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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Pedro Nuno Santos. "Quatro anos são suficientes para estas funções. É desgastante, física e emocionalmente"

Na primeira entrevista depois da entrega do último Orçamento da Legislatura, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares faz um balanço do que passou e assume protagonismo para o que aí vem.

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Aparece na sala da Biblioteca da Assembleia da República como quase sempre anda pelos corredores do Parlamento, mãos nos bolsos e sem grandes formalismos. Já ali está desde 2005, mas no cargo que ocupa está apenas há três anos. “Suficientes”, diz o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que tem nas mãos a tarefa de coordenar a sensível “geringonça”.

Quando o vimos na televisão há dias, na entrega do Orçamento do Estado para 2019, mostrava às câmaras quatro dedos de uma mão, para assinalar os quatro orçamentos negociados à esquerda. É um crédito que reclama sem cerimónias: “O Orçamento que sai das Finanças, tal como as Finanças o desejariam, não tinha passado uma única vez”. Para o conseguir, é preciso ser “muitas vezes” um “moço de recados” ou uma “bola de ping-pong”.

Nesta entrevista ao Observador, Pedro Nuno Santos assume que este tempo está a chegar ao fim, mas também diz que as suas valências políticas são preciosas em qualquer Governo. Não fecha portas a esse futuro e ainda menos ao outro, que passa pela liderança do PS. Já pôs, aliás, o pé no palco e não o tem posto de forma discreta.

Nunca diz o nome de Fernando Medina e quando é diretamente questionado, cinge-se ao politicamente correto “respeito” pelo “camarada”. Mas antes mesmo de falarmos nele, cita-o, sem citar. “O percurso da carne assada” é uma expressão do autarca de Lisboa e a desvalorização da arte “proclamatória” também. Em hora e meia de conversa o governante socialista, que diz não ter “padrinhos”, assume que a sua carreira é de político, que gosta da “rota da carne assada”, onde “se toca e se ouve as pessoas”. E, ao contrário de “outros”, que fizeram a vida “no Estado ou em gabinetes”, junta a experiência no “setor empresarial português”, via empresa de família, para completar o quadro de competências de um líder.

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De uma assentada, diferencia-se do opositor futuro de quem mais se fala, posiciona-se e volta a dar corpo ao Pedronunismo. Mas o atual líder do PS que não se preocupe em meter os papéis para a reforma antecipada. Pedro Nuno Santos jura “lealdade” a António Costa, e é com ele que diz querer estar “até ao fim”.

[Um proclamador forjado na “rota da carne assada”. Veja o ‘best of’ da entrevista:]

“A gestão orçamental é prudente e cautelosa.”

Com quatro orçamentos praticamente fechados, consegue avaliar com quem foi mais fácil e mais difícil negociar durante estes três anos?
Se calhar daqui a dez anos podemos falar melhor sobre isso, tendo em conta que nós ainda estamos a trabalhar com os nossos parceiros… ou provavelmente nem daqui a dez anos… A questão não é se é mais fácil ou mais difícil, os partidos têm formas diferentes de trabalhar têm culturas organizacionais diferentes  e culturas negociais também diferentes e nós vamo-nos adaptando a elas.

Dizer que um parceiro é mais fácil e outro mais difícil não é necessariamente pejorativo, é apenas uma apreciação da experiência.
Podemos ter aqui um desencontro entre vontades. Podem achar que é relevante, eu não acho e até acho deselegante esse tipo de observação. E inapropriada.

A maneira como António Costa tem tratado os dois partidos, até nos debates quinzenais, não mostra que foi mais difícil negociar com o BE? Ou não vê mais simpatia do primeiro-ministro com o PCP?
Não temos preferências, somos do PS. O primeiro-ministro é líder do PS, líder de um Governo do PS que é suportado por mais três partidos além do socialista, trabalhamos com estes partidos e não temos preferências nem descriminamos ninguém.

Mas os dois partidos saíram das negociações com sensações diferentes.
Mas eu não posso fazer nada quanto a isso. Com certeza que saíram todos convictos de que este é um bom Orçamento, que responde a muitos dos problemas e aos anseios da população portuguesa. Foi para isso que estivemos a trabalhar.

Têm razões para terem saído com sentimentos opostos?
Não vou fazer esse juízo, nenhum de nós consegue tudo aquilo que deseja. Nem na política, nem na vida. Portanto, o BE não conseguiu tudo o que desejava no quadro das negociações, o PCP não conseguiu tudo o que desejava. E diria mais: os ministros deste Governo também não, na medida em que, desde logo, há uma restrição orçamental e, depois, porque há um trabalho de construção em conjunto. É assim em democracia, apesar de não ser essa a tradição em Portugal. Todos estão, de forma diferentes, satisfeitos com o Orçamento que construímos em conjunto.

Pedro Nuno Santos foi entrevistado pelo Observador na Biblioteca da Assembleia da República

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E como é que assiste a esta disputa pelo partido que mais ganhos conseguiu no Orçamento?
Com naturalidade. Em democracia queremos mostrar a quem depositou em nós confiança que estamos a trabalhar e a conseguir resultados. O PCP, o BE e os Verdes tomaram uma decisão muito importante em 2015. Julgo que hoje podem dizer que tiveram vitórias importantes porque participaram nesta solução de Governo. Influenciaram-na. Têm de mostrar aos seus eleitores que não foi em vão, que conseguiram. E eu partilho dessa ideia: conseguiram influenciar e melhorar também o nosso documento.

Fez parte das suas tarefas enquanto negociador mandatado pelo Governo fazer essa distribuição de ganhos?
Não é assim que nós trabalhamos, temos uma proposta, uma ideia de Orçamento, os nossos parceiros dizem-nos o que querem e o que não querem, o que deve ser alterado, e vamos trabalhando. Às vezes, há matérias defendidas pelos três parceiros, outras vezes não, mas nós não distribuímos coisas. Construímos um Orçamento que responde aos problemas dos portugueses.

