Houve um tempo em que se escreviam cartas e mandavam-se bilhetinhos. Ou em que se faziam telefonemas e marcavam-se reuniões. Agora, as coisas importantes podem ser decididas e comunicadas por SMS. Mesmo entre políticos. E, mais curioso, aparecem na comunicação social.
Nos últimos dias, deu brado o SMS que Paulo Portas enviou a Passos Coelho no “verão quente” de 2013. Ou a mensagem de António Costa a criticar o diretor-adjunto do Expresso, João Vieira Pereira, porque achou injusta a crónica que aquele lhe havia dedicado na última edição do jornal. Mas há mais, muitas mais, que contam a história recente da política portuguesa. E que tiveram consequências.
As 2.700 SMS de Miguel Relvas
Em maio de 2012, os protagonistas eram o ex-ministro-adjunto de Passos Coelho, Miguel Relvas, e o ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho. A notícia de sete SMS trocados entre o espião e um dos adjuntos de Relvas, o ex-jornalista Adelino Cunha, levou à demissão deste último. Soube-se nessa altura de uma conversa, tida em setembro de 2011 (pouco tempo depois da tomada de posse do atual Governo), sobre um envelope que o Parlamento enviara a Silva Carvalho e que chegou aberto ao destino.
No início do mês, o Ministério Público tinha acusado três arguidos do denominado “caso das secretas” pelos crimes de acesso ilegítimo agravado, abuso de poder, violação do segredo de Estado e corrupção passiva e activa para ato ilícito, entre os quais Silva Carvalho.
Mas houve mais: dia 6 de junho, um dia depois de o PSD ter ganho as eleições legislativas, Silva Carvalho tinha enviado a Relvas um SMS com a sugestão de três nomes para cargos de topo das secretas. A troca destas mensagens foi conhecida em 2012, no âmbito do processo em que o ex-espião foi acusado. Relvas viria a explicar que recebe em média 2.700 SMS por mês e que, por isso, nem se lembrava nem atribuiu importância a qualquer SMS recebido de Silva Carvalho.
“Os SMS deixam rasto. O que é importante diz-se pessoalmente, nem sequer num telefonema”, comentavam esta semana ao Observador dois deputados. Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças, diz ser da “velha escola”. “Acho que uma mensagem condensa demasiada informação e é suscetível de deficientes interpretações. Não sou partidário dessas funções”, explica ao Observador.
“Fartei-me de as utilizar e não estou nada arrependido. O problema é o uso que se dá. Quando as SMS são usadas [na política] para conspirar ou para ofender é sempre condenável”, diz, por sua vez, ao Observador António Capucho, ex-autarca de Cascais.
Joana Amaral Dias, ex-deputada do BE, diz que manda cerca de 50 SMS por dia. “Mas é óbvio que é preciso ser muito desprevenido para transmitir ordens e contra-ordens por SMS”, acrescenta o deputado socialista José Magalhães.
Vara para Sócrates: “A Manuela não apresenta mais o jornal”
Em 2010, o processo Face Oculta trazia para as páginas dos jornais mais SMS sensíveis entre políticos. No caso, José Sócrates e Armando Vara. As escutas no âmbito do Face Oculta, divulgadas pelo semanário Sol, revelavam que o primeiro-ministro teria sabido da suspensão do Jornal de Sexta da TVI, apresentado por Manuela Moura Guedes, no dia 3 de setembro de 2009, por uma mensagem de Armando Vara, ex-governante de Guterres e amigo de longa data de Sócrates: “A Manuela não apresenta mais o jornal. Direcção demitiu-se. Mas não digas nada”.
Ora, esta versão contraria aquilo que o primeiro-ministro dissera no Parlamento na comissão de inquérito ao negócio PT/TVI: que soubera do cancelamento do noticiário pela comunicação social.
“Eu não tenho que dar essa explicação pela simples razão de que esse sms é privado”, respondeu José Sócrates, na altura aos jornalistas. “Mas reafirmo que eu soube da notícia pela comunicação social”, acrescentou. Vara, por seu turno, veio dizer que não se lembrava nada do SMS.
O uso de mensagens “aconselha sempre alguma cautela, ainda para mais quando se tratam de assuntos que possam causar algum melindre”, comentou Guilherme Silva, vice-Presidente da Assembleia da República, ao Observador. Ele que só usa esta ferramenta “para tratar de assuntos mais triviais, como a marcação de um almoço ou para avisar que vai chegar atrasado”.
“Tozé, precisamos de conversar”
O líder do PS, António Costa, dá muito uso ao telemóvel. Do pouco tempo que leva como secretário-geral do partido, já são vários os SMS importantes que se sabe terem sido enviados. Na noite das eleições europeias, o então presidente da Câmara de Lisboa sentiu que a vitória do PS lhe “soube a pouco” e decidiu que era altura para avançar – Seguro tinha o lugar de secretário-geral em risco. Nessa noite de maio enviou-lhe logo um SMS a pedir para “conversar”. A mensagem não terá sido exatamente assim, mas, segundo António José Seguro, em momento algum Costa revelou as suas verdadeiras intenções.
Semanas depois, já com os dois em campo de batalha, Seguro confessou que ficou surpreeendido com a movimentação de Costa. Tarde demais. Costa viria a vencê-lo nas primárias do partido e a tornar-se candidato socialista a primeiro-ministro.
António Cunha Vaz, presidente da Cunha Vaz & Associados, uma das principais agências de comunicação, não tem dúvidas: a mensagem de Costa não pode ser vista como um erro técnico. Desafiado a colocar-se na pele de assessor de António Costa, Cunha Vaz garante que aconselharia Costa “a enviar a mensagem desde que tivesse certeza que o destinatário não a punha cá fora”.
Para o presidente da agência de comunicação, de resto, “não há regras absolutas. Desde as palavras às mensagens escritas. Tudo que é por excesso é demais. É importante que se faça com moderação”.
Já durante as eleições primárias para a escolha do candidato do PS a primeiro-ministro, houve outro SMS polémico. A candidatura de António Costa mandou mensagens a militantes socialistas no dia anterior à votação e o presidente da Comissão Eleitoral, Jorge Coelho, teve que intervir. Os representantes de Costa admitiram que se tratou de “um erro técnico” e que a mensagem com apelo ao voto chegou apenas a 5% dos militantes.
Dia 29 de novembro de 2014, sábado, foi um dia importante para o PS. O ex-primeiro-ministro José Sócrates tinha sido preso horas antes (sexta-feira já perto da meia-noite). O partido estava em estado de choque e Costa entendeu, para sossegar os militantes, que era importante passar a mensagem de solidariedade mas também de contenção.
“Caras e caros camaradas, estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Sócrates. Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”.
Já em fevereiro, novo SMS para os militantes. Desta vez, por causa da polémica desencadeada pelas declarações que fez, no Ano Novo chinês, sobre o estado do país. Costa diz estar empenhado em “defender o país” e que, ao dirigir-me a investidores estrangeiros, tenta valorizar os “fatores positivos”. “Para destruir a confiança já basta o governo”, escreveu.
Mais recentemente o líder do PS tornou-se notícia depois de enviar um SMS a criticar o diretor-adjunto do Expresso, João Vieira Pereira. Costa achou injusta a crónica que aquele lhe havia dedicado na última edição do jornal e fez questão de o deixar bem claro: “Senhor João Vieira Pereira (…) Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem nem conhece? Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito. António Costa”.
A mensagem acabou por se tornar pública por iniciativa do próprio João Vieira Pereira. Cunha Vaz não tem dúvida em descrever a atitude do diretor-adjunto do Expresso como uma “violação da privacidade” do líder socialista e como um “atropelo da ética” que deve orientar a comunicação entre duas pessoas.
Já para Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, a questão é muito diferente: “As mensagens não devem ser usadas para transmitir os estados de alma de um político, muito menos para criticar um jornalista”.
Quem se demite por SMS?
Na semana passada, ao ser lançada a biografia de Pedro Passos Coelho “Somos quem escolhemos ser”, o mundo político entrou em convulsão com aquilo que era uma revelação inédita de uma demissão invulgar – a de que o número 2 do Governo informava o número 1 do Governo que batia com a porta por SMS.
Passos queixa-se que Paulo Portas apresentou a demissão por SMS no verão de 2013. Portas diz que não, que não foi só um SMS. Houve um carta primeiro, corrigiu o CDS. Aos jornalistas, o vice-primeiro-ministro, que só há pouco tempo se rendeu às potencialidades dos smartphones, tentou pôr água na fervura e ironizou: “Se tiverem perguntas mandem por SMS ou por carta”.
