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Os camaradas do Syriza no Parlamento Europeu

A ascensão do Syriza na Grécia e do Podemos em Espanha está a dar esperança e um novo élan a uma série de partidos e movimentos de esquerda radical e alternativa na UE.

A crise económica e financeira e o discurso anti-austeridade e anti-UE permite a forças de direita populista prosperar, mas também à esquerda da esquerda acolher o voto de protesto e até sonhar com o poder. Alguns destes partidos são apenas “válvulas de escape” mas outros assumem claramente a ambição de governar.

Como seria a Europa se governada pelo Syriza na Grécia, o Podemos em Espanha, e partidos “irmãos” noutros Estados-membros? Para além do PCP e do BE, quem são os camaradas e a família política europeia do Syriza e do Podemos? Com quem podem estabelecer alianças? E, para além do fim da austeridade na UE, que políticas defendem e que líderes internacionais admiram?

A melhor resposta é mergulhar na família política do Syriza e do Podemos no Parlamento Europeu. O Grupo da Esquerda Unitária/Esquerda Verde Nórdica junta, no hemiciclo em Estrasburgo e Bruxelas, um mosaico de marxistas-leninistas, radicais de esquerda, ecologistas e pacifistas, mas também independentistas, socialistas republicanos, e defensores dos animais.

Nas últimas eleições europeias, a retórica anti-troika e anti-austeridade que pautou a campanha rendeu votos a esta bancada parlamentar que passou de 35 para 52 deputados. O GUE, acrónimo por que é conhecido, congrega 19 delegações partidárias oriundas de 14 Estados-membros da União Europeia – é o quinto maior grupo do hemiciclo, representa cerca de 7%. Sendo um grupo confederal, as delegações e os partidos mantêm a sua identidade e defendem as suas políticas enquanto “juntam esforços na persecução de objectivos políticos comuns”.

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Ao nível do continente, a maioria destas forças aderiu à Esquerda Europeia que reúne partidos de países da UE e além fronteiras, tão diversos como o Partido da Liberdade e Solidariedade da Turquia ou os comunistas da Moldávia ou da Bielorrússia.

Refundar a Europa

Que “objectivos políticos comuns” cimentam então esta diversidade política por vezes até antagónica? Acima de tudo, uma oposição visceral ao rumo da UE e às políticas de austeridade, contra a Europa do capital, das multinacionais, ou seja o modelo “neoliberal”.

“Somos o grupo que combateu a troika, o Tratado de Lisboa e o Tratado Orçamental” que espartilha a UE, diz ao Observador o comunista francês Patrick Le Hyaric, vice presidente do GUE. Também director do histórico semanário do PCF, L’Humanité, este eurodeputado exige que seja feito um balanço dos tratados europeus e das políticas da troika. “A partir daqui temos que transformar e refundar as coisas. A começar pelo BCE”.

Patrick Le Hyaric, vice presidente do GUE, defende uma refundação do BCE

FRANK PERRY/AFP/Getty Images)

O GUE é imparável na denúncia das políticas e da governação económicas levadas a cabo pela UE e pela zona euro. É uma das imagens de marca que faz questão de exibir: a de estar na linha da frente contestatária das políticas de austeridade das troikas nos vários Estados-membros (Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia, Chipre).

O grupo jura que “outra Europa é possível” (é o seu lema), centrada nas pessoas, na ecologia, sem esquecer os direitos dos animais. “A base de acordo do GUE é um projecto de refundação da actual construção europeia. Um projeto social, feminista, ecologista e que defende a cooperação e a paz. Esta é a base fundamental”, explica Le Hyaric.

Os eurodeputados da Esquerda Unitária acusam a UE de ser o motor da “atual crise económica, financeira, ambiental e alimentar global”. O que os une é a construção de uma Europa “socialmente equitativa, pacífica e sustentável baseada na solidariedade internacional”, com mais democracia directa e participação activa dos cidadãos. Dão extrema importância à igualdade de género e, por isso são, com os Verdes, os únicos no Parlamento Europeu liderados por uma mulher. Aliás, dos 52 deputados, 27 são mulheres.

Para que serve o GUE?

Após as europeias de 1994, foi dado um impulso ao processo de unir as várias forças à esquerda da esquerda numa bancada parlamentar. O grupo juntou então deputados comunistas e de partidos de esquerda que não se reviam na social democracia ou no socialismo. Com as sucessivas eleições, a coesão ideológica e política do grupo parlamentar foi evoluindo e a tendência para acolher todo o tipo de esquerdas alternativas e de extrema esquerda acentuou-se.

