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"Sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, PS está a prestar um mau serviço à democracia"
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"Sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, PS está a prestar um mau serviço à democracia"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"Sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, PS está a prestar um mau serviço à democracia"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Pedro Filipe Soares: “Esta forma de gerir o país empobrece a ética republicana”

Em entrevista, Pedro Filipe Soares acusa Costa de nada ter aprendido com sucessão de casos no Governo. Líder parlamentar do BE lamenta relação de PS e PSD com o Chega e mantém acusações de racismo.

Garante que o Governo tem todas as condições para cumprir a legislatura e que tem mais é de arrepiar caminho. Critica António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, mas também Luís Montenegro, por viverem numa “bolha política” que nada diz às pessoas, entretidos em “jogos de poder” que perpetuam as falhas crónicas do país. Não rejeita que as eleições europeias têm uma leitura nacional, mas deixam um caderno de encargos ao Governo: “Não está de férias nem  desobrigado a responder aos problemas do país”.

Em entrevista ao Observador, no final das jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares fala também sobre o futuro de Catarina Martins, reiterando que a coordenadora do partido tem todas as “condições internas e externas para continuar”. Mas deixa duas ideias: a decisão pertence-lhe e o Bloco de Esquerda terá sempre “alternativas”. “O Bloco não se esgota em pessoas, seja dentro ou fora grupo parlamentar”, diz.

O líder parlamentar bloquista critica ainda o Chega, reafirma as acusações de racismo e xenofobia que Catarina Martins fizera ao partido de André Ventura, mas centra-se sobretudo nas críticas a Montenegro e Costa. “O PSD, sempre que tem uma posição dúbia sobre a matéria, está a dar mais para a naturalização do Chega do que para a defesa da democracia. E o PS, sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, está a prestar um mau serviço à democracia.”

“Legislatura só acabará mais cedo se Governo quiser”

O Bloco passou estes dias de jornadas na rua, a acompanhar vários protestos e de vários setores. A luta passou para as ruas, agora que perderam espaço e influência no Parlamento?
Sabemos que uma maioria absoluta não se convence, vence-se. E uma forma de se vencer é com a força popular, a mobilização social. Já vimos isso em matérias que o Governo dizia que não ia rever. É com essa mobilização geral da sociedade que se consegue vencer uma maioria absoluta que tantas vezes tem estado errada.

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Com este cocktail de contestação social e erros próprios do Governo acredita que a legislatura pode acabar mais cedo?
Só acabará mais cedo se o Governo quiser. Não estamos a equacionar outro cenário que não o de eleições em 2026. Coisa diferente é considerarmos que tudo está fechado até lá e que as posições políticas não são passíveis de ser contraditadas e as pressões populares de terem resultados. Já vimos que isso é possível e vamos insistir no que é justo. Foi o que fizemos nestas jornadas: são justas as reivindicações dos professores, as reivindicações populares por uma melhor saúde, por mais direitos para quem trabalha, por mais habitação, acompanhamo-las. Há muito por onde lutar e não é apenas como fito único nas eleições. É possível fazermos mais neste contexto.

Foram a vários locais que é habitual visitarem em campanhas. Na última, o que se ouvia eram pessoas zangadas com o Bloco por causa do chumbo do OE ou até a avisar para o perigo de a direita crescer. Sentiu as pessoas mais reconciliadas com o Bloco desta vez ou nem por isso? Senti uma grande abertura no diálogo connosco, que as pessoas reconhecem o papel que temos desempenhado e nos querem dar força para continuar com mais capacidade e consequência. É reconfortante termos sentido essa força. Há problemas hoje que são visíveis e as escolhas políticas que os originaram não eram tão visíveis antes. O problema das urgências obstetrícias, que chocou o país, mostra a falta de investimento na Saúde que tínhamos denunciado e que temos exigido, e agora é claro para todos que é um problema a que o PS não quer responder.

Uma espécie de “eu bem te avisei”?
Infelizmente, o “eu bem te avisei” é à custa de muito sacrifício para as pessoas. Acaba por ser absolutamente inequívoco no acesso à habitação. Mas se o PS tivesse investido e feito escolhas estruturantes para a habitação quando nós avisámos, porventura hoje não tínhamos pessoas que trabalham a ver negado o acesso à habitação. Não nos movem os ajustes de contas com o passado, mas a transformação do presente e do futuro. Há lutas que hoje nos catapultam para uma mobilização social geral que tem sido apanágio do programa do Bloco. Fazem mais sentido do que nunca.

