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Conduzir é um prazer, para boa parte dos automobilistas. Mas nem os mais apaixonados pela condução gostam de estacionar o carro. Nas palavras de Dieter Zetsche, o descontraído e bem-humorado presidente do grupo que faz a marca Mercedes, a Daimler, “é como aspirar a casa. É uma coisa que se faz porque tem de se fazer”. Estacionar é chato, é um desperdício de tempo e sai caro à carteira e ao meio-ambiente — em algumas cidades estima-se que, em certas horas do dia, quase um terço do trânsito seja gente à procura de um lugar para estacionar.
E se não fosse preciso estacionar deixando espaço para abrir as portas, para as pessoas saírem e entrarem, a cada cinco carros estacionados lado a lado poderia enfiar-se um sexto (um ganho de espaço de 20%). Mas o estacionamento pode ser uma chave para o futuro da mobilidade, porque será — já estará a ser, na verdade — graças ao estacionamento que vamos todos começar a confiar mais na condução autónoma.
Esta foi uma das ideias mais marcantes do maior evento anual da gigante Bosch, em Berlim, o Bosch Connected World, em que Observador participou na semana passada. A data do BCW costuma, a cada ano, estar assinalada com um círculo vermelho nos calendários de quem se interessa ou trabalha em temas da Internet das Coisas (IoT), os veículos autónomos e a mobilidade integrada e intermodal (a resposta ao enorme desafio que é criado pelo crescimento das cidades). Falou-se, também, de temas como a inteligência artificial, a aprendizagem das máquinas e a agricultura conectada — sim, as “árvores ligadas à net”.
Mas coube a Dieter Zetsche e ao seu icónico longo bigode branco a responsabilidade de abrir as hostilidades. Já a conferência tinha arrancado há alguns minutos, na quarta-feira, e a organização surpreendeu a audiência (de quase quatro mil pessoas) com as imagens da chegada, lá fora, do presidente da Daimler, ao volante de um Mercedes.
Numa espécie de carpool, sentado no lugar do “pendura” vinha o seu homólogo da Bosch, Volkmar Denner.
A coreografia acabou por não ser executada na perfeição, mas a intenção era que os dois executivos abandonassem o carro numa “drop-off zone” à frente da porta de entrada, sem se preocuparem com estacionar o veículo. Daí, o carro deveria ter seguido viagem, sem nenhum valet ao volante, para se estacionar de forma autónoma, em segurança.
Algo correu mal e rapidamente se passou para o “plano B”, explicou o mestre de cerimónias: a audiência acabou por ver um vídeo filmado anteriormente com o mesmo carro, a estacionar-se a a algumas centenas de metros de onde foi deixado (não sem evitar, com uma travagem de emergência, atropelar um figurante que se atravessou à frente do veículo).
Safe and sound thanks to Automated Valet Parking – Bosch CEO Denner and @Daimler CEO Zetsche and their self-parking car kick-off #BCW18! https://t.co/a1pv12Jky5 pic.twitter.com/BINzt360Dx
— BoschGlobal (@BoschGlobal) February 21, 2018
Os valets são (mais) uma profissão em vias de extinção
“S04E21 The Smelly Car“. Ora aí está mais um episódio da série Seinfeld que as novas tecnologias estão a tornar datado (mas não, só por isso, menos divertido). Neste episódio da quarta temporada da sitcom, Jerry e Elaine entregam o carro do comediante às mãos de um valet — humano, claro — para que este se encarregue de estacionar o carro. No final da noite, os dois protagonistas encontram no carro um odor corporal insuportável, deixado pelo valet e que ficara a fermentar nos estofos enquanto Jerry e Elaine jantavam. Alerta de spoilers: o odor corporal era tão forte que, no final do episódio, o BMW de Seinfeld acaba abandonado numa sarjeta.
Com a tecnologia que acaba de ser lançada oficialmente (e que a Bosch esteve a testar nos últimos meses, em parceria com a Mercedes) se esse episódio se passasse nos dias de hoje já não faria sentido. Desde que conduzisse um Mercedes (e não um BMW, para já) e quisesse estacionar o carro no museu da Daimler em Estugarda, Jerry Seinfeld já não teria de entregar o carro a ninguém. A tecnologia Automated Valet Parking, que acaba de ser lançada para carros da Mercedes e no cenário controlado do parque de estacionamento daquele museu na cidade alemã, funciona como pode ver neste vídeo:
Quem está a fazer maior parte do trabalho, na condução do carro até ao lugar vazio, não são sensores que estão no carro mas, sim, os sensores que estão instalados em vários pontos no parque de estacionamento. O “robô” invisível não está no carro, mas espalhado pelo parque. São esses sensores que “permitem ver tudo o que está à volta do veículo, a partir de fora, para melhor detetar se o carro pode prosseguir ou se precisamos de o fazer parar”, explica Gerrit Quast, um gestor de produto da Bosch que falou com o Observador.
