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Segundo o estudo 'The Macroeconomics of Epidemics', a aplicação de medidas de contenção traz uma recessão mais severa no curto prazo, mas permite uma recuperação mais fácil a longo prazo
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Segundo o estudo 'The Macroeconomics of Epidemics', a aplicação de medidas de contenção traz uma recessão mais severa no curto prazo, mas permite uma recuperação mais fácil a longo prazo

Segundo o estudo 'The Macroeconomics of Epidemics', a aplicação de medidas de contenção traz uma recessão mais severa no curto prazo, mas permite uma recuperação mais fácil a longo prazo

Por que razão a quarentena é mais benéfica para a economia do que se possa pensar

Estudo do economista Sérgio Rebelo conclui que os custos do confinamento são, a longo prazo, mais baixos do que sem contenção. E sugere uma política para que quem está imune regresse ao trabalho.

“Os nossos cidadãos querem regressar ao trabalho. Vão respeitar o distanciamento social e tudo isso, e os mais velhos serão vigiados de forma protetora e carinhosa. Podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo. A CURA NÃO PODE SER PIOR (de longe) DO QUE O PROBLEMA! (…)”

A frase é de Donald Trump, e foi publicada no Twitter a 24 de março, no mesmo dia em que o presidente dos Estados Unidos disse “esperar” que o país voltasse à normalidade por alturas da Páscoa, a 12 de abril. Um dia depois, o Congresso aprovava um pacote de 2,2 biliões de dólares – 10% do PIB norte-americano – para injeções na economia e apoios às famílias. E quatro dias mais tarde, o discurso de Trump já mostrava os primeiros sinais de preocupação: a 29 de março, o presidente da maior economia do mundo anunciava que iria estender as “políticas de distanciamento social” – como o encerramento de escolas e de estabelecimento comerciais, e restrições nas viagens –, pelo menos, até 30 de abril.

A estratégia inicial de Trump – que, aliás, continua a ser adotada pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro – foi a de defender que os custos económicos em que um país incorre por travar a pandemia, com uma paragem da economia através das tais políticas de confinamento, não podiam ultrapassar os custos humanos da própria pandemia (“the cure cannot be worse than the problem“). Mas será assim?

“Cura pode ser pior” do que a pandemia, avisa Trump

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Um estudo de três investigadores – um deles português – conclui que há, efetivamente, um “trade-off inevitável entre a gravidade da recessão e as consequências para a saúde” neste contexto da pandemia. Por outras palavras, optar por estancar a ferida da economia pressupõe piores resultados para a saúde pública (mais infetados e mortes), e vice-versa. Mas o mesmo paper vem desmontar o argumento de Trump de que a economia não pode parar.

Defendem os investigadores que a aplicação de medidas de contenção traz uma recessão mais severa no curto prazo do que se não fossem postas em prática essas restrições – mas salva mais vidas e isso, a longo prazo, permite uma recuperação económica mais fácil. Ou seja, manter negócios abertos enquanto as taxas de infeção aumentam, esperando com isso criar a tal “imunidade de grupo” (que chegou a ser defendida pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e pelo governo dos Países Baixos) é mais prejudicial para a economia do que fechar os estabelecimentos e empresas. Se foi esta conclusão que levou Trump a mudar de ideias, isso já não sabemos.

Sérgio Rebelo, professor da Kellogg School of Management, Martin S. Eichenbaum, da Universidade Northwestern, e Mathias Trabandt, da Freie Universität Berlin, criaram vários modelos híbridos, consoante o tipo de intervenção dos governos na definição de políticas de contenção, e simularam comportamentos humanos para cada um deles. E concluíram que, mesmo que os negócios se mantivessem abertos e as pessoas continuassem com a sua rotina normal, uma recessão seria inevitável (embora mais leve que no cenário do lockdown). Mas a longo prazo, devido ao custo das perdas humanas, a retoma seria muito mais difícil.

