Com a tomada de posse do Parlamento e uma luz verde no Conselho Europeu que arranca esta quinta-feira em Bruxelas, António Costa defendeu no debate desta terça-feira que na próxima semana haverá condições para avançar com a solução de maior impacto prometida para conter a espiral de subidas no preço dos combustíveis: a redução temporária — e vale a pena repetir que é temporária — da taxa de IVA sobre os combustíveis.
Portugal pediu à Comissão Europeia para mexer no IVA dos produtos petrolíferos e tem empurrado para Bruxelas a responsabilidade de autorizar essa pretensão que, para já, apenas terá sido formalmente apresentada pelo Governo de António Costa no contexto das medidas extraordinárias para compensar os aumentos do custo da energia.
O facto de o Conselho Europeu coincidir com mais um momento de forte pressão altista sobre o preço dos combustíveis, que indicia mais uma subida acentuada dos preços na próxima semana, e com a disrupção causada pelos protestos do setor nos transportes, em países como a Espanha, também criam um ambiente mais favorável à adoção de medidas urgentes.
Camiões incendiados e rotura anunciada. Greve dos motoristas em Espanha já tem impacto em Portugal
Mas quem pode viabilizar aquilo a que o primeiro-ministro chama de “liberalização” do IVA? A medida indicada vai contra as regras europeias do imposto de valor acrescentado. A diretiva em vigor permite exceções à regra da taxa normal do IVA (a máxima) para bens e serviços essenciais, com taxas reduzidas para a eletricidade e o gás para aquecimento, e até taxas zero para produtos alimentares.
Algumas destas possibilidades foram aprovadas no final do ano passado num acordo entre os Estados-membros que ainda não foi transposto para o regime comunitário do IVA e que facilita a sua aplicação nacional sem ser necessário um longo processo de autorização por parte da Comissão. No atual quadro, as mexidas têm de ser autorizadas pelo Comité do IVA. Mas as regras europeias não permitem a aplicação de taxas reduzidas aos produtos petrolíferos, nem sequer mediante autorização, porque tal seria simplesmente ilegal no quadro da diretiva.
Fonte oficial da Comissão Europeia confirmou ao Observador que os Estados-membros podem decidir, dentro da caixa de ferramentas já disponível para os preços da energia, “aplicar taxas reduzidas em produtos energéticos desde que respeitem o patamar mínimo estabelecido na diretiva do IVA de 5%. A diretiva permite taxas reduzidas no gás natural, eletricidade e aquecimento, sujeito a consulta prévia ao comité europeu do IVA. Aos combustíveis rodoviários só se aplica a taxa normal”.
Polónia avançou sem respeitar as regras, mas criou um precedente
Sendo assim como é que a Polónia baixou o IVA de 20% para 8% a 1 de fevereiro, ainda antes da circunstância excecional da guerra, e dos efeitos económicos, que justifica agora o pedido português?
Sobre a decisão polaca, um porta-voz da Comissão confirma que o acordo obtido por todos os Estados-membros no final do ano passado permite taxas zero sobre alimentos e “toma nota” da decisão polaca de antecipar as novas possibilidades. Indica ainda que a Polónia consultou o comité do IVA sobre a aplicação de taxas reduzidas (mas não zero) ao gás natural, eletricidade e aquecimento.
Sem assumir que a Polónia atropelou as regras do IVA sobre os combustíveis, implementando as taxas reduzidas pelas quais Portugal espera luz verde, a mesma fonte refere que a Comissão Europeia “continua a monitorizar a situação de perto. Estamos em contacto com as autoridades polacas”.
Quando confrontado com a decisão polaca esta terça-feira no debate parlamentar sobre o Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira, António Costa contornou a comparação, destacando que antes da tomada de posse do Parlamento, o Executivo não teria nunca condições de mexer no IVA dos combustíveis. Mas afinal o que espera Portugal da Comissão Europeia e dos parceiros da UE?