Foi assim que entraram forças de esquerda ecologista da Suécia, da Finlândia e da Dinamarca para formar a corrente da Esquerda Verde Nórdica (NGL). E nas europeias de 1999, o grupo chega mesmo a ter 5 deputados franceses da lista trotskista Luta Operária/Liga Comunista Revolucionária.

Alexis Tsipras lidera o Syriza, Pablo Iglesias o Podemos

Matt Cardy/Getty Images

Agora, Syriza e Podemos são os fenómenos políticos em voga, fontes de inspiração para a esquerda e alguma extrema esquerda, e que acabam por marcar a política do GUE. Na opinião de Sonia Piedrafita, do Centro de Estudos de Política Europeia, um dos principais think tanks em Bruxelas, os novos movimentos como o Syriza e o Podemos têm posições mais radicais do que a esquerda tradicional em relação aos temas europeus. Por outro lado, considera, a diversidade política dentro do GUE acaba por influenciar a linha da bancada nem sempre a favor da coesão.

Doru Frantescu é director da Vote Watch Europe, uma organização que acompanha as actividades do Parlamento e do Conselho com o objectivo de promover a transparência dos processos de decisão. Segundo Frantescu, o GUE é “um grupo contestatário” no Parlamento Europeu. “Opõem-se à actual disposição institucional da UE”. “No entanto, por vezes, devido à fragmentação actual do poder no Parlamento Europeu, os votos dos grupos radicais têm peso e podem fazer a diferença. Por isso, as suas posições devem ser tidas em conta”, sublinha.

Estes eurodeputados fazem pender a balança dos votos? “De maneira geral, não é um grupo decisivo”, explica Doru Frantescu. No entanto, em certas votações que dividem a esquerda da direita, “os membros da GUE tem um certo peso”. Sobretudo nas votações relativas às liberdades civis, ambiente, políticas energéticas.

Mas não só. Em certas questões sociais ou de sociedade os grupos políticos de esquerda, juntos com verdes e liberais, votam no mesmo sentido. A bancada da esquerda radical esteve do lado vencedor em cerca de 35% das votações realizadas durante o primeiro semestre da actual legislatura, segundo o Vote Watch.

Os radicais de esquerda

Quem são afinal os membros do GUE? O principal polo dentro da bancada parlamentar é constituído pelas delegações de esquerda radical e alternativa, de partidos esquerdistas mais recentes. A começar pelo inevitável Syriza. Nas europeias a coligação de Alexis Tsipras alcançou um resultado histórico – 6 deputados, o que lhe permitiu obter a única vice presidência do Parlamento Europeu (das 14 existentes) que cabe ao GUE.

De resto, a relação e a admiração por Tsipras vem em crescendo e teve um dos pontos altos quando este foi o candidato do grupo para suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. E a popularidade do líder grego extravasa de tal forma as fronteiras da Grécia que a lista italiana “L’altra Europa con Tsipras” conseguiu eleger 3 parlamentares nas últimas europeias.

A delegação do Podemos espanhol com 5 parlamentares beneficia sobretudo da visibilidade mediática e das intervenções polémicas do seu líder, Pablo Iglesias, que também foi o candidato do GUE à presidência do Parlamento Europeu.

Responsáveis do Die Linke reunidos com Alexis Tsipras

Pool/Getty Images

Mas é a delegação alemã do Die Linke (A Esquerda) que se destaca: é a maior com 8 deputados, e tem as presidências da bancada (Gabriele Zimmer) e a da única comissão parlamentar nas mãos do GUE: a do Emprego e Assuntos Sociais. O Die Link nasce em 2007 da fusão de duas forças esquerdistas: o Partido do Socialismo Democrático, herdeiro do Partido do Socialismo Unitário da ex-Alemanha de leste, e um movimento de dissidentes sociais democratas e sindicalistas. Nas últimas eleições nacionais obteve 8,6% dos votos.

Os defensores da “luta de classes”

Dos 52 deputados do grupo parlamentar, as delegações comunistas juntas formam a segunda corrente. Alguns pertencem a partidos históricos como os comunistas cipriotas do Akel, o Partido Progressista do Povo Trabalhador, com 90 anos. Nas Teses do seu último congresso programático em 2014, o Akel reafirma a sua identidade como “partido comunista contemporâneo, guiado pela ideologia do marxismo-leninismo”, e a “luta de classes como a força condutora do progresso”.

