Vencedores

Ursula von der Leyen

Há quem lhe chame nos corredores de Bruxelas a “Rainha Ursula”, tal não é o poder que tenta ter a partir da presidência da Comissão sobre os seus 27 condados (leia-se, Estados-membros). O caso de compra de vacinas (no qual é arguida), a aproximação a Meloni (que irritou o centro-esquerda e a esquerda moderada) e a afronta à Hungria de Orbán e à Polónia do PiS (antes de Donald Tusk recuperar o poder para o PPE) fizeram-na colecionar vários inimigos. O resultado do PPE nas europeias e o acordo de três partes (PPE-S&D-Renew) para os top jobs mantiveram-na como favorita, mas faltava o apoio final e mais difícil (o do Parlamento Europeu), onde a eleição estava longe de serem favas contadas. Ainda para mais, o voto era secreto. Até no PPE, a começar pelos Republicanos franceses liderados por Bellamy, havia quem a preferisse ver bem longe. Consciente das dificuldades, a candidata à presidência da Comissão Europeia abdicou de ir à importante cimeira da NATO, desdobrou-se em reuniões com vários grupos parlamentares e, no fim do dia, conseguiu passar no Parlamento Europeu com 401 votos a favor, mais 41 do que necessitava. Em 2019, tinha ficado acima do patamar da maioria absoluta por escassos oito votos. A própria já avisou que este resultado no hemiciclo, o facto de ter sido lead candidate do PPE e ter participado em debates contra outros candidatos à presidência da Comissão Europeia lhe dá uma legitimidade reforçada. E já começou a colocar a mão na massa ao avisar os países que vai ter uma palavra decisiva na escolha dos comissários, voltando a exigir dois nomes (um homem e uma mulher), fator que irritou os Estados-membros há cinco anos. Ursula teve de suar para o conseguir, mas saiu reforçada da primeira semana do Parlamento Europeu. Estrasburgo saved the queen.

Roberta Metsola

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Quando Roberta Metsola chegou à presidência do Parlamento Europeu — oriunda do país mais pequeno país da UE e que tem quase tantos habitantes como o concelho de Lisboa — poucos pensariam que ficaria mais do que um mandato à frente do Parlamento Europeu. Foi a primeira líder europeia a ir a Kiev depois do início da guerra, logo a 1 de abril de 2022, e isso colou-lhe uma imagem de coragem física que lhe é reconhecida pelos outros eurodeputados. Apesar de ter enfrentado o problemático Qatargate no seu mandato, é capaz de gerar consensos entre várias forças políticas, tendo menos anti-corpos, por exemplo, do que von der Leyen. A votação que obteve foi absolutamente esmagadora, a um ponto de que até a extrema-direita votou nela. Conseguiu 80,4% dos votos (e 90,2% dos votos expressos), o que é o melhor resultado de sempre de um presidente do hemiciclo europeu. Os Patriotas pela Europa pedem-lhe agora, em troca do voto que Metsola nunca pediu, ajuda a derrubar a cerca sanitária. O que, provavelmente, a maltesa não fará. Só Martin Schulz esteve dois mandatos à frente do Parlamento Europeu, o que mostra como Metsola tem condições para ficar na história do Parlamento Europeu.

Volodymyr Zelensky

A semana europeia não lhe podia ter corrido melhor. Os cargos de topo confirmados para o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia são totalmente pró-Ucrânia. Tanto Metsola como Von der Leyen fizeram questão de prometer apoio político, militar e humanitário a Kiev e fazer elogios ao presidente ucraniano. Foram ainda entusiastas de um alargamento da UE à Ucrânia. Além disso, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução, com larga maioria, que deixou todo o apoio a Kiev por escrito, atacou o regime Putin e até incluiu uma condenação ao primeiro-ministro húngaro por ter ido a Moscovo reunir-se com Putin. Na entrada do Parlamento Europeu há 29 bandeiras hasteadas: dos 27 Estados-membros, da União Europeia e uma da Ucrânia. Apesar das mudanças dos grupos e do crescimento da extrema-direita, a Europa mantém-se pró-Ucrânia e à frente dos top jobs — que acabam por ter sido verdadeiramente selados esta semana — também estão figuras simpáticas para Zelensky: além de Metsola e von der Leyen, também Costa e Kallas são pró-Ucrânia. A estoniana, segundo alguns líderes europeus, até demais.