Vimo-lo há poucos dias com o ar satisfeito de quem tinha concluído o quarto Orçamento desta solução governativa, mas entretanto, nos últimos dias, levantaram-se algumas dúvidas. Afinal este défice de que o PS se orgulha é de 0,2 ou 0,5%?
Dúvidas sobre os orçamentos do Estado do Partido Socialista já as temos desde 2015. Não deixa de ser surpreendente que, no quarto orçamento, ainda haja quem tenha dúvidas sobre as contas de Mário Centeno. A verdade é que temos sempre superado as metas, mais do que atingido.

"O PCP, o BE e os Verdes tomaram uma decisão muito importante em 2015. Hoje podem dizer que tiveram vitórias importantes porque participaram nesta solução de Governo. Influenciaram-na"

Portanto, acha que a Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento (UTAO) não está a ser rigorosa nas contas que tem feito?
Há essa acusação desde início, não há nada de novo. O défice orçamental relevante em matéria de compromissos europeus é o défice orçamental em contabilidade nacional e esse é 0,2 e será 0,2. O défice em contabilidade pública terá de ser alvo de vários ajustamentos, é sempre assim, decorre da própria definição contabilística de défice de contabilidade pública. E tendo em conta o histórico, era melhor apostarmos naquele que é o compromisso deste Governo porque quem tem falhado não somos nós, mas toda a gente que aposta nos falhanços. O segredo é trabalho, rigor.

E é também algum dinheiro que acaba por não ser gasto apesar de ter sido orçamentado. Há 600 milhões de euros de diferença entre o que está no relatório e o que está na proposta e a UTAO indica que o Governo não pretende gastá-los. Isso também faz parte do segredo de Mário Centeno?
Não, o segredo tem sido prudência. Temos uma gestão orçamental prudente e cautelosa. Hoje não acontece o que normalmente acontecia, que era acusarem os governos de terem metas irrealistas, inatingíveis, ilusórias, fantasiosas. Quanto muito, já ouvimos a crítica contrária. Nós fazemos por baixo para assegurar que atingimos resultados. A verdade é esta, Portugal tem atingido recordes em matéria de défice orçamental, com certeza isso continuará em 2019, com uma diferença muito grande face ao Governo anterior: temos conseguido isto sem infligir sofrimento aos povo português.

“É uma profunda injustiça dizer que sou um radical que não quer nada com o PSD e o CDS”

No congresso do PS disse que “não contamos com o PSD e o CDS para proteger os trabalhadores”. No entanto, o que acabámos por ver aqui no Parlamento é que a reforma laboral foi aprovada precisamente à direita. Há coisas em que o PS ainda está mais próximo da direita?
Não ia tão longe no que diz respeito à reforma laboral que ainda está no Parlamento, os diplomas estão na especialidade e serão trabalhados. Agora, aproveita-se sempre o título de uma entrevista que foi “nunca mais precisaremos do PSD para governar”…

Não estou a falar dessa frase, estou a falar da que disse no congresso do PS.
Já lá irei. Esta solução do Governo representa uma grande vitória para a autonomia do PS que nunca tinha governado sem ser com a direita. Aprovou sempre com a direita os orçamentos do Estado. Antes não estávamos livres, estávamos reféns do PSD e do CDS. Isto, até esta solução governativa em que fizemos uma escolha diferente — na minha opinião, a que se impunha — e temos construído os nossos orçamentos com quem devemos. Quando digo que não podemos contar com PSD e CDS para defender os trabalhadores, é porque é exatamente isso que nos diz a história. O SNS foi criado contra o PSD e o CDS. O conjunto de reformas da escola pública é feita contra o PSD. Combatemos o PSD e o CDS em todas as suas tentativas de liberalizar a legislação laboral. Mas agora o PS não fará mais nada com o PSD e o CDS? Claro que fará. Não direi isso. Até porque entendo que, em muitas matérias, de soberania, segurança interna e externa, temos de ter uma aliança, uma maioria muito larga. E isso significa incluir obviamente o PSD.

"Em matéria de defesa do Estado Social público, universal e gratuito, a minha opinião, tendo em conta o histórico, é que não podemos contar com o PSD e o CDS. Mas não rejeito nem nunca rejeitei que pudéssemos trabalhar com o PSD"

São explicações que não dá pela primeira vez sobre essa frase. Mas a minha pergunta tem a ver com a reforma laboral que o PS tem trabalhado mais proximamente com o PSD e o CDS.
Não quero estragar o argumento, mas não sei de onde tirou a ideia que estamos a trabalhar com o PSD e o CDS a reforma laboral, porque não estamos.

Ouvindo os seus parceiros, por exemplo.
Mas estou a dizer eu, que sou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e represento o Governo do PS, não represento nem o PCP, nem o BE. Não estamos a negociar com o PSD e o CDS a reforma laboral. Esta é a verdade. A matéria laboral está no Parlamento, está a ser trabalhada e logo veremos. É uma reforma que combate a precariedade, não a agrava, e seria a primeira vez que o PSD e o CDS estariam a apoiar uma solução deste tipo. Se estiverem, ainda bem, não vamos dizer que não queremos. Agora, a quem diz que sou um radical que não quer mais nada com o PSD e o CDS, eu só posso lembrar que é uma profunda injustiça para com um Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares que já fez aprovar aqui no Parlamento várias coisas com o PSD, nomeadamente em matéria de sistema financeiro. Em matéria de defesa do Estado Social público, universal e gratuito, a minha opinião, tendo em conta o histórico, é que não podemos contar com o PSD e o CDS. Mas não rejeito nem nunca rejeitei que pudéssemos trabalhar com o PSD.

Há questões do código laboral para as quais o Governo tem até dificuldade em convencer o PS, como a questão do alargamento do período experimental. Pelos vistos não é tão fácil assim convencer os partidos da esquerda, incluindo o próprio do PS, da bondade das medidas do ministro Vieira da Silva.
Não seria a primeira vez que teríamos dossiers que não têm a aceitação do PCP e do BE. Estávamos habituados a que, quando há uma aliança, os partidos com menor representação dessa aliança, deixassem de ter autonomia e perdessem a sua identidade. Aconteceu sempre com o CDS. Neste Governo não é assim que funciona. Temos uma aliança, naquilo que é fundamental, com o PCP e o BE e os Verdes, mas eles não perdem a sua identidade e a sua capacidade para, às vezes, poderem dizer que não. É um sinal de maturidade democrática.

