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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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O telefonema, as carrinhas e o simbolismo. Passos entrou e saiu da campanha com uma ideia: é obrigatório ganhar

Montenegro telefonou ao antigo primeiro-ministro. Da região de Lisboa, partiram carrinhas e autocarros para encher comício em Faro. Passos retribuiu solidariedade de Montenegro, mas exigiu vitória.

O enterrar de machado que faltava para desimpedir o caminho de Luís Montenegro até 10 de março. A (não) relação entre o líder do PSD e Pedro Passos Coelho ameaçava tornar-se um tema de campanha, já depois de Montenegro ter sido confrontado por Pedro Nuno Santos com a ideia de que estaria a esconder o antigo primeiro-ministro para não perder votos junto dos segmentos eleitorais que procura agora seduzir – funcionários públicos e pensionistas. Esta segunda-feira, e ainda numa fase prematura da corrida eleitoral, Montenegro acabou com o embaraço e fez-se acompanhar pelo homem por quem, há poucos meses, muitos, dentro e fora do partido, desejavam que fosse candidato a primeiro-ministro.

Passos, que antes da queda de António Costa já não escondia o desejo de voltar à vida política ativa e à liderança do PSD, também cumpriu o seu papel. Apareceu para ajudar o partido (ninguém no PSD lhe perdoaria se não o fizesse) e fez o elogio que se impunha a Montenegro. Sem mais, sem menos, deixando claro que estava em Faro para retribuir a “solidariedade” que Montenegro manifestara no passado. Cumprido o ritual, Passos fez questão de sublinhar que está agora tudo nas mãos de Montenegro, obrigado a ganhar. “O resultado natural destas eleições é a vitória da AD. É a coisa mais natural do mundo.” Não há meio-termo.

Esta manhã, no debate das rádios, Montenegro já tinha deixado um sinal premonitório que passou despercebido à generalidade das pessoas. Desafiado pelos moderadores a dizer se Passos ia ou não aparecer na campanha, o presidente do PSD limitou-se a dizer: “Logo vemos”. Todavia, os sinais de que iria acontecer alguma coisa especial esta tarde começaram a avolumar-se na véspera, domingo.

Por essa altura, os militantes das estruturas do PSD em Lisboa, Cascais e Sintra, aparelho onde Miguel Pinto Luz, vice-presidente de Montenegro, amigo de Passos Coelho e cabeça de lista do PSD por Faro, começaram a ser convidados a inscreverem-se numa ação de campanha que iria decorrer no Algarve, a quase 300 quilómetros. Ao início desta tarde, veio a confirmação: foram organizados autocarros e carrinhas de nove lugares para transportar militantes de Lisboa e arredores até Faro. Era importante encher a casa e dar um sinal de força – e o sinal de força foi dado.

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O processo de convencimento de Passos já vinha de trás, com vários elementos do núcleo duro de Montenegro a tentarem (re)estabelecer pontes com o antigo primeiro-ministro. No entanto, sempre se disse que seria importante que o convite partisse diretamente de Luís Montenegro, e esse gesto de aproximação, sabe o Observador, aconteceu – Luís Montenegro telefonou a Pedro Passos Coelho a convidá-lo a entrar na campanha, depois de não o ter feito em ocasiões anteriores, como a Convenção da Aliança Democrática, que decorreu no Estoril.

Esta tarde, ainda assim, foi Miguel Pinto Luz a estender publicamente o cachimbo da paz entre os dois – ele que teve um papel importante em todo o processo. “Já tinha muitas saudades de ver Luís Montenegro e Pedro Passos Coelho um ao lado do outro. Dois homens diferentes, com circunstâncias diferentes, que não pensam necessariamente da mesma forma. Mas têm uma vontade incessante de mudar o mundo para melhor e um sentido profundíssimo de Estado. E este é também o traço da AD.”

Seria então a vez de Pedro Passos Coelho discursar. O antigo primeiro-ministro começou por saudar a presença de todos os militantes e simpatizantes, falando em fase “decisiva” da campanha. “Aqui estou também para poder emprestar algum do meu apoio, do meu contributo, para que o resultado destas eleições possa ser aquele que desejamos. Não posso deixar de retribuir todo o apoio que sempre senti quando estive na posição dele. Poder modestamente retribuir essa solidariedade que, no passado, foi tão relevante em momentos tão complicados”, devolveu.

Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador no comício da Aliança Democrática em Faro

Passos Coelho: “Para que servem contas certas?”

À saída do comício em Faro, Pedro Passos Coelho recusou revelar quem o convidou, argumentando que a questão não era relevante, e garantiu que não viria mais à campanha da AD. “Montenegro é quem dirige isto a partir de agora. Não [volto], porque o foco da campanha compete ao líder. É assim que deve ser ele. Ele é que é o candidato a primeiro-ministro e espero que seja vitorioso.”

