Antes de atacarem o USS Pueblo, os norte-coreanos já tinham aquele navio de espionagem debaixo de olho há três dias. Era 23 de janeiro de 1968 e o mar estava perto de gelar nas águas internacionais ao largo de Wonsan, na costa da Coreia do Norte. Era ali que o USS Pueblo, um navio-espião da marinha dos EUA que agia sob o disfarce de estar a fazer estudos hidrográficos, tinha de cumprir a sua missão de recolher o máximo de sinais e frequências da Coreia do Norte. E foi ali que fracassou, dando início a um dos maiores falhanços militares dos EUA perante a Coreia do Norte — e, mais importante, resultando num dos episódios mais tensos da História destes dois países.
Primeiro, o USS Pueblo viu duas embarcações, que julgava ser traineiras, a aproximarem-se e logo depois afastarem-se. Após este encontro, as suspeitas norte-coreanas começaram a ser formadas. O que estaria ali a fazer aquele navio, que nas suas bandeiras ostentava o sinal internacional para operações hidrográficas? Para responder a essa pergunta, ao longo da noite de 22 para 23 de janeiro de 1968, um total de 18 embarcações norte-coreanas aproximaram-se do USS Pueblo para poderem estudá-lo.
A bordo do navio, os norte-americanos sabiam que algo se passava em seu redor — mas não sabiam exatamente o quê. Os dois marinheiros destacados como linguistas, por terem estudado coreano, não dominavam a língua o suficiente para descodificarem as comunicações inimigas, apesar de estas lhes chegarem com um som nítido, dada a proximidade. Nesta altura, já os norte-coreanos se referiam ao USS Pueblo como um um “navio inimigo” pelo rádio, sem que os norte-americanos percebessem a gravidade da situação. Mas logo ficaram sem dúvidas quando o capitão do navio dos EUA, Loyd Bucher, reparou que estava rodeado por navios de guerra e torpedeiros norte-coreanos, ao mesmo tempo que dois aviões militares de Pyongyang voavam sobre as suas cabeças.
O assalto norte-coreano ao USS Pueblo foi rápido, mas atribulado. Quando viram que estavam a ser cercados, os tripulantes do navio norte-americano cumpriram ordens para tentar destruir os milhares de documentos classificados que tinham a bordo. Ao mesmo tempo, sob ordens do capitão, ninguém podia ir para o convés, para não levar os norte-coreanos a pensar que estariam dispostos a entrar numa troca de fogo. Por momentos, Loyd Bucher pensou que a aproximação do inimigo era apenas bluff, com o objetivo de afastá-los. Mas, se os linguistas tivessem tido a capacidade para perceberem as comunicações que os navios da Coreia do Norte enviavam para o Ministério da Defesa, teriam percebido que estes acabavam de receber autorização de Pyongyang para disparar.
Enquanto destruíam documentos classificados, os marinheiros norte-americanos começaram a receber fogo. Ao todo, cinco ficaram feridos, um deles de forma grave, tendo morrido pouco depois. Perante a ofensiva, para a qual a tripulação do USS Pueblo não se tinha preparado, o capitão Loyd Bucher rendeu-se. Era a primeira vez que, desde 1807, um navio norte-americano o fazia.
Já sob ordens norte-coreanas, o USS Pueblo foi escoltado pelos norte-coreanos até à costa daquele país. Ali, a embarcação norte-americana foi tomada pelos marinheiros e militares ao serviço de Kim Sung Il, fundador da Coreia do Norte e ali conhecido como Eterno Líder. Dois deles foram às camaratas, tiraram os lençóis das camas e, com uma faca, rasgaram-nos em pequenas tiras, que usaram para vendar os olhos dos tripulantes do USS Pueblo. Deixados ao frio, sem poder ver o que se passava à sua volta, eram agora as personagens principais de um dos momentos mais tensos da Guerra Fria.
“Davam-me pancada até ficar inconsciente”
Assim que descobriram que Eddie Murphy era o segundo na hierarquia do navio, os torturadores da Coreia do Norte nunca mais o largaram. “Na lógica militar soviética, o segundo na hierarquia é quem tem o acesso direto a toda a gente, é ele que tem as mãos na massa. Claro que nós não nos organizávamos assim, mas era assim que eles planeavam tudo”, explica Eddie Murphy ao telefone com o Observador. “Isto foi quanto bastou para eles nunca me largarem.”
