Depois de entregue a proposta de Orçamento do Estado para 2021, Pedro Siza Vieira vai ao Parlamento esta quinta-feira para responder aos deputados numa audição sobre as medidas de apoio às micro, pequenas e médias empresas. No documento que chegou à Assembleia da República, são mais as medidas que o Governo repesca para as empresas do que as que cria. E é isso que as confederações empresariais criticam.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) aponta a “completa ausência de novas medidas dirigidas às empresas”, enquanto a CIP lamenta que as propostas sejam “pagar o desemprego” em vez de o evitar.
Em entrevista ao Expresso, Pedro Siza Vieira foi confrontado com as críticas das empresas e o facto de estas pedirem mais medidas fiscais. Só que, para o ministro, “a resposta económica não está só no Orçamento”, mas também “num conjunto de outros instrumentos”. E, fiscalmente, “a medida mais importante já a aprovámos no Orçamento Suplementar: a possibilidade de as empresas recuperarem os prejuízos dos anos 2020 e 2021 ao longo de dez anos”.
Proteção do emprego. Para onde vão os 900 milhões anunciados pelo ministro João Leão?
As medidas para as empresas também colhem críticas à esquerda, que queria que o Governo tivesse ido mais longe na proibição dos despedimentos e tivesse abrangido todas as empresas (não apenas as grandes). Além disso, o Governo ainda discute possíveis mexidas à lei laboral, como alterações no período experimental ou a suspensão da caducidade da contratação coletiva durante dois anos. E o Executivo já sinalizou que não está disponível para ir tão longe quanto Bloco e PCP querem. Uma coisa é certa: as mudanças, a acontecerem, não colhem o agrado dos patrões.
O que mudou: Proibir despedimentos não agrada a empresas, mexidas nas tributações autónomas pouco abrangentes
Nas negociações com a esquerda, o Governo cedeu na proibição de despedimentos. As grandes empresas com lucros — com mais de 250 trabalhadores e um volume de negócios acima de 50 milhões de euros por ano — vão ficar impedidas de despedir se quiserem manter apoios estatais.
Durante 2021, estas empresas têm de manter, no mínimo, o nível de emprego verificado a 1 de outubro de 2020. Mesmo que procedam a despedimentos, terão depois de contratar para colmatar essa redução na força de trabalho. Caso não cumpram, perdem direito aos apoios públicos, como os incentivos fiscais e a garantia do Estado para acederem às linhas de crédito da banca.
Em vez da proibição dos despedimentos, António Saraiva, da CIP, defende que o Governo deveria estar mais preocupado em dar “incentivos que permitam às empresas” manter o emprego, mas diferentes dos que foram inscritos no Orçamento. “Se há falta de procura, as empresas terão de ajustar os seus recursos humanos à procura que se está a verificar. O que deveria existir agora era uma flexibilidade contratual”, disse em declarações à Rádio Observador.
https://observador.pt/programas/resposta-pronta/so-se-mantem-o-emprego-mantendo-as-empresas/
Também o aumento do salário mínimo no setor privado motiva a resistência dos patrões. Não é inscrito no Orçamento do Estado porque é um encargo das empresas (e um tema para a concertação social), mas Bloco e PCP querem que o Governo vá além do que tem assumido publicamente.
O Executivo já admitiu que o salário mínimo vai aumentar “em linha com a média de aumentos da última legislatura“. Essa média foi de 23,75 euros (o que atiraria o salário mínimo para os 658,75 euros), um valor aquém dos 35 euros exigidos pelo Bloco de Esquerda. Como o Observador já tinha avançado, o Governo tenta firmar com o partido de Catarina Martins um acordo de médio prazo, no qual estará inscrita uma trajetória para subir o salário mínimo nacional e outras matérias laborais. A ideia de António Costa é fechá-lo ao mesmo tempo que se fechar o acordo para a viabilização do Orçamento do Estado.