Os quatro dedos a assinalar o quarto Orçamento da Legislatura, no dia da entrega do OE2019 no Parlamento

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Há reversões que não foram concretizadas na reforma laboral como o cálculo das indemnizações por despedimento ou a recuperação dos 25 dias de férias. Têm de entrar no próximo programa eleitoral do PS?
Não sei, o PS terá de fazer uma reflexão sobre essas matérias. Mas este não é um Governo cujo programa se chame reversões.

Não?
Não, o nosso programa é governar bem. Resolver problemas às pessoas, respeitar o povo português, cumprir compromissos, não só com a União Europeia, mas com os portugueses. É isso que temos feito. Se havia algumas coisas feitas pelo Governo anterior que, na nossa opinião, desrespeitam quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira em Portugal, tínhamos obrigação de as corrigir. O nosso programa não é reverter, é resolver problemas.

Mas o Pedro Nuno Santos gostava que, na reforma laboral, o PS fosse mais longe e revertesse estas medidas do Governo anterior?
No Governo não concordamos todos sempre sobre todas as matérias. O PS é um partido muito grande, onde as pessoas têm posições diferentes. Não estou a responder diretamente a nenhuma dessas questões porque a primeira coisa que faço, como membro do PS, é discuti-las internamente. Quando chegamos a um pacote de medidas concretas, quando são aprovadas em Conselho de Ministros, podemos fazer ajustes, mas elas são também as minhas. E eu trabalharei com maior afinco para que elas passem. Não tenho a mesma natureza, enquanto membro do Governo, que tem um partido que esteja a suportar esta maioria. Sou solidário com as decisões do Governo de que faço parte.

Portanto, gostava que na reforma laboral se fosse mais longe.
Eu não sei o que isso quer dizer. O PSD diria que o mais longe é liberalizar o mercado de trabalho.

Não estou a falar do PSD, estou a falar do que é mais longe para os vossos parceiros. As tais reversões.
Acho que não é relevante eu dizer as matérias em que concordo e discordo. Eu participo no debate interno do PS e agora represento aquele que é o diploma do Governo. Sem qualquer acrimónia. Esse pacote que trazemos ao Parlamento é um avanço muito importante no combate à precariedade. Este não é o sítio certo para fazer esse debate sobre as medidas concretas.

"Este não é um Governo cujo programa se chame reversões. O nosso programa não é reverter, é resolver problemas"

Como é que acompanhou a confusão que se gerou nas reformas antecipadas? Foi aprovada uma coisa e negociada outra?
Em comunicação política muitas vezes temos momentos de alguma incompreensão, confusão até na forma como nos entendemos uns aos outros. Nessa matéria, podemos ter todos a certeza de que aquilo que nos propomos fazer é melhorar as condições de acesso à reforma antecipada para uma parte muito importante dos nossos trabalhadores, sem prejudicar a de ninguém.

O ministro Vieira da Silva explicou-se mal?
Não é uma questão de se explicar mal, o senhor ministro tem uma grande preocupação com as questões da sustentabilidade da Segurança Social, todas as alterações que fazemos têm essa preocupação e foi isso que tem sido transmitido. No articulado e no Orçamento somos muito claros sobre o que está em causa, qualquer ajustamento que tenha de ser feito — o ministro tem falado na necessidade de um período de transição — é matéria que será trabalhada em sede de decreto de lei. Neste momento, o que está em causa é a melhoria das condições de acesso ao regime de reforma antecipada.

É no Parlamento que tem feito a coordenação da "geringonça", mas também o contacto com os vários ministérios. Já se descreve como uma "bola de ping-pong"

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“O Orçamento que sai das Finanças, tal como as Finanças o desejariam, não tinha passado uma única vez”

O ministro das Finanças não tem ganho um poder excessivo nos últimos anos?
Não… o ministro das Finanças tem o poder que deve ter para garantirmos que temos as contas certas. Não mais do que isso. O ministro das Finanças é um membro do Governo como qualquer outro e todos nós temos concorrido para os bons sucessos também do senhor ministro das Finanças. A injustiça na forma como se avaliam os governos e os ministros é não se perceber que os resultados que temos tido em matéria orçamental são conseguidos porque todos os membros do Governo, em particular o primeiro-ministro, concorrem para este objetivo. Era completamente impossível termos o sucesso que estamos a ter se os restantes ministros não fossem solidários, não participassem para que tivéssemos contas certas em todas as áreas e se o primeiro-ministro não desse o poder e força para conseguirmos estes resultados.

A minha questão é se tem um poder excessivo e não se isso é alguma coisa à margem da lei.
Estou só a dizer que não acho que seja excessivo, mas uma vez que nós centralizamos tanto no ministro das Finanças, estava a tentar puxar os louros para os outros membros do Governo que são normalmente esquecidos no que diz respeito ao resultado orçamental.

É ele que define o Decreto de lei de Execução Orçamental.
Tem de ser aprovado em Conselho de Ministros e ele tem um voto, tem o mesmo voto que tem o ministro da Cultura, ou o da Administração Interna.

Não tem um voto de qualidade, na medida em que tantas vezes é ele que tem de autorizar despesas?
Não é um voto de qualidade porque todas essas decisões dependem sempre do Governo. É o Governo que entendeu, tendo em conta que a missão do ministro das Finanças é executar o Orçamento e zelar pelo cumprimento das metas. Mas os ministros e o primeiro-ministro nunca perdem, em nenhum momento, o seu poder.

Mas perdem recursos por decisão direta de Mário Centeno.
Se nós quisermos, se o Governo quiser e o primeiro-ministro quiser, não, não perdem. Por isso é que estava a explicar que já era tempo de se dar relevância aos restantes ministros pelos resultados que temos em matéria orçamental. E já agora, também aos parceiros parlamentares.

"A missão que eu tinha foi, primeiro, conseguir as posições conjuntas, segundo, conseguir que tivéssemos um governo de quatro anos. E conseguimos. Esse é o meu trabalho."

