Lopes, foi uma pessoa que organizou muito e ajudou a levar por diante aqueles nossos ideais antigos. Tanto quanto sei, quanto pude acompanhar, foi um grande presidente.
Vai ficar na História do Montepio como um dos seus presidentes mais destacados?
Julgo que sim, pela obra que realizou. Agora, o resto, vamos ver o que é que daí sai. Eu sei lá se ele cometeu fraudes, ou problemas, ou não. Não sei mesmo, se soubesse tinha de agir em conformidade. Mas, para isso, existem as entidades de investigação, os tribunais… Agora, o que eu vi foi uma pessoa nos vários órgãos a dar opiniões, a fazer propostas — e não era como algumas pessoas dizem, que ele é que manda em tudo e que os outros… Não é assim, em mim não manda ele. Nem nunca mandou. Antes de ele ir para lá já eu lá estava. Eu sou o único pelicano de platina vivo. Só houve três: o Jacinto Nunes, o Costa Leal e eu.
Também está atento ao mediatismo em torno de Tomás Correia…
(interrompendo) Não leio tudo. Por exemplo, esta história do “secretariozeco” parece que até o Marques Mendes comentou, que várias pessoas se pronunciaram. Não sei, não ouvi. Estava no Brasil. Não vivo muito preocupado com isso, a minha função é outra: é ser presidente da assembleia geral e do conselho geral.
Mutualista Montepio perdeu mil associados por mês no ano passado
“O Montepio está no purgatório. Mas está a caminho do paraíso”
Mas as notícias em torno de Tomás Correia existem, a contraordenação do Banco de Portugal, por exemplo… Ao mesmo tempo, vemos nas contas que a mutualista está a perder associados a um ritmo de mil por mês, em média. Preocupa-o essa descida de associados?
É evidente… Quando fui para o Montepio, em 1983, fui o primeiro grande dinamizador da abertura a novos associados. Pela primeira vez entraram mais de mil associados num ano. Foi uma verdadeira abertura, ao fim de uns anos já estava em 130 mil. Hoje são mais de 600 mil. Mas houve a crise da banca, e o problema que a Caixa Económica teve — que hoje penso estar superado –, é natural que, com a mediatização, com o que se diz, disto e daquilo, alguns associados… Mas não me preocupa para o futuro, rapidamente se restabelecerá e a confiança das pessoas voltará.
Quem está a sair fá-lo por causa das notícias em torno de Tomás Correia?
Em torno do Tomás Correia, não, presumo que seja pela instituição, suponho eu. Há gente a dizer ‘ei, o Montepio vai para a falência‘, é claro que as pessoas começaram a tremer. Também se diz ‘a mutualista está mal conduzida‘, é natural que as pessoas, sobretudo as que estão menos informadas, algumas saiam.
O próprio primeiro-ministro chegou a dizer no parlamento que se fosse necessário o Estado salvaguardaria as poupanças das pessoas na mutualistas…
Se eu fosse primeiro-ministro dizia exatamente o mesmo. Não só em relação ao Montepio mas, também, em relação a qualquer instituição. A defesa dos direitos dos cidadãos e dos depositantes…
Mas não estamos a falar de depósitos. São produtos de aforro, mas não são depósitos…
Sim, nas no fundo é muito semelhante, nesta lógica.
Esta quinta-feira tem uma assembleia geral muito importante, para a aprovação das contas.
Sim, que já foram ao conselho geral e ninguém se manifestou… apreciou positivissimamente. Portanto… uma coisa que já vem com um parecer favorável do conselho fiscal, do conselho geral, agora é na assembleia que vai surgir toda a gente contra as contas? Não prevejo que isso aconteça.
São contas que o confortam em relação ao futuro da instituição?
Sim, sim, e ainda mais com o parecer do conselho fiscal, que é gente muito habilitada. E do conselho geral.
E a auditora — a KPMG — não mostrou reservas?
Não, não, pelo contrário — o auditor esteve lá [no conselho geral] a explicar as várias coisas. Até esteve sentado ao meu lado e, que me tenha apercebido, não fez reservas. Deu explicações.
Mas foi mais um ano de margem associativa negativa, quase 200 milhões de euros de diferença entre os proveitos e os custos com os associados.
Sim, mas isso é o que eu digo: a vida é cíclica e a História tem momentos mais difíceis e menos difíceis. Não me causa grande preocupação. Agora, com realismo, tenho de saber que não estamos no paraíso. Se calhar estamos no purgatório, mas havemos de sair.