O Bloco pode corporizar essa contestação social?
O Bloco sempre teve essa capacidade de amplificar as lutas e é o que queremos fazer. Não nos pretendemos substituir a nenhum ativismo, mas quando ele é feito com bandeiras que partilhamos faz mais sentido unirmos esforços. É essa a ideia de construção que o Bloco partilha.

"Só acabará mais cedo se o Governo quiser. Não estamos a equacionar outro cenário que não o de eleições em 2026. Coisa diferente é considerarmos que tudo está fechado até lá e que as posições políticas não são passíveis de ser contraditadas e as pressões populares de terem resultados"

“António Costa aprendeu com este último ano? É um mistério”

Dizia não ver motivo para a legislatura acabar mais cedo. Mas as europeias vão ser um teste para o Governo? Existe a hipótese de chegarmos a 2024 num pântano?
Todos os atos eleitorais têm uma leitura, um contexto. As europeias são daqui a mais do que um ano. Não podemos ter a crise da escola pública arrastada durante mais um ano, estes escândalos de corrupção durante mais um ano, que o acesso à habitação seja negado durante mais de um ano. Esta ideia que a direita, o Presidente da República, colocam ao dar um suspense, uma suspensão do processo normal da política, das lutas, da resposta que o Governo tem de dar até às europeias, parece-me irresponsável. Nem o Governo está de férias até lá nem está desobrigado a responder aos problemas do país, cada vez mais gritantes, como a falta de acesso aos bens essenciais. Há pessoas que estão a passar fome por causa disso.

O Presidente da República foi irresponsável em dar esse prazo?
Existe uma tentação recorrente por parte dos políticos de pensar a política como jogos de poder. Isso é visto de forma muito afastada pelas pessoas. As pessoas querem respostas aos seus problemas e esta ideia de que só olhamos para a gestão da coisa pública em função dos jogos de poder é uma redução da política a jogos político-partidários. Mais do que dar prazos, o Presidente da República tem de fiscalizar e garantir que, na sua pressão junto do Governo, o Governo age de acordo com os interesses da população.

Tem sentido essa pressão? Durante o primeiro mandato, a ideia geral era de que não existia tanto quanto devia. Tem percebido o objetivo desta pressão?
Não tenho de a interpretar, tenho de a constatar. E ela não pode condicionar ação do Governo, nem a ação de um partido de oposição, como é o caso do Bloco de Esquerda. Não ficamos cerceados na nossa prestação por essa relação entre Presidente da República e do Governo. Sempre que a bolha política vive em circuito fechado, quem sofre são as pessoas. E cresce o sentimento de indignação.

Quem tem vivido nessa bolha? O Presidente da República e o primeiro-ministro?
Há culpas a atribuir a vários lados. O Presidente da República parece-me que é exemplo disso, mas o Governo também. A resposta que o primeiro-ministro tem dado a diversas circunstâncias tem chocado o país. É sempre na lógica do deixa andar que isto logo se vê. Essa forma de gerir o país, típica de uma maioria absoluta, empobrece a ética republicana e afasta as pessoas.

Na última entrevista que deu, António Costa disse que o “Governo se pôs a jeito” e que aprendeu muito enquanto governante. Tem visto algum efeito dessa aprendizagem?
Não. E creio que esse é um mistério também para o país. O autoconhecimento é tido por alguns livros como um dos objetivos da nossa vida. Mas mais do que o autoconhecimento do primeiro-ministro, o que esperávamos era que o conhecimento da governação do país fosse melhor do que é agora.

