“Rui Moreira, António Oliveira, Vítor Baía, André Villas-Boas? Qualquer um deles, se se candidatasse, seria prestigiante. Com eles estava tranquilo, não me candidatava, mas se o fizesse sentia-me prestigiado em concorrer com pessoas que têm um passado no FC Porto”, dizia Pinto da Costa. “O nosso portismo, pelo menos o meu, é marcado pelo presidente do Pinto da Costa, por ter tornado este clube no maior clube português. Revejo-me nesta candidatura, no presidente, quero muito que continue”, respondia Villas-Boas.
“Só me candidatei depois do Villas-Boas. Ainda admitia, e estava na esperança, que ele se rodeasse de gente do FC Porto, capaz de continuar as vitórias e a gestão destes 42 anos. Quando vi que não era assim, resolvi candidatar-me, sacrificando a minha vida e a minha família porque não confiava de maneira nenhuma no que estava a ver”, diz agora Pinto da Costa. “Pinto da Costa está refém de João Rafael Koehler. Este candidato Pinto da Costa já não é o mesmo com a forma, carisma e determinação que conhecemos. Está refém deste fundo da Quadrantis e de todos os investidores que lhe foram emprestando dinheiro para poder pagar salários, agentes, empresários fornecedores e clubes”, diz agora Villas-Boas.
Como qualquer adepto portista que cresceu a ver o FC Porto a ganhar mais do que os outros, Pinto da Costa era uma referência para André Villas-Boas. Como presidente mais titulado que viu crescer o seu legado no FC Porto a ganhar mais do que os outros, André Villas-Boas era uma espécie de filho pródigo da casa para Pinto da Costa. Foi isso que se viu nos primeiros meses de 2010, ano marcado pelo célebre caso do “túnel da Luz”. O líder dos azuis e brancos considerava que tinha chegado ao fim o ciclo Jesualdo Ferreira e fez de tudo para garantir Villas-Boas mesmo sabendo que tinha contrato assinado com o Sporting. O então treinador da Académica considerava que podia dar início a um novo ciclo e fez de tudo para aceitar o convite de Pinto da Costa mesmo sabendo que tinha contrato assinado com o Sporting. Algumas semanas depois, esse mesmo vínculo foi rescindido. Pinto da Costa podia oferecer a Villas-Boas a sua “cadeira de sonho”.
A aposta representou uma das melhores épocas do século, apenas superada pela conquista da Champions por José Mourinho em 2004 que tinha Villas-Boas como observador. Os dragões ganharam o Campeonato com larga margem sobre o Benfica (e a fazer a festa na Luz, de luzes apagadas e rega ligada), ficaram com a Taça de Portugal, conseguiram a Supertaça e conquistaram ainda a Liga Europa frente ao Sp. Braga em Dublin. No final da temporada, Roman Abramovich quis fazer do treinador uma espécie de Special One 2 e pagou os 15 milhões de euros da cláusula para “resgatar” Villas-Boas para Londres, naquele que foi durante vários anos o recorde de transferências. A relação começou a mudar. Foi mudando com o tempo. Mesmo sem haver uma amizade de “casa”, mudou de vez e nem mesmo os elogios mútuos em 2020 foi capaz de reparar.
Poucos meses depois das eleições, Villas-Boas veio ao Dragão jogar pelo Marselha. “Tenho o máximo de respeito pela pessoa que lá está. Andamos desencontrados na relação, fruto desse jogo. Eu já disse ao próprio o porquê dessa quebra de relação. Para mim foi jogar ao Estádio do Dragão, vazio, o sócio do FC Porto e não o treinador do Marselha. O sócio do FC Porto que por acaso era treinador do Marselha e por acaso ganhou quatro títulos pelo FC Porto. Nesse dia confirmei o meu destino, no meu regresso a casa”, contou. Pinto da Costa sabia que Villas-Boas queria ser um dia presidente do FC Porto, até por perspetivar uma carreira curta de treinador, o que não imaginava era que viesse a concorrer contra si. Sobretudo a partir de 2022, quando soube que o antigo técnico ia começando a reunir “tropas” para avançar, a relação quebrou de vez. Foi assim que ambos chegaram até aqui. É agora, este sábado, que se vai saber até onde podem chegar.