No purgatório, como assim?
Num momento difícil. Está a caminho do paraíso, está a caminho de ser aquilo que era.
Quando é que deixou de ser o que era?
Quando começaram a aparecer as várias crises, não é? Talvez aí há seis, sete anos. Já no tempo do Silva Lopes a coisa esteve difícil. Mas, depois, foi-se agarrando, foi-se defendendo [a instituição] e temos vencido várias dificuldades. Eu julgo que o Montepio está num caminho positivo. E esta transformação da Caixa Económica… as pessoas que estão à frente inspiram-me uma grande confiança e uma grande tranquilidade. Quanto à mutualista, uma instituição que tem 179 anos, composta por gente tão séria, por amor de Deus… Não somos nenhuns piratas que andam ali.
“Montepio não irá falir. Só se houvesse um terramoto planetário”
Sente-se confortável em garantir que a mutualista vai continuar a cumprir todas as suas obrigações para com os associados?
É evidente. Isso para mim é o mais evidente de tudo. As pessoas podem perfeitamente confiar que o Montepio cumprirá as suas obrigações, não tenho dúvida nenhuma.
Nem reestruturações parciais, rescalonamento de pagamentos…
Nada, nada. A não ser que houvesse, sei lá o quê, um terramoto planetário.
Garantias como essa, nos últimos anos, têm por vezes sido um pouco premonitórias, de forma errada…
Não, mas eu não sou desses — só estou a dar a minha tranquilidade. Não faço como fizeram no caso do BES, em que vieram vários membros do Governo, comentadores políticos e não sei quê — e, se calhar, o Presidente da República — dizer ‘está tudo bem, não tenham problema nenhum‘. E, depois, havia problema.
O Montepio é diferente?
São coisas completamente distintas. Mas houve uma tentativa de alguma mediatização e de assemelhar a situação da mutualista com a situação do BES. São coisas completamente distintas — o facto de o BES ter lá as suas Riofortes, várias sociedades, é completamente diferente do Montepio, que tem o seu próprio grupo.
Opositores pedem voto de censura a Tomás Correia na assembleia-geral desta quinta-feira do Montepio
Mas, mesmo no caso do BES, muita coisa só se soube depois. A pergunta que as pessoas fazem na rua é: será que no Montepio é preciso acontecer alguma coisa para que se saibam as coisas?
O que eu pergunto é: o que é que poderia acontecer, de igual ou semelhante ao BES?
Casos como a compra do Finibanco, que foi polémica, desde logo pelo timing e pelos valores.
Há sempre pontos de vista, há uns que concordam, outros que não concordam — aquilo foi aprovado pelos órgãos competentes. Quem está nessas áreas, às vezes tem de arriscar. E às vezes acerta, outras vezes não acerta. Mas o que eu vi, na altura, foram os órgãos competentes do Montepio — quer o conselho fiscal, quer, depois, a assembleia geral, aprovaram. Agora… quem não arrisca não petisca.
Voltando a Tomás Correia, disse há pouco que era um dos melhores presidentes que a mutualista já teve…
(interrompendo) Eu não diria tanto. Se ele agora fosse ensombrado a gente sabe como é que é… Há gente que diz que alguém foi toda a vida santo mas cometeu um pecado no fim, vai para o inferno. Não é isso que eu digo mas há quem diga essa parvoíce. Para os historiadores, se ele tiver cometido um pecado mortal no fim, todo o bem que fez pode ficar sujo. Espero bem que não… Em relação a estas coisas, não tenho certezas — e acompanho sempre tudo com um grande respeito pelas pessoas, não é porque um tipo está em baixo que vamos lá todos calcar em cima.
Tomás Correia está a ser calcado por quem?
Se uma pessoa está debaixo de olho, ou debaixo de desconfiança, não é por isso que é condenada. Nem vocês, comunicação social… a vossa vida é noticiar, não é condenar. E a minha função é essa: colaboro, observo, não sou ceguinho, graças a Deus, mas não sou eu que condeno quem quer que seja.
Quem paga a coima de Tomás Correia? “Não sei. Eu não devo ser”
Sobre a contraordenação do Banco de Portugal e a coima de 1,25 milhões a Tomás Correia: acha que o Banco Montepio deve pagar a coima ou, mesmo, as custas e honorários?
Primeiro, as coimas são a ele e aos outros, não são só a ele. Se, depois dos recursos, se vier a confirmar que eles tenham mesmo de pagar é prática bastante comum quando alguém é responsável por uma entidade as decisões erradas que toma em nome da entidade seja a entidade a assumi-las.