Na entrevista que deu ao Observador há dois anos dizia que não se notava nos serviços públicos esta gestão apertada da despesa. Agora já nota, nomeadamente na área da saúde?
Em primeiro lugar, a Saúde não tem cativações.

Não tem o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas a Direção-geral, por exemplo, teve até aqui.
A direção-geral é uma direção-geral.

Que tem cativações.
Os serviços administrativos têm cativações. O SNS não, nem nunca teve.

Mas não pode dizer que na Saúde não há cativações.
Os hospitais não têm cativações, o SNS não tem cativações, o INEM não tem cativações.

Para as políticas na área da Saúde, o Ministério tem tido cativações. Há ordem diretas do ministro das Finanças nesse sentido.
O SNS e os hospitais públicos não têm cativações. Podemos dar as cambalhotas que quisermos, mas não têm cativações. Mais importante do que isso, as cativações são um instrumento de gestão orçamental que sempre existiu e vai continuar a existir se quisermos ter contas certas no final do ano. A despesa com a saúde tem aumentado, não tem baixado. Não estamos a cortar, estamos a aumentar. Com este Orçamento vamos recuperar a talhada de mil milhões de euros que o Governo anterior tinha feito. Nestes três anos, temos um número líquido de profissionais de saúde adicional de 9 mil. O PSD, o CDS podem queixar-se do que quiserem…

Pedro Nuno Santos, fotografado pelo Observador nos corredores do Parlamento

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Não têm sido só o PSD e o CDS, sabe que a esquerda tem feito exatamente a mesma crítica.
Não, a esquerda queria mais tal como nós queríamos mais, nós não dizemos, nem ninguém à esquerda diz que o SNS está pior do que estava quando nós o herdámos.

Mas está melhor?
Se nós hoje gastamos mais, se temos mais profissionais, produzimos mais, há mais cirurgias e consultas, obviamente está a funcionar melhor. Está a funcionar bem com todos os problemas resolvidos? Não.

Mas admite que parte desse aumento do orçamento tenha a ver com decisões como a passagem para as 35 horas de trabalho.
Quando aumentamos o número de profissionais não estamos apenas a dar resposta às 35 horas. Não estamos a dar nada a ninguém, só estamos a cumprir aquilo que podemos chamar de contrato com os funcionários públicos. O Governo anterior aumentou-lhes o horário semanal sem aumentar salário. Estamos a fazer o que é suposto fazer-se num Estado de bem e num Estado de direito. Um Estado só consegue fazer o setor privado cumprir a lei, se fizer o mesmo dentro de sua casa.

Está melhor o SNS?
Produz mais, faz mais cirurgias, mais consultas, está melhor. Tem os problemas todos resolvidos? Claro que não. Mas se há algum partido em quem o povo português pode confiar para continuar a melhorar o SNS é o partido que o criou, que é o único que acredita nele. O único partido dos grandes, porque obviamente que o PCP e o BE também acreditam no SNS. O PSD não. Está num quadro de oposição, na expectativa de melhorar os seus resultados, a apropriar-se de um tema que nunca foi querido para si. O PSD é muitas vezes sincero e já veio assumir que não vê nenhum problema em que uma parte considerável do sistema de saúde em Portugal seja privado. É uma opção, não é a nossa.

Tendo em conta a gestão apertada do Orçamento de Mário Centeno, isso torna-o no ministro que irrita mais os parceiros nas negociações?
O ministro das Finanças é o elemento mais central nas negociações do Orçamento, o Orçamento é desenhado pelo senhor ministro das Finanças, mas não tenham dúvidas de que o Orçamento do Estado é muito trabalhado no Parlamento, muito negociado no Parlamento. Se não fosse negociado e trabalhado no Parlamento, não tinha existido sequer um. Há muito trabalho aqui feito, mas evidentemente que o senhor ministro das Finanças é o elemento primordial.

A pergunta não é se era central — isso imagino porque é o ministro das Finanças –, é se irrita mais os parceiros do que qualquer outro.
Pelo facto de ser elemento central, é normal que grande parte da tensão lhe seja dirigida. Como é ele que está no centro das atenções, acaba por ser muitas vezes o recetor da tensão natural nos processos negociais.

Já alguma vez lhe aconteceu nas negociações dizer, a dada altura, “isto este ano não vai ser possível”?
Eu nunca pensei assim, não por que seja…

…um otimista irritante?
Irrealista ou irritante. Só quando queremos muito uma coisa e estamos muito convencidos que ela é possível, é que fazemos tudo o que é necessário e a nossa criatividade nos consegue levar a soluções para conseguirmos resolver problemas.

Mas alguma vez achou que podia não chegar a bom termo?
Não. Houve momentos mais difíceis e de bloqueio? Houve. Achei que era suficiente para não chegarmos ao fim com bom resultado? Não.

Pedro Nuno Santos passou os últimos anos a negociar na sombra de Centeno, mas reclama méritos quando diz que o Orçamento, tal como as Finanças o desejariam, não tinha passado uma única vez

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quais foram os momentos mais difíceis?
Temos vários, que depois são entendidos como bloqueios difíceis por uns e por outros são entendidos como fáceis. Mesmo que tivesse mais tempo para pensar não vos ia dizer, para ser sincero. Se eles foram difíceis e resolvemos, para quê dizer agora onde tínhamos tido dificuldade? Isso ia dar-vos muito trabalho a seguir. Houve dificuldades em alguns dossiers, em todos os orçamentos, mas foram resolvidos.

E nesse processo qual foi o seu papel? Era um negociador-chave ou era também uma espécie de moço de recados que ouvia dos partidos da esquerda e ia para o Ministério das Finanças e vice versa?
Também fiz  isso muitas vezes. Mas se eu me limitasse a pegar numa reivindicação e a ir à Finanças e depois voltar, o mais provável era que continuássemos nas Finanças, os parceiros aqui, e não tivéssemos nenhum orçamento. Somos uma equipa grande que fez um trabalho muito importante. O Orçamento que sai das Finanças, tal como as Finanças o desejariam, não tinha passado uma única vez. Nós trabalhamos com os parceiros para que ele passa a ser aprovável. Temos muitas vezes bloqueios dos dois lados e é a Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares que tenta encontrar soluções políticas e jurídicas para que se aproximem as partes.

