A questão é recorrente: como garantir a saúde e o futuro do sistema de pensões em Portugal? É preciso cortar nas pensões? Será preciso aumentar as contribuições dos trabalhadores ou dos empregadores? Ou é preciso aumentar a idade legal da reforma (a via escolhida nos últimos anos) que está nos 66 anos e cinco meses? Ou será melhor alterar o formato do sistema, tornando-o mais parecido com o modelo sueco, por exemplo?
Um estudo encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos ao Instituto de Ciências Sociais parece ter poucas dúvidas: há vários caminhos para assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões em Portugal, mas um parece ser o melhor. Mas implica que cada português tenha de trabalhar mais 3 anos, até aos 69, antes de se poder reformar.
Pensões em 2020 vão custar ao Orçamento de Estado o equivalente a 4% do PIB
Mas vamos por partes. Primeiro que tudo, o sistema de pensões em Portugal é sustentável ou não? Os autores do estudo — Alda Azevedo, Luís Manso e Rui Nicola, coordenados por Amílcar Moreira — consideram que a médio prazo o sistema de pensões apresenta riscos sérios de sustentabilidade.
“O sistema, na realidade, já tem um défice. Se pensarmos no sistema de pensões como um universo que abrange tanto a Segurança Social como a Caixa Geral de Aposentações (CGA) ele já tem um défice. Porque as contribuições para a CGA não são suficientes para suportar as pensões que já estão a pagamento”, considerou Amílcar Moreira, em declarações ao Observador.
Há um ponto positivo. O peso da Caixa Geral de Aposentações tende a diminuir, porque este regime de segurança social da Função Pública está fechado a novos beneficiários a partir de 2006. Agora, todos (incluindo os funcionários públicos admitidos a partir de 2006) descontam para a Segurança Social. Mas o resto do cenário continua a não ser famoso, porque “à medida que o buraco deixado pela CGA se vai esvaindo, este vai sendo ocupado pelo crescimento dos défices da Segurança Social“, explica Amílcar Moreira.
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Pior. O sistema da Segurança Social — financiado pelas contribuições dos empregadores e trabalhadores— tem uma parte importante que vem das transferências do Orçamento do Estado. Estas verbas pagam, sobretudo, as pensões não contributivas (concedidas às pessoas que não descontaram o mínimo exigível ao longo da carreira), as pensões mínimas ou os complementos solidários (como aquele que é dado aos idosos).
“Se juntarmos essa despesa em pensões, que por norma já é despesa financiada por impostos, à despesa que temos com o buraco do financiamento da CGA, para 2020 estamos a apontar para necessidades de transferências do Orçamento do Estado da ordem dos 4% do PIB [que em 2018 deverá ter chegado aos 201 mil milhões de euros]“, estima Amílcar Moreira.
Ou seja, financeiramente há um problema recorrente de défices da Segurança Social. Mas há outros fatores a marcar de forma “indelével” o futuro do sistema de pensões português. A começar pela evolução demográfica. E as perspetivas não são boas. Porquê? Primeiro os “níveis preocupantemente baixos de fecundidade“, entre 1,25 e 1,5, o que significa que “entre 2020 e 2070, a população portuguesa deverá diminuir perto de 23%: de 10,2 milhões para 7,9 milhões de pessoas“.
E isso tem consequências, a começar por uma diminuição da população em idade ativa em 37%. Depois, um aumento da percentagem de pessoas com 65 ou mais anos de 22% para 36%. O efeito é fácil de perceber: a diminuição da população em idade ativa vai limitar, ”de forma decisiva, o potencial de crescimento da economia portuguesa” entre 2020 e 2070, fazendo com que as taxas (médias) de crescimento do PIB Potencial da economia portuguesa se situem entre os 0,8% e os 1%. Valores muito abaixo da taxa média de crescimento da UE a 27 (já sem o Reino Unido, em virtude do eventual Brexit).
“Vai sempre haver dinheiro para pensões”. Mas vai pesar mais no Orçamento do Estado
Todas estas razões conjugadas (cenário demográfico e macroeconómico) faz prever um aumento considerável do número de pensionistas: passando de 2,7 milhões em 2020 para 3,3 milhões em 2045. Só depois desses anos o número deverá descer progressivamente, para cerca de 2,7 milhões de pessoas em 2070.
O maior número de pensionistas vai fazer aumentar a despesa global do sistema, que não será compensado pelo crescimento dos salários — mesmo que este aconteça em linha com as projeções da Comissão Europeia sobre a produtividade do trabalho. O aumento das contribuições para a Segurança Social será, assim, “insuficiente” para compensar a subida da despesa com pensões, pelo que o Regime Previdencial da Segurança Social vai começar a gerar “défices crónicos a partir de 2027”.