Sérgio Rebelo é professor na Kellogg School of Management @Amin Chaar/Global Imagens

“O que o modelo, apesar de ser relativamente simples, faz é balançar o curto e o longo prazo, tomando em consideração os limites de capacidade do sistema de saúde assim como a possibilidade de se desenvolverem tratamentos ou vacinas. No caso de não se desenvolverem vacinas ou tratamentos eficazes, a melhor política é aumentar o isolamento social à medida que as infeções aumentam e relaxar quando elas começam a cair. Salvam-se muitas vidas, mas sofre-se uma grande recessão. Por isso, é importante evoluir rapidamente para a adoção de políticas de “smart containment” [contenção inteligente] que permitam, por exemplo, às pessoas que adquiriram imunidade ao vírus trabalhar e circular livremente”, resume Sérgio Rebelo, por email, ao Observador.

Vamos a números: Medidas restritivas versus laissez-faire

Além dos modelos matemáticos e epidemiológicos, a equipa de Sérgio Rebelo procurou incorporar na análise os possíveis comportamentos dos cidadãos perante a evolução da epidemia. Saem menos de casa? Vão menos vezes ao supermercado? Optam pelo teletrabalho? Com base nessas previsões, os investigadores estimaram as consequências da pandemia a nível da saúde – número de infetados e de mortes – e na economia.

Num dos modelos iniciais, os autores concluem que um confinamento de um ano poderia ter benefícios para a economia (a longo prazo) – até porque daria tempo para que uma vacina fosse descoberta e, ao reduzir o pico de infeções, daria aos governos a oportunidade de se prepararem e evitarem uma rutura dos serviços de saúde. Durante este período, o impacto na economia seria de 22%.

Por outro lado, sem medidas de contenção – um “laissez-faire”, ou seja, cada cidadão decidiria por si como reagir à pandemia – o impacto a curto prazo seria menor, de 7%. Mesmo neste cenário, o consumo das famílias cairia porque os investigadores partem do princípio de que “as pessoas reagem ao risco [da epidemia]” com menos deslocações ao exterior – e, portanto, diminui-se o consumo (por exemplo, ainda antes de o Governo português ter decretado o encerramento obrigatório de estabelecimentos já a procura tinha caído). Nos Estados Unidos, optar pela primeira opção – contenção – salvaria mais 500 mil pessoas do que na segunda.

"No caso de não se desenvolverem vacinas ou tratamentos eficazes, a melhor política é aumentar o isolamento social à medida que as infeções aumentam e relaxar quando elas começam a cair. Salvam-se muitas vidas mas sofre-se uma grande recessão."
Sérgio Rebelo, economista

Mas se o cenário de confinamento leva, inicialmente, a uma profunda depressão, a retoma é mais fácil no longo prazo, defende a equipa. O impacto permanente no PIB é inferior – menos de 1% – um valor que fica abaixo do do modelo laissez-faire. Porquê? Precisamente porque teríamos mais pessoas, e saudáveis, no mercado de trabalho. Mas aqui surge um problema: se os trabalhadores estiveram em quarentena, e não foram infetados, como impedir que ao regressarem ao mercado de trabalho não provoquem um novo surto?

A proposta de Sérgio Rebelo é de que as medidas de contenção sejam levantadas de forma gradual – e que seja criada uma política que permita “às pessoas que adquiriram imunidade ao vírus trabalhar e circular livremente” (isto partindo do pressuposto, de que quem é infetado uma vez ganha imunidade).

"No nosso modelo, sem vacinas e tratamentos antes do fim da epidemia, e tendo em conta que a capacidade dos hospitais é limitada, as medidas de contenção salvam cerca de meio milhão de vidas nos EUA."
Estudo The Macroeconomics of Epidemics

A política ideal neste caso é a de constituir uma fração da população que é imune [ao vírus], reduzindo o número quando as externalidades são grandes, ou seja, quando o número de pessoas infetadas é alto. Essa política pressupõe aumentar gradualmente as medidas de contenção à medida que as infeções aumentam e relaxá-las lentamente à medida que o número de novas infeções diminui e a população se aproxima do nível crítico de imunidade”, lê-se no estudo.

