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Depois de muita contestação, no mesmo dia em que as autoridades de saúde revelaram o calendário para a vacinação contra a Covid-19 das crianças, a Direção-Geral da Saúde tornou público o parecer que a Comissão Técnica de Vacinação redigiu para recomendar a expansão do plano à faixa etária dos cinco aos 11 anos. A oito dias do início da campanha, o Observador analisa o parecer da Comissão e responde às perguntas mais prementes dos pais sobre o que podem esperar da vacinação dos filhos.

Quando é que a minha filha de cinco anos vai ser vacinada?

Só no fim de janeiro. A Direção-Geral da Saúde apresentou um calendário de vacinação para as crianças em quatro fases. A modalidade de autoagendamento fica disponível na próxima segunda-feira, mas a prioridade será sempre para as crianças com comorbilidades, independentemente da idade que tenham.

As crianças que tiverem 11 e 10 anos serão vacinadas no próximo fim de semana, entre 18 e 19 de dezembro; as que tiverem entre sete e nove anos serão inoculadas no segundo fim de semana de 2022, entre 6 e 8 de janeiro; as crianças com seis e sete anos serão vacinadas a 15 e 16 de janeiro; e as mais novas desta faixa etária, com cinco anos, vão ser inoculadas a 22 e 23 de janeiro. As segundas doses serão distribuídas entre 5 de fevereiro e 13 de março.

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Vacinação de crianças começa a 18 de dezembro. Veja aqui o calendário completo

O meu neto vai ser vacinado. Posso aproveitar e apanhar no mesmo dia a dose de reforço?

Não. Na conferência de imprensa desta sexta-feira, António Lacerda Sales, secretário de Estado adjunto e da Saúde, anunciou que estes dias foram reservados exclusivamente para a vacinação das crianças entre os cinco e os 11 anos. Nestes dias, os centros de vacinação só terão disponível a vacina da Pfizer/BioNTech, a única que a Agência Europeia do Medicamento e as autoridades de saúde nacionais aprovaram nesta faixa etária.

Porque é que devo vacinar o meu filho?

O parecer da Comissão Técnica de Vacinação enumera vários argumentos para a aprovação da vacinação universal na faixa etária dos cinco aos 11 anos. Os especialistas garantem que, apesar das vantagens que a vacinação tem para o controlo da epidemia como um todo (porque quanto mais gente estiver vacinada, menos o vírus tem oportunidade de circular), a avaliação de benefício-risco contou apenas com os aspetos diretamente relacionados com as crianças. E chegaram às seguintes conclusões:

As crianças até aos nove anos são a faixa etária com maior incidência de infeção por SARS-CoV-2; e esta até pode aumentar se a variante Ómicron se tornar dominante e se revelar mais transmissível. Os menores com cinco a 11 anos constituem cerca de 40% do total de casos diagnosticados em pessoas com menos de 18 anos. Com uma cobertura vacinal de 85% no grupo entre os cinco e os 11 anos, a vacinação conseguirá evitar entre cerca de 4.000 e 27.000 infeções entre dezembro e março de 2022.

A  maioria das crianças infetadas desenvolve Covid-19 ligeira e o risco médio de internamento na faixa etária dos cinco aos 11 anos é de 0,2%. Embora as pessoas com comorbilidades tenha uma probabilidade 12 a 19 vezes maior de serem internadas, 78% das crianças hospitalizadas não sofrem dessas fragilidades. Aliás, nas unidades de cuidados intensivos, só 53% das crianças têm comorbilidades prévias. Nas mesmas condições de vacinação, evitam-se nove a 147 internamentos (o número mais provável é 51) e uma a 16 hospitalizações em unidades de cuidados (provavelmente cinco).

Algumas crianças, quando infetadas, podem desenvolver quadros clínicos mais severos. Em Portugal, as estatísticas dizem que há entre um e 10 casos de síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C) por 100 mil infeções. Se 85% das crianças entre os cinco e os 11 anos for vacinada, entre dezembro de 2021 e março de 2022 evitam-se entre um e 15 casos de MIS-C (no cenário mais provável, quatro) e entre um e 41 casos de MIS-C (provavelmente sete).