Os 31,35% que ninguém soube interpretar e o paradigma que Villas-Boas alterou
O FC Porto teve apenas dois atos até 2020 com mais do que um candidato desde que Pinto da Costa assumiu o comando do FC Porto em 1982. O primeiro, que foi mais “culpa” do número 1 do clube do que outra coisa depois de dizer numa entrevista a Miguel Sousa Tavares que precisava sair e tinha o direito de sair após “ter cumprido o dever”, teve pouca ou nenhuma história: Martins Soares tinha como bandeira o regresso de Madjer do Valencia, Pinto da Costa foi resgatar aquele calcanhar de herói de Viena, a única coisa que ficou do ato eleitoral de 1988 foi mesmo a afluência recorde num “atropelo” de 10.196 votos contra… 535. Em 1991, aí, houve mais motivo de conversa. Porque nesse triénio os dragões não estiveram bem a nível de conquistas, porque as outras promessas eram fortes – e além dessa aposta em Kenny Dalgish, que tinha sido campeão pelo Liverpool, para substituir Artur Jorge, houve o célebre episódio do lançamento de centenas de panfletos a partir de um avião com as palavras “Pela decência”. Pinto da Costa ganhou com quase 80%.
Passando três décadas para a frente, altura em que alguém voltou a avançar contra Pinto da Costa, 2020 teve um cenário curioso quando se olha para a lista adversária de 1988: Martins Soares, ex-rival que entrou como presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar de Nuno Lobo, fez questão de estar agora no jantar organizado pela Comissão de Recandidatura do líder portista; Lourenço Pinto, que estava nesse elenco, é presidente da Mesa da Assembleia Geral e Eleitoral e volta a concorrer ao cargo; Adelino Caldeira, que ainda nesses finais de anos 80/início dos anos 90 foi “desviado” dessa lista para se tornar um dos dirigentes com mais mandatos ao lado de Pinto da Costa, vai agora deixar a Direção e a SAD. Sinais de tempos onde tudo pode mudar.
Em 2020, o FC Porto teve pela primeira vez três candidatos numa corrida eleitoral. Tudo foi atípico nesse ano marcado pela pandemia da Covid-19, onde foram respeitados os pressupostos para este tipo de atos com um sufrágio durante dois dias no Dragão Arena com cada associado a trazer a sua caneta e a ser obrigado a usar máscara. Pinto da Costa quase não fez campanha mas foi deixando uma ou outra garantia frente a dois nomes, José Fernando Rio e Nuno Lobo, que tiveram o seu espaço mediático mas nunca foram nomes muito enraizados no universo azul e branco. O líder ganhou, como não poderia deixar de ser, mas com menos de 70% numa eleição onde tinha todas as condições para “esmagar” a concorrência. Todos olharam para outra vitória, para a festa, para todo o apoio que granjeava. Ninguém olhou para os outros mais de 30%.
Oficial: Pinto da Costa reeleito para o 15.º mandato como presidente do FC Porto com 68,65%
Ninguém, salvo seja. Muitos repararam. Uns repararam em termos de análise pura. Outros repararam numa ótica de futuro. Outros ainda repararam como um espaço que foi criado e que dificilmente iria desaparecer. Só um conseguiu agarrar esse espaço e esse foi André Villas-Boas. Mas fez mais do que isso: preparou-se para agarrar esse espaço. Como foram explicando ao longo desta campanha ao Observador, quando alguns iam começando a procurar esse espaço, ele não estava lá. O antigo técnico chegou, viu e ficou com ele.
Como? Três grandes razões: 1) teve uma preparação atempada para tudo o que pudesse ir surgindo, passou a dominar áreas que não conhecia de forma profunda, rodeou-se de nomes que constituem uma equipa não só reconhecida como transversal a nível de competências e de ligação ao clube (de formas diferentes, entre Rui Pedroto e Jorge Costa) e ganhou bagagem durante dois anos para se apresentar como um “verdadeiro” adversário; 2) beneficiou de uma oportunidade que nenhum portista desejaria mas que acabou por acontecer naquela que foi a temporada menos conseguida a nível de resultados de Sérgio Conceição desde que voltou ao Dragão; 3) teve coragem para, mesmo depois de uma Assembleia Geral Extraordinária de 13 de novembro com os contornos que ganhou, avançar contra Pinto da Costa. E aqui entronca um ponto que mudou tudo.