"Todos os atos eleitorais têm uma leitura, um contexto. As europeias são daqui a mais do que um ano. Não podemos ter a crise da escola pública arrastada durante mais um ano, estes escândalos de corrupção durante mais um ano, que o acesso à habitação seja negado durante mais de um ano"

“As palavras afinal fazem dói-dói a André Ventura”

Um dos grandes problemas que a esquerda teve nas últimas eleições foi o fantasma do Chega e uma possível aliança à direita. Como é que o Bloco pode garantir que chega às próximas eleições sem esse problema?
O Chega mostrou o que é na semana passada, ao ter, de uma forma soez, muito pouco dignificante, oposição a uma decisão tomada pela Assembleia da República. Quem desvaloriza a democracia, quem gere a democracia em função dos seus interesses — até ambições monetárias –, não tem espaço à mesa da democracia. O PSD, sempre que tem uma posição dúbia sobre a matéria, está a dar mais para a naturalização do Chega do que para a defesa da democracia. E o PS, sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, está a prestar um mau serviço à democracia. As duas posições ficaram materializadas na decisão de termos uma revisão constitucional promovida pelo Chega, aceite por PS e PSD. Partidos democráticos, se querem ser valorizados na luta contra a extrema-direita, não a podem normalizar. A chantagem iminente de quem é que combate melhor a extrema-direita e de quem é que é refém dela é hoje visível.

Acredita que as pessoas perceberam que havia uma estratégia conveniente de usar o Chega como ameaça eleitoral?
Não existe novidade nisso — Macron fê-lo. Os livros da teoria política já estudaram a análise e o PS está a reproduzir sem pagar direitos de autor. E o exemplo pode vir também de França: vimos crescer um pólo de centro-direita, pólo de extrema-direita e um pólo à esquerda, que é o que tem mostrado ser verdadeiramente um antídoto. Na transposição para o nosso país, também é claro onde cada um se coloca.

Sobre o facto de Catarina Martins se ter referido aos deputados do Chega como racistas. Essa crítica devia ter sido feita ainda antes de terem estado no Parlamento?
O programa do Chega introduz uma visão racista e xenófoba da sociedade. André Ventura foi condenado depois de ter atacado, de forma soez, uma família devido à sua origem. Todo o seu discurso é feito de forma dúbia ou encapotada para corporizar essa vertente racista e xenófoba, incluindo contra os imigrantes em abstrato. Quem escolhe esse caminho, fá-lo conscientemente. O que é curioso é que, aqui, as palavras fizeram dói-dói. André Ventura, que acha que pode dizer tudo e mais alguma coisa, agora as palavras fizeram-lhe dói-dói. Um partido que é tão antissistema, que diz não ter medo de nada, tem medo de umas palavrinhas tão simples?

“Catarina Martins? O Bloco não se esgota em pessoas”

Estando há muitos anos na liderança, a reação da rua a Catarina Martins é boa?
Sim, em absoluto.

Em novembro, deu uma entrevista ao Público em que dizia que Catarina Martins continuava a ter o apoio do partido se se quisesse recandidatar na convenção que está marcada para maio. A decisão de continuar ou não na liderança do Bloco está nas mãos de Catarina Martins?
Não tenho nada a acrescentar a isso, reafirmo o que disse. Como é público, Catarina Martins tem todas as condições internas e externas para continuar. É da sua decisão fazê-lo ou não.

Mas já falou com Catarina Martins sobre isso?
Não tenho de o fazer. É uma decisão que Catarina Martins tem de ponderar. Já lhe dei a minha opinião sobre a matéria, mas não me posso substituir a ninguém.

Quando é que podemos esperar uma decisão?
Só Catarina Martins saberá dizer.

Se Catarina Martins quiser sair, o Bloco tem alternativa?
Como é óbvio qualquer partido tem de ter sempre alternativas porque o partido não se esgota em pessoas. Se se esgotar, é porque não tem força política suficiente. O Bloco não se esgota em pessoas, seja dentro ou fora grupo parlamentar. Há um projeto para o futuro do Bloco muito para lá da nossa participação.

"O PSD, sempre que tem uma posição dúbia sobre a matéria, está a dar mais para a naturalização do Chega do que para a defesa da democracia. E o PS, sempre que faz uma ação para dar centralidade ao Chega, está a prestar um mau serviço à democracia"

“Os interesses especulativos para caricaturar as posições do Bloco”

Mariana Mortágua disse recentemente que se um proprietário pode manter casas fechadas só para alimentar uma guerrilha política, é porque não precisa do dinheiro das rendas e que era preciso obrigar que essas casas fossem postas no mercado. Qual é exatamente ideia do Bloco?Não temos intenção de obrigar ninguém a fazer nada que seja contra a sua vontade. Mas temos vontade de garantir o direito à habitação para as pessoas — direito que tem sido negado. Quando mesmo quem trabalha não consegue ter acesso à habitação, é porque o mercado não funciona. Temos de garantir que os mercados se ajusta.