Ponto final na polémica sobre vacinação de crianças: Conheça o parecer técnico na íntegra

Ouvi dizer que a vacina provoca miocardites. O risco é maior com ela ou com a infeção?

Segundo o parecer da Comissão Técnica de Vacinação, não são conhecidos riscos de reações adversas mais raras, como as miocardites ou pericardites que já foram registadas em j0vens adultos vacinados com vacinas de mRNA. Aliás, nos ensaios clínicos da Pfizer/BioNTech nesta mesma faixa etária, não foram detetados quaisquer casos dessas complicações entre os cerca de 2.300 voluntários. Não significa que não vão acontecer, mas significa que serão casos muito raros.

De acordo com as estimativas dos peritos da Comissão Técnica, uma cobertura vacinal de 85% pode provocar, entre dezembro e março, sete a 12 casos de miocardite induzida pela vacina; e até três casos de MIS-C. Mas, recorde-se, evita entre um e 15 casos de MIS-C (no cenário mais provável, quatro) e entre um e 41 casos de MIS-C (provavelmente sete).

O meu filho já teve uma miocardite. Deve ser vacinado?

O parecer da Comissão Técnica de Vacinação, que será vertido na norma da Direção-Geral da Saúde, diz que as crianças que já tiveram miocardites — uma inflamação do músculo cardíaco — podem ser vacinadas à mesma contra a Covid-19, mas só quando a doença estiver resolvida. No entanto, nesses casos, o benefício deve ser avaliado caso a caso pelo médico assistente.

Do mesmo modo, quem teve Covid-19 e desenvolveu quadros de MIS-C pode ser vacinado três meses depois de ter recuperado da doença. À semelhança dos casos das crianças que já tiveram miocardite, a decisão final sobre o benefício da vacinação deve ser tomada pelo médico que a acompanha.

O que vai acontecer se eu não vacinar a minha filha?

A vacinação contra a Covid-19 é voluntária, por isso nenhum encarregado de educação será obrigado a permitir que os menores sejam vacinados. A diretora-geral da saúde, Graça Freitas, afirmou que “nunca aconteceu nenhuma atitude discriminatória entre quem se vacina e quem não se vacina“.

Mas a diretora-geral da saúde assumiu que as crianças vacinadas serão dispensadas de realizar testes para entrar em locais que exijam a apresentação de uma das modalidades certificado digital — vacinação, recuperação ou teste negativo. Além disso, a vacinação pode “modelar os períodos de isolamento, tornando-os mais curtos” para os vacinados, assim o permita a realidade epidemiológica do país e o conhecimento adquirido sobre a variante Ómicron.

Se decidir vacinar, ela também vai esperar quase um mês pela segunda dose?

Vai ter de esperar mais. As crianças entre os cinco e os 11 anos vão receber duas doses da vacina da Pfizer/BioNTech, a única que a Agência Europeia do Medicamento e as autoridades de saúde nacionais já aprovaram nesta faixa etária. Mas cada uma terá uma quantidade três vezes mais pequena do que a administrada às pessoas a partir dos 12 anos: em vez de 30 microgramas, cada dose terá 10 microgramas.

O intervalo entre as doses também é diferente: enquanto os indivíduos a partir dos 12 anos devem esperar três semanas para receber a segunda inoculação, o intervalo entre doses recomendado para as crianças é de seis a oito semanas. À semelhança do que acontece com a restante população elegível, também elas têm de esperar 90 dias para completarem a vacinação se tiverem estado infetadas pelo SARS-CoV-2.

O meu filho faz 12 anos no intervalo entre as duas tomas. Que dose vai levar?

Vai levar uma dose pediátrica de 10 microgramas. As autoridades de saúde determinaram que, mesmo completando os 12 anos no intervalo entre as duas doses, ambas devem ter a mesma quantidade. Como a primeira terá 10 microgramas, a segunda será igual.

O meu filho vai apanhar a vacina do tétano na segunda-feira. Pode tomar a da Covid-19?

Pode, mas só mais tarde. A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 avisou no parecer que deve ser respeitado um intervalo de duas semanas entre a administração desta vacina e de outras vacinas, sejam elas do Plano Nacional de Vacinação ou não.