Como foi em 1918 com a Gripe Espanhola?

Em 1918, o mundo enfrentou um pandemia de dimensões gigantescas: estima-se que 500 milhões de pessoas em todo o mundo terão sido infetadas com a Gripe Espanhola (ou Pneumónica) e entre 50 a 100 milhões terão morrido (nos EUA, a pandemia ceifou a vida a 0,66% da população). Um outro estudo de três economistas – mais uma vez, um deles de nacionalidade portuguesa, Sérgio Correia – ajuda a perceber como reagiu a economia na altura. E a dar pistas sobre o que pode acontecer agora.

Descobrimos que as cidades que intervieram mais cedo e de forma mais agressiva não tiveram impactos económicos tão negativos [do que as restantes] e até cresceram mais rapidamente depois de a pandemia ter terminado“, escrevem os economistas Sérgio Correia (da Reserva Federal dos Estados Unidos), Stephan Luck (Reserva Federal de Nova Iorque) e Emil Verner (Massachusetts Institute of Technology – MIT) no estudo.

A conclusão principal dos autores é a de que as chamadas “intervenções não farmacêuticas”, ou seja, medidas de contenção como o encerramento de escolas, espaços públicos, proibição de aglomerações, quarentena, etc. (que foram aplicadas em 1918, tal como agora) podem, numa primeira fase, afetar a atividade económica, ao proibirem as pessoas de trabalhar (na altura, não havia teletrabalho), mas também beneficiam a economia indiretamente,  ao prevenir um grande número de mortes. Uma mortalidade elevada retiraria mão-de-obra às indústrias e aos serviços, mas também futuros consumidores para pôr a economia a funcionar (também a pandemia de 1918 provocou um choque na oferta e na procura).

Lições da pneumónica: o que fizeram as comunidades que escaparam ilesas à gripe de 1918

Segundo os economistas, as cidades mais afetadas pela pandemia registaram uma quebra “permanente e abrupta” da atividade económica, com um declínio do número de postos de trabalho na indústria, na produção e no consumo de bens duradouros. Por outro lado, as cidades que implementaram cedo medidas restritivas “não sofreram efeitos adversos na economia a médio prazo”.

O modelo concluiu que implementar medidas 10 dias antes da chegada da gripe (portanto, como precaução) significou, após a pandemia, um aumento da produção industrial em cerca de 5%. E prolongar as medidas de contenção por 50 dias adicionais aumentou a mesma produção em 6,5%.

O gráfico seguinte ajuda a mostrar a dinâmica defendida neste segundo estudo e, em última análise, segue a linha da tese de Sérgio Rebelo: uma elevada mortalidade durante a pandemia de 1918 está associada a um baixo crescimento económico, daí que sejam necessárias medidas de contenção. No gráfico, as cidades estão divididas em dois grupos: a azul as que aplicaram, durante mais tempo, medidas restritivas; a vermelho as que tomaram restrições, mas durante menos dias.

Conclusão? As cidades a azul (medidas mais duradouras) registaram menor mortalidade (eixo horizontal) e maiores níveis de emprego (eixo vertical). O contrário aconteceu para as outras cidades. “Isto sugere que as medidas de contenção têm um papel importante a atenuar a mortalidade, mas sem reduzir a atividade económica. As cidades com mais restrições crescem mais rapidamente a médio prazo”, concluem.

Os efeitos na economia da pandemia de 1918

É, porém, necessária cautela ao comparar a pandemia de 1918 com a de hoje: a velocidade de propagação das doenças é diferente, as instituições de 2020 e do início do século XX também. E a mortalidade da pneumónica foi mais elevada – designadamente nas camadas mais jovens (18-44), que constituíam a força de trabalho.

Além disso, as conclusões não significam necessariamente que se verifique o que os economistas chamam de recuperação em “V” (quebra abrupta e recuperação igualmente abrupta). Na pandemia atual, a recuperação pode ser em U (recessão mais prolongada) ou em W (recessão-recuperação-nova recessão-recuperação mais vigorosa).