Faz isso desde o início.
Fazemo-lo desde o início desta governação. Se fizéssemos apenas um trabalho de transporte, não havia um único orçamento aprovado. É que não havia. Não é uma questão narcísica, é simplesmente o reconhecimento de que há uma equipa nos Assuntos Parlamentares que fez um trabalho determinante porque a negociação é feita aqui e não no Conselho de Ministros. Foi assim quando foram negociadas as posições conjuntas, grupo que já inclui o atual ministro das Finanças, que foram coordenadas na altura por mim e pela minha equipa e aqui também são. E depois há outra coisa que podemos acrescentar ao moço de recados, que é uma bola de ping-pong.

Uma bola de ping-pong?
É verdade, porque o PCP, o BE e os Verdes partem de posições diferentes do Governo. E andámos muito de um lado para o outro a tentar convencer ambas as partes. É um trabalho de negociação normal, a que não estávamos habituados em Portugal. Depois também temos de conseguir que o ministro setorial aceite o que o BE e o PCP querem e que o ministro das Finanças aceite o que o ministro setorial quer. Tem de haver coordenação dentro do Governo. É um trabalho árduo. Mas finalizados estes 4 orçamentos, é justo darmos reconhecimento a uma equipa fabulosa que funciona naquilo que alguns chamam de cave, que tem permitido que aquilo que muita gente achava impossível, fosse concretizado: PCP, Bloco de Esquerda e Partido Ecologista os Verdes e Partido Socialista terem conseguido entender-se em quatro orçamentos do Estado. Uma parte muito, muito relevante desse trabalho deve-se à Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Quando faz de bola de ping-pong, entre os parceiros e o ministro das finanças, está mais vezes de que lado? Há pouco estava a dizer que o Orçamento como o ministro das Finanças o queria, nunca passaria aqui no Parlamento.
Não, aliás não tinha dado para formar a maioria.

“Quatro anos é suficiente para estas funções. É desgastante”

Pegando nessa ideia, de que lado é que está mais vezes? Formalmente está do governo, já sabemos, estou a falar do Pedro Nuno Santos que é uma pessoa que ainda por cima é o rosto de uma ala mais à esquerda dentro do PS.
Eu estou do lado do governo e do primeiro-ministro que quis e quer que esta solução governativa se mantenha e que fez todo o trabalho para que esta solução se mantivesse durante quatro anos. Eu sou um secretário de Estado que não tem ministro, respondo diretamente ao primeiro-ministro. A missão que eu tinha foi, primeiro, conseguir as posições conjuntas, segundo, conseguir que nós tivéssemos um governo de quatro anos e nós conseguimos. Esse é o meu trabalho. Não estou do lado do ministro das Finanças, nem do lado dos parceiros.

Mas imagino que quando vai daqui do parlamento, com medidas concretas para apresentar ao ministro das Finanças, possa dizer “eu até acho que isto é boa ideia”.
Ah, quantas vezes! Mas eu estou do lado do primeiro-ministro, do Partido Socialista e do nosso grande objetivo: governar bem e fazer uma legislatura inteira. Foi o que fizemos.

"Fiz muitas vezes (de moço de recados)."

Havendo um orçamento que tem todas as condições para vir a ser aprovado, o que é que lhe sobra para fazer? Está esvaziado de funções? Vai ser gerir até às eleições?
Eu gostava… mas não. Ainda temos vários dossiers que vão dar muito trabalho. A lei de bases da saúde, a reforma laboral, e o pacote de habitação. E não vai ser só transportar recados. Vai ser construir uma solução no parlamento que tenha viabilidade política.

Estes últimos desenvolvimentos, com a saída de Helena Roseta, acrescentam dores de cabeça a essa missão que tem pela frente?
Claro que não. As votações foram adiadas porque o grupo parlamentar do PS está a tentar assegurar que o pacote de habitação passa e que vamos dar respostas importantes a um problema gravíssimo que sofremos hoje, principalmente nas grandes áreas metropolitanas, a dificuldade no acesso à habitação. É com responsabilidade que esse trabalho está a ser feito. E para nós, governo e grupo parlamentar do PS, é muito mais importante que o pacote de habitação e que as nossas propostas passem, do que se cumpra determinado prazo.

Tendo em conta a experiência que tem, provavelmente única dentro do governo, estaria disponível e com vontade de retomar este trabalho ou já está cansado?
Dos Assuntos Parlamentares?

Sobretudo a negociação com os partidos à esquerda.
Ainda estamos em 2018, falta um ano para as próximas eleições, não sabemos o que vai acontecer em 2019. Seria uma falta de respeito — e isto não é cínico, nem hipócrita — para com o povo português, estar a falar já como se estivesse garantida a vitória do PS e nós estarmos no governo. Estou numas funções que me deram grande prazer, pelas quais sinto uma grande realização, sinto que temos, e tenho, o reconhecimento de uma parte muito importante do país pelo trabalho e pelos resultados que atingimos. Conseguimos quatro orçamentos, mas ainda temos diplomas muito importantes para aprovar no parlamento. É nesse trabalho que estou concentrado e cumprirei as minhas funções até ao fim com muita dedicação e empenho e motivação.

Mas é cansativo.
É. Respondendo à pergunta: quatro anos são suficientes para estas funções. É desgastante, física e emocionalmente. É altamente realizador, e deu-me muito prazer, mas parece-me também suficiente quatro anos, não tenho nenhum problema em dizer isso.

“A componente política, que tenho, é relevante para qualquer função ministeriável”

E é um trabalho essencialmente político. Sente falta de ter uma área mais setorial, um trabalho mais técnico num governo? Sente falta disso na sua carreira política?
As pessoas têm uma ideia errada dos Assuntos Parlamentares. Obviamente que esta é uma função política. Mas neste quadro parlamentar eu tenho de trabalhar todas as áreas do governo, todas.

Mas não define as políticas setoriais, é diferente.
Não, não. Para fazer apenas o transporte, bastava um assessor das Finanças e dos grupos parlamentares. Os nossos assessores e os nossos adjuntos participam também na elaboração da legislação. Dão contributos, dão sugestões, trabalham nos dois lados. Tendo em conta que esta Secretaria de Estado conseguiu, num quadro inédito, fazer aprovar quatro orçamentos, isto não me parece muito pouco em termos de trabalho técnico e político.