Há quatro fatores nos últimos quatro meses que mudaram por completo aquilo que foi a campanha eleitoral: 1) a apresentação de André Villas-Boas na Alfândega do Porto, que mostrou nas presenças, nos convidados, nos apoios, no discurso e em toda a envolvência que seria uma candidatura disposta a investir o que fosse preciso para fazer chegar a palavra a todos os associados portistas; 2) a Operação Pretoriano, no âmbito daquilo que aconteceu na reunião magna de 13 de novembro mas onde o Ministério Público deixou vários “recados” nas entrelinhas em relação ao fim de ciclo de um status quo ligado à claque Super Dragões e à capacidade de ter intervenções diretas em decisões; 3) as sondagens internas (possíveis) que as candidaturas iam fazendo, que desde início apontaram para um cenário de dois potenciais vencedores e não apenas aquele do costume; 4) os resultados desportivos do futebol, que deixaram a equipa arredada da discussão do título muito cedo com o único “prémio de consolação” a chegar com a obtenção da final da Taça de Portugal.
Operação Pretoriano. Super Dragões suspeitos de ameaçarem idosos de muletas e agredirem mulheres
André Villas-Boas investiu muito (e neste caso não apenas nos 500 mil euros gastos numa campanha que acabou com uma enorme festa de encerramento no Super Bock Arena cheio). Investiu num percurso sempre “certo”, a passar pelo maior parte das Casas de Norte a Sul e também no estrangeiro, a apresentar de forma cuidadosa todos os dirigentes, departamentos, áreas e projetos, a tentar evitar conflitos diretos com Pinto da Costa visando apenas nas últimas semanas as ligações de João Rafael Koehler a fundos que estão a trabalhar com o FC Porto, a fazer um ultimato para quem estivesse na dúvida sobre ser ou não o tempo de viragem dizendo que poderia não avançar em 2028 por considerar a possibilidade de ser um ponto sem retorno.
Pinto da Costa, que desde início referia que nunca fez nem faria campanha, teve de ir a jogo no duplo papel de ações de presidência e de candidato. Não falou apenas numa Academia para a formação, foi ainda a tempo de garantir os terrenos, fechar contratos e iniciar a obra antes do sufrágio. Não falou apenas do acordo que tinha para um negócio que colocaria os capitais próprios quase em terreno positivo (e em positivo, quando sair o terceiro trimestre do Relatório e Contas do exercício de 2023/24), anunciou à CMVM esse contrato feito com a Ithaka que envolve a exploração comercial do Estádio do Dragão, 65 milhões dos quais quase 50% são para melhorias no recinto e uma cedência de 30% na nova sociedade que será criada e que tem as receitas da parte comercial. Não falou apenas de renovação de equipas, mudou toda a parte mais financeira e manteve apenas um vice do atual elenco (Vítor Baía). Não falou apenas na possibilidade de ficar com Sérgio Conceição, apresentou a sua renovação antes das eleições com um contrato de quatro anos.
Se Villas-Boas apostou tudo, Pinto da Costa jogou com tudo. A campanha foi muito dura na troca de palavras, entre várias acusações de uma OPA que estava a ser preparada ao FC Porto, as ligações a Joquim Oliveira por causa dos contratos televisivos, a Antero Henrique e a Raúl Costa que Villas-Boas foi sempre negando, a questão do incumprimento do fair play financeiro junto da UEFA com pagamento de multa e pena suspensa por três anos que os dragões recusaram em comunicado, os negócios com o fundo Quadrantis. Houve de tudo um pouco, incluindo uma inesperada-mas-esperada guerra entre Pinto da Costa e Pedroto que abalou particularmente o universo azul e branco. Na verdade, e em termos de projetos, talvez sejam mais os pontos que os unem do que os que separam as duas candidaturas. No entanto, isso acabou secundarizado.
Há nuances entre os dois programas. Pinto da Costa abre novas linhas, não apenas na criação de modalidades mas também numa especial atenção aos mais jovens, que terão um espaço como nunca tiveram no clube. Villas-Boas quer alargar horizontes, colocando o enfoque nos projetos sociais e na dimensão extra desporto que o FC Porto deve ter. De resto, vejamos: um quer uma Academia na Maia para ser a melhor do país, outro quer uma Academia em Gaia para poder acabar de forma mais rápida e acessível uma necessidade a nível de formação; um quer ter futebol feminino nos seniores e futsal masculino, outro pensa o mesmo com possíveis diferenças a nível de timings; um sabe a importância e a necessidade de ganhar mais vezes no futebol num plano desportivo, outro reconhece o mesmo olhando também para uma perspetiva financeira. Todos percebem aquilo que é necessário mudar, ninguém sabe ao certo quem será a cara dessa mudança.