Os patrões pedem “razoabilidade e bom senso” nesta discussão. “Há que ter atenção à situação da economia portuguesa e ao momento que todos atravessamos e, com razoabilidade e bom senso, devemos olhar para os indicadores e olhar sobretudo para a manutenção dos postos de trabalho”, disse António Saraiva.
CIP pede “razoabilidade e bom senso” no tema da subida do salário mínimo
O Governo ainda tentou dar algo em troca às empresas, mas as confederações empresariais não ficaram surpreendidas. A proposta de OE para 2021 prevê que as micro, pequenas e médias empresas que costumam ter lucros, mas que este ano não tiveram devido à pandemia, não sejam prejudicadas com o agravamento das tributações autónomas (pagas, por exemplo, sobre os veículos da empresa). Ficam, assim, isentas deste agravamento as micro, pequenas e médias empresas com prejuízos em 2020 e 2021, desde que tenham registado lucro tributável “em um dos três períodos de tributação anteriores” e apresentado “as obrigações declarativas” relativas “aos dois períodos de tributação anteriores”.
Em reação, a Confederação do Comércio, liderada por João Vieira Lopes, respondeu que, “inexplicavelmente”, a medida não se aplica a todas as empresas. “Para além disso, não se assumiu qualquer medida de redução estrutural das tributações autónomas no sentido de acabar com uma tributação por todos reconhecida como aberrante.”
Para tentar segurar o emprego, e estimular o negócio de restaurantes, alojamentos e eventos/espaços culturais, vai ainda ser criado o programa IVAucher. A ideia é que o consumidor possa acumular o valor do IVA de uma compra no primeiro trimestre e descontá-lo mais tarde, no trimestre seguinte, no mesmo tipo de serviços. No entanto, ao abater este valor perde o direito a deduzir o IVA à coleta, ao abrigo do programa e-fatura. De acordo com os cálculos da Deloitte, as famílias terão de gastar, em média, 445 euros nos serviços abrangidos para que se esgote a dotação destinada à medida — 200 milhões de euros. O Governo já disse que se este valor não se esgotar, o IVAucher pode ser prolongado.
Ivaucher. Cada família terá de gastar em média 445 euros para consumir limite de 200 milhões
Será ainda criado um Programa de Apoio à Produção Nacional (Base Local), “um instrumento de política pública de apoio direto ao investimento empresarial produtivo, para estimular a produção nacional das micro e pequenas empresas”, lê-se no relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado. Será focado no setor industrial e no do turismo e vigorará até ao final de 2021, não exigindo a criação líquida de emprego, mas a manutenção dos postos de trabalho. “O programa, estimado em 100 milhões de euros de fundos europeus dos programas operacionais regionais, abrangerá as micro e pequenas empresas da indústria local que mantenham postos de trabalho na pequena indústria/turismo local.”
Além disso, as empresas que se promovam externamente vão ter direito a um “incentivo fiscal temporário”. A medida abrange apenas micro, pequenas e médias empresas e pressupõe uma majoração de 10% das despesas incorridas em ações de promoção externa para efeitos de apuramento do lucro tributável (IRC) em 2021 e 2022. Entre as despesas relevantes para o incentivo fiscal incluem-se os gastos com o arrendamento dos espaços e os custos associados à construção e funcionamento dos stands, assim como despesas relativas a serviços de consultoria e captação de novos clientes.
O que se mantém: programa de estágios e um crédito fiscal. E medidas previstas antes da pandemia
O Governo tem acenado com cerca de 900 milhões de euros para proteger o emprego. Mas muitas das medidas não são necessariamente novas e algumas até já estavam previstas antes da pandemia.
O Ativar.pt é um programa de estágios que já constava no Orçamento Suplementar. Visa apoiar a inserção no mercado de trabalho de jovens, com uma bolsa de estágio de, no mínimo, 438,81 euros e um máximo de 1.053 euros. Os destinatários são desempregados inscritos no Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) até 30 anos ou desempregados com mais de 30 anos se estiverem sem trabalho há mais de 12 meses. Tem uma outra componente: um apoio, de até 9.741,58 euros, pago às empresas que celebrem contratos de trabalho com desempregados inscritos no IEFP.