Mas como é que se concretiza?
Temos três propostas: garantir que o Governo entrega terrenos públicos a Câmaras Municipais para urbanização a custos controlados; que novos projetos habitacionais de privados garantam uma função social; e que haja um controlo de novas rendas. Queremos que exista uma regulação do mercado para retirar especulação e dar direito a quem quer habitação. Muitas das nossas medidas são usadas por quem tem interesses especulativos para caricaturar as posições do Bloco de Esquerda. Sabemos que há interesses muito fortes e que quem lhes toca enfrenta campanha negativa. Para nós, são medalhas que levamos ao peito.

Em relação a uma das propostas concretas, a proibição de venda a não residentes, houve um aviso do Parlamento, que levantava problemas de constitucionalidade. Rejeita que a proposta levante questões legais?
Temos vários países europeus que promovem essa proposta. É muito simples: quem reside no país, pode comprar casa; quem não vive no país, não pode fazer esse tipo de compras. No contexto atual, só serviriam para aumentar ainda mais os preços. Essa proposta não feriu nenhum direito do espaço europeu e não nos parece que tenha problemas constitucionais — não estamos a colocar em causa o direito à propriedade; estamos a colocar atos de compra e venda futuros, restringindo os direitos a residentes no nosso país.

O Bloco apoiou e ajudou o Governo durante os últimos anos. Não deveria ter sido mais exigente na área da habitação?
O Governo tem protelado muitas das propostas que o próprio Governo tem feito. Ter casas para todas as pessoas do país, que era a proposta para os 50 anos de Abril, caiu por terra. A proposta de ter 26 mil quartos para estudantes também caiu por terra. Na verdade, há um conjunto de decisões que se tivessem sido executados poderiam ter feito a diferença na vida das pessoas. O Governo, assim que as anuncia e mal tem qualquer ameaça do setor imobiliário, acaba por não levar em diante as suas intenções. Por outro lado, medidas mais musculadas têm sido sempre negadas pelo PS. Não é segredo nenhum que foi crescente o afastamento entre o PS e o BE sobre matérias fundamentais. Foi o PS que se quis afastar da esquerda.

"Saída de Catarina Martins? Qualquer partido tem de ter sempre alternativas porque o partido não se esgota em pessoas. Se se esgotar, é porque não tem força política suficiente. O Bloco não se esgota em pessoas, seja dentro ou fora grupo parlamentar. Há um projeto para o futuro do Bloco muito para lá da nossa participação"

“Lei da eutanásia que vier a existir deve ser inatacável”

Concorda quando António Costa diz que tem tido uma maioria dialogante com os outros partidos?
Confesso que não consegui impedir um certo sorriso quando ouvi essa frase.

O Bloco tem estado em vários protestos. A forma de atuação de sindicatos como o S.TO.P. prejudica a luta dos professores?
Não olhamos à convocatória das manifestações. Temos acompanhado e continuaremos a acompanhar todas as mobilizações em defesa da escola pública.

Catarina Martins já disse que a maioria dos professores estavam a fazer greve da maneira como devia e que não deviam ser penalizados pela forma de luta que o S.TO.P. promoveu.
A grande crítica que fazemos enquanto partido é esta obrigação de serviços mínimos, que nos parece manifestamente à margem da lei e do direito constitucional. De resto, os sindicatos são livres de usarem a forma a de luta que entenderem dentro dos limites legais — e creio que isso tem acontecido. Não temos qualquer problema em estar ao lado de Mário Nogueira, André Pestana ou outro dirigente de professores desde que as reivindicações sejam justas.

No caso do S.TO.P., houve a questão do fundo de greve e denúncias sobre o uso dos fundos para pagar a operacionais e assim fechar as escolas. Não há formas de protestos que sejam questionáveis?
Não posso responder a isso porque não conheço os pormenores.

Temos tidos vários avanços e recuos na questão da eutanásia. Marcelo Rebelo de Sousa não quer ficar colado à promulgação desta lei?
Acho que não quer ficar colado. Mas não tenho dúvidas que cumprirá as suas funções enquanto Presidente da República. Com toda a humildade, temos abertura para levar este processo até ao fim com tranquilidade. Não queremos criar uma guerra entre órgãos de soberania. A lei que vier a existir deve ser inatacável.

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