Aos 82 anos, ainda guarda intactos vários dos detalhes dos 335 dias em que ele e os seus camaradas foram prisioneiros de guerra na Coreia do Norte. O objetivo dos torturadores foi sempre o mesmo: conseguir uma confissão, mesmo que falsa. “Eles queriam que eu admitisse que tínhamos violado as águas territoriais norte-coreanas, que tínhamos entrado nelas sem permissão”, conta.
Para falar com Eddie Murphy e os restantes militares, os torturadores contavam com a ajuda de intérpretes. “Eles diziam-me que o meu radar estava errado, que eu tinha cometido um erro”, conta. À falta de admissão de culpa, começavam a bater-lhe. “Davam-me pancada até ficar inconsciente, tinha o lóbulo de uma orelha pendurado só por um fiozinho de carne, as minhas rótulas foram deslocadas…”, enumera.
Primeiro estiveram detidos num sítio a que foi chamado de “celeiro”, um edifício que Eddie Murphy descreve como “velho e em mau estado”. Terão passado ali cerca de 40 dias, até que mais tarde foram levados para um edifício militar, em Pyongyang. Nesse local, começaram a criar-se grupos entre a tripulação do USS Pueblo, já de si pouco unida. O comandante Lloyd Bucher foi propositadamente isolado pelos norte-coreanos. Já Eddie Murphy, conta o próprio ao Observador, ficou também de parte, mas por outras razões. “A tripulação era indisciplinada. A caminho da Coreia do Norte, quando parámos no Havai ou no Japão, chegavam a trazer mulheres para dentro do navio”, recorda. “Eu sempre fui contra tudo isto e, uma vez que estava num cargo de liderança, era o segundo na hierarquia, tinha de marcar uma posição. E a maior parte das pessoas não gostavam disso e por isso puseram-me de lado.”
Ainda assim, houve alguns momentos de unidade entre os prisioneiros. O mais célebre de todos aconteceu já em dezembro de 1968, o último mês do cativeiro daqueles 81 homens. Perante alguma pressão internacional e uma campanha mediática ampla nos EUA, a Coreia do Norte aceitou que os prisioneiros de guerra do USS Pueblo fossem fotografados para a revista Time, de forma a demonstrar que estavam bem.
A fotografia foi para as bancas. As caras dos marinheiros estavam serenas, a sua pose mais ou menos descontraída. Afinal, contra tudo o que se esperava, parecia estar tudo bem. Porém, nos EUA demoraram pouco a compreender a mensagem que os marinheiros ali deixavam. Em cada uma das fotografias, quase todos estão com o dedo do meio esticado — onde se lia tanto um pedido de ajuda como um ato de protesto. No local, os norte-coreanos também repararam naquele gesto — mas não o compreendiam. Quando lhes perguntaram o que significava, os marinheiros disseram que era uma “cordialidade” e um código muito usado no Havai, sinónimo de “boa sorte”.
Quando descobriram que um dedo do meio levantado era tudo menos uma “cordialidade”, os norte-coreanos intensificaram a tortura. Esses dias ficaram conhecidos, entre os sobreviventes, como a “semana do inferno”.
“Com toda a sinceridade, nunca achei que alguma vez nos libertassem. Talvez libertassem alguns marinheiros, mas tinha como certo que a mim não me iam libertar”, conta Eddie Murphy, numa entrevista por telefone. Para ele, era o fim da linha. Mas, ao fim de poucos dias, foi outro fim que chegou: anunciaram-lhes que iam ser libertados, depois de os EUA terem assinado uma declaração onde assumiam ter violado as águas internacionais da Coreia do Norte a 23 de janeiro de 1968 e que, por isso, o regime de Pyongyang tinha agido em legítima defesa e num ato de soberania.
Os 81 prisioneiros foram encaminhados para a Ponte de Não Retorno, uma ponte entre a Coreia do Norte e a Zona Desmilitarizada da Coreia, território onde a Coreia do Sul também está presente.
Um a um, os nomes dos prisioneiros foram lidos em voz alta pelos responsáveis pelas sessões de tortura que aconteceram ao longo de quase um ano. A chamada não foi rápida. À medida que cada nome era dito, um dos responsáveis norte-coreanos tratava de lhe dedicar algumas palavras. A alguns, dirigia críticas. A outros, estendia declarações de tréguas. Eddie Murphy ficou para o fim. Na altura de falar sobre ele, o responsável máximo pelos torturadores disse: “Murphy, a ti nunca te entendi”. Por fim, deixou-o sair em liberdade. Foi o último a fazê-lo.