E uma carreira profissional fora da política, acha que lhe faz falta ao currículo?
Eu costumo dizer que nasci e cresci no PS. Gosto da vida política partidária, que exige muito tempo de dedicação e aprendizagem. A ideia que temos, muito portuguesa, de que quando se constitui um governo precisamos de ir recrutar académicos e independentes, tem-se revelado um fracasso porque, em muitos casos, faltam depois competências que são adquiridas ao longo dos anos de atividade política. Essa componente que tenho, é muito relevante para qualquer função ministeriável. Ministeriável ou no governo, até secretário de Estado, não me estava a referir a ministros em particular. Ao contrário de muitos outros, em que grande parte da sua vida política foi no Estado ou em gabinetes, eu quando não estive cá, estive a trabalhar no grupo de empresas do qual eu também sou pequeno sócio.

"Tenho uma ligação ao setor privado, que muitos não têm. Não acho que isso faça de mim nada de mais que os outros. Mas eu tenho."

As do seu pai?
A minha família tem um grupo de várias empresas há mais de 40 anos, onde eu cresci também a par do crescimento que tive no PS. Trabalhei lá antes de ser secretário-geral da JS, antes de ser deputado e é para onde voltarei quando deixar a política. Eu tenho uma ligação ao setor privado, que muitos não têm. Não acho que isso faça de mim nada de mais que os outros. Mas eu tenho. E não deixa de ser interessante que eu, que sou normalmente conotado como sendo um elemento da ala esquerda do PS — coisa onde não me reconheço porque o meu partido não tem alas esquerdas, tem uma pequena ala direita –, tenho uma ligação ao setor empresarial. Vejam só! Eu sou filho, e não só filho, também sou um detentor de meios de produção. Tenho essa experiência, essa mais valia, sei o que é o setor empresarial português, sei o que são pequenas e médias empresas, sei quais são as suas dificuldades, sei o que é uma empresa, coisa que não pode dizer a maioria dos dirigentes do PSD e do CDS, que tem uma ligação nula ao setor empresarial português. E também muitos colegas meus que não têm essa experiência. Eu felizmente tenho. É uma boa experiência para o meu trabalho enquanto político.

E nessa vertente…
Mas atenção, queria dizer-vos que gosto muito e valorizo muito a intervenção partidária. Para simplificar: eu gosto da rota da carne assada, como se costuma dizer. Não acho que isso seja uma coisa menor, acho que é uma coisa que nos eleva. Porque se nós quisermos representar o partidos, os militantes do partido, a população na atividade política, temos que correr muito, muito, muito a rota da carne assada. Estar com as pessoas, tocar nas pessoas, ouvi-las, saber quais são as suas preocupações e os seus problemas. Isso faz-se na rota da carne assada. E depois valorizo os partidos. Fui presidente de uma concelhia do PS, fui presidente de uma federação do PS durante quatro mandatos, fui secretario geral da maior organização de juventude do país. Tenho muito orgulho em ter feito um percurso partidário no PS, ensinou-me muito, e deu-me muitas das competências que são essenciais para se conseguir liderar.

“Hoje em dia já ninguém me põe no lugar”

Por falar em liderança, a sua passagem pelo último congresso do PS…
Às vezes temos tendência para considerar que determinado político, porque fez uma intervenção que levantou um congresso, é proclamatório. Só lidera quem é capaz de proclamar. Proclamar é conseguir também unir, mobilizar as energias para se poder liderar as mudanças que se quer fazer. Temos muita gente na política que é tecnicamente brilhante. Para liderar, precisamos de líderes. Capazes de estar com as pessoas, de ouvi-las, saber mobilizá-las, incentivá-las, estimulá-las para as reformas que precisamos de fazer no país.

E o Pedro Nuno Santos é um desses futuros líderes, é isso que está a dizer?
Eu tenho esse percurso, de orgulho no partido, na rota da carne assada. E tenho também a felicidade e a consciência da sorte que é ter sido uma criança favorecida, a experiência de acompanhar o grupo de empresas da minha família. Tudo isto faz parte de mim. Quanto ao futuro, a única coisa que posso dizer-vos é que eu, como todas as pessoas da minha geração, tenho um líder, que não meteu os papéis para a reforma, com o qual estamos a trabalhar, com muita honra, com muito gosto, em diferentes funções e diferentes órgãos políticos. Mas todos conscientes que o nosso líder é António Costa, com quem nós queremos continuar a trabalhar no futuro.

No último congresso, entendeu essa frase de António Costa no discurso de encerramento como uma tirada direta para si? Para o pôr no lugar?
Acho que não, isso não tem sentido nenhum. Pôr-me no lugar punham o meu pai e a minha mãe. Hoje em dia já ninguém me põe no lugar. Eu sou muito consciente de tudo o que faço. Fiz no Congresso o que é suposto um militante fazer, falar com os seus camaradas, dizer o que pensa, dizer o que acha, qual é o partido que devemos ter, qual é o país que devemos querer.

"Temos tendência para considerar que determinado político, porque fez uma intervenção que levantou um congresso, é proclamatório. Só lidera quem é capaz de proclamar."

Mas não é cedo para o pedronunismo?
Cedo para dizer o que penso? Não, os meus pais já me ouvem a dizer o que penso desde criança. Sempre fui muito convicto e acérrimo defensor daquilo em que acredito. E gosto que os outros saibam aquilo em que acredito.