Desde que não haja dolo…
Exatamente. Que não haja dolo ou que a situação tenha sido contra aquilo que ele devia fazer — aí já é responsável por si mesmo. Portanto, este é outro dos assuntos que têm de se clarificar. O Banco de Portugal já disse, agora alguém tem de se pronunciar a dizer ‘sim, senhor‘. Se isso se confirmar, depois tem de se ver quem paga. Eu não devo ser. Mas acho que se qualquer instituição bancária tiver de pagar dois ou três milhões, ou cinco milhões, não acaba, acho eu. Se tiver de pagar a instituição e não eles, de certeza absoluta que os associados não vão ficar prejudicados. Não é por aí que o gato vai às filhós.
A assembleia geral desta quinta-feira é, também, importante porque vai eleger a comissão que vai elaborar o projeto dos próximos estatutos do Montepio. Deve ser o próprio presidente, Tomás Correia, a liderar esse trabalho?
Não é o presidente, é o conselho de administração que propõe. Propõe uma. É como para as eleições: há uma proposta institucional que é feita pelo conselho de administração. Todo. Estão lá pessoas que… espero que a Idália [Serrão], que o Carlos Beato não estejam ali a dizer só “Amén, amén“. E além dessa lista podem surgir outras, apresentadas por outros.
Há aqui também muita questão em jogo ligada à fidelidade…
(interrompendo) Fidelidade a quem? Eu, por exemplo, não sou fiel a nenhum. Nem a mim sou muito fiel, quanto mais aos outros. Ora essa, fidelidade… Se apresentarem um lista com a qual não concordo, voto logo contra. Não é? E não sou só eu… Espero que os outros que não concordem votem também contra. Não sei qual é a lista, mas, vendo a atual composição do conselho de administração e a própria situação dentro do conselho geral, julgo que acabarão por fazer uma lista consensual.
Candidatos querem novas eleições para tirar do Montepio o “abcesso” Tomás Correia
Acha que os membros das listas que concorreram contra Tomás Correia têm feito uma oposição justa? Ou usam golpes abaixo da cintura?
No mutualismo não há cá oposições. No mutualismo é one man, one vote. Para escolher os órgãos pode haver listas, mas, uma vez escolhidos, terminam as listas, não há mais nada. São todos absolutamente iguais. Mesmo lá, se algum viesse dizer ‘Ah, nós na oposição’ eu dizia logo ‘shiu, caluda! Aqui não há isso’. ‘Aqui o pluralismo é absoluto. É como nos bombeiros: podem vir comunistas, socialistas, neutros, cristãos, católicos, ateus, tudo. Mas cá dentro não há bíblias nem há cartões’. Uma vez eleitos são todos iguais, não há cá oposições.
E então como tem sido com essas pessoas que lideraram as listas, António Godinho, Ribeiro Mendes?
Algumas das pessoas que não têm sido eleitas de vez em quando falam coisas… E têm todo o direito a falar.
Mas?
Falar certo ou falar errado, consoante os casos. Umas vezes falam certo e outras errado.
Acha que personalizam demasiado em Tomás Correia, ao falar das acusações?
Isso aí dá-me impressão que sim, pelo que leio. Pelo menos pelos títulos dos jornais, acho que personalizam muito. Acho que falam mais do Tomás Correia do que do Montepio e da administração. É ‘Tomás Correia, Tomás Correia‘. Deviam era falar do Montepio, dos outros que lá estão. Reparem numa coisa: em todo este processo, nisto tudo, nunca nenhum jornalista veio falar comigo. Os primeiros são vocês. Porquê? E ninguém perguntou nada… Não sabiam que eu é que era o presidente da assembleia geral?
Futuro de Tomás Correia nas mãos de Melícias? “Em parte, sim”
Escreveu-se que o futuro de Tomás Correia no Montepio está nas suas mãos…
Em parte, sim. Porque compete ao presidente da assembleia geral, ou à sua mesa, fazer a avaliação da idoneidade. O que eu já fiz. Faz-se sempre quando é para a eleição. Eles apresentaram-se, nós fizemos um a um, com o apoio dos serviços. Reuniu-se a comissão eleitoral e eu disse ‘Olha, nós não vemos aqui inconveniente nenhum. Toda a gente está elegível, porque não há aqui nenhum dos critérios de idoneidade que se apliquem. Sim, senhora, tudo bem‘. E houve a eleição. Agora, durante o período de mandato, se surgirem casos novos, essa avaliação pode ser feita de novo.