Apesar das cautelas, os autores notam que os países que aplicaram medidas restritivas numa fase inicial, como Taiwan e Singapura, não só limitaram o crescimento da infeção, mas também “parecem ter mitigado uma pior disrupção económica causada pela pandemia”.

Decisores políticos devem “resistir à tentação” de pôr fim ao confinamento

De volta a 2020. A questão de levantar ou não as medidas de confinamento é particularmente importante agora que em Portugal foi decidido que o estado de emergência vai ser prolongado.

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O próprio Donald Trump, que chegou a dizer que esperava na Páscoa já ter condições de colocar os EUA na normalidade, acabou por recuar. “Vamos entrar agora num período de duas semanas muito dolorosas”, disse o presidente norte-americano na terça-feira. A estimativa da Páscoa está, assim, ultrapassada.

Sérgio Rebelo, Martin S. Eichenbaum e Mathias Trabandt admitem que os decisores políticos podem deparar-se com uma “intensa pressão para levantarem as medidas de contenção devido ao impactos destas na atividade económica”. Ao porem um fim ao confinamento podem gerar, inicialmente, “uma elevada recuperação, com o consumo a crescer cerca de 17%”. O reverso da moeda é que a taxa de infeção dispararia. E o país voltaria a uma segunda e “persistente recessão”. Ou seja, “abandonar prematuramente a contenção traz um aumento temporário no consumo, mas nenhum benefício económico de longa duração”.

Por isso, alertam os investigadores, “os governos devem resistir à tentação de procurar ganhos económicos transitórios associados ao abandono das medidas de contenção”. “Quanto mais tempo os decisores políticos adotarem medidas de contenção, melhor.” O confinamento só deve ser levantado, e lentamente, quando o número de novas infeções começar a descer. Ainda assim, “uma contenção tardia é melhor do que nenhuma contenção”.

E com uma vacina a caminho, o modelo sofre alterações? Sim. Um dos modelos dos investigadores contém a possibilidade de se obter uma vacina dentro de um ano. E, nesse caso, a história é diferente. A ideia é que se os decisores políticos sabem que uma cura está iminente, o incentivo é maior para evitarem o número de infeções, de forma a minimizarem o número de mortes.

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Por isso, ao invés de levantarem aos poucos o confinamento, devem “introduzir imediatamente medidas de contenção severas para minimizar as mortes. Essas medidas causam uma grande recessão. Mas é uma recessão que vale a pena, na esperança de que a vacina chegue antes de muitos ficarem infetados”.

Retoma no segundo semestre? Sérgio Rebelo não arrisca previsões

O modelo dos investigadores é teórico. Ou seja, não tem em conta “forças que influenciam a performance da economia”: como o desemprego, falências, a destruição de cadeias de abastecimento; ou as políticas implementadas pelos governos para mitigar os impactos nas famílias, nas empresas e nos mercados.

Por isso, também não tem em conta o pacote de mais de 2 biliões de euros dos EUA, nem o “perigo de uma onda falências“, diz Sérgio Rebelo ao Observador. Parte do montante do programa norte-americano, “são investimentos necessários em saúde pública. Parte ajuda às famílias para tentar evitar situações de miséria. Parte são ajudas às empresas com foco especial em empresas pequenas ou diretamente afetadas pela crise como as companhias de aviação”. “As empresas americanas entraram neste período com níveis de dívida muito elevados. Por isso, há o perigo de uma onda de falência que reduziria a capacidade produtiva da economia“, alerta.

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Questionado sobre se concorda com o ministro das finanças português, Mário Centeno, de que haverá alguma retoma da economia no segundo semestre, Sérgio Rebelo não arrisca uma previsão. Mas lembra que “o turismo em Hong Kong recuperou muito rapidamente da crise do SARS em 2003”. “Temos que trabalhar em medidas de “smart containment” para que a economia possa começar a recuperar mesmo antes de a epidemia acabar.”

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