Mas não é normal que um líder em exercício, que ainda por cima chefia um governo, tenha sentido a necessidade de dizer num Congresso, “atenção que eu ainda não pus os papéis para a reforma”. Houve ali algum excesso de protagonismo da sua parte?
Fui ao congresso fazer aquilo que é suposto um militante e um delegado fazer. O que eu disse teve como consequência o congresso todo levantar-se. Perguntam-me se fiquei triste? Não, fiquei contente. Isso tem alguma coisa a ver com a liderança do PS? Claro que não. Eu sou secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares de António Costa, construí com ele este projeto, fui o primeiro presidente de Federação a dizer que o apoiava, estive com ele na formação desde governo e desta solução governativa. Sou eu que me sento do lado direito dele na bancada do Governo…

Apesar de se posicionar para o futuro do PS, Pedro Nuno Santos garante que vai continuar com António Costa até ao fim

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A lealdade também é uma característica de quem tem pretensões a ser líder…
[Interrompe] Minha, é uma característica minha! Estarei com ele até ao fim. Nunca, mas nunca deixarei de defender aquilo em que acredito. Nunca. Fi-lo sempre perante as pessoas que mais amo na vida. É assim que eu faço. Quero substituir António Costa? Claro que não. Quero estar com António Costa até ao fim e é para isso que trabalho. Era só o que faltava eu ir a um congresso do Partido Socialista, a que vou desde os 18 anos, e não dizer aquilo em que acredito. Sempre disse, porque é que eu deixaria de ir agora?

“Não estou na grelha de partida com ninguém. Não tenho nenhum padrinho”

Há pouco referiu-se a críticas que lhe foram feitas depois da sua intervenção no congresso, apontando-lhe o facto de ter sido proclamatório. Fernando Medina falou logo seguir para dizer que era preciso menos retórica e mais realismo. Ouviu o discurso?
Com alguma dificuldade, porque depois do meu discurso, estive a falar com muitos delegados. Mas um discurso é o quê? É proclamatório na sua definição, certo? Proclamei um discurso que teve reação no congresso. Vou-me penalizar por isso? Quanto a fazer, lembro os quatro orçamentos com o PCP, BE e PEV.

Mas estão os dois na grelha de partida?
Eu não estou na grelha de partida com ninguém. Faço política no PS e na JS desde os 14 anos. Não tenho nenhum padrinho, nem o que fiz no PS ou na política se deveu a padrinhos. Foi assim no passado, é assim no presente, e será assim no futuro. Eu defenderei no PS e farei no PS aquilo que, em cada momento, entender que devo fazer. Não dependo de ninguém, não será combinado com ninguém, farei na minha vida e no PS aquilo que sempre fiz. Não posso falar pelos outros.

O que é vos distingue? Um ter padrinhos e o outro não?
Não me peçam a mim para fazer o trabalho de me distinguir de camaradas meus, não só por respeito ao Fernando Medina, mas por todos os camaradas da minha geração que podem ter os mesmos objetivos, a mesma pretensão. Reduzir isto a duas pessoas até é tonto, não faz sentido, é injusto, é incorreto.

São estes dois nomes porque, por um lado, temos alguém que fez um discurso que deixou marcas no congresso. Por outro, temos o atual presidente da CML onde há até um historial de líderes do PS como Jorge Sampaio e António Costa, que chegaram a Presidente um e a Primeiro-Ministro outro. Medina reúne condições para seguir esse legado no futuro do país e do partido?
Há aí um salto de raciocínio que não se pode fazer. Jorge Sampaio e António Costa foram eleitos líderes do PS, não porque fossem presidentes da Câmara em Lisboa, mas porque os militantes quiseram. E será assim sempre no futuro. Foi assim com Sampaio e Costa, dois líderes políticos que fizeram a rota da carne assada e que eram proclamatórios, também. Dois líderes que mobilizaram.

"Quero substituir António Costa? Claro que não. Quero estar com António Costa até ao fim e é para isso que trabalho."

A Fernando Medina falta-lhe a rota da carne assada?
Eu nunca farei nenhum comentário sobre esse assunto.

Como tem referido tanto esse aspeto…
Porque eu gosto, porque eu valorizo isso.

Mas a ele falta-lhe isso?
Não sei, não vou falar de ninguém. Só vou falar de mim.

Acha que Medina daria um bom líder do PS?
Não vou comentar nenhum militante em particular. Não é correto, nem para com a própria pessoa, nem para com os outros que nunca são referenciados por vocês quando falam comigo.

E quais é que estão a falhar?
Tantos.

Por exemplo?
Não vos vou dizer. Não acho vantajoso para ninguém explorar especulações sobre a sucessão de um líder que está no auge da sua liderança. Eu trabalho com António Costa, gosto de trabalhar com António Costa, quero trabalhar com ele até ao fim. E tenho a certeza de que o Fernando Medina e outros camaradas meus, também.

Sem precisar de o nomear, Pedro Nuno Santos dirige várias farpas a Fernando Medina, tido como provável adversário quando se disputar a liderança do PS

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Reforma estrutural que é boa, para o PSD e o CDS, tem de inflingir dor”

A grande motivação desta solução governativa foi o anti-passismo…
Eu discordo.

Acha que não foi assim?
Claro que não.

Os próprios partidos de esquerda assumem isto.
Então eu não concordo com eles.

Dizem que se aliaram ao PS porque era preciso reverter as políticas de direita, e evitar que a direita mantivesse o poder. 
Acho isso muito pouco. Se me é possível discordar do BE e do PCP, acho que fizemos muito mais. Nunca escondi que a dureza daqueles quatro anos de governação foram um impulso para que a esquerda finalmente se entendesse, claro que foram. Mas depois houve o desafio da população, todos os líderes ouviram dizer “entendam-se, entendam-se”. Não nos podemos esquecer dos desafios da Aula Magna, promovidos por um fundador do PS, Mário Soares.

Mas há matéria para um programa comum destes partidos da esquerda?
Eu acho que há. Há uma crítica muito recorrente que é, “eles conseguiram entender-se para reverter umas medidas, mas reformas que é bonito não conseguem fazer em conjunto”.

E conseguem? Porque em matérias estruturais vocês chamam sempre a ampla maioria. Por isso é que parece que não conseguem.
Diga-me lá então do que é que está a falar. É que eu só ouço e leio articulistas a explicarem que as reformas estruturais que o país precisa foram adiadas. Que esta solução é uma oportunidade perdida porque não se fizeram as reformas estruturais. E eu leio, leio, leio e nunca encontro nenhuma. Não sei do que é que eles estão a falar.