Em que momento?
Se surgirem casos, o que não me parece que seja o caso neste momento. Não há condenações…
O seu critério é esse: uma condenação.
O critério é uma condenação final. Trânsito em julgado. Uma sentença. Eu sou jurista: toda a gente que não é condenada, com trânsito em julgado, deve ser tratada como inocente. Isso é o mínimo dos mínimos… Eu até poderia ter a convicção de que ele estava errado, mas se o tribunal não o disser o tribunal é que tem razão, não sou eu. Eu não vou julgar isto pelas minhas convicções, mas sim pela lei e pelos critérios de idoneidade.
Mas de um ponto de vista mediático…
(interrompendo) O ponto de vista mediático tem de corresponder à realidade e a realidade é esta: os responsáveis pelo Montepio são todos os da administração, não é só o Tomás Correia. Ele tem um voto igual aos outros. Pode ter mais influência moral, de alguma certa autoridade, de aura, não sei quê… mas poder não tem.
Montepio. Condenação de Tomás Correia deve originar avaliação de idoneidade, diz Vieira da Silva
Em segundo grau de responsabilidade estão os órgãos fiscalizadores, nos quais o senhor padre é presidente da mesa da assembleia geral…
Que não é um órgão de fiscalização. A não ser indiretamente…
A não ser indiretamente, ao verificar por exemplo a idoneidade de Tomás Correia.
Exatamente.
Ora, a meio do mandato o padre Melícias poderia ter dito ‘olhe, isto já chega, já chegou a um ponto que é demais. Faça o favor de se ir embora‘…
Em teoria, sim, mas havendo ainda por cima esta intromissão ou não dos seguros — em princípio por nós desejada, ainda que a maneira como vai ser aplicada tenha de ser um bocadinho discutida… — não era nada bonito dizer ‘agora vou-me antecipar aos seguros ou ao Banco de Portugal e dizer que este senhor fica aqui’. Não. Não vou dizer nem uma coisa nem outra. Tratem lá disso e depois no final eu logo vejo.
Saída de Tomás Correia? “Bem conversado, se fosse bom para ele e para o Montepio”
Neste ponto gostaria mesmo de perceber qual é o processo que isto segue. A ASF já disse que iniciou o processo e amanhã diz que Tomás Correia tem idoneidade. Aí não acontece nada, fica tudo igual…
(interrompendo) Se eu no dia a seguir disser que a ASF se pronunciou em matéria de seguros e acha que ele tem toda a idoneidade, mas eu — eu e os apoios internos — verificando que não, que nestas matérias ele não tem idoneidade, tenho de me pronunciar nesse sentido.
E o inverso: se a ASF disser que não tem idoneidade?
Julgo que tem de subir para outra instância. Tem de subir para o poder judicial, acho eu.
E os órgãos do Montepio deixariam que isso chegasse a esse ponto? Até pelas consequências que isso teria para o Montepio, para os associados?
Pode ser até que seja vantajoso.
Em que medida?
Imagine que o tribunal dizia que afinal a ASF não tem razão nenhuma. Eu não posso ir contra um tribunal.
A nossa pergunta tem a ver com o tempo que demora até à decisão. Sabemos como demoram os tribunais em Portugal. O facto de ir para tribunal poderia levar a uma fuga ainda maior de associados do Montepio e consequente rutura financeira.
Isso é esticar um bocado a imaginação. É a minha opinião e desde o início que não tenho dado outra que não a minha. Sou sereno, tenho muitos anos daquilo. Conheço o mutualismo na Europa. Fui dos governadores da Associação Internacional de Mutualidade, fundador da União das Mutualidades, presidente e presidente da assembleia geral. Conheço o mundo do mutualismo, portanto sou um homem sereno. Obviamente, sou um homem atento. E até se calhar poderia dizer que (sou um homem) com alguma pré-ocupação. Pré-ocupação. Se me pergunta o que pode acontecer ao Tomás Correia, digo-lhe que tanto pode sair por vontade dele, como pode ser posto fora, como pode lá ficar. As três hipóteses são possíveis.
E se Tomás Correia nessa altura disser que quer sair? Vai contrariá-lo, vai dizer para ele não sair?
Depende dos argumentos que ele tiver para se ir embora. Faço a mesmo coisa que faria com qualquer outro que pedisse para sair: ‘É por razões pessoais? Porque já não pode?’.
Mas deixaria sair?