O Akel já ganhou eleições legislativas e presidenciais, tem dois eurodeputados, um deles já foi ministro e é vice presidente da bancada. Este partido defende a “construção de uma sociedade socialista democrática e humana” cujo fundamento é a “propriedade social dos meios básicos de produção” e a “sua gestão pelos trabalhadores” como forma de “erradicar a exploração, a desigualdade, a pobreza, a alienação”.

A campanha do Akel é muito clara na mensagem

PATRICK BAZ/AFP/Getty Images

As delegações comunistas do GUE são quase todas de países do sul. Os nórdicos muito raramente elegem deputados de partidos comunistas. À semelhança, aliás, dos países da UE que viveram durante décadas sob alçada da União Soviética. Os eleitores da Polónia, Hungria, Bulgária, Roménia, Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia não parecem saudosos.

Mas, entre os outrora países do bloco comunista, há uma exceção: a República Checa. Em 2014, o Partido Comunista da Boémia e Morávia (PCBM), herdeiro do antigo partido único da Checoslováquia, elegeu três deputados (num total de 21) mantendo um historial de bons resultados.

Tal como o Akel, o PCBM defende o socialismo e acredita na actualidade do marxismo-leninismo. “Durante mais de 160 anos após a visão de Marx, Engels e outros que se lhes seguiram, de V. I. Lenine até aos atuais representantes do movimento comunista, o mundo mudou, mas no entanto o comunismo bem como a sua fase primeira – o socialismo, mantêm-se atuais e objectivos da humanidade”, pode ler-se em documentos políticos (2012) disponíveis no seu site.

Já os comunistas espanhóis e franceses optaram por integrar plataformas com outras forças de esquerda no âmbito da Izquierda Unida (4 deputados) e do Front de Gauche (4). A lista francesa foi liderada pelo carismático e ex- socialista Jean Luc Mélenchon que chegou a ser ministro da Educação Superior no governo da “esquerda plural” de Lionel Jospin.

Ecologistas, independentistas e pro animais

Aos comunistas e à esquerda radical segue-se uma terceira corrente, a da esquerda verde nórdica: uma dinamarquesa do Movimento do Povo, que tem como principal objectivo a saída da Dinamarca da UE, uma finlandesa da Aliança de Esquerda, e uma deputada do Partido da Esquerda da Suécia muito centrada nas questões da igualdade de género. Juntam-se dois deputados do esquerdista Partido Socialista holandês e o Sinn Féin da Irlanda que defende uma república socialista unida e obteve 4 representantes nas últimas europeias.

Gerry Adams é o líder do Sinn Féin

PAUL FAITH/AFP/Getty Images

Depois há a coligação independentista do País Vasco, EH Bildu, com 1 deputado que ainda recentemente organizou com o GUE uma audição para denunciar o tratamento que o Estado espanhol inflige “aos presos políticos do País Vasco”.

Mas no GUE também há deputados que se preocupam com a saúde dos animais. São duas das mais recentes aquisições: uma deputada do Partido da Terra holandês que tem como “mais alta prioridade política o bem estar dos animais” e um deputado alemão independente com os mesmos desígnios. Por fim, há um deputado irlandês independente que, entre várias causas sociais, defende a legalização da cannabis.

Syriza, o exemplo a seguir

As delegações políticas do GUE cujos partidos tem experiência de governo a nível nacional num Estado-membro da UE contam-se pelos dedos de uma mão. Por isso, a chegada do Syriza ao poder na Grécia deu esperança à bancada.

Os deputados saudaram a “vitória histórica” da coligação grega que representa “a rejeição das políticas de austeridade e da troika” e que constitui uma “esperança para milhões de europeus”. “Possa esta vitória do povo grego ser a primeira de muitas no caminho para construir uma outra Europa”, afirmou o GUE em comunicado.

Na cena europeia, o governo de Tsipras não está isolado e conta com o apoio dos camaradas e parceiros do GUE que o defendem no Parlamento Europeu. Ainda recentemente, eurodeputados do Syriza e do Akel criticaram o Eurogrupo, a Comissão e o Conselho pelo papel que desempenham no que consideram ser “a extorsão financeira” à Grécia.

A Esquerda Unitária espera que o sucesso do Syriza se repita ainda este ano mas desta vez com o Podemos, em Espanha. O êxito recente na Andaluzia confirma que é uma força em ascensão.

“É normal que o Syriza e o Podemos sejam as referências dentro do grupo parlamentar. Até por causa do número de deputados que cada uma destas delegações tem”, afirma a investigadora Sonia Piedrafita.