Chegar a San Diego, a cidade californiana de onde a maior parte dos tripulantes do USS Pueblo eram naturais, foi um enorme alívio para Eddie Murphy. À chegada, foram recebidos como heróis, contando com a receção de Ronald Reagan, à altura governador da Califórnia. Porém, os anos e as décadas que se seguiram não foram tão consensuais quanto aquele regresso. Em 1969, foi montado um inquérito onde os tripulantes depuseram. Apesar de na altura haver quem defendesse que eles deviam ser julgados em tribunal militar por se terem rendido sem oferecer resistência, o caso não avançou e foi arquivado.
Décadas mais tarde, caso do USS Pueblo viria a ser alvo de um inquérito da National Security Agency elaborado em 1992 e que só em 2012 foi desclassificado e tornado público. Nele, são feitas várias críticas à maneira como a operação decorreu. Além das menções à falta de preparação da tripulação, sendo recorrente a menção aos linguistas especialistas em coreano que na verdade mal falavam aquela língua, é também apontado várias vezes o dedo ao capitão Lloyd Bucher. “Bucher não se apercebeu de que a Coreia do Norte não precisava de desculpas. Eles estavam determinados a assaltar o navio e estavam preparados para fazer tudo o que fosse necessário para chegar a esse objetivo”, lê-se no relatório.
Além disso, é apontado por aquele relatório que o esforço para queimar documentos secretos não só foi mal coordenado e dispunha de poucos meios como nunca tinha sido sequer treinado pela tripulação. Por isso, quando tomaram controlo do USS Pueblo, os norte-coreanos puseram as mãos em várias informações. Nalguns daqueles documentos, dava-se conta da Ofensiva de Tet, uma operação militar que os EUA estavam a preparar na Guerra do Vietname e para a qual os vietcongs já estavam alertados, depois de receberem informações de Pyongyang.
Além disso, o navio e os seus aparelhos foram amplamente analisados, tanto pelos norte-coreanos como pelo GRU, os serviços de informações militares soviéticos. Partes dos sistemas de comunicações e de captação de sinais encriptados foram enviados para diferentes cidades da União Soviética, para serem estudados. Assim, em vez de obter vantagens para os serviços de informação dos EUA, a missão do USS Pueblo acabou por estar no centro de uma irreparável perda de intelligence para o inimigo.
Os bastidores: como a Coreia do Norte espremeu a crise do USS Pueblo até à última gota
Dois dias antes da crise do USS Pueblo, em janeiro de 1968, a Coreia do Norte protagonizou outro episódio de enormíssima tensão, desta feita com a Coreia do Sul. Ao todo, 31 militares de elite escolhidos a dedo pela Coreia do Norte irromperam durante a noite na Casa Azul, a residência oficial do chefe de Estado da Coreia do Sul, em Seul. O objetivo era simples: matar o Presidente sul-coreano, Park Chung-hee.
A operação acabou por ser um fracasso para a Coreia do Norte e um banho de sangue para todos. Do lado sul-coreano, morreram 26 pessoas, ao passo que entre os 31 membros das forças de elite da Coreia do Norte só dois homens sobreviveram, tendo um deles conseguido voltar para o seu país.
Foi neste contexto que Kim Il Sung decidiu, dois dias depois de um fracasso, tentar obter um sucesso, com a captura do USS Pueblo. E conseguiu, de tal forma que, a nível interno, conseguiu estancar a sangria de uma derrota pesada com uma vitória inesperada. “Isto permitiu-lhes construir toda uma narrativa propagandística que foi suficiente para motivar a população”, conta ao Observador Mitchell Lerner, professor norte-americano especializado na Coreia do Norte da Ohio State University e autor do livro “The Pueblo Incident: A Spy Ship and the Failure of American Foreign Policy”, sem edição portuguesa.
Ao Observador, Mitchell Lerner sublinha que todas as provas e registos indicam que o USS Pueblo não estava em águas territoriais norte-coreanas aquando do ataque. “Podem lá ter estado antes do ataque, mas mesmo isso é altamente improvável”, sublinha. “Os norte-coreanos simplesmente queriam muito atacar o USS Pueblo.”
