Luís Montenegro quis forçar a saída de Rui Rio menos de um ano depois deste tomar posse, numa espécie de impeachment falhado. Dias antes da tentativa, marcou conferência de imprensa no Centro Cultural de Belém e desafiou o líder em funções a marcar eleições diretas de imediato. Era 11 de janeiro de 2019 e, numa pequena sala, onde só estavam jornalistas, havia apenas dois amigos de Luís Montenegro: Hugo Soares, o seu fiel escudeiro, e Joaquim Pinto Moreira, então presidente da câmara de Espinho. O autarca está agora a ser investigado no âmbito da Operação Vortéx e aumenta a pressão para Luís Montenegro afastar o amigo de longa data da direção da bancada e da presidência da comissão de revisão constitucional que corre no Parlamento.

Um dos deputados da ala desalinhada com Luís Montenegro diz ao Observador que Joaquim Pinto Moreira “não tem condições para continuar, nem como vice-presidente do grupo [parlamentar], nem como presidente da comissão de revisão da Constituição”. Um outro deputado, também da ala ‘rioista’, regista que “por muito menos o Rodrigo [Gonçalves] foi corrido“.

O desconforto estende-se a outros partidos que integram a comissão de revisão constitucional. Fonte da bancada socialista, por exemplo, disse ao Observador que o PS está atento: apesar de não questionar o facto de o social-democrata continuar como deputado, os socialistas temem que o processo — que envolve o presidente da comissão — manche a credibilidade do processo de revisão constitucional.

A pressão interna é ainda maior para Montenegro porque há um historial recente de “tolerância zero” a envolvimentos em casos judiciais delicados. Em novembro, mesmo sem ser arguido Rodrigo Gonçalves decidiu abandonar o cargo de vogal da Comissão Política Nacional para evitar “qualquer perturbação partidária”. O ónus da saída ficou em Rodrigo Gonçalves, mas o líder já lhe tinha aberto a porta da rua: “Analisaremos as implicações políticas que a investigação pode ter. Há circunstâncias que podem determinar a suspensão do exercício das funções políticas.”

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No caso de Joaquim Pinto Moreira, mantém-se o silêncio de Luís Montenegro. O Observador procurou uma reação oficial da direção do partido, mas a única nota enviada à comunicação social veio da bancada do partido e assinada pelo próprio Pinto Moreira.

Em comunicado, enviado às 17h00, o deputado e ex-autarca veio desvalorizar as suspeitas de que é alvo no caso de corrupção, assumindo, no entanto, que o seu domicílio “foi hoje objeto de buscas tendo sido apreendido o meu computador profissional, que uso no exercício da minha profissão de advogado, e o meu telefone”.

Destaca ainda que “o contexto investigatório se reporta ao ano de 2022 e respeita a intenções de investimento não concretizadas e a operações urbanísticas tramitadas no atual mandato autárquico”, embora admita que “algumas possam ter transitado de mandatos anteriores.” Ou seja: os seus mandatos.

A ligação entre Montenegro e Rodrigo Gonçalves era quase de circunstância: um queria mais votos para líder, outro queria mais poder e um lugar na direção nacional. Agora, dada a relação de grande proximidade entre Montenegro e Pinto Moreira, qualquer corte seria muito mais doloroso.

Pinto Moreira é um dos deputados da bancada com mais destaque além de vice-presidente da bancada do PSD e presidente da comissão de revisão constitucional e foi também o escolhido para ser o rosto do partido nas declarações sobre a eutanásia, em que o PSD defendeu um referendo.

Uma amizade que começou entre um “jovem” e um “doutor” na rua 19

O episódio do CCB, em 2019, é simbólico da proximidade política entre o atual presidente do PSD e o agora vice-presidente da bancada do PSD, mas esta tem mais de 20 anos. Luís Montenegro pega no PSD/Espinho com 25 anos, em 1998, numa altura em que a concelhia passa de 600 militantes para apenas 50. Começa a esboçar um plano para o PSD recuperar a Câmara que escapava desde 1989.

Montenegro conhece Pinto Moreira no café Baviera, na rua 19, em Espinho, no ano em que terminou a licenciatura na Universidade Católica do Porto (1999). “Era apenas um café, mas ele já sabia do meu interesse e ele foi de facto absolutamente convincente. Tratava-me como senhor doutor para trás e para a frente. Com grande formalidade. Eu já tinha 30 anos, ele era mais novo. Logo ali reconheci-lhe o talento”, contou Pinto Moreira ao Observador em 2009. Começou aí a tentativa de reconquista da câmara de Espinho. Montenegro sabe que será candidato às autárquicas em Espinho daí a dois anos, em 2001.

