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Maria de Jesus Rendeiro, mulher do antigo banqueiro João Rendeiro, estará “muito, muito debilitada”. Os desenvolvimentos do caso BPP e as notícias constantes sobre os crimes de que está acusado o marido “afetaram-na”. Acresce que Maria de Jesus Rendeiro foi esta quarta-feira detida pela Polícia Judiciária por suspeitas dos crimes de branqueamento e de descaminho. Mas a irmã não têm dúvidas: “Isto é uma injustiça. Ela está inocente e não compreendia nem sabia de nada dos negócios do esposo”.
Ao Observador, Celeste Matos mostra-se por isso confiante na absolvição de Maria de Jesus Rendeiro: “Não acredito que vá ser condenada. Ela não tem nada a ver com isto (caso BPP). Nós fomos sempre muito honestos”, afirma ao Observador a mulher, emocionada e sem conseguir conter os soluços de quem está a tentar evitar chorar. E, subtilmente, aponta àquele que acredita ser o culpado: “Isto foram coisas… pronto… o meu cunhado era um homem poderoso. E é. E a minha irmã confiava nele inocentemente”.
Celeste Matos revela mesmo que a irmã costumava assinar documentos do marido: “Se ele pedia para assinar, o que é que ela devia fazer? Era o seu marido, confiava nele. Ela estava à margem de tudo isto”.
“Ela não sabia de nada. É uma mulher frágil, ingénua”
João Rendeiro está atualmente fugido à Justiça em parte incerta e é procurado pelas autoridades depois de terem sido emitidos dois mandados de detenção internacionais onde constam os crimes de falsidade informática, branqueamento e fraude fiscal: um para ficar em prisão preventiva no processo em que foi condenado a dez anos de cadeia e outro para cumprir uma pena de cinco anos e oito meses de prisão. Celeste Matos garante que desconhece o paradeiro de João Rendeiro e afirma que não sabe se a irmã manteve ou não contacto com o cunhado nos últimos tempos.
Para além de ter sido detida e ter passado a noite no Estabelecimento Prisional de Tires, Maria de Jesus Rendeiro foi esta quarta-feira condenada a pagar 1.020 euros por não ter guardado pelo menos oito de 124 obras de arte apreendidas ao marido há cerca de dez anos. Quando foi arrestada pela Justiça em novembro de 2010 (para garantir o pagamento de indemnizações aos lesados do BPP) a coleção de arte ficou na casa de João Rendeiro e a mulher do ex-banqueiro foi nomeada sua fiel depositária.
Apesar de já terem passado vários anos, Celeste Matos não esquece esse momento: “Foi horrível. Ela diz que foi obrigada a assinar o documento. Nem sabia o que era ser fiel depositária”. Mas o facto é que, nesse dia, Maria Rendeiro estava acompanhada pelos advogados da família e tudo foi feito na presença destes. E agora a investigação considera que ela tinha de saber que havia obras que tinham sido vendidas e outras falsificadas, até porque as peças estavam à sua guarda na casa onde vivia com o marido. Mas Celeste Matos volta a defender a irmã: “A arte era o mundo do marido. Ela não sabia de nada (sobre as obras de arte). É uma mulher frágil, ingénua”.
E o drama adensou-se nos últimos tempos, conta ainda. Celeste Matos adianta ao Observador que esteve com a irmã há poucos dias e não lhe sai da cabeça a audição de sexta-feira passada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que teve ser suspensa porque Maria de Jesus Rendeiro começou a chorar: “Deu-lhe para chorar e chorar. Ela está muito debilitada”. Nesta audição, a mulher invocou razões psicológicas para não esclarecer o paradeiro de oito dos 124 quadros. Mas a irmã garante: “Ela diz que vai dar a cara e que não vai fugir do país. Diz ‘eu vou dar a cara até ao último suspiro'”.
O Ministério Público revelou em comunicado que “existe um forte perigo de fuga”. De acordo com a TVI, será mesmo pedida a apreensão do passaporte da mulher — ao contrário do que aconteceu com João Rendeiro, que se encontra atualmente fugido à Justiça em parte incerta e já afirmou que não tenciona regressar a Portugal.