Foi o mais longe que o antigo primeiro-ministro se permitiu a ir nos elogios públicos a Luís Montenegro, num tom, ainda assim, diferente daquele que usou no final de dezembro. Nessa altura, quando prestou declarações à porta do Tribunal da Relação de Lisboa, o antigo primeiro-ministro limitou-se a cumprir os mínimos olímpicos, dizendo que esperava que o PSD pudesse “estar preparado para os tempos que aí vêm” e que pudesse “ser o partido liderante nessa fase nova que se vai abrir”.

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Oportunidade única não pode ser desperdiçada, avisa Passos

Durante o discurso, o antigo primeiro-ministro apontou baterias a António Costa, responsável por aquilo que diz ser o “vazio enorme” de esperança e de perspetivas em que mergulhou o país. Falando dos problemas que existem em matéria de serviços públicos, Defesa, Educação (neste último aspeto com um discurso mais musculado do que aquele que Montenegro costuma utilizar, falando mesmo em problemas de “insegurança”), e denunciando a “perspetiva miserável de um crescimento que é demasiado magro”, Passos foi particularmente contundente com o legado deixado pelo adversário socialista. “Ficou muito pouco ou nada para oferecer no futuro. É por isso que se sente em Portugal essa vontade de mudança. ​​O PS, não só tem um vazio imenso para oferecer ao país, estão sempre a fazer contas de aritmética, não saem disto.”

Ajustando contas com o passado – Passos chegou a dizer que os socialistas andaram tão preocupados em dizer que tinham as “contas certas” que entregaram o país à implosão –, o antigo primeiro-ministro desafiou a Aliança Democrática a ter um espírito reformista, sem medos, para que não vá para o poder para deixar tudo na mesma. “Não há nenhum partido à esquerda do PS e mesmo o PS que a cada a proposta não veja um lobo mau ou monstro diabólico que vem trazer a incerteza no futuro. Não queremos que nos agitem com o lobo mau ou com o papão. Temos de dar oportunidade ao país de ser livre.”

Para o fim, Passos tinha reservado um apelo ao voto útil na Aliança Democrática, deixando, ainda assim, uma ideia que pode ser interpretada como sendo uma forma de pressionar o PSD e a direita de não desperdiçarem condições de governabilidade que lhe permitam liderar o projeto verdadeiramente reformador – sem estabilidade política, pareceu sugerir Passos, não há garantias de que uma vitória a 10 de março se traduza num governo suficientemente estável para transformar o país.

“Temos condições dentro de nós para o poder fazer, mas para o poder concretizar é preciso que as pessoas reflitam bem se esta oportunidade de acreditar no país, de dar uma nova chance ao país de fazer diferente. Se não vale a pena agarrá-la com as duas mãos e dar força política ao governo para fazer essa transformação. Sei que o Luís não deixará de procurar o que lhe faltar para poder fazer o que é preciso”, fez questão de sublinhar o antigo primeiro-ministro, há muito um crítico pouco discreto do cordão sanitário traçado por Montenegro em relação a André Ventura. Tal como tinha acontecido em dezembro, quando deixou uma frase ambígua sobre política de alianças, Passos arrisca-se a voltar a introduzir o tema do Chega no debate político – e Montenegro terá de lidar com ele.

Para já, Montenegro resolveu o problema. Depois de no Congresso de 25 de Novembro ter transformado Pedro Passos Coelho numa nota de rodapé no discurso em que incensou Aníbal Cavaco Silva como a sua maior referência política, esta tarde, Montenegro recuperou os elogios públicos ao antigo primeiro-ministro. “Caro Pedro, com todo o respeito, tu não tens de retribuir nada. Nós é que temos a obrigação de dizer sempre, muito, muito, muito obrigado pelo trabalho patriótico que fizeste à frente do governo, em condições em que talvez nenhum outro tivesse alcançado o resultado que alcançámos.”

Referindo-se várias vezes ao que Passos Coelho acabara de dizer minutos antes, Montenegro tentou enterrar (mais uma vez) a conversa sobre a governabilidade e as alianças à direita, e acabar com as dúvidas (que o PS tem tentado alimentar) sobre a razoabilidade das propostas da coligação. A Aliança Democrática, repetiu Montenegro, tem um projeto de “mudança segura”, com “sentido de responsabilidade”.

Em contraponto, Montenegro tentou vender a tese de que Pedro Nuno Santos, atendendo ao “currículo” que apresenta, não tem “legitimidade” para apontar à credibilidade de quem quer que seja. “Alguém que esteve no governo, que teve na mão políticas estratégicas, que falhou nas infraestruturas, nos transportes, na habitação, com este currículo, como se atreve a ver aventureirismo num projeto equilibrado?”, insistiu Montenegro. “O medo que se quer incutir, é muito, muito poucochinho”, despediu-se.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O regresso de Passos fica por aqui. Até 10 de março

A aparição de Pedro Passos Coelho pode marcar uma inversão na relação entre os dois, ainda que seja prematuro tirar conclusões num ou noutro sentido. A rutura entre parecia ter-se tornado definitiva depois de, em outubro, Luís Montenegro ter procurado, em entrevista à CNN, exorcizar o fantasma de Pedro Passos Coelho, enclausurando-o nos gabinetes da universidade (“o meio académico português não está a tirar partido do potencial que ele tem nessa área”).