Mas aqui nesta entrevista falou. De questões estruturais para as quais conta com a direita.
E o que nós estamos a fazer quando deixamos de financiar negócios privados em zonas onde há oferta de escola pública, é uma reforma estrutural ou não? Quando dizemos que queremos alargar o pré-escolar a todo o país, não é uma reforma estrutural na educação? Quando dizemos que queremos que haja saúde oral no SNS, isto é ou não uma reforma estrutural? Diversificar as fontes de financiamento da segurança social, para nós é uma reforma estrutural. Para o PSD e o CDS, não? Claro que não. Porque a definição de reforma estrutural que prevalece no nosso país e que temos de combater à esquerda, é a de que reforma estrutural significa liberalizar, privatizar, desregular. Reforma estrutural que é boa, para o PSD e o CDS, tem de inflingir dor, o povo não pode gostar. Se o povo gostar, não é uma reforma estrutural, é uma medida eleitoralista. Este governo pode fazer reformas estruturais? Pode. Pode fazer as que a direita quer? Não, não pode. Por causa do PCP e Bloco? Não, porque o PS não as quer fazer.

"Não existe no boletim de voto "PS com maioria absoluta" ou "PS sem maioria absoluta”.

Conhecendo como conhece PCP e Bloco, que argumentos é que terá em campanha eleitoral para dizer aos eleitores que o voto deve ser no PS e não em nenhum dos outros partidos à esquerda?
Esta solução existiu porque teve uma liderança do Partido Socialista. Só com uma votação forte no PS podemos manter a solução tal como a conhecemos. Para além disso, vamos defender o voto no PS e no papel que o PS teve neste grande equilíbrio que não é totalmente partilhado pelos nossos parceiros. Conseguirmos fazer estas melhorias no estado social, a recuperação de rendimentos e de direitos, ao mesmo tempo que apresentamos as contas certas e reduzimos a dívida pública e o défice orçamental. Esta combinação, quase toda a gente dizia que era impossível. Esta é, de facto, a marca distintiva do PS em todo o espectro partidário português. Apesar de acharmos que há mudanças importantes a fazer-se na União Europeia, também sempre dissemos que devem fazer-se no quadro da UE e sem pôr em causa essas metas. Estamos a provar isso. Para que nós continuemos nesta senda de melhoria das condições de vida dos portugueses e da situação económica e social do país, precisamos ao mesmo tempo de não entrar em rutura com a UE. E a melhor garantia de que continuaremos nesta trajetória sustentável de melhoria, é com a liderança e uma votação forte no PS.

E forte implica maioria absoluta?
Não existe no boletim de voto “PS com maioria absoluta” ou “PS sem maioria absoluta”.

Pois não, mas eu estou a perguntar-lhe se é melhor para uma governação do PS ter maioria absoluta.
Devemos defender o voto no PS junto de todos os portugueses. E lutaremos para que o Partido Socialista tenha o melhor resultado possível. Parece que nos prendemos sempre em pequenas palavras.

Não são pequenas palavras, tem a ver com uma governação que é necessariamente diferente se tiver de ser negociada com outros partidos, ou com o PS  a depender apenas de si próprio.
Esta governação não correu bem? Não me vai responder, obviamente. Mas esta governação, na nossa avaliação, correu bem. Conseguimos fazer aquilo que achávamos importante fazer no país, hoje os portugueses vivem melhor, a taxa de desemprego caiu para metade — para metade! — o investimento está aumentar, as exportações também. Recuperámos direitos, rendimentos, os salários estão a aumentar, o défice é o mais baixo da democracia portuguesa. A governação correu bem.

Portanto é melhor o PS ser obrigado a sair da sua zona de conforto?
Não é uma questão de ser melhor ou não. Vamos lutar pelo melhor resultado possível, ponto. E com esse melhor resultado que tivermos, vamos governar bem.

Mas resulta melhor quando os parceiros desafiam o PS a sair da sua zona de conforto? É que isso é muito diferente da maioria absoluta.
Vocês estão a falar com um militante do PS, nascido e criado no PS, que obviamente deseja que o PS tenha o melhor resultado possível. E daqui não saio.

"O Presidente da República deu um grande contributo ao ambiente que nós hoje temos na vida política e à credibilização das instituições políticas junto do povo português." 

“Vendi o Porsche, admito que foi um erro”

Manuel Alegre, que algumas vezes é apontado como uma espécie de consciência do PS, já admitiu que pode eventualmente votar Marcelo Rebelo de Sousa nas próximas presidenciais. Também admite um cenário desses?
Não vou antecipar esse debate que o partido terá, e eu participarei nele. Agora, o senhor Presidente da República deu um grande contributo ao ambiente que hoje temos na vida política e à credibilização das instituições políticas junto do povo português. Ter um político de quem as pessoas genuinamente gostam, é uma mais valia  para o político em causa, mas também para todo o regime democrático. Portanto, a avaliação que eu faço é muito positiva, tem sido muito importante para a nossa democracia e para a reconciliação do povo português com o sistema democrático. Mas ainda falta muito para as presidenciais.

Houve uma altura em que foi muito falado um Porsche que comprou. Já o vendeu?
Já. Eu e o meu pai sempre gostámos de carros. Mas admito que foi um erro.

Porquê?
Depois fui criticado por me desfazer dele, mas continuei certo de que o meu erro tinha sido a compra. Com o trabalho que faço, julgo que é um mau sinal que não é coerente com aquilo que quero fazer e com a forma como quero estar na política. Era uma despesa que, para mim, era supérflua e que não se justificava. Às vezes, fazemos coisas na nossa vida de que nos arrependemos. Obviamente que não fiz nada de errado, não tenho sequer um discurso moralista sobre gastos ou consumo, mas de facto não tinha sentido.

Porque é que não tinha sentido? Por ser um homem de esquerda, por ser um governante?
Os homens de esquerda têm o direito, tendo capacidade económica, para a usarem naquilo que entenderem. Não tenho nenhum discurso moralista sobre isso. Estou a falar de mim. Gostei, gosto, mas não me senti bem. Cometi um erro e corrigi-o, felizmente. O meu pai tem um carro que também circula nas redes sociais, é empresário, trabalhou para o ter, está no direito dele. A minha vida é outra, não me sentia bem.

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