Mas qualquer carro pode ser estacionado de forma autónoma no museu de Estugarda, usando apenas uma app de telemóvel? Para já, só os Mercedes mais recentes, dada a parceria com a Daimler para este projeto. Mas “estamos a trabalhar com as várias marcas — não precisamos de usar quaisquer sensores no carro, só precisamos que ele tenha uma unidade de comunicações que possamos usar para que os sensores do parque comuniquem com o carro, para poder virar, acelerar e travar”. “É uma questão de tempo” até que mais marcas venham a participar, garante Gerrit Quast.
Por outras palavras, não é preciso um carro que já esteja num nível avançado de condução autónoma. “Pode-se pegar em qualquer carro que tenha sido feito para a condução urbana normal, um carro pequeno, e qualquer fabricante pode, com este sistema, disponibilizar ao seu cliente a possibilidade de estacionar de forma autónoma”, acrescenta Gerrit Quast, notando que qualquer parque de estacionamento existente pode ser adaptado para este sistema, desde que cumpra alguns requisitos simples de medidas e desenho.
#BCW18 @gtquast quick introduction to the Automated Valet Parking system, now available in the Daimler Mercedes museum in Stuttgart #Bosch pic.twitter.com/dFUfFFB7v7
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) February 23, 2018
Mas mesmo que todos os parques de estacionamento do mundo venham a estar equipados com sistemas como este, da Bosch, sabemos que em boa parte das ocasiões os carros são estacionados na rua. E também aí a Bosch está a trabalhar numa solução inovadora, que passará a estar sob a alçada da nova divisão de Soluções de Mobilidade Conectada, cuja criação foi anunciada neste BCW.
#BCW18 @gtquast providing a good explanation of how Community-based parking, by #Bosch, help drivers effortlessly find parking spaces in the city streets pic.twitter.com/vIqdvugg2F
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) February 23, 2018
O Community-based parking ajuda as pessoas a encontrarem lugares de estacionamento livres na cidade. Como? “Recorrendo aos carros que já estão, de qualquer forma, a circular na rua”, explica Gerrit Quast. “Usamos os sensores ultra-sónicos de ajuda ao estacionamento, com que muitos carros já vêm equipados, para analisar os passeios e transmitir essa informação para a nuvem, sobre onde existem espaços disponíveis. E, depois, outros automobilistas podem tirar partido dessa informação para saber em que zonas há mais ou menos lugares de estacionamento”, acrescenta o gestor de produto da Bosch.
Os carros mais recentes já vêm equipados com sistemas de parking assist — a ajuda ao estacionamento vem de série ou, normalmente, é um extra não muito dispendioso. O que este sistema faz é tornar cada carro um “olheiro”, que mesmo que passe ao lado de um lugar e prescinda dele, regista-o e partilha essa informação atualizada para o exterior do carro, ou seja, para a nuvem.
Ganha-se conveniência e tempo e reduz-se o tráfego que anda à caça de lugares para estacionar. Além dos valet, estamos certos de que consegue lembrar-se de outra atividade que, não sendo exatamente uma profissão, irá passar a estar em risco com esta inovação.
Mobilidade conectada. “Uma tremenda oportunidade de negócio”
“A conectividade vai mudar, fundamentalmente, a forma como vamos do ponto A ao ponto B. E, pelo meio, vai ajudar-nos a resolver os problemas de trânsito com que hoje vivemos”, afirmou Volkmar Denner, presidente da Bosch, durante o evento sobre mobilidade conectada — “algo que vai ser decisivo para tornar realidade a nossa visão de uma mobilidade com zero-emissões (poluentes), zero stress e zero acidentes“.
As novas tecnologias sobre rodas para acabar com os acidentes e salvar vidas
Outra razão por que a Bosch decidiu autonomizar esta divisão das Soluções de Mobilidade Conectada é que a conectividade é uma “tremenda oportunidade de negócio”. Segundo a consultora PwC, em 2025 haverá mais de 470 milhões de veículos ligados à internet, em todo o mundo. A mesma PwC estima que já no espaço de quatro anos, o mercado para serviços de mobilidade e serviços digitais associados irá valer 140 mil milhões de euros — o objetivo da Bosch é fazer esta área crescer a ritmos anuais na casa dos dois dígitos.