Amílcar Moreira confirma que “sim, há um problema de défices [da Seg. Social]”. “Mas esse défice vai ser coberto por transferências do Orçamento do Estado”, pelo que não se trata de haver dinheiro para pensões ou não.
“Não é uma questão de se pagar [pensões] ou não. Vai sempre ter de haver dinheiro para se pagar pensões. Isso é uma ideia importante. No nosso sistema, da forma como está desenhado, haverá sempre dinheiro para pagar pensões. Mas temos de decidir: queremos que o dinheiro saia do Orçamento do Estado, das transferências de impostos? Queremos encontrar outro tipo de formas de financiamento alternativas que permitam financiar este tipo de défices? A questão está aí. Os défices estão lá, têm uma razão de ser — com o crescimento significativo do número de pensionistas, que é o resultado do envelhecimento demográfico”, afirmou.
Face a este cenário, os investigadores apontam três reformas possíveis para garantir a sustentabilidade do sistema de pensões: aumentar as contribuições (dos empregadores e dos trabalhadores) para o sistema; reduzir o valor das futuras pensões ou aumentar a idade da reforma. Todos estes cenários seriam introduzidos em 2025, de acordo com o estudo.
Os investigadores ressalvam que as duas primeiras reformas têm potenciais efeitos negativos, imediatos: desde logo um aumento das contribuições para a Segurança Social significaria um aumento do custo do trabalho, “o que poderia induzir os empregadores a reduzir a mão-de-obra”. Última paragem: contração do emprego, que é como quem diz aumento do desemprego. Segundo: uma introdução de cortes nas pensões poderia levar os trabalhadores “a adotar estratégias como procurar um segundo emprego (…) ou mesmo adiar a idade de passagem à reforma”.
Ou seja, “de entre os cenários de reforma considerados, o aumento da idade de reforma é aquele que parece oferecer um maior potencial para melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. (…) Aumentar em três anos a idade de acesso às Pensões de Velhice (e pensões antecipadas) da Segurança Social e da CGA permitiria adiar o aparecimento de défices crónicos no Regime Previdencial da Segurança Social para além de 2070”, indica o estudo da Fundação. Atualmente, a idade normal de reforma é de 66 anos e cinco meses.
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Os défices crónicos vão levar a uma situação nova para a realidade portuguesa. Como indica o estudo, a partir de 2027 os défices crónicos vão obrigar o sistema recorrer a transferências do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para se manter sustentável. Uma situação que se prolongará por 12 anos: até 2039. Será, então, a partir desse ano que os contribuintes passarão a ter de contribuir diretamente para pagar pensões, exclusivamente através do Orçamento do Estado.
Estas previsões chocam com aquelas que o Governo projetou, que apontavam para uma ausência de auto-sustentatbilidade a partir de 2045.
O número de pensionistas aumenta. Mas como será a sua qualidade de vida?
Uma das críticas que o estudo deixa aos debates que vão surgindo na praça pública sobre a sustentabilidade do sistema de Segurança Social tem a ver com o facto de a discussão estar muito centrada no âmbito político e não tanto no técnico. Mais do que um ataque aos partidos, o estudo procura colmatar aquilo que considera ser a falha por trás da partidarização do debate: “a escassez de estudos sobre este tópico”
Até hoje, são poucos os estudos conhecidos em Portugal sobre a sustentabilidade deste sistema. E a maioria, senão mesmo todos, colocam o foco no financiamento, na melhoria do desempenho e da auto-suficiência sem terem em consideração fatores como “o nível de vida adequado aos pensionistas”, “a quebra abrupta no rendimento na passagem para a reforma” ou “o número de pensionistas no limiar da pobreza”.
Neste sentido, o estudo prevê que o valor das pensões aumente, mas nunca chegará a acompanhar o aumento dos salários, que tiveram uma influência direta não só nos rendimentos dos pensionistas mas, claro, também nas suas contribuições. Assim, “o aumento do valor das pensões da Segurança Social (a preços constantes) não se traduz numa melhoria da adequação das mesmas“.
Ainda que o aumento das pensões não acompanhe o aumento dos salários, na maioria dos casos, os pensionistas não sentirão uma queda abrupta nos seus rendimentos quando passarem para a reforma. De acordo com as previsões de Amílcar Moreira e da sua equipa, as pensões, no período pós-2030, deverão representar o equivalente a “cerca de dois terços do último salário auferido”.
