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Os vencedores, os vencidos e a obsessão do Congresso do CDS

Nuno Melo é líder sem oposição forte. Manuel Monteiro ganhou espaço para defender luta de anos. Rodrigues dos Santos foi derrotado à distância. Ventura foi o alvo e o seu sucesso a cenoura.

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Os vencedores

Nuno Melo

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Há pouco mais de meio ano, Nuno Melo lutava para conseguir manter a sede do Caldas aberta e para conseguir pagar a funcionários. Via o seu mandato de eurodeputado a chegar ao fim, umas difíceis eleições europeias pela frente e mais de dois anos de travessia no deserto para (tentar) voltar ao Parlamento. Agora, o mundo mudou. Meses depois é ministro e tão depressa pode estar à mesa do Conselho de Ministros a discutir com Montenegro o futuro do país, como horas depois pode estar à conversa com Jens Stoltenberg a negociar apoio de armamento a Volodomyr Zelensky. Aparece como o messias salvador de um partido num momento em que poucos acreditavam que o CDS pudesse voltar ao Parlamento e ainda mais a um Governo na República. Tirando uns fogachos de Rodrigues dos Santos na TV e de seus muchachos, como Francisco Tavares (que fez uma gracinha no Congresso), Nuno Melo não tem praticamente oposição interna. Mesmo a pulsão (quer de Monteiro, quer de Núncio, quer de Telmo Correia) para deslocar o partido para uma área conservadora é algo que deixa Nuno Melo confortável. Basta ver que a moção que apresentou ao Congresso em 2019 defendia um partido “conservador e de direita”. O “senhor ministro” Nuno Melo lidera um partido desnatado, até desfalcado, mas à sua imagem. Foi ainda hábil ao tomar a iniciativa de lançar, com a anuência de Montenegro, uma comissão para as comemorações do 25 de Novembro de 1975. É algo que não só irritará a esquerda como permitirá ao partido ganhar pontos à direita.

Manuel Monteiro

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Manuel Monteiro voltou ao CDS pela mão do antigo líder Francisco Rodrigues dos Santos e  vê no crescimento do Chega a prova de que sempre teve razão em querer posicionar o partido na área da direita conservadora. E, por isso, aproveitou a oportunidade que o Congresso lhe deu para dizer duas coisas: que tinha razão e que ainda há tempo para recuperar eleitores que fugiram para o Chega. Manuel Monteiro foi aplaudido quando falou de aborto, de segurança, de autoridade, do ser conservador. De tal forma que se assumiu como uma espécie de guardião espiritual do atual partido, com uma aparente maior influência do que Paulo Portas, que só entrou em vídeo e sem fazer política. Com honras de ex-líder, Manuel Monteiro fez um discurso mais longo do que o de Nuno Melo (40 minutos), que acabou por ser, naturalmente, um dos pontos altos do Congresso. Manuel Monteiro voltou mesmo de vez e não parece disposto a sair (nem ninguém a empurrá-lo), carregando com ele o peso da ideologia (a que chama de “tempero da política”). Ajudou, de facto, a tornar o Congresso menos insosso.

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Telmo Correia

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mesmo sendo importante no portismo e de até já ter sido ministro (por poucos meses) é difícil encontrar um momento em que Telmo Correia tenha sido tão importante e influente no CDS. O seu compagnon de route Nuno Melo (com quem chegou a apresentar moções em conjunto a congressos anteriores para defender a “direita autêntica”) é o líder do partido e é claro para todos que Telmo Correia faz parte do inner circle de decisão. Além disso, faz parte da restrita troika de governantes do CDS. Como secretário de Estado, tem a pasta da Administração Interna, que é importante para explorar a veia mais securitária de um partido que quer ser conservador. Teve palco, aliás, para defender a sua área de ação governativa e defender que as forças de segurança têm de ser valorizadas. Telmo Correia já se aproximou do setor – ao passar a imagem de que o CDS está do lado da reivindicação e a puxar pelos polícias – agora o PSD (a ministra, que é do PSD, e as Finanças, que também são da responsabilidade do PSD) que se amanhem. A presença de alguns sindicatos da polícia no Congresso também é um bom sinal para Telmo Correia.

Paulo Núncio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Durante dois anos, foi o fiel escudeiro de Nuno Melo. E, como reconheceram dezenas de congressistas, nunca desistiu de manter o partido vivo no espaço mediático. Não raras vezes, foi dirigente, mas também um assessor que insistia junto dos jornalistas para que as ideias do CDS vissem a luz do dia, mesmo estando fora do Parlamento. É líder parlamentar (com o voto simbólico de Nuno Melo ainda antes de ir para o Governo), mantém-se como vice-presidente e reforça a sua posição nesta fase do partido. Apesar de ter sido “apertado” durante a campanha por ter falado sobre o aborto, no Congresso mostrou que não está disponível a abdicar dos seus ideais, nem na questão da eutanásia, nem na questão da interrupção voluntária da gravidez. E não lhe correu mal. Falou na “vida humana, quer no início da gestação, quer no final do seu período”. Só teve aplausos e ainda contou com um ex-líder (Manuel Monteiro) a dar-lhe respaldo e a dizer-lhe que não tenha medo de defender essas causas. É um Paulo Núncio, depois das polémicas como governante, também ele renascido.

