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O capuchinho castanho (de burel)

Como numa caça ao tesouro, mas no caso entre os baús das avós, Maria Ruivo (30 anos), Raquel Pais (31) e Cecília Lages (31) encontraram uma espécie de capa castanha, feita em burel, e descobriram que se tratava de um agasalho português tradicional, das zonas montanhosas de Trás-os-Montes e das Beiras, e que andava há mais de dez séculos a proteger os trabalhadores rurais do frio e da chuva.

Foi assim que, nas mãos das três designers, e amigas desde os tempos de estudantes nas Belas Artes do Porto, a capucha se transformou na À Capucha, uma espécie de capuchinho castanho (e também de outras cores) dos tempos modernos. “Este produto chega até aqui depois de um apuramento formal e funcional que dura há séculos, a passar de pais para filhos. E é isso que nos interessa, esse saber fazer específico que se tem vindo a perder, esse lado artesanal das coisas que ainda se fazem à mão e que por isso têm um diferencial”, explica Raquel.

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É que apesar do corte urbano, funcional e de já ter um conjunto de novos acessórios – como um cinto entrançado, um chapéu e até, em breve, capuchas personalizadas para noivas de inverno –, cada peça é ainda feita em burel, à mão, com a ajuda preciosa de artesãs da aldeia de Arões. E estão prontas para resistir a tudo, como se comprova pela vetusta idade desta tradição.

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A olaria preta é fogo que arde para se ver

Imagine-se a pegar num serviço de chá, a metê-lo dentro de um forno artesanal alimentado manualmente a lenha e a pegar fogo a tudo. Não será talvez coisa para fazer sozinho em casa, mas é o processo que dá origem à olaria preta típica de Bisalhães e que também serve agora para produzir os artigos da Bisarro, uma marca com dois anos que provoca uma “quebra formal com o tradicional”, mas apenas para provar que a mesma técnica pode existir com “formas contemporâneas e ajustadas ao mercado nacional”, como explicam Daniel Pera, 31 anos, e Renato Rio Costa, 26, os dois responsáveis pelo projeto.

São ambos designers, mas trabalham sempre diretamente com os oleiros para não perderem de vista aquilo que acham essencial – o respeito pelo método de Bisalhães classificado pela UNESCO. “A oportunidade de explorar e aprender mais sobre os métodos artesanais, os primórdios da produção cerâmica, foi um dos fatores que nos fez deixar o contexto industrial. E o facto de a olaria estar em vias de extinção motivou-nos a continuar.”

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Hoje em dia, é a este projeto que dedicam 100% do seu tempo, e dos jarros e das taças já passaram para uma linha muito mais vasta, que inclui bules e até castiçais, todos em barro preto, com uma história que cada peça (feita à mão) conta à sua maneira. “Queremos provar que o design pode ser uma valiosa ferramenta na salvaguarda de tradições.” Além disso, é uma “oportunidade”, uma vez que o consumidor começa mesmo a “preocupar-se com questões sócio-culturais” no momento de escolher a chávena onde vai beber o café.

Um tapete com olhos

Ao contrário da irritação provocada por um furo que apareça num tapete lá de casa, há um tapete da Gur que tem dois buracos propositados a fazer de olhos e prefere provocar um sorriso. O design moderno é de Célia Esteves, de 35 anos, mas o tapete é feito em tear manual, respeitando todos os preceitos dos tapetes da região de Viana do Castelo.

“A técnica é a tradicional, com tirelas, que são trapos, e os tapetes são feitos por uma tecedeira (Cláudia Vilas Boas, de 40 anos). Tem sido um desafio para ambas, porque a técnica é bonita, mas limita um pouco o desenho. Por outro lado, é estimulante termos de nos adaptar a uma prática tão específica”, explica Célia. Para tornar o desafio ainda maior, os desenhos dos tapetes são encomendados a artistas nacionais e internacionais, como André da Loba ou Lord Mantraste, tornando o resultado final ainda mais exclusivo.

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Depois de ter sido técnica de oficinas na área da impressão tradicional na Faculdade de Belas Artes do Porto, Célia decidiu render-se a um impulso da infância: “Sempre tive um fascínio pelas técnicas tradicionais em geral e as da minha região em particular, e sempre estiveram muito presentes na minha vida, como os bordados ou o ouro das festas, até porque a minha mãe também é artesã e tem um tear. Fazia as nossas camisolas de lã e casacos de pano, que pintava com paisagens.” E além dos tapetes da Gur, Célia também sabe, se for preciso, fazer um cabeçudo sozinha.

Colhi, tingi e meti-te na cesta

O nome Vitória podia ser o nome próprio de uma só pessoa, não se desse o caso de ser um nome próprio quase de família, perpetuado por quatro gerações, e que se encaixa na perfeição no conceito familiar da marca Victoria Handmade: “As memórias mais remotas que tenho guardadas são as de acordar do sono da sesta com a minha mãe a tecer esteira e o barulho do pente a bater, num dos teares que tínhamos em casa e onde ela ia trabalhando enquanto tomava conta de mim”, recorda Esperança Vitória, de 41 anos, que avançou para o projeto com o marido, Paulo, e com a filha Daniela, de 19 anos.

No fundo, a Victoria, a marca, aceitou carregar um cesto que vinha de trás, “de uma aldeia onde quase todas as famílias estavam de certa forma ligadas à arte da cestaria em junco e nós, os mais novos, ajudávamos sempre nas férias e nos tempos livres”. E se o conhecimento da técnica veio da mãe, a atitude “urbana e cosmopolita”destas cestas deve muito à filha, estudante de artes e design.

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Enquanto Unidade Produtiva Artesanal, a produção dos cestos (ou malas) da Victoria Handmade exigem muito mais do que tear, cosedura e respetivos processos de montagem: “Envolvemo-nos desde o processo primário de corte e apanha do junco, que cresce em terrenos alagadiços, passando pela sua seca ao ar livre, a preparação e armazenamento, além do tingimento das várias cores.” Uma forma completa de voltar às origens, não só da técnica tradicional, mas da memória da mãe de Vitória Esperança, com cestas que foram também “uma força para nos fazer renascer”.

O cão de madeira é o melhor amigo da criança

Já se sabe que os cães que ladram não mordem, mas há pelo menos um Basset Hound que, além disso, se pode puxar pela casa com uma corda. E se há quem use mangas de alpaca, também já há quem possa ter uma alpaca colorida para brincar. Tudo ideias da So-So, ou “assim-assim”, mais uma expressão tipicamente portuguesa que inspira os produtos desta marca de produtos artesanais de madeira.

“Somos arquitetos e sempre nos fascinou a ligação emocional que as pessoas desenvolvem com a casa e com os objetos que a preenchem. Como complemento da profissão, sentíamos necessidade de criar os nossos próprios objetos, que pudessem pontuar essas casas”, explica Maria do Rosário Santos, 27 anos, que em conjunto com o companheiro, João Paulo Marques, 28, se aventurou por via da “auto-aprendizagem” no mundo da madeira, um material que foi revelando as suas possibilidades através do próprio exercício da arquitetura.

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Na sua pequena oficina caseira, começam por usar um provérbio ou expressão para criar um conceito. Depois vão testando os objetos, acertam a escala, os detalhes, e ainda acrescentam um postal. Só a pequena escala de produção permite que cada objeto seja tão único. “Conseguem estabelecer uma relação mais forte com aqueles que os adquirem.” E, apesar de inspirados numa cultura muito portuguesa, pretendem ter “uma estética universal e contemporânea, apelativa a qualquer pessoa”.

Macramé de parede

Há três anos, durante a licença de maternidade, Ana Morais, de 35 anos, começou a aproveitar o tempo que ia arranjando para investigar e aprender a fazer macramé. Era uma forma de se distrair. “Era um tipo de artigo, neste estilo boémio, que via muito lá fora, mas que não encontrava muito em Portugal. Então decidi fazer alguns para decorar a minha casa.”

O sucesso foi imediato. Os amigos começaram a querer encomendar. E aquilo que foi um esforço autodidata para espairecer a cabeça passou a ser uma ocupação cada vez mais intensa, com a primeira coleção a esgotar logo no primeiro dia. “Os anos áureos do macramé foram as décadas de 60/70, e estava um bocado a perder-se. Mas isto é macramé contemporâneo, com linhas retas, minimalistas, com tons mais claro.” Agora, para responder a todas as encomendas, Ana Morais passou a fazer peças de macramé, uma a uma, a tempo inteiro.

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Não tinha qualquer origem familiar relacionada com artesanato, mas a responsável pela Casulo já gostava de trabalhos manuais, e percebeu que bastava dedicação e persistência para chegar ao produto que, em primeiro lugar, queria para si. “Agora vejo como faz diferença também para os outros, para quem compra, saber que alguém teve aquele trabalho, que pode ser feito de raiz ao gosto de cada um, e que mais nenhuma peça será igual. Tem outro valor, não tem?”

Partir (a estética) da loiça toda

Há quem não tenha jeito para cuidar de pássaros, ou não goste de os ver em gaiolas, mas é também para isso que existem os corvos e os melros do Laboratório d’Estórias, um projeto experimental de design que se juntou à antiga (e já com queda para a ousadia) cultura da loiça das Caldas da Rainha.

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“Um projeto assim só faz sentido com recurso às técnicas de manufatura que sempre se usaram na cerâmica caldense e que em tempos colocaram a cidade no centro do mundo da cerâmica”, explicam Rute Rosa, 40 anos, e Sérgio Vieira, 41. É, além disso, “uma forma de preservar saberes e tradições em risco”.

Da mesma forma nasceu a marca Daterra, mais voltada para as linhas de mesa, “um conceito um bocado diferente do que já se via por aí”, afirma Carolina Bessa, 27 anos, responsável de marketing de uma equipa de logística e design em que ninguém tem mais de 40 anos.

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Conjugando a flexibilidade cromática e formal das técnicas da faiança à resistência crua das técnicas da porcelana, a Daterra idealiza peças que considera mais do que loiça: “São peças únicas, obras de arte, um tipo de ‘fórmula mágica’ só possível numa espécie de ‘atelier industrial’, em que não há duas peças iguais, já que são sempre pintadas à mão, e é aí que reside a beleza do que fazemos.”

O objetivo é, como não podia deixar de ser, voltar às técnicas do passado, mas “isso só faz sentido levando connosco os conhecimentos que temos hoje.”