A segunda tentativa de matar o pai político – numa altura em que já se discutia, nos bastidores do partido, a possibilidade de Pedro Passos Coelho estar disponível para regressar à liderança do PSD –, caiu particularmente mal junto do antigo primeiro-ministro e dos seus mais próximos. Em boa verdade, os dois estavam há muito em rota de colisão, com a estratégia a seguir em relação ao Chega a motivar a cisão política.

O antigo primeiro-ministro sempre considerou um erro de palmatória que se traçassem cordões sanitários em torno do Chega por entender que é uma cedência à agenda do PS e dos partidos à esquerda do PS, uma concessão que limita as hipóteses do PSD de regressar ao poder, e que pode acabar por alienar, inevitavelmente, eleitores essenciais, arriscando o descalabro.

Em boa verdade, Montenegro sempre torceu o nariz a eventuais acordos com o Chega. Em 2020, na primeira vez que se candidatou à liderança do PSD, repetiu várias vezes que o PSD “não tinha condições para fazer qualquer entendimento com o Chega” e que não contava com André Ventura para eventuais alianças. Todavia, quando chegou à presidência social-democrata, dois anos depois, Montenegro começou por optar por uma estratégia menos fechada, recusando-se a nomear o Chega e ‘limitando-se’ a dizer que não contava com “políticos racistas, xenófobos, oportunistas e populistas”. Não resultou.

A relativa ambiguidade tornou-se tema central de todas as entrevistas a Luís Montenegro, o cerco mediático estava a contaminar a mensagem, e algumas das figuras mais influentes do partido – como Luís Marques Mendes, muito próximo de Montenegro – exigiam clarificação. O presidente do partido sentiu a necessidade de adaptar o discurso e foi aí que surgiu o “não é não” a Ventura, enterrando de vez o assunto. Assim esperava, pelo menos, o núcleo duro do líder social-democrata.

Antes disso, a posição de Luís Montenegro sobre a despenalização da morte medicamente assistida já tinha deixado os dois em campos opostos. Num artigo de opinião publicado no Observador, Pedro Passos Coelho pressionava a direção do PSD a assumir uma posição clara sobre o tema e lamentava que o partido não tivesse “uma conceção” sobre essa matéria e que não assumisse a revogação da eutanásia como uma prioridade fundamental de uma futura maioria de direita.

Na resposta, o líder do PSD não se limitou a assumir que discordava; disse, reforçou e repetiu que não se revia nas palavras do antecessor e de forma particularmente dura. “Eu discordo de Pedro Passos Coelho. Sou muito direto. Discordo completamente da posição de Pedro Passos Coelho. Discordo pelo facto de ele discordar da realização de um referendo sobre esta matéria. Discordo porque a posição dele é muito fechada. Embora eu seja tendencialmente contra, não tenho uma posição tão fechada como ele tem.”

Era a primeira tentativa, e violenta, de se emancipar de Pedro Passos Coelho. A reação de Luís Montenegro deixou Pedro Passos Coelho transtornado, que decidiu por bem manifestar publicamente a sua posição em relação a um tema sobre o qual tinha e tem fortes convicções — fundadas em grande medida depois da luta difícil contra o cancro travada pela mulher, Laura, que morreu em 2020. O facto de Montenegro ter aproveitado uma discordância (legítima) para fazer, aos olhos de Passos, uma prova de vida enquanto líder do PSD, um meio para matar o pai político, ofendeu‐o profundamente.

A esse primeiro grande choque seguiram-se outros, num progressivo afastamento que foi também sendo alimentado pelas figuras que orbitam em torno das duas figuras. Na Convenção da AD, no Estoril, a ausência de Passos Coelho foi particularmente notada (e comentada), com Leonor Beleza, uma das figuras do cavaquismo que entretanto regressou com o PSD de Montenegro, a aproveitar o púlpito para responder diretamente a Passos.

No frente a frente com Pedro Nuno Santos, acusado de tentar esconder Passos, Montenegro respondeu com Sócrates, em mais um momento muito mal compreendido pelos passistas. Desta vez, os dois aceitaram posar juntos. No partido, os mais cínicos dizem que aconteceu agora para resolver o assunto e evitar que, mais à frente, a imagem de Passos possa contaminar a mensagem de Montenegro. É indiferente. Com este comício, os dois provaram estar empenhados no mesmo objetivo – o de derrotar o PS. Pelo menos, até 10 de março.

Passos sai de cena com presente armadilhado para Montenegro

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