Pela informação recolhida pelo Observador, a expectativa é a de que seja dado um sinal inequívoco de que não haverá oposição a iniciativas nacionais de mexer no IVA dos combustíveis, desde que estas sejam de natureza temporária (até ao final do ano) e que não ponham em causa a política de compromisso com a redução das emissões poluentes penalizando os combustíveis fósseis.
O precedente polaco de ajustar unilateralmente a taxa, supostamente até julho, pode dar uma ajuda — não é expectável que os serviços europeus abram um processo de infração contra o Estado que mais refugiados ucranianos está a receber. Mas há também exemplos por causa da pandemia quando Portugal baixou sem autorização prévia o IVA sobre as máscaras de proteção, ainda que este produto esteja longe da visibilidade dos combustíveis.
IVA é a chave da solução, mas custaria muito mais e teria de ser temporário
Para António Costa, o IVA é a chave da solução para fazer face ao aumento de preços porque, ao contrário do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), varia em função dos preços antes de impostos e não é um valor fixo. O Governo tem mostrado reticências em baixar o ISP também porque tal não dá garantia de que será refletido pelas petrolíferas no preço final, quando o IVA não pode deixar de impactar o preço final. Para esta lógica pesa sobretudo a dimensão das descidas nos dois impostos.
Enquanto no ISP as baixas têm sido marginal (a maior foi de de 2,4 cêntimos por litro no gasóleo), uma passagem de taxa normal de 23% para a intermédia de 13% iria reduzir o preço final em valores próximos dos 20 cêntimos por litro, uma diferença que não poderia ser absorvida pela margem das empresas. Esta diferença também será visível na receita fiscal. Se a baixa de um cêntimo por litro no ISP custa cerca de 6,5 milhões de euros por mês, uma passagem temporária para a taxa intermédia poderia custar até 10 vezes mais. Daí que Costa tenha enfatizado na sua intervenção na comissão permanente de que esta será sempre uma medida com tempo contado.
Para já, as orientações dadas pela Comissão Europeia aos Estados-membros para operacionalizar ajudas aos setores e às empresas mais afetadas pelos efeitos da Guerra na Ucrânia não preveem descidas de impostos na energia, privilegiando antes o apoio financeiro direto a consumidores e empresas mais vulneráveis e atingidos pela alta dos custos energéticos.
Ainda esta quarta-feira, a caixa de ferramentas divulgada por Bruxelas para um regime extraordinário de ajudas de Estado dá luz verde à atribuição de subsídios ao aumento dos custos energéticos das indústrias mais penalizadas, mas estes só cobrem a fatura do gás natural e da eletricidade. Não há referência aos combustíveis no documento divulgado.
Espanha também espera pela UE, mas para subsidiar gasóleo às transportadoras
Do outro lado da fronteira também se atira para Bruxelas a responsabilidade pela tomada de decisões, urgentemente pedidas, para contrariar a subida dos combustíveis. De acordo com a imprensa espanhola, o Executivo de Pedro Sánchez chegou a admitir a baixa do IVA defendida por Costa, mas nos desenvolvimentos mais recentes, o Executivo espanhol indicou preferir dar um apoio específico aos transportadores de mercadorias, no montante de 500 milhões de euros. O apoio seria acompanhado de um limite ao preço do gasóleo usado por estes profissionais de forma a assegurar que estas compensações não fossem pulverizadas pela subida dos preços.
A ministra dos Transportes Raquel Sánchez remeteu uma aplicação final destes apoios, e em particular na implementação de um teto para o preço do gasóleo, para depois da realização do Conselho Europeu.
Outra batalha que os países ibéricos estão a promover junto dos parceiros europeus é a alteração do mecanismo de formação dos preços grossistas da eletricidade de forma a neutralizar o efeito que a subida do gás natural está a ter no preço de toda a energia elétrica. Neste ponto António Costa garantiu que há alinhamento com Espanha numa proposta conjunta a defender no Conselho Europeu.
Costa garante sintonia ibérica no preço do gás (e da luz), mas Espanha diverge nos combustíveis