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Vê-los lado a lado é tão pouco comum que é preciso ir às profundezas dos arquivos para encontrar fotografias dos dois comunistas juntos. Percalços de saúde, do secretário-geral e de um deles, colocaram João Oliveira e João Ferreira a correr na mesma pista, em dias diferentes, sem se cruzarem. O resultado são as óbvias comparações no terreno, sem que seja sequer preciso fazer perguntas sobre o assunto. Um é mais descontraído e improvisa, outro é mais sisudo e agarrado ao guião — mas os militantes recusam-se a dizer de qual gostam mais. Porque do que gostam mesmo, acima de qualquer João, é do partido (ou Partido, como fazem questão de escrever religiosamente, com letra maiúscula).
Depois da operação de urgência a Jerónimo de Sousa, João Oliveira e João Ferreira deviam dividir as funções de campanha eleitoral. João Ferreira na estrada, João Oliveira nos debates e compromissos televisivos. Depois de experimentado nas presidenciais há um ano e novamente nas autárquicas em Lisboa, João Ferreira integrou a lista de deputados por Lisboa em lugar não elegível (considerando os resultados dos últimos anos da coligação no círculo) e seria pouco provável que tivesse projeção nestas eleições. Já João Oliveira, como cabeça de lista por Évora, devia estar no terreno a cimentar esse lugar no Parlamento.
Primeiro foi a estenose da carótida a trocar as voltas e a colocar João Ferreira como rosto da campanha, depois a Covid-19 a remetê-lo novamente a casa, literalmente. Uma semana em confinamento com João Oliveira a assumir a volta da CDU pelo país.
O João feliz: a lufada de ar fresco na campanha
Se nos primeiros dois dias de tempo oficial de campanha eleitoral João Ferreira foi igual a si próprio e ao registo habitual dos comunistas, João Oliveira trouxe algum fator diferenciador à caravana.
Logo no primeiro dia a bordo da caravana, João Oliveira não se fez de rogado quando lhe pediram “uma intervençãozinha”. Ali, frente a uma fábrica de baterias, subiu a um murete, falou aos trabalhadores e demorou-se a conversar com cada um deles, colocando questões e dando tempo para as respostas.
O tempo que se demora no contacto com as pessoas é, aliás, uma das grandes diferenças no estilo de cada um dos Joões que substituíram Jerónimo de Sousa na estrada. Um é mais expansivo e comunicativo, outro prefere o recato. João Oliveira parece mais à vontade nos contactos com a população, João Ferreira mais fiel aos guiões e programas.
Se todos os olhos já estavam postos neste fator novidade na CDU, com a entrada em campo de Oliveira, depois da ida ao programa de Ricardo Afraújo Pereira na SIC, mais os holofotes se centraram nele. No rescaldo dessa participação (que está longe de ter sido inédita, mas que ganhou maior destaque dada a atual campanha eleitoral), os comentários entre os comunistas presentes nos locais de campanha faziam-se ouvir aqui e ali: “Ouviste ontem?”, “Esteve bem!”, “Também gostei”, “O homem tem piada”, “Fartei-me de rir ontem”, “Teve muita graça”.
E se na política o fator “descontração e o humor” não são condições para se vencer eleições, o registo de cada um pode fazer a diferença na aproximação ao eleitorado. Era isso mesmo que comentavam dois militantes no final do comício na Cova da Piedade. Já a caminho de casa, depois da intervenção de João Oliveira, falavam “do timbre e cadência própria” que Oliveira tem e que “foge ao de Jerónimo e do Ferreira, que são os dois do mesmo estilo”.
O João reservado: a saída forçada que torna a comparação desigual
Talvez a costela de alentejano dê vantagem a João Oliveira na forma de estar mais descontraída e que contrasta com a postura mais rígida e distante de João Ferreira. Em Samora Correia, já com João Ferreira novamente ao comando da caravana, comentava-se “a presença do outro”. “A mensagem é a mesma, até podem estar a dizer a mesma coisa, mas passa de uma maneira diferente. Tem aquela forma de falar, vai aumentando o tom”, dizia um dos militantes enquanto o outro anuía com a cabeça.
E a diferença afasta o voto? Os votos na CDU não são “pelas pessoas”, mas “pelo que o partido é”, frisam. Ainda assim, com João Ferreira a cumprir a agenda integral de três dias de campanha e João Oliveira o dobro, a comparação torna-se desigual.
É preciso recuar a João Ferreira nas anteriores corridas eleitorais para ter mais presente aquilo que é a sua forma de fazer campanha. Ainda assim, poder-se-ia dar o caso de ter uma estratégia diferente em cada um dos momentos, já que se trataram de eleições europeias, presidenciais, autárquicas e, agora, legislativas.
Mais reservado, João Ferreira vai-se aproximando de forma mais discreta nos contactos com a população, parece mais à vontade, por exemplo, a questionar responsáveis pelas empresas ou autarquias onde a caravana passa do que propriamente no contacto direto com os respetivos funcionários.
Com João Oliveira há vários anos habituado às lides parlamentares e ao contacto com os jornalistas, os momentos antes de declarações à imprensa ou entradas em emissões em direto das televisões são marcados por um registo mais informal, que João Ferreira prefere guardar, caso haja tempo, para o momento pós-declarações. Um prefere a descontração pré-declarações, outro opta pela concentração e só depois abre margem para uma breve troca de palavras.
Além da natural diferença de personalidade entre ambos, resulta claro que a mensagem que ambos passam é a mesma. Outra coisa não seria aliás de esperar na CDU: o conteúdo é invariavelmente coincidente e consistente, sem qualquer margem para divergências.
Continuando os comunistas a não querer abordar o assunto da sucessão de Jerónimo de Sousa, poderão ter tirado algumas notas sobre estes dois elementos do Comité Central e, logo, candidatos ao lugar de secretário-geral, já que é deste órgão do partido que emana o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Português.