E atacaram, matando um homem e capturando outros 81. Enquanto Eddie Murphy e os seus camaradas eram brutalmente torturados em Pyongyang, os diplomatas com representação na capital do regime então liderado por Kim Il Sung falavam em privado com preocupação sobre a crise que ali estava a ser criada — e que, a cada dia que passava, lhes fugia das mãos.
O tom de relativo desespero dos diplomatas destacados em Pyongyang, à altura maioritariamente em representação de países do Pacto de Varsóvia, ficou patente numa série de telegramas publicados pelo Wilson Center. Logo desde o início da crise, a embaixada da Roménia em Pyongyang envia para Bucareste um telegrama onde aconselha os meios de comunicação daquele país então comunista a não fazerem referência à distância que o USS Pueblo tinha da costa norte-coreana aquando da sua captura, por não ser claro se estava ou não em violação de águas territoriais. Mas, na dúvida, lia-se na nota, os media romenos deveriam usar os dados publicados pela agência de notícias da Coreia do Norte.
Logo a 24 de janeiro, o diplomata romeno que assina como “Popa N.” comunicava a Bucareste que os norte-coreanos estavam “a exagerar um bom bocado e a distorcer a verdade” daquele momento para criar um “ambiente verdadeiramente revolucionário”. Cinco dias depois, o mesmo diplomata envia novo telegrama para Bucareste, dando conta da preocupação da União Soviética perante a agressividade da Coreia do Norte e do seu aparente empenho em estender a crise do USS Pueblo no calendário. “O embaixador soviético em Pyongyang voltou ao seu posto e está pronto para tomar ações para moderar a liderança [norte-]coreana, de forma a que esta volte a meter os pés na terra”, lê-se no memorando romeno. Noutra conversa entre um diplomata da União Soviética e outro da Mongólia decorrida em Pyongyang, o homem de Moscovo apelava à “paciência e flexibilidade” dos norte-coreanos.
Porém, a Coreia do Norte fazia tudo menos isso. Aos poucos, foi intensificando a sua máquina de propaganda ao mesmo tempo que promovia exercícios militares com milícias de cidadãos todos os sábados e domingos. A partir do início de fevereiro, lê-se no memorando da embaixada da República Democrática da Alemanha em Pyongyang, todos os norte-coreanos com mais de cinco anos eram obrigados a ter sempre consigo uma mochila com bens de primeira necessidade, para o caso de começar uma guerra. Além disso, mais tarde no mesmo mês, o regime de Kim Il Sung aconselhou fortemente todas as embaixadas a construírem um abrigo subterrâneo à prova de mísseis, oferecendo para isso a colaboração de especialistas norte-coreanos. Os abrigos deveriam ser construídos “quanto antes”, uma vez que “a situação está a deteriorar-se rapidamente”.
Em março, começam a surgir relatos que apontam para a crescente preocupação dos soviéticos em relação a toda esta crise. E, em abril, um discurso do então Presidente da URSS, Leonid Brejnev, vem confirmar isso mesmo. Apesar de utilizar uma linguagem previsivelmente agressiva em relação aos EUA (“ficou claro para o mundo inteiro que falharam as tentativas dos EUA de fazerem a Coreia do Norte curvar-se perante a sua chantagem e ameaças militares”), o líder soviético disse que a crise devia ser encerrada com a “deportação” dos tripulantes do USS Pueblo. E pediu, em público, a Kim Il Sung que fosse a Moscovo, sublinhando que não estava a receber informação do regime norte-coreano sobre a crise do USS Pueblo.
“A crise chega a um momento em que há uma frustração enorme dos soviéticos perante a incapacidade dos norte-coreanos agirem de forma sensata”, diz Mitchell Lerner. “Antes de abril, não havia maneira de conseguir uma reunião com Kim Il Sung. Os diplomatas socialistas tentaram-no várias vezes, mas foi sempre impossível. Só em abril, depois da crítica pública de Brejnev, é que Kim Il Sung aceitou ir a Moscovo falar com ele.” A partir daí, a Coreia do Norte deixou de apostar na escalada do conflito, mas fez tudo para prolongá-lo até não poder mais.
Desde fevereiro, em Panmunjeom, na Zona Desmilitarizada da Coreia, o regime de Kim Il Sung aceitou sentar-se com representantes dos EUA e negociar a libertação dos 81 prisioneiros de guerra. As negociações foram marcadas por um longo e previsível vaivém entre as duas partes. De um lado, os EUA negavam a legitimidade da Coreia do Norte para ter lançado aquele ataque, argumentado nunca ter violado as suas águas territoriais. Do outro, a Coreia do Norte insistia na tese contrária e garantia que apenas devolveria os 81 sobreviventes da crise se os EUA admitissem publicamente a sua culpa.