Da Ucrânia a Gaza passando por La Paz, sem esquecer a Venezuela

Na política externa, os eurodeputados da esquerda radical estão ativos em várias frentes. O GUE é provavelmente a bancada que mais se distingue na defesa dos palestinianos exigindo a Israel “o fim da ocupação da Palestina”. Estas posições valeram-lhe a hostilidade das autoridades israelitas que, por duas vezes nesta legislatura, impediram o acesso a Gaza a deputados do GUE.

“Parabéns Presidente Morales!”. Foi assim que o GUE saudou em 14 de Outubro a vitória do líder boliviano e do seu partido Movimento para o Socialismo. Se há líder que o GUE apoia na cena internacional é Evo Morales. Por duas vezes uma delegação de deputados deslocou-se a La Paz para apoiar Morales: nas eleições, em Outubro, e recentemente na tomada de posse.

Os deputados do GUE votaram contra uma resolução do PE que pedia ao governo de Nicolas Maduro a libertação dos líderes da oposição detidos arbitrariamente

FEDERICO PARRA/AFP/Getty Images

A situação na Venezuela também preocupa. A Esquerda Unitária tem acusado os partidos de direita no Parlamento Europeu por considerar que “instrumentalizam” os debates sobre direitos humanos para apoiar a oposição a Nicolas Maduro. Na opinião do GUE, é igualmente importante denunciar, como fez recentemente a deputada Marina Albiol, a campanha da direita no Parlamento Europeu “de apoio à extrema direita venezuelana que pretende desestabilizar o país”, bem como “a cumplicidade do Parlamento (Europeu) com essa extrema direita”.

No início deste mês o PE votou uma resolução que pedia ao governo de Nicolas Maduro a libertação dos líderes da oposição detidos arbitrariamente bem como o fim da perseguição política e da repressão da oposição democrática. Os deputados do GUE votaram contra a resolução.

Fiéis ao espírito da esquerda pacifista, recusam a “militarização” da UE e o que consideram ser a “agressão da Nato-EUA-UE no leste da Europa” a propósito do conflito na Ucrânia. A crítica ao governo de Kiev e a solidariedade reiterada para com o Partido Comunista da Ucrânia tem sido uma prioridade nestes primeiros meses da legislatura. O GUE acusa o “actual regime” de organizar uma campanha para proibir o PC ucraniano. Ainda no plano internacional, recusam qualquer tipo de acordo de livre comércio com países terceiros como que a UE está a negociar com os Estados Unidos.

Outra área prioritária e em que se distingue é a igualdade de género. No seio do GUE há activistas na defesa dos direitos das mulheres e, a propósito da celebração recente do Dia da Mulher, organizaram uma conferência no PE para afirmar a importância da “autodefesa feminista” enquanto “instrumento político contra as desigualdades existentes”. A Esquerda Unitária luta pela criação de quotas de mulheres nas direcções das empresas e pelo direito ao aborto.

Ouvir uma voz emergente

O vice presidente do grupo, Patrick Le Hyaric, acredita que há atualmente na Europa um conjunto de movimentos progressistas que pretendem fazer-se ouvir. “Há movimentos muito importantes. O Syriza mas também o Podemos e a Izquierda Unida, em Espanha. Há as forças de transformação em Portugal como o PCP e o Bloco de Esquerda, o Sinn Féin na Irlanda ou Die Linke na Alemanha. Há o Front de Gauche. Há uma emergência de forças sociais e ecológicas novas de culturas distintas mas que se coligam para fazer ouvir uma voz progressista no âmbito da UE”.

Como propostas de futuro para a refundação da Europa, Patrick Le Hyaric deixa quase um programa de governo. Considera que é necessário começar pelo BCE que “deve poder comprar diretamente dívida” dos Estados. “Depois é necessário criar as condições para um novo tipo de desenvolvimento que passa por outra política do crédito”. Em seguida, deve-se avançar com “grandes projectos europeus que favoreçam a transição ecológica”. E, para além do fim dos paraísos fiscais, criar um fundo europeu para o desenvolvimento humano, social e ecológico, ligado ao BCE, e estabelecer “em cada país um salário mínimo de base que deverá evoluir para uma harmonização”.

E se a relação de forças fosse favorável aos partidos do GUE, como seria então a Europa? “Cada país, em função das necessidades dos povos, deveria avançar para um processo de transformação do conceito da UE para se chegar a uma associação de nações de povos livres, soberanos e associados”.

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