Macron e Scholz

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Emmanuel Macron e Olaf Scholz tiveram um verdadeira derrocada eleitoral nas Europeias de 10 de junho. O partido do presidente francês teve menos de metade da votação do partido de Le Pen e Bardella e o chanceler alemão viu o SPD descer para terceira força, atrás da extrema-direita da AfD. Apesar da quebra dos respetivos grupos políticos, conseguem manter o status quo europeu, que é o que melhor serve os interesses do eixo franco-alemão. Nos top jobs europeus também não ficaram mal servidos: os liberais terão Kallas e os socialistas Costa. A continuidade de von der Leyen, apesar de ser do PPE, também é uma vitória para ambos. Os dois foram, aliás, negociadores indicados pelas respetivas famílias, onde são liderantes. A Europa de Monnet e Schuman enfrenta dificuldades, mas está viva e é maioritária.

Vencidos

Viktor Orbán

epa11472499 Prime Minister of Hungary Viktor Orban (C) in conversation prior to the beginning of Working Session II of the North Atlantic Treaty Organization (NATO) Summit at the Walter E. Washington Convention Center in Washington, DC, USA, 11 July 2024. The 75th Anniversary NATO Summit takes place in Washington, DC, from 09 to 11 July 2024. EPA/CHRIS KLEPONIS / POOL

Viktor Orbán teve o mérito de ser o inspirador de um grupo que se tornou o terceiro maior do Parlamento Europeu e que até pode vir ser o segundo. O Patriotas pela Europa, onde o seu Fidesz tem um peso decisivo, ganhou tempo para intervenções e subiu na hierarquia dos trabalhos parlamentares (são agora os terceiros), mas não conseguiu furar a cerca sanitária, ficando fora dos cargos relevantes (ao contrário dos conservadores do ECR, que têm duas vice-presidências). Além disso, na primeira sessão do novo Parlamento Europeu, Viktor Orbán, que tem a presidência rotativa da UE, foi uma autêntica piñata política. Houve uma resolução aprovada pela maioria de deputados que condena a sua ida a Moscovo e avisa que o primeiro-ministro húngaro não está mandatado para essas negociações. No discurso como candidata, horas antes de ser eleita, von der Leyen lembrou que dois dias depois da ida de Orbán a Moscovo, Putin bombardeou um hospital pediátrico. Sugeriu até que a movimentação do líder húngaro foi uma falsa “missão de paz”, a que chamou de “missão de apaziguamento”. Ao mesmo tempo, a grande coligação europeísta, que foi a grande vencedora da semana, pondera boicotar várias iniciativas da presidência húngara. Aqueles para quem Orbán é persona non grata venceram e vão ficar, pelo menos, mais cinco anos.

Jordan Bardella

Há quinze dias Jordan Bardella sonhava ser primeiro-ministro de França. Agora lidera terceiro maior grupo político do Parlamento Europeu, mas este é claramente um plano B na sua carreira política. Além disso, a bancada que lidera está afastado da esfera de decisão. Caso Ursula von der Leyen tivesse sido chumbada em Estrasburgo, isso provocaria fissuras na grande aliança europeísta e aí, no caos, os Patriotas pela Europa podiam retirar dividendos. Mas não foi isso que aconteceu. Bardella bem que apelou no Parlamento Europeu a que Von der Leyen só fizesse um mandato, mas isso, porventura, só ajudou os Verdes a optarem por dar um apoio à ex-ministra da Defesa alemã que se revelou decisivo. Na sua intervenção, Bardella atacou o Pacto Ecológico e o Pacto das Migrações, dizendo que o sinal que os eleitores europeus deram foi que queriam mudanças nessas áreas, mas a votação provaria que os representantes desses votantes não pensam assim. Em democracia, ganha a maioria. E a maioria votou nos europeístas.