Desde cedo, os EUA terão percebido que não havia interesse nenhum em voltar a entrar numa guerra na Península da Coreia, uma década depois. “Da parte dos EUA não havia intenção nenhuma de fazer ali outra guerra, ao mesmo tempo que decorria outra, já bastante difícil, no Vietname”, diz, referindo-se ao conflito que começara 13 anos antes e que ainda teria outros sete pela frente. Além disso, o contexto doméstico dos EUA, então governados pelo democrata Lyndon Johnson, não era fácil. “1968 foi ano de eleições e os democratas já tinham problemas de sobra no Vietname, não iam fazer outra guerra para ter de enfrentar ainda mais jovens a protestar nas ruas”, explica Mitchell Lerner.
A 23 de dezembro de 1968, os norte-americanos cederam. Mais de 300 dias depois do início da crise, os EUA aceitaram assinar uma declaração onde admitiam ter “invadido ilegalmente as águas territoriais da República Democrática Popular da Coreia em várias ocasiões”. Não só a a admissão era inesperada, como o uso daquele termo para se referir à Coreia do Norte era inédito por parte de um órgão oficial dos EUA.
E o pedido de desculpas continuava: “[Os EUA] Assumem total responsabilidade e pedem perdão pelos graves atos de espionagem cometidos pelo navio dos EUA contra a República Democrática Popular da Coreia”. No parágrafo final, pedia-se ainda ao governo da Coreia do Norte que, tendo em conta que os “tripulantes [do USS Pueblo] confessaram honestamente os seus crimes”, fosse “clemente”.
No dia seguinte, os sobreviventes da crise do USS Pueblo foram colocados em autocarros e levados até à fronteira com a Coreia do Sul, para cruzar a Ponte de Não Retorno. Quando Eddie Murphy, o último a passar para a Coreia do Sul, ficou em segurança, os EUA trataram de imediatamente revogar o seu pedido de desculpas, negando alguma vez ter invadido as águas territoriais da Coreia do Norte. Porém, o mal já estava feito — e, até hoje, este é um tema que o regime de Pyongyang explora e que os EUA tentam esquecer.
Outrora foco de tensão mundial, hoje atração turística — e esquecido em Singapura
Os tripulantes do USS Pueblo puderam voltar para os EUA, mas o mesmo não aconteceu com o navio em si. Até 1999, permaneceu atracado em Wonsan, até que foi levado para Pyongyang. Ali, foi renovado para tornar-se numa das principais atrações do Museu da Guerra Vitoriosa Pela Libertação da Pátria.
Tanto dentro como fora, é possível ver, circundados a vermelho, os buracos deixados pelas balas e projéteis disparados pelos norte-coreanos a 23 de janeiro de 1968. O interior do navio parece estar maioritariamente conservado, tendo-se acrescentado ali artefactos como fotografias dos militares norte-coreanos envolvidos no ataque ao USS Pueblo ou a nota de culpa assinada pelos EUA.
Ao contrário do que acontece na Coreia do Norte, nos EUA poucos querem falar do que se passou com o USS Pueblo. A exceção foi no início de 2018, por ocasião do 50.º aniversário daquela crise, quando os deputados do Senado e da Câmara dos Representantes do Colorado assinaram de forma unânime uma resolução que instava o governo de Donald Trump a exigir a devolução do USS Pueblo, que assim foi batizado em honra a uma localidade daquele estado.
Porém, a devolução do USS Pueblo não será de todo uma prioridade para Donald Trump e a sua equipa quando se encontrarem com Kim Jong-un em Singapura, para a cimeira histórica de 12 de junho. Até porque poucos lhe cobram isso — Eddie Murphy incluído. Para o octogenário e antigo prisioneiro de guerra, um acordo com a Coreia do Norte deverá ser sempre a principal prioridade. “Eu detestei ser torturado e não quero que alguém pense, por um segundo que seja, que a experiência foi agradável. Mas, no meio do ódio, sei que encontramos sempre um pouco de compaixão. Tal como toda a gente, os norte-coreanos querem viver em paz”, diz. “Por isso, temos de sair de lá com um acordo. Não pode ser de outra maneira.”