Luís Montenegro seria candidato duas vezes à Câmara de Espinho, em 2001 e 2005, e perde nas dudas vezes. À terceira foi de vez, em 2009, mas não foi ele o candidato: o cabeça-de-lista à autarquia era Joaquim Pinto Moreira quem dava a cara. Estamos em dezembro de 2009 e Montenegro é “apenas” eleito presidente da Assembleia Municipal. Pinto Moreira diria anos mais tarde, em declarações ao Observador, que o PSD só conseguiu “vencer a câmara graças ao trabalho feito por Luís Montenegro no desgaste ao PS e ao então presidente socialista José Mota”.

Foi dias antes das autárquicas que Luís Montenegro e Pinto Moreira perceberam que o PS estava a perder gás. “Nas legislativas, o PSD tinha tido o pior resultado de sempre com Ferreira Leite, mas eu e o Luís Montenegro vimos que o PSD tinha subido em Espinho e percebemos que as autárquicas iam ser disputadas voto a voto”, contou também na altura Pinto Moreira. Luís Montenegro virou-se para o amigo e disse: “Queres ver que ainda vamos ganhar as eleições?”

Chegaram as autárquicas e na noite eleitoral, Montenegro e Pinto Moreira montaram “um pequeno estaminé“, onde foram recebendo os resultados das mesas, até ao telefonema final, em que perceberam que tinham conquistado a autarquia.

“Não falámos. Tivemos um olhar. Saímos do lugar onde estávamos e fomos para a rua. Saltei literalmente para o colo de Luís Montenegro como se fosse um golo no último minuto do prolongamento. Demos um abraço muito forte”, contou Pinto Moreira ao Observador durante as primeiras diretas de Luís Montenegro. A câmara de Espinho era finalmente PSD, como Montenegro sonhava desde o final dos anos 1990.

Luís e Joaquim continuaram amigos, mesmo depois de Luís Montenegro passar uma boa parte do tempo em Lisboa. Não só amigos pessoais, mas também políticos. Antes de se lançar para a primeira candidatura à liderança do PSD (que perdeu para Rui Rio na segunda volta), o atual líder do PSD fez uma espécie de “comício zero”. Pretexto: os 10 anos da liderança do PSD em Espinho.

Na ocasião, Luís Montenegro ouviu amigo Pinto Moreira a falar do “novo quartel dos bombeiros” ou de referir Espinho como a cidade que tem “mais gruas por metro quadrado” do país, mas também pré-lançar a candidatura: “Eu acredito!”, disse. Quase rebentou as colunas, descrevia na altura a reportagem do Observador.

Montenegro, o “vice-rei” de Passos, foi à terra fazer o comício-zero contra Rio (e Centeno)

Um ‘Espinho’ nas costas de Rangel

A meio da semana das diretas, como noticiou a TSF, Luís Montenegro liderou uma lista de delegados na sua concelhia, Espinho, que tinha apoiantes de Paulo Rangel, mas também de Rui Rio. Voltando às dúvidas sobre o posicionamento de Montenegro, estas acabaram por adensar-se quando — no próprio dia das eleições — não quis revelar em quem ia votar quando falou aos jornalistas.

Os resultados acabariam por ditar que, na concelhia de Montenegro (Espinho), Rui Rio ganhasse com uma larga vantagem: 91 votos. Isso levantou suspeitas na candidatura de Rangel quanto a um “golpe dos montenegros” com o objetivo de, pelo menos, evitarem uma vitória folgada do eurodeputado — que redundaria numa derrota.

Na noite eleitoral das internas do PSD, os apoiantes de Paulo Rangel tentavam recuperar do choque e arranjar justificações para o que acontecera. “Fomos traídos pelos montenegros”, era uma das frases ouvidas no Sana Malhoa, em Lisboa,m a base dos apoiantes do derrotado, enquanto olhavam para o mapa dos resultados. E logo acrescentavam alguns membros da entourage rangelista: “Nas listas é que vamos ver”.

Dias depois, as listas confirmariam: havia pessoas próximas de Montenegro em lugar elegível, operacionais da sua campanha em lugar elegível e alguns dos seus apoiantes e do seu “grupo” da AR também bem posicionados para ser deputados. Resultado: havia mais montenegristas do que apoiantes de Paulo Rangel em lugares elegíveis.

Houve um caso que incomodou particularmente na altura aqueles que tinham colocado as fichas na vitória de Paulo Rangel. Um dos melhores amigos de Luís Montenegro, o antigo presidente da câmara de Espinho, Joaquim Pinto Moreira, não foi incluído em lugar elegível na lista de Aveiro — já que seria difícil a Salvador Malheiro explicar essa inclusão junto dos seus — mas Rui Rio arranjou-lhe lugar elegível no círculo vizinho: o Porto.

Para os que apoiaram Rangel era claro que “o Luís sabia de tudo”: era impossível Montenegro não saber que o amigo seria colocado por Rio em 12.º no Porto, lugar de mais-que-provável eleição tendo em conta quer os resultados de 2019, quer as sondagens que se conheciam na altura. Resta saber se Pinto Moreira se tornará agora uma pedra no sapato de Montenegro.