Já o “+CO3SO Emprego”, um programa de 240 milhões de euros para apoiar a 100% os custos diretos com a criação de postos de trabalho em pequenas e médias empresas da economia social, já tinha sido anunciada por António Costa em fevereiro, ou seja, antes da pandemia. Com a Covid-19, foi, porém, alargado a todo o país “para combater os efeitos da pandemia”, refere o relatório que acompanha a proposta de OE. O objetivo do apoio, que vai até os 2.200 euros por mês por trabalhador contratado sem termo, por até 36 meses, é a criação de mais de 3.800 novos postos de trabalho.
Governo apoia criação de emprego no interior com incentivos financeiros
Outra das medidas que também vai ser prolongada em 2021 é o sucedâneo do layoff simplificado, o chamado “apoio à retoma progressiva”. O apoio não é novo: já estava previsto, embora com um desenho diferente, no Orçamento Suplementar. Até outubro, apenas permitia a redução parcial do horário de trabalho (e não a suspensão do contrato como no simplificado).
Mas havia empresas para as quais, perante níveis de atividade tão baixos devido à pandemia, não fazia sentido ter os trabalhadores a cumprirem horas. E o Governo respondeu com um novo desenho do mecanismo: por um lado, passou a permitir que as empresas mais afetadas, com quebras de faturação acima dos 75%, pudessem reduzir os horários dos funcionários na totalidade, e criou um novo escalão de apoio, para empresas com quebras entre os 25% e os 40%. No Orçamento do Estado para 2021 está incluída uma verba — de 309 milhões de euros — para o prolongamento deste apoio.
Horários reduzidos a zero e novos escalões. Como funcionam as grandes mudanças do “layoff 3.0”
O incentivo à normalização também se mantém, para as empresas que já não tenham quebras de atividade ou, tendo, não queiram aderir ao apoio à retoma progressiva. O apoio pode ser do valor de um salário mínimo (635 euros) por trabalhador que esteve em layoff, pago de uma só vez, ou dois salários mínimos (1.270 euros) pagos faseadamente ao longo de seis meses. Neste último caso, há outros incentivos associados: a redução de 50% das contribuições a cargo da empresa, durante pelo menos, um mês. Ou a isenção total durante dois meses, se houver lugar à celebração de contratos de trabalho sem termo nos três meses após o final do incentivo que implique um aumento do nível de emprego.
Mantêm-se ainda as moratórias bancárias, mas o prazo foi alargado até setembro de 2021. A medida já foi aprovada em Conselho de Ministros e aplica-se às empresas que “se encontrem abrangidas por alguma das medidas de apoio extraordinário à liquidez, beneficiam da prorrogação suplementar e automática dessas medidas pelo período de seis meses, compreendido entre 31 de março de 2021 e 30 de setembro de 2021“.
O Governo também já anunciou que vai lançar novas linhas de crédito com garantia pública, de até mais 6.000 milhões, depois de se terem esgotados linhas no valor de 6.200 milhões e ter sido criada uma outra, para as micro, pequenas e médias empresas, de 1.400 milhões.
É ainda repescado o impedimento de as empresas com sede em offshore receberem apoios públicos. E mantém-se o “Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento” no primeiro semestre de 2021, que permite às empresas deduzir à coleta de IRC o correspondente a 20% das suas despesas de investimento até ao limite de cinco milhões de euros.
(…) a vigência do Crédito Fiscal Extraordinário de Investimento durante todo o primeiro semestre de 2021, num valor de 208 milhões de euros, é essencial no esforço de realização de investimento e de criação e manutenção de postos de trabalho, condição de acesso a este benefício fiscal”, considera o Governo.
O Orçamento Suplementar previa ainda não fossem considerados os anos de 2020 e 2021 para o prazo de utilização dos prejuízos fiscais gerados até 2019. Foi também alargado, de cinco para dez anos, o prazo de reporte dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021. Mantém-se o prazo de reporte de 12 anos para as pequenas e médias empresas.