Bem conversado com ele, se visse que era bom para ele e para a instituição… Eu tenho de atender às duas.
Mas teria pena que ele saísse?
Depende… Depende das condições em que ele estivesse. E depende das consequências para a instituição. Defender a instituição em primeiro lugar e depois as pessoas todas. Não é ele, mas sim todos.
Maçonaria no Montepio. “Só conheço lá um — e penso que Tomás Correia não é”
Há várias sensibilidades da maçonaria no Montepio, e também uma ala de comunistas…
Eu devo dizer que é pela comunicação social que ouço que pode haver essas coisas. Eu lá dentro — e estou lá há muitos anos – não me apercebo que isso seja uma força.
Mas é um banco — ou melhor, uma mutualista — com muitos nomes associados à maçonaria.
Associado? Eu só lá conheço um… E porque ele me disse que era.
O próprio Tomás Correia?
Não, não. Olhe que eu julgo que não é. Nunca lhe perguntei e nunca me disse. Julgo que não é. Agora há lá um que sei que é, porque ele me disse.
Quem?
Acha que eles gostam que eu ande a denunciar os homens deles?
Denunciar talvez seja uma palavra muito forte, para quem não tem nada a temer…
Apontar, apontar. Eles não gostam que se diga. Por que razão hei de ser eu a dizer? Sinceramente não sei identificar: nas eleições alguns dizem ‘aqueles são dos comunistas e tal’ e há outros que se sabe que são dos socialistas.
Geringonça está mais focada na austeridade do que na parte social
Este ano faz 23 anos que assinou o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. Acha que faz falta fazer um novo Pacto Social ou atualizar esse pacto?
Faz a maior das faltas que ele seja aplicado, porque muitas coisas estão meio paradas.
Em 23 anos não se conseguiu aplicar aquilo na totalidade?
Não, não se conseguiu.
E porquê? O que faltou?
Faltaram duas coisas: vontade política — nem todos os governos quiseram — e capacidade da sociedade civil. A sociedade civil portuguesa — mesmo essas instituições — não tem suficiente capacidade ou autoridade, ou convicção, para se impor. Apesar de tudo, o pacto foi e é positivo. Mas julgo que poderíamos ter ido muito mais longe.
Em que área teríamos de atualizar o pacto, para o ajustar à sociedade de 2019? Hoje não teremos tanta pobreza como em 1996, mas há outros problemas de extremismos e radicalismos.
Aquela comissão para o pacto não se reúne. Ou se o faz não se ouve. Logo cinco anos depois, houve um ministro da área que disse que o pacto não poderia ir por diante.
Um ministrozeco?
Um ministrozequito. Um ministrozequito. Por acaso até sou amigo pessoal dele.
E atualmente há políticos à altura da tarefa?
Em princípio, o Vieira da Silva tem pugnado pela economia social. E acho que ele mesmo, mais do que uma vez, já disse que era preciso pôr o pacto a andar. Mas talvez o ambiente geral do governo neste momento — ou pelo partido PS ou pela geringonça — não me dá a impressão de estar tão entusiasmado com o pacto como deveria estar. Deveria ser mais bem tratado, a meu ver.
A política moderna está a privilegiar o quê em detrimento desta preocupação com a solidariedade social?
É a preocupação pelas Finanças.
É a austeridade.
A austeridade. Ou a austeridade ou a ‘gestão da estabilidade financeira’. E o que eu disse toda a vida é que no social não deve haver ‘orçamento zero’ porque se uma pessoa estiver a morrer de fome à minha porta e eu não tenho orçamento para isso, como é que lhe vou lá dar de comer? Esta gente ainda tem — por influência europeia, mais do que deveria ser — muita preocupação com a estabilidade financeira. Mais do que atender às prioridades de bolsa de pobreza, de aflição e de saúde.
Austeridade ou ‘gestão de estabilidade financeira’… Bem, não estamos a falar da mesma coisa?
Como a austeridade foi identificada com o período da troika, e aquelas exigências da troika, eu evitei. Mas é só por isso. No fundo é mais ou menos a mesma coisa.
“A comunicação e a informação, deixadas à cabeça de cada um? Isso não pode ser”
Preocupam-no os radicalismos — religiosos, políticos — nas redes sociais?
Preocupa-me muito. Por um lado, pela maneira como são suscitados: nas redes sociais, muitas delas anónimas. Não têm rosto, não têm nome ou estão falseados. Depois, as redes sociais não têm responsabilidade ética. São capazes de chamar os piores nomes a uma pessoa. E ninguém os vai responsabilizar. E acontece outra coisa: a sociedade deveria funcionar por elementos organizados.