Os vencidos

Francisco Rodrigues dos Santos

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Seja ou não apenas por culpa própria, Francisco Rodrigues dos Santos teve um mandato na liderança do CDS em que houve um afastamento de quadros importantes, o partido agudizou a sua difícil situação financeira e ficou fora do Parlamento, após perder as legislativas com estrondo. Só isto seria suficiente para, depois de Nuno Melo fazer o partido regressar ao Parlamento e ao Governo, para meter um grande violoncelo no saco. E foi isso que fez nos últimos dois anos. Mas, nas últimas semanas, decidiu voltar, através de pontuais comentários televisivos, a fazer contra-fogo à direção de Melo. Na noite de sábado em que os seus companheiros se reuniam em Congresso, podia ter feito como Manuel Monteiro e, com coragem, ir ao púlpito dizer, sem limite de tempo, o que pensa do partido. Optou por ir a um canal de televisão, a CNN Portugal, dizer que há a ideia de que o CDS é “um clubinho privado de portas fechadas à renovação” e ainda ameaçou sair do partido, dizendo que está a testar os seus limites para “sustentar a sua filiação no partido”. Teve um único mérito: conseguiu forçar o líder do partido e ministro da Defesa a comentar o seu ataque à chegada ao Congresso, considerando-o um “equívoco”. No entanto, ao contrário de Manuel Monteiro, “Chicão” não parece disposto a querer mudar o seu partido por dentro, mostrando que, enquanto não abdica de ter o pin do Colégio Militar da lapela, o CDS é uma instituição mais descartável (e menos importante) do seu percurso pessoal. Está no bom caminho para se tornar uma nota de rodapé na história de um partido que se prepara para fazer 50 anos.

Cecília Meireles

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os congressistas do CDS aplaudiram muito Cecília Meireles quando subiu ao palco: nestes anos difíceis, sentiram-se representados e vingados sempre que a viam debater na televisão com Mariana Mortágua ou Catarina Martins. Mas ambos sabem que há um equívoco nesta relação: neste fim de semana, tanto Cecília Meireles como os congressistas só ouviram o que quiseram. Depois de Manuel Monteiro dizer no palanque que o CDS não tem de ter vergonha de ser contra o aborto, o que deixou a sala em êxtase, Cecília Meireles desconversou em entrevista à Rádio Observador: disse que a lei está bem como está e que, portanto, o aborto “não é um tema tabu”, é “um não tema”. Já quando chegou a sua vez de discursar, Cecília Meireles anunciou que pretendia falar sobre educação, mas não sobre a remuneração dos professores ou sobre a ideologia de género. Perante o gelo na sala, acrescentou: “Percebo que esses dois temas são relevantes”. Na verdade, não percebe. Durante horas, ouviu discursos que simbolizam a vitória do CDS que sempre combateu: um partido que se preocupa mais com o aborto, com a “família tradicional” e com a “ideologia de género” do que com o pragmatismo do dia a dia dos eleitores. Os aplausos a Cecília Meireles foram de memória e de reconhecimento — não foram de aprovação.

A obsessão

André Ventura

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ninguém viu André Ventura no Congresso do CDS — mas, na realidade, ele estava em todo o lado. O líder do Chega serviu de símbolo para o fracasso e de alarme para a sobrevivência. Durante 50 anos, o CDS foi o partido dos ex-combatentes, dos militares, dos polícias, da Igreja e da família — e foi também o único partido que votara contra a Constituição, o que fazia dele um elemento do regime que estava ligeiramente (muito ligeiramente) à parte do regime. Mas, subitamente, surgiu André Ventura e, sem aparente esforço, pegou em algumas das causas do CDS e transformou-as num milhão de votos e em 50 deputados. Ouvindo tudo o que se passou no Congresso deste fim de semana, conclui-se que uma parte substancial do CDS tem convicções fortes sobre o que aconteceu. Como sempre, é preciso voltar a Diogo Freitas do Amaral. Há muitos, muitos anos, o fundador do partido detetou um dos problemas genéticos do partido: os dirigentes estavam à esquerda dos militantes e os militantes estavam à esquerda dos eleitores. Agora, alguns no CDS (atenção: não todos) parecem querer corrigir isso, para alinharem o partido com aquilo que veem acontecer no Chega: se os eleitores estão à direita, os militantes devem segui-los; e, se os militantes se moverem, os dirigentes deverão ir atrás deles. Em entrevista à Rádio Observador, Manuel Monteiro teve um desabafo revelador: “Não foi o Chega que inventou bandeiras, foi o CDS que as perdeu”. Lamentavelmente para o CDS, perder uma bandeira é fácil; recuperá-la, é difícil. No discurso que fez do palanque, a dada altura Telmo Correia afirmou: “Não nos esqueçamos nunca que o nosso principal adversário são as esquerdas”. Como diria uma certa figura histórica, o adversário do CDS pode estar à esquerda, mas o inimigo está à direita.

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