Todos os especialistas concordam que esta é a melhor decisão?

Há várias discordâncias entre os especialistas. A Sociedade Portuguesa da Pediatria emitiu um parecer defendendo que “poderá ser considerada” a vacinação neste grupo etário “se isso permitir trazer normalidade à vida das crianças”. Mas Jorge Amil Dias, líder do colégio de pediatria da Ordem dos Médicos, tem sido uma das vozes mais sonantes contra o alargamento do plano de vacinação aos menores de 12 anos e maiores de 10: alertando que as vacinas são, de facto, seguras e eficazes, o médico considerou que a avaliação de risco-benefício “não está claramente demonstrada”.

Também o Grupo de Trabalho sobre a vacinação contra a Covid-19 de crianças dos cinco aos 11 anos considerou que a vacinação nesta faixa etária devia, numa primeira fase, cingir-se às pessoas com comorbilidades antes de se tornar oficial: o documento citado no parecer da Comissão Técnica de Vacinação diz que “deve ser dada prioridade à vacinação dos adultos e dos grupos de risco, incluindo as crianças”, mas “poderá ser prudente aguardar por mais evidência científica antes de ser tomada uma decisão final de vacinação universal deste grupo etário”.

Pediatras pediam mais tempo, mas variante Ómicron apressou decisão. O que dizem os pareceres da posição técnica sobre vacinação de crianças?

Também a Ordem dos Enfermeiros se pronunciou desde cedo contra a aprovação da vacinação contra a Covid-19 nesta faixa etária, à semelhança do que já tinha feito quando se discutiu a vacinação dos 12 aos 15 anos. Numa nota publicada a 25 de novembro, os enfermeiros argumentam que “não se deve iniciar, para já, a vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos, mas sim aguardar por uma maior evidência científica quanto aos custos-benefícios a médio e a longo prazo”.

No entanto, no parecer enviado pelo tal Grupo de Trabalho, é referido que “a Ordem dos Enfermeiros não se fez representar na reunião de trabalho” a 2 de dezembro, dia em que se elaborou o documento, “nem se pronunciou” sobre ele. A Ordem salienta, porém, que participou na discussão: José Vilelas, da mesa do colégio da especialidade de enfermagem de saúde infantil e pediátrica, não esteve de facto em duas reuniões, mas terá enviado a posição da Ordem por email.

No entanto, em esclarecimento escrito enviado ao Observador, a DGS assegura que o “o contributo escrito enviado pela Ordem dos Enfermeiros foi considerado na tomada de posição” final.

Só por “motivos de transparência”, explica a DGS, se colocou a nota sobre a ausência na reunião de trabalho.

O parecer da Comissão Técnica de Vacinação menciona que foi auscultado “o membro consultivo” para a bioética — Helena Pereira de Melo, especialista em direito da bioética e elemento da direção da Associação Portuguesa de Bioética. Mas Helena Pereira de Melo não faz parte do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), que é o órgão consultivo responsável por se pronunciar sobre estas matérias.

Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV confirmou ao Observador que o conselho não foi procurado pelas autoridades de saúde para qualquer assessoria sobre o tema da vacinação de crianças e critica ter sido posto de parte: “Existindo um organismo de dimensão nacional, com competência específica para prestar assessoria nesta área, será muito difícil justificar ignorá-lo”. A eticista considera “absolutamente incompreensível” que o CNECV tenha sido “preterido por um dito membro consultivo”, cujo trabalho “denota falhas, equívocos” e não é “sólido”.

Maria do Céu Patrão Neves concorda com a aprovação, do ponto de vista bioético, da vacinação das crianças entre os cinco e os 11 anos por ela ser do superior interesse destes menores — até concorda que ela “obedece aos princípios da não-maleficência” por causar prejuízo à vida, saúde e integridade pessoal; e aos princípios da beneficência porque “apresenta probabilidade elevada de prevenir a contração da doença e contribui, deste modo, para a saúde física e mental da criança”, tal como argumentado por Helena Pereira de Melo.

Mas a presidente do CNECV discorda da restante argumentação que a especialista consultada apresentou. Helena Pereira de Melo entendeu que o princípio da justiça ficava cumprido porque “contribