Há um receio no Governo que ficou claro na apresentação do decreto de execução do terceiro (e último) período de estado de emergência: que o apontar para a liberdade pós-abril possa dar o sinal errado para os 15 dias que se seguem. O grosso das restrições que têm sido vividas vai manter-se, pelo que o que muda na renovação do período de exceção é quase nada: saem as restrições da Páscoa, levanta-se a cerca sanitária de Ovar e os parceiros sociais voltam a ser tidos e achados (embora num prazo mais curto) na elaboração de leis laborais urgentes. O 1 de maio vai poder ser celebrado, mas sem manifestações nem desfiles, e com ordens expressas da DGS.
“Apesar dos bons resultados e do bom tempo lá fora estamos nas mesmas circunstâncias“. A advertência da ministra da Presidência do Conselho de Ministros tenciona travar ímpetos de libertação de quem já começou a ouvir vários membros do Governo virem a público falar no regresso à atividade. Sobretudo quando o fim deste período de renovação (2 de maio) cai em cheio num fim-de-semana prolongado, que ainda por cima começa na sexta-feira, 1 de maio, Dia do Trabalhador, em que já serão permitidas comemorações oficiais. Desde que de acordo com as regras de distanciamento social que a DGS vai estabelecer.
Quando o Presidente da República tinha já aberto tantos caminhos para o levantamento de restrições em função da idade ou da região do país onde se vive, o Governo não correspondeu com uma execução nessa medida. Preferiu guardar estes 15 dias apenas para “programar” o regresso. Fazer levantamento junto de empresas e setores de atividade para perceber com que linhas poderá ser cosida a nova normalidade, com os portugueses a conviverem com um vírus que já fez mais de 600 vítimas mortais só em Portugal e em apenas um mês (a contar do primeiro infetado registado).
Assim sendo, como vão ser os próximos dias. O que muda afinal? Já pode sair à rua para o que quiser e sem reservas? Vamos por partes.
O que muda?
Ovar. Cerca sanitária acaba hoje à meia-noite (mas mantêm-se restrições equiparáveis às da Páscoa)
O decreto de lei agora aprovado pelo Governo, e promulgado pelo PR, é claro sobre o levantamento da cerca sanitária em Ovar: termina esta sexta-feira à meia-noite. Mas isso não quer dizer que seja possível ir a Ovar “comprar pão de ló”, como exemplificou o ministro da Administração Interna no briefing do Conselho de Ministros. “Não decorre daí que deixem de existir restrições à liberdade de circulação no município”, explicou Eduardo Cabrita.
Passa agora a ser possível quem vive em Ovar e trabalha noutro concelho, ou vice versa, deslocar-se para trabalhar, mas mantêm-se regras rígidas no que diz respeito à organização da atividade empresarial, à limitação do trabalho para quem tem mais de 60 anos, ou à obrigação de as empresas se adaptarem para terem condições de higiene adequadas e para garantirem que nunca estão no mesmo espaço mais de um terço dos trabalhadores. Em resumo, como questionou um jornalista durante o briefing, as regras em Ovar vão manter-se semelhantes às que vigoravam em todo o território nacional durante o período da Páscoa: só pode sair e entrar no concelho quem se deslocar por motivos essenciais ou de trabalho.
São muitas as regras para o levantamento da cerca sanitária em Ovar, e aparecem todas detalhadas no decreto de execução do Governo. Assim, só poderá haver deslocações de e para Ovar, se for por motivos estritamente essenciais como para trabalhar, para adquirir bens essenciais ou prestar assistência a pessoas vulneráveis. A lista completa de motivos para deslocação em Ovar é esta:
- Aquisição ou venda de bens alimentares, de higiene ou farmacêuticos;
- Acesso a cuidados de saúde;
- Acesso ao local de trabalho, devendo os trabalhadores circular munidos de uma declaração da entidade empregadora que o ateste;
- Assistência e cuidado a idosos, menores, dependentes e pessoas especialmente vulneráveis;
- Deslocações para acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica ou tráfico de seres humanos, bem como de crianças e jovens em risco, por aplicação de medida decretada por autoridade judicial ou Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, em casa de acolhimento residencial ou familiar;
- Participação em atos processuais junto das entidades judiciárias;
- Deslocação a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras.
Depois, há também um conjunto de normas que os estabelecimentos comerciais, fábricas e serviços devem seguir para voltarem a funcionar. Primeiro, tem de haver um distanciamento mínimo de 3 metros entre postos e trabalho; depois, tem de haver uso obrigatório de máscara por parte de todos os trabalhadores; não podem estar mais de um terço de pessoas, em simultâneo, nos espaços públicos; e as pessoas incluídas nos chamados grupos de risco continuam dispensadas do trabalho presencial.
O decreto do governo diz ainda que a comissão municipal de proteção civil de Ovar mantém-se em funcionamento e o respetivo plano municipal de emergência de proteção civil mantém-se em execução. Além de que, em caso de necessidade, a atividade das forças de segurança e bombeiros em Ovar pode ser reforçada com operacionais de outros concelhos.
1º de maio na rua com regras a ver. E parceiros com 24 horas para se pronunciarem sobre alterações a leis do trabalho
Há uma alteração agendada para o fim destes novos 15 dias de emergência que já dá sinal de abertura. Já vinha no decreto presidencial e o Governo diz que apenas aguarda os requisitos de distanciamento social, que serão definidos pelas autoridades de saúde, para que possa avançar a cerimónia oficial do Dia do Trabalhador. O ministro Eduardo Cabrita prevê que decorra numa dimensão menor do que nos anos anteriores, dizendo até que os meios das forças de segurança indicadas para acompanhar o evento serão “bem mais limitados” do que nos anos anteriores. O que acontecer nas ruas terá de respeitar as regras da Direção Geral de Saúde, com o Governo a dizer que nos próximos dias tentará “encontrar uma forma adequada de dar os sinais certos”. Ou seja, não haverá manifestações nem desfiles. Apenas uma celebração oficial, com moldes ainda a definir.
Um sinal para os sindicatos que, a par desta indicação, viram reaparecer no decreto de execução promulgado esta sexta-feira o direito a ser ouvidos na elaboração das leis laborais, embora num novo formato. Neste mês de exceção, os parceiros sociais ficaram afastados desta mesa negocial para evitar atrasos em legislação considerada urgente para fazer face à pandemia. Agora, sempre que se verificar a suspensão deste direito, “o Governo promove a consulta direta dos parceiros sociais, através de meios eletrónicos, com um prazo para pronúncia de 24 horas”.
Certo é que, apesar de o 1 de maio calhar numa sexta-feira, o que faz com que seja um fim de semana prolongado, a ministra da Presidência sublinhou que tal não poderá servir para viagens de lazer ou visita a familiares. As regras mantêm-se: um passeio de fim de semana prolongado por motivos de lazer ou para visitas a familiares longe de casa não estão previstos. “Regras não mudaram”, diz. Viagens só por motivos essenciais ou de trabalho.
Turistas com reservas canceladas (ou viagens de finalistas) só podem ser reembolsados no final de 2021. Desempregados podem receber antes
No briefing do Conselho de Ministros, a ministra da Presidência avançou que foi também aprovado um decreto suplementar que procura resolver a questão das estadias reservadas antes da pandemia, e que foram canceladas devido ao estado de emergência, tanto em Portugal como no estrangeiro. A medida, contudo, não parece incluir viagens de avião. Disse a ministra que será atribuído um vale até 31 de dezembro de 2021 para os passageiros virem a remarcar as reservas que foram canceladas (e que tinham sido marcadas até setembro). Mas se não quiserem remarcar, o reembolso, em dinheiro, só será feito no final de 2021.
Só a partir do final de 2021, é que os portugueses poderão ser reembolsados se assim o preferirem. Com uma ressalva: se as pessoas que adquiriram as viagens estiverem em situação de desemprego, poderão ser reembolsadas mais cedo. Isto vale para viagens e reservas que tenham sido canceladas por motivos de estado de emergência de qualquer país ou por motivo de encerramento de fronteiras. Vale também, explicou a ministra, para as viagens de finalistas que foram canceladas em março.
Segundo explicou a ministra, e segundo consta do comunicado do Conselho de Ministros, este regime destina-se especificamente a viagens organizadas por agências de viagens e turismo, ao cancelamento de reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento, e às relações entre agências de viagens e turismo, operadores de animação turística e os empreendimentos turísticos e os estabelecimentos de alojamento local. Ou seja, exclui os cancelamentos das viagens de avião.
A TAP tinha pedido medidas ao Governo sobre este tema, mas o regulamento comunitário em vigor obriga a que sejam as próprias companhias a reembolsar os passageiros.
PPP não vão ser indemnizadas, mas podem ter concessões prolongadas no tempo
No leque de medidas extraordinárias que foram aprovadas pelo Conselho de Ministros, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, deu ainda conta de que as Parcerias Público-Privadas, onde se encontram as concessionárias das autoestradas, não vão poder ser indemnizadas devido à redução do tráfego. O que pode acontecer é que os contratos de concessão sejam prolongados no tempo.
Isto será executado num decreto do Governo autónomo, e não está inserido no decreto de execução do estado de emergência. Era, aliás, uma condição que já tinha sido inicialmente prevista pelo Presidente da República, a que o Governo vem agora dar continuidade. “O decreto prevê a suspensão de cláusulas contratuais que atribuem direitos em qualquer contrato em que o Estado seja parte durante o período da pandemia, e eventuais direitos e pedidos de equilíbrio contratual que estejam de alguma forma relacionados com os efeitos da pandemia, e que resultem na queda de tráfego, não darão direito a pagamento de qualquer indemnização. Uma eventual compensação será feita através do prolongamento do contrato de concessão, nos casos em que o reequilíbrio contratual se justifique”, disse Mariana Vieira da Silva. Ou seja, não haverá indemnizações, apenas prorrogação de contratos.
Preparar o futuro mas em reserva
Há uma intenção do Governo de aproveitar este tempo para começar a “programar” maio, mas Mariana Vieira da Silva passou boa parte da conferência do Conselho de Ministros a fintar perguntas sobre no que consistia esse trabalho. Atirou para o primeiro-ministro que no dia anterior esteve no Parlamento e já deixou antever o que aí vem, mas não concretizou nada.
O objetivo é preparar um conjunto de elementos no sentido de responder às prioridades elencadas pelo primeiro-ministro no debate da renovação do estado de emergência. “É importante dar confiança” aos portugueses. Já questionada sobre se nesse período vai ser avaliada a distribuição de máscaras à população, depois da recomendação da DGS para que sejam usadas em espaços fechados com número elevado de pessoas, a ministra disse que uma das prioridades é tornar máscaras abundantes no mercado, estando o Governo a trabalhar com diferentes empresas para garantir que há capacidade de produção. Não está prevista a distribuição generalizada, o que não invalida que haja situações em que seja importante o próprio Estado assegurar a distribuição, admitiu Mariana Vieira da Silva.
Quanto à preparação para a liberdade e no que ela consiste, a ministra diz que o tempo é de dialogar com setores empresariais e parceiros sociais para definir que abertura gradual poderá ser feita.
O que se mantém?
Tudo. O que está em vigor desde o dia 19 de março mantém-se atual. E o que, a 2 de abril, se juntou ao que já existia também continua atual, exceto na parte em que se referia ao período da Páscoa, que já passou. Assim, continuam a estar em confinamento obrigatório as pessoas que estão infetadas com o novo coronavírus e quem está sob vigilância, ou por evidenciar sintomas ou porque esteve em contacto com alguém infetado. Há um dever especial de proteção dos mais idosos e das pessoas com doenças crónicas concretas, que devem manter-se mais reservados nos contactos e saídas e há ainda o dever geral de recolhimento domiciliário para a generalidade da população.
E o teletrabalho sempre que as funções profissionais que exerce sejam compatíveis com esse sistema. Quem sair, deve cumprir a norma de distanciamento social. Os funerais continuam com normas apertadas e o culto religioso mantém suspensão.
As crianças continuam em casa, porque a situação para o ensino também só será reavaliada no final deste mês — estando em cima da mesa a possibilidade dos 11º e 12º anos de escolaridade poderem ter algumas aulas presenciais em maio — mas por agora é mesmo para ficar como até aqui.
Também vai continuar a poder encontrar operações Stop na estrada, com o ministro da Administração Interna a dizer que as forças de segurança continuarão a fazer o essencial e estritamente necessário para manter as regras de distanciamento social que o decreto do estado de emergência determina.
Continua tudo na mesma também nas fronteiras, com o ministro Eduardo Cabrita dizer que a atuação das forças de segurança continuará a ser no sentido de “garantir a liberdade de circulação de mercadorias no que é essencial para o funcionamento da economia”, nomeadamente na única fronteira terrestre do país, com Espanha. Neste controlo, até agora, foram já fiscalizados cerca de 70 mil cidadãos nos 9 postos de passagem entre dos dois países.
E, sim, vai haver um fim-de-semana (1,2 e 3 de maio) prolongado e provavelmente já com sol e mesmo no fim do estado de emergência, mas nada mudou. Viagens só por motivos essenciais ou de trabalho.