Georgia Meloni

epa11337503 Italian Prime Minister Giorgia Meloni speaks during a press conference after her meeting with Czech Prime Minister Fiala, at the Palazzo Chigi in Rome, Italy, 13 May 2024. EPA/RICCARDO ANTIMIANI

A primeira-ministra italiana contestou o acordo dos top jobs europeus e classificou as negociações de antidemocráticas. Giorgia Meloni foi ao ponto de nem sequer atender o telefone ao primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, o responsável do PPE que ficou encarregue de o fazer. Na votação do Conselho Europeu votou contra Costa e absteve-se contra a nova amiga Ursula von der Leyen. Desde então, as coisas não têm corrido muito bem a Meloni. Viktor Orbán lançou um novo grupo, Le Pen juntou-se a ele, bem como a Lega do seu parceiro Salvini e o Vox — que saíram do ECR, partido europeu a que preside. A italiana teve até de deixar que o polaco PiS ficasse com a co-presidência da bancada parlamentar para estancar as saídas, mas, ainda assim, ficou com um grupo mais pequeno do que o Patriotas pela Europa. Os cargos aos quais se opunha foram confirmados — alguns de forma esmagadora — o que mostra que ninguém precisou de Meloni para definir os destinos da Europa. Apesar disso, Meloni ainda pode transformar esta derrota em meia-vitória, caso consiga uma vice-presidência da Comissão para Itália e uma pasta de peso (Roma quer um pelouro económico). Aí se verá se a aproximação a von der Leyen deu frutos, já que a presidente da Comissão Europeia será preponderante nessa escolha. Houve ainda um outro sinal positivo para Meloni: o ECR tem dois vice-presidentes do Parlamento Europeu, uma delas dos Irmãos de Itália. Ainda assim, ficou evidente a sua impotência no plano europeu.

Esquerda Europeia

O grupo da esquerda no Parlamento Europeu até cresceu e conseguiu manter um vice-presidente, mas perdeu várias batalhas. O grupo The Left pediu um debate de urgência sobre a situação em Gaza, mas a proposta (apresentada pela deputada do Bloco de Esquerda, Catarina Martins) não chegou a ver a luz do dia. Se é certo que Von der Leyen exigiria, no dia seguinte, o fim do derramamento de sangue em Gaza de forma bastante vocal, a proposta foi rejeitada de forma clara com 251 votos contra e apenas 149 a favor. A outra metade de portugueses na esquerda também não teve a melhor sorte: João Oliveira votou contra a resolução de apoio à Ucrânia (Catarina Martins absteve-se), mas esta foi aprovada por uma larga maioria. Além disso, o grupo votou massivamente contra Von der Leyen, mas de nada serviu, já que esta foi eleita.

Vladimir Putin

epa11457086 Russian President Vladimir Putin attends the Shanghai Cooperation Organisation (SCO) plus format meeting in Astana, Kazakhstan, 04 July 2024. The Shanghai Cooperation Organization (SCO) summit taking place in Astana from 03 to 04 July. EPA/GAVRIIL GRIGOROV / SPUTNIK / KREMLIN POOL MANDATORY CREDIT

Não é que a resolução que o Parlamento Europeu aprovou tire o sono a Vladimir Putin ou o enfranqueça significativamente, mas mostrou que continua a existir uma grande maioria pró-Ucrânia. E que, mesmo que os EUA venham a falhar na ajuda militar a Kiev, os países da UE vão manter-se firmes nesse apoio pelo “tempo que for preciso”. Além disso, a ida de Orbán a Moscovo também foi fortemente criticada e um sinal claro por parte das instituições europeias de que vão ficar ao lado de Zelensky na exigência de não ceder território em troca da paz. A não-eleição de Von der Leyen e uma crise política em Bruxelas seria bom para o Kremlin, mas esse risco não passou disso mesmo. Putin perdeu em toda a linha, apesar  de ter um amigo (Viktor Orbán) à frente da presidência da UE que o foi visitar a Moscovo.

O aliviado

António Costa

Apesar da eleição estar fechada, começavam a ouvir-se cada vez mais vozes, principalmente no PPE, a questionar a viabilidade de o S&D manter o cargo de presidente do Conselho Europeu no caso de Von der Leyen não ser eleita. Os socialistas europeus diziam que a indicação do português era irreversível, mas até na família política de Costa se admitia uma perda de legitimidade caso o acordo caísse por terra. O que é certo é que os socialistas terão sido disciplinados na votação (dois dias depois de uma reunião com ex-primeiro-ministro português) e acabou por ser cumprido o último passo para que Costa chegue tranquilamente ao Conselho. António Costa pode, por fim, respirar de alívio. Além disso, o ex-chefe de Governo tem excelentes relações com Ursula von der Leyen, o que também facilitará o seu mandato.