O peso da gratidão no voto e as condições de governabilidade (ou falta delas)
Em quase todos os discursos que fazia naquilo que ficou denominado como “Conversas do Presidente”, Pinto da Costa começava por recordar o legado de 42 anos, os 2.600 títulos conquistados nas mais variadas provas ou modalidades, os sete troféus internacionais entre quase 70 no futebol que são mais do que todos os outros clubes nacionais juntos e acrescentava um “mas”. Mas quer mais. Mas sabe que é necessário projetar outro tipo de alicerces para o futuro. Mas tem noção que o seu espírito de missão pelo clube obriga a que crie um novo ciclo na mesma era. Dessa forma, colocava de forma inconsciente todos os sócios, adeptos e até mesmo simpatizantes que não votam numa espécie de dilema que estará este sábado em discussão.
Aquilo que vai ser colocado em cada uma das 44 mesas de voto não será meramente um boletim de voto mas sim uma opção para o curto e médio prazo que responde a uma única pergunta: até onde pode ir a gratidão por um legado que mudou por completo um clube? Essa acabou sempre por ser a ideia chave ao longo de toda a campanha, com Pinto da Costa a puxar a questão para o lado emocional de quem viu o clube tornar-se grande com a entrada do atual líder e Villas-Boas a apontar a questão para um lado racional de quem não quer ver o clube tornar-se de novo pequeno e refém de dificuldades financeiras e desportivas com o atual líder. Mais: Villas-Boas adensou esse dilema quando referiu que era “agora ou nunca” perante um ponto de não retorno que via nos azuis e brancos no final do próximo mandato de 2024-28.
Agora, tudo vai contar. Se em termos públicos a campanha não foi propriamente um exemplo no sentido de apresentar aquilo que se tem sem procurar sempre aquilo que os outros não têm (ou têm a mais), em todo o universo azul e branco da blogosfera e das redes sociais foi ainda pior. Com a recuperação de “casos” e afirmações antigas, com acusações de deslealdade, com ameaças, com promessas de vinganças. Todo esse mundo sem cara e voz que quis dar vida a determinados rostos que preferiam falar por meios alternativos pode não ter propriamente uma grande expressão em termos eleitorais caso não seja sócio mas acabou por influenciar o centro das decisões. Até onde, só a votação poderá dizer. Mas a contagem de espingardas está feita e até à última houve uma mobilização geral para que fossem as eleições mais concorridas de sempre, desde explicações de como garantir a condição de sócio votante sem problemas de última hora até ao apelo para pagamento de quotas em atraso para figurar como apto nas listas dos cadernos eleitorais.
Com tudo isso, aquilo que pode ser a derradeira vitória de um dos candidatos no dia 27 de abril vai tornar-se ao mesmo tempo na primeira derrota a partir de dia 28 (ou quando forem conhecidos os resultados dessas votações, que se estima que possam entrar madrugada dentro). Na aposta total em garantir condições para a manutenção ou para a ascensão à presidência, ninguém conseguiu (nem teve essa preocupação) criar condições de governabilidade que permitam não ter como contexto um clube dividido ao meio, com várias fricções e num ambiente já por si muito agitado pelos resultados desportivos que não apareceram em 2023/24. Esse é o maior dilema do futuro do presidente do FC Porto, qualquer que seja o resultado. E todo o muito que ambos fizeram foi manifestamente pouco para assegurar a estabilidade nos tempos iniciais.
O FC Porto não voltará a ser igual depois deste sufrágio. Se Pinto da Costa ganhar, a questão do legado estará sempre presente mas abre-se uma nova página na mesma era para fazer face a problemas que já vinham do passado mas que têm de ser combatidos por equipas viradas para o futuro. Se Villas-Boas ganhar, a questão do legado também não será apagada mas abre-se uma nova página com uma era diferente, a cortar com as gestões dos anos mais recentes e procurar conquistar um futuro no presente. Pode ganhar mais ou menos, pode conhecer maiores ou menores problemas na vertente financeira, pode ter melhores ou piores condições do que os rivais diretos nas modalidades mas não voltará a ser igual depois deste sufrágio. Há um ciclo de 42 anos que se vai fechar havendo ou não mudança de líder, com essa garantia de que o FC Porto de 2024 não tem nada a ver com aquilo que era o FC Porto de 1982 quando chegou Pinto da Costa.