Como assim?
Uma sociedade de homens livres que se associam para isto e para aquilo. Mas em organizações, não é cada um ser livre para dizer e fazer o que quer. Nas redes sociais é assim: ‘amanhã vamos todos dizer que o Macron é uma besta‘. Então vem tudo para a rua. Aparecem uns tantos e criam problemas enormes. Isso quer na religião, inclusive na religião cristã, onde há extremismos e radicalismos inaceitáveis, quer na política. Preocupa-me muito o caminho de radicalização.
E o que há a fazer quanto a isso?
Preocupa-me que isso seja motivado pelas redes sociais. Acho que tem de haver um controlo da comunicação. E têm de ser vocês, como comunicação social organizada e responsável, a contrariar esse movimento das redes sociais. Não quer dizer que não utilizem elementos das redes para lhes dar tratamento ou lhes forneçam elementos, mas deixar que a comunicação, a divulgação das ideias e a informação seja uma coisa deixada à cabeça de cada um, isso não pode ser.
É um pouco como escrever nas paredes das casas de banho. Só que agora vai para o mundo.
É a mesma coisa. Vai para o mundo, mas não deveria ir. O mundo não é uma casa de banho. Que eu saiba.
Abusos na Igreja portuguesa? “Não tenho conhecimento, nunca tive”
O Observador revelou uma série de casos de abusos sexuais cometidos ao longo de anos por elementos da Igreja católica portuguesa. Uns foram denunciados e muitos outros encobertos. Ficou surpreendido com esta situação?
Em Portugal? Eu tenho lido é os casos dos bispos [noutros países]. Em Portugal, não tenho conhecimento, nunca tive. Fui Superior (equiparado a bispo) nove anos, fui Provincial nove anos e Superior dos Franciscanos da Europa toda e lá pela Europa às vezes soava umas coisas. Mas aqui, nos meus frades, pelo menos, nunca ouvi falar nisso. Não quer dizer que não haja. Mas o que tenho ouvido é os bispos a dizerem que aqui não, que não consta. Que não há casos. Mas se houver… Deve haver tolerância zero.
Mas concorda com investigações no seio da Igreja, prévias a uma denúncia de suspeitas às autoridades policiais? Acha que a Igreja tem o direito de investigar internamente casos de abusos sexuais antes de alertar as autoridades judiciárias?
Acho que sim. Assim como acho que o Estado tem o direito de averiguar antes de ir dizer à Igreja. Quem primeiro descobre é que tem a obrigação, na sua estrutura, de fazer a investigação. ‘Aquele padre fez isto e aquilo’…
Qualquer cidadão tem o dever de alertar as autoridades acerca de um crime e não pôr-se a investigá-lo, não acha?
Eu antes ir às autoridades, como cidadão, vou pelo menos ver se aquilo tem algum sentido ou não. É o mesmo dentro da Igreja.
Não é isso que estou a perguntar, é se a Igreja deve fazê-lo de forma organizada. Ter corpos de investigação para averiguar as suspeitas antes de comunicar às autoridades.
Se isso for para encontrar a verdade e para defesa do direito e da justiça, acho muito bem. É um bom instrumento. Agora, se for para negar às autoridades a capacidade de intervenção, acharia malíssimo. Se é apenas para se ter a certeza que se vai levar às autoridades uma coisa sobre a qual ela pode trabalhar, muito bem. Para dificultar o trabalho da autoridade civil não, de maneira absolutamente nenhuma. Só se for para que os tribunais não tenham de tratar de 500 casos quando podem tratar só de 200.
E se, mais tarde, se descobrir que houve mesmo abusos e que a Igreja na altura investigou mal?
Aí tem de perguntar à Igreja porque é que investigou mal. Para responsabilizar.
Mas, entretanto, há crianças que nesse período podem ter sido submetidas ao pior.
Eu não estou a falar de investigações longas. Têm de ser investigações rápidas. Assim que sei de uma coisa vou logo a correr ao tribunal? Não, verifico. Mas não deixo prolongar. Tomo logo internamente — mesmo no período de investigação — algumas medidas para não prejudicar as crianças. Quando a Igreja julgava os casos, de imediato tirava os padres daquela paróquia e mandava-os para outra. Não era a melhor solução.
Assim não expõe as crianças desta paróquia, mas expõe as da paróquia ao lado.
Não estou a dizer que é a melhor solução.