OCDE reconhece reformas nas pensões mas defende mais poupança individual
Estes dois dados conduzem a um terceiro: a percentagem dos pensionistas que estará em risco de pobreza vai aumentar? A resposta simples é sim. De acordo com as estimativas do estudo, o aumento do número de pensionistas, aliado ao facto de o valor das pensões não subir à mesma velocidade que o dos salários, vai colocar mais pensionistas com 65 ou mais no limiar da pobreza. Em números: “a percentagem de pensionistas com 65 anos de idade ou mais em risco de pobreza poderá aumentar praticamente 5 pontos percentuais: de 9,5%, em 2020, para 15,4%, em 2070“. Um aumento superior a 50% da percentagem atualmente existente.
Portugal perde mais do que ganha com adoção do modelo sueco
Os investigadores também traçaram o cenário de Portugal adotar um sistema de segurança social semelhante ao da Suécia. Este sistema nórdico — introduzido em 2003 — assenta em três esquemas. O primeiro é uma pensão base de natureza contributiva, mas calculada como se fosse um plano de poupança privada. “As contribuições dos trabalhadores são integradas numa conta-poupança virtual, que vai acumulando juros até à altura da tomada de benefícios – que podem ser pagos de uma só vez ou anualmente”. Assim, o valor que o trabalhador vai receber de pensão não está definido à partida, podendo variar em função da forma como esses ativos financeiros forem investidos e até do valor dos juros que se vão acumulando.
O segundo é um plano de pensão privado (Pensão Premium), de carácter obrigatório, financiado em regime de capitalização e o terceiro é um complemento de pensão (Pensão Mínima Garantida), financiado pelos impostos e sujeito a uma condição de recursos.
“Analisámos esse cenário e a conclusão a que chegámos é que os ganhos que poderia haver em termos da sustentabilidade financeira não compensam os custos sociais que temos em termos da redução de valor das pensões e da adequação das pensões”, explicou ao Observador Amílcar Moreira. A aplicação desse sistema em Portugal, complementou o investigador, iria traduzir-se num sistema de pensões “mais sustentável, mas com as reformas a convergirem menos com os salários dos portugueses”.
“Estamos a falar de baixar quase para metade o valor das pensões. Um custo muito significativo, que não aconselho. O sistema sueco é muito complicado. Tem um conjunto de características muito próximas que têm riscos — uma parte importante vem de fundos de poupança individual no mercado — e não justifica em termos dos ganhos que consegue na componente financeira”, rematou. Por oposição ao modelo português — que tende a favorecer as carreiras contributivas mais longas e os menores rendimentos — o modelo sueco é mais protetor das carreiras contributivas curtas.
Em entrevista recente ao Observador, o sociólogo sueco Joakim Pälme defendeu o modelo usado no seu país — ainda que tenha ressalvado os seus lados menos bons — considerando que um sistema de Segurança Social equilibrado “não pode enfrentar, no curto prazo, o crescimento das desigualdades beneficiando apenas os mais pobres”.
Joakim Pälme. “Segurança Social não pode olhar só para os pobres”
“Acho que é um erro estratégico-político tentar combater essas desigualdades sem se olhar para a classe média ou para a classe trabalhadora. A ideia é haver um sistema de Segurança Social em que os riscos devem ser partilhados entre os mais pobres e os mais ricos da sociedade. O subsídio de desemprego é um bom exemplo disso. Todos contribuem para que essa subvenção exista mas são os setores mais pobres da sociedade que correm maior risco de ficarem desempregados.
Questionado sobre se a Segurança Social não deve beneficiar mais os desfavorecidos, Pälme concordou, mas com ressalvas. “Não podem ser os únicos a ter em conta. Ou seja, para os mais pobres, neste caso, existe uma vantagem na partilha de riscos. Assim como nos subsídios de doença: é mais frequente as pessoas com menos recursos estarem mais vulneráveis a problemas de saúde e beneficiam de um sistema de saúde que é suportado pelos vários setores da sociedade. Por isso, acho que não se pode querer reformar a Segurança Social sem falar também para a classe média e a classe alta. (…) Não quero com isto dizer que não se deve dar dinheiro aos mais desfavorecidos. Nada disso. Considero apenas que olhar só para os mais pobres é pouco ambicioso, é preciso falar para os outros setores”.
O estudo “Sustentabilidade financeira e social do sistema de pensões português”, será apresentado esta sexta-feira em Lisboa, numa conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos com a presença de especialistas europeus sobre segurança social como Joakim Pälme, Elsa Fornero, antiga ministra do Trabalho de Itália, e Bruno Palier, cientista político e académico francês.