Joana Amaral Dias, por certo, não se veria no meio desta confusão. A psicóloga lembra que, quando se desfiliou do Bloco de Esquerda, fez “questão de entregar por mão própria, olhos nos olhos e por carta” o seu pedido de desfiliação do partido.
O deputado socialista José Magalhães vai mais longe: esta SMS “traduz a relação minimalista que existia entre os parceiros da coligação. Quando se deviam fechar e discutirem até cairem para o lado, resolveram as coisas assim”, criticou. “Não está a imaginar o Doutor António Guterres a anunciar que se iria demitir por SMS, depois da derrota nas autárquicas, em 2001? Não faria sentido”.
Menezes para Marques Mendes: A ideia das diretas foi “MINHA”
Mas à direita também houve outras novelas interessantes. Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes “pegaram-se” a reclamar a paternidade da criação de eleições diretas para a presidência do PSD.
Em 2007, vivia-se um clima de campanha interna no PSD com os dois em despique. Por SMS, Mendes avisava os militantes de que a novidade nas diretas tinha sido por si introduzida “para dar mais força aos militantes de base”. “É essa força que preciso para pôr fim ao desgoverno socialista, para dar um novo rumo a Portugal. Quero governar em 2009, mas preciso do seu apoio”, dizia.
Pouco tempo depois, Menezes contra-atacava pelo mesmo canal. “As bases sabem que as directas foram instituídas por proposta MINHA em Pombal. Foi um passo para dar poder aos militantes”, dizia o então autarca de Vila Nova de Gaia, que sugeria ainda que também os candidatos a deputados fossem escolhidos pelas bases do partido.
“Para questões de fundo da vida partidária não faz qualquer sentido usar SMS para comunicar”, acredita António Capucho, que repetiu a máxima de Guilherme Silva: “As mensagens são um instrumento indispensável. Mas é preciso cautela, não apenas com as SMS mas com aquilo que se escreve em todo lado”.
Santana Lopes: Agora batam palmas
Até Pedro Santana Lopes já teve as suas irritações com a SMS. Em março de 2010, em pleno congresso social-democrata, o antigo presidente da Câmara lisboeta denunciou a tentativa de manipulação dos comportamentos dos congressistas que algumas candidaturas à presidência do PSD estavam a tentar conduzir.
O partido estava a dias de escolher que líder ia enfrentar José Sócrates nas legislativas que se avizinhavam e todas as demonstrações de força contavam. Quem não ficou contente foi Santana Lopes. “Não é estar a organizar o Congresso como me chegou uma mensagem ontem e outra hoje: quando falar aquele não batam palmas, quando falar aquele saiam da sala; o partido não pode entrar neste nível, temos que fazer política com educação”. Santana não revelou que candidatura ou candidaturas estavam a enviar essas SMS, mas, no final, a vitória acabou por sorrir a Pedro Passos Coelho, então longe de imaginar que ia tornar-se primeiro-ministro poucos meses depois.
Apesar das tramas e conspirações desenhadas a partir do teclado do telemóvel, há uma personagem insuspeita nesta história: Alberto João Jardim, o político eleito democraticamente que mais tempo esteve em funções, 37 anos. Porquê? Guilherme Silva, deputado social-democrata eleito pelo círculo eleitoral da Madeira e consultor do Governo Regional, desafiado a revelar se Jardim lhe enviava muitas mensagens, explica: “Olhe até lhe posso dizer que o Doutor Alberto João Jardim só começou a usar telemóvel depois de cessar funções”.
Pode-se traçar a história da política portuguesa por SMS, mas na verdade só a história recente, a partir de 1999, pois foi nessa altura que se generalizou a troca de mensagens. O primeiro envio de uma mensagem de texto para um telemóvel foi feito a partir de um computador a 23 de julho de 1992. Depois, começaram a ser usados SMS apenas pela operadoras de telemóvel para os clientes para os avisar de novos serviços ou problemas de rede. Na verdade, só a partir de 1999 é que em Portugal se começou a tornar normal a troca de mensagens entre redes diferentes.
Milhões de mensagens foram enviados desde essa altura, mas poucos deram origem a tanta tinta a correr na imprensa e a palpitações políticas como estas.