A mobilidade conectada cresce de mãos dadas com a mobilidade elétrica, pelo que uma das ferramentas apresentadas pela Bosch diz respeito a estes dois mundos cujos destinos estão tão ligados. A audiência ficou a conhecer, no Bosch Connected World de 2018, a plataforma system!e, que reconhece que um dos principais receios de quem pensa em comprar um veículo eléctrico é ficar sem energia sem estar suficientemente perto de um local onde possa carregar a bateria. Este sistema, ligado à nuvem da Bosch, é um assistente que calcula a carga da bateria, o consumo de energia, o tipo de condução do automobilista, e pondera essas informações com outras como onde há menos tráfego e topografia (quais trajetos é que têm mais subidas e descidas, o que implica maior consumo energético).
Mas a aposta da gigante alemã reconhece que, além dos carros próprios, não se pode esquecer a tendência mundial para a partilha de automóveis. Segundo a Statista, até 2022 irá subir em mais de 60% o número de pessoas, em todo o mundo, que recorrem a serviços de partilha de carros e/ou boleias. Assim, ao mesmo tempo que anunciou a criação desta nova divisão, a Bosch anunciou a compra de uma startup norte-americana.
Chama-se a SPLT e, em contraste com empresas como a Uber ou a Cabify, mais viradas para o consumidor, tem uma plataforma que liga empresas, universidades ou outras organizações para facilitar serviços de partilha de transportes. O principal alvo desta startup são as pessoas que trabalham ou estudam no mesmo sítio. “Uma vantagem é que as viagens podem ser partilhadas por colegas, e não por completos estranhos”, o que até pode proporcionar pequenas sessões de brainstorming e fazer com que cada pessoa conheça melhor o trabalho que faz cada um dos departamentos de uma dada empresa ou organização.
Bosch compra SPLT, uma startup que quer ser a Uber das empresas
Um robô que aprende sozinho como jogar matrecos
A presidente da SPLT, Anya Babbitt, foi uma das 140 oradoras desta cimeira da Internet das Coisas e das novas tecnologias que a Bosch promove todos os anos. Os 140 oradores distribuíram-se por três palcos e, no fórum central, estava montada uma espécie de feira tecnológica com mais de 70 expositores. No andar de cima da antiga estação de comboios STATION-Berlin, que recebeu este evento, decorreu um Hackathon que juntou jovens funcionários da Bosch, de parceiras e de outras startups.
Foi nesse andar superior que encontrámos um conjunto de engenheiros e programadores que achou a maneira perfeita de mostrar as potencialidades da inteligência artificial: um jogo de matrecos em que o humano joga contra a máquina. Pormenor decisivo: ninguém ensinou à máquina como é que se joga matrecos — ao cabo de algumas semanas, porém, o robô é bem capaz de nos dar (muita) luta.
2 Fossball Human vs Computer/Matrecos Humano vs Computador #BCW18 #Bosch #Berlin pic.twitter.com/vkKt0xYEBq
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) February 21, 2018
Para já, explica-nos um dos jovens responsáveis pelo projeto, a máquina produz muitos movimentos aparentemente descabidos e “tontinhos”. Mas isso acontece porque a máquina não recebeu qualquer código de programação que lhe “explicasse” como vencer no jogo — a máquina está a aprender alguma coisa com cada um desses movimentos aleatórios e, com tempo, o algoritmo será alimentado de forma suficiente para a máquina saiba jogar.
#BCW18 #bosch pic.twitter.com/WXy0Y8fQki
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) February 25, 2018
“Dentro de quatro a seis semanas, a máquina já terá aprendido o suficiente para dar luta. Mas o objetivo é criar um robô invencível, nos matrecos“, explica um dos envolvidos no projeto, que nos últimos anos já trabalhou em projetos para a gestão do trânsito de navios no Canal do Panamá.
O elemento-chave para que a máquina aprenda (e se ensine a si própria as regras e as táticas vencedoras nos matrecos) é que as duas balizas estão equipadas com um sensor que, por saber quando é que um golo foi sofrido ou marcado, ensina a máquina a perceber como deve jogar. “Quando se porta bem, damos-lhe um biscoito. É como um cão, basicamente”.
Foosball Human vs Computer/Matrecos Humano vs Computador. at #BCW18 #Bosch #Berlin #Iot pic.twitter.com/hpolSvMWNA
— Edgar Caetano (@EdgarCaetano) February 21, 2018
O Observador viajou a Berlim a convite da Bosch Portugal.