O dia-a-dia da “senhora” e dos três cães
Fonte próxima da família Rendeiro também confirma ao Observador o mal-estar de Maria de Jesus Rendeiro nos últimos tempos. “Qualquer um ficaria afetado com uma situação destas”, afirma. O Observador apurou também que, nestes meses, Maria de Jesus Rendeiro estava sempre em casa, na Quinta Patino, em Alcabideche. A mulher adquiriu o usufruto desta casa ao antigo motorista de Rendeiro: Florêncio de Almeida, filho do presidente da Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), também ele chamado Florêncio de Almeida. Um dos negócios que está na mira dos investigadores.
Depois das buscas da Polícia Judiciária na manhã desta quarta-feira, a casa ficou sem ninguém da família. Por lá ficaram apenas as empregadas. São elas quem trata dos três cães da “senhora” (como gosta e pede para ser tratada). Enquanto João Rendeiro estava em Portugal, as empregadas só o viam quando serviam o almoço ou o jantar.
Fonte próxima da família adianta ainda que Rendeiro e a mulher não falavam sobre os casos da Justiça dentro de casa e confirma que o antigo banqueiro já não é visto no luxuoso condomínio da Quinta Patino há muito tempo.
Há uma casa e um apartamento na Quinta Patino arrestados neste momento: a casa pelo processo da pena de dez anos e o apartamento à ordem do processo de branqueamento e descaminho relativo a Maria de Jesus Rendeiro. Mas estes não são os únicos imóveis ligados ao antigo banqueiro que estão sob suspeita no caso BPP.
O prédio desabitado e o lar dos pais, que “estavam sempre a gabar-se de que o filho era muito viajado”
Se o presente (ou o passado recente) da família se centrava em Alcabideche, na já citada luxuosa Quinta Patino, o passado dos Rendeiro leva-nos a Campo de Ourique, no centro de Lisboa. É lá que fica um imóvel atualmente devoluto e cuja venda está a ser passada a pente fino, onde em tempos viveram os pais do antigo presidente do Banco Privado Português. “Chamavam-se João e Joana. Eu gostava muito deles, viviam aqui mesmo ao lado”, conta ao Observador uma vizinha, que pediu para não ser identificada. “Eu vivo aqui há 35 anos. Quando vim, eles já cá estavam”, lembra.
O imóvel salta à vista na Rua Silva Carvalho. Não só pela dimensão (é um dos maiores da rua), mas também pela idade: os botões transparentes da campainhas estão baços e não funcionam, as portas de madeira velha mostram bem o desgaste do edifício e as ervas que crescem nas telhas soltas e negras também ajudam a perceber que ninguém ali vive há vários anos.
Mas mesmo nos anos em que o prédio era habitado, João Rendeiro quase nunca por ali passava, lembra a vizinha. Apesar disso, os pais nunca paravam de falar dele: “Estavam sempre a dizer que tinha muito disto…”, conta ao Observador, esfregando o polegar e o dedo indicador — referindo-se ao dinheiro. “Gabavam-se de que o filho era muito viajado. Era uma mistura de orgulho com gabarolice”, adianta a mulher, enquanto aponta com a chave de casa que tem na mão para a porta do imóvel em questão.
Quando os pais de João Rendeiro ficaram mais velhos foram para um lar que fica do outro lado da rua, a uns metros de distância – a Fundação Lar Nossa Senhora da Saúde. A vizinha, próxima da família, adianta que a mulher do antigo banqueiro ia lá visitá-los. “Isto foi há muitos anos”, recorda.
O imóvel em questão foi vendido a Florêncio de Almeida (presidente da ANTRAL e pai do antigo motorista de Rendeiro) por 350 mil euros. A escritura foi assinada em janeiro de 2015. Foram também vendidos a Florêncio de Almeida o prédio urbano do lado, com os números 41 e 41A, por 150 mil euros, e dois terrenos rústicos na Murtosa, também herdados por Rendeiro, segundo documentos consultados pelo Observador.
Mais tarde, em 2018, Florêncio de Almeida doou parte do prédio de Campo de Ourique ao filho, que acabou por vendê-lo. Com o dinheiro, o antigo motorista de Rendeiro comprou a tal casa na Quinta Patino e alienou o usufruto da propriedade à mulher do patrão. O Ministério Público acredita que o negócio poderá ter sido simulado, para que João Rendeiro conseguisse fazer circular dinheiro à margem dos processos crime que ainda enfrenta.
Mais recentemente, o imóvel de Campo de Ourique chegou a ter uma placa da Remax a anunciar que estava novamente à venda. Um cliente comprou-o a uma sociedade há cerca de dois anos, com a imobiliária a fazer de intermediária no processo de venda. A informação foi confirmada ao Observador por fonte daquela Remax, que garante que desconhecia a relação do imóvel com a família Rendeiro ou com Florêncio de Almeida. De acordo com estas datas, não se tratará de nenhuma das transações já conhecidas e que estão a ser investigadas, mas sim de um outro negócio, feito pouco depois.
A mesma fonte da imobiliária adianta que o prédio estava à venda por cerca de um milhão e 800 mil euros, mas não revela se esse foi ou não o preço final de venda. E confirma que, para além do exterior, o prédio também está em mau estado por dentro. Mantém-se afixado numa das janelas centrais uma placa com um aviso de pedido de licenciamento. A fonte explica que vem do proprietário anterior e adianta que esse projeto já não existe.
As caixas de papelão e a casa de Lisboa “comprada com o trabalho” de Rendeiro e da mulher
Uma outra vizinha, também sob anonimato, revela ao Observador que chegou a ver homens a entrarem e a saírem do imóvel enquanto transportavam caixotes. O que havia no interior? “Isso não sei”, conta ao Observador, à janela, com os braços cruzados no parapeito. Mas as movimentações, que podem não passar de uma mudança, não são muito antigas, até porque só vive ali há cinco anos.
O prédio com os números 41 e 41A, que também foi vendido a Florêncio de Almeida (pai), fica mesmo colado a este imóvel. É um prédio mais pequeno, mais recente e, este sim, habitado. A pintura branca é recente, as campainhas são digitais e as portas de vidro permitem espreitar um pouco do hall de entrada. Um dos atuais inquilinos confessa ao Observador que desconhecia o passado do prédio: “Não sabia que tinha pertencido a João Rendeiro. Simplesmente arrendei a casa, depois de a ver num anúncio. Estou aqui há cerca de um ano”.
Os Florêncio de Almeida realizaram uma série de negócios imobiliários que começaram por ser revelados por uma investigação do programa da RTP “Sexta às 9” (RTP).
A cerca de 10 minutos de carro da casa de Campo de Ourique fica a casa onde vive Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL. É em Santos-o-Velho, numa rua inclinada, que encontramos um prédio de quatro andares com azulejos azuis. O antigo puxador de bronze com o formato de um imponente leão contrasta com o recente sistema de campainhas digital. O Observador tentou, sem sucesso, contactar o pai do antigo motorista de João Rendeiro e perceber como se têm vivido por ali todas estas suspeitas.
João Rendeiro tem ainda uma outra casa na Rua da Misericórdia, também em Lisboa. A cunhada do antigo banqueiro lembra ao Observador que esta casa foi comprada em 1989. “Ainda o meu cunhado não tinha o banco. O apartamento foi comprado com o dinheiro do trabalho do meu cunhado e com o dinheiro do trabalho da minha irmã. E hoje também está arrestado”, lamenta Celeste Matos em declarações ao Observador. Celeste garante ainda que a irmã só passava tempo na casa da Quinta Patino e que não ia a mais nenhum destes imóveis.
“Ela tinha uma vida completamente normal. Foi secretária, trabalhou para a família Mello e foi tradutora de francês para inglês. Também ia ao ginásio”, descreve Celeste Matos. A cunhada de Rendeiro explica ao Observador que passou muitos anos na Venezuela, mas adianta que costumava passar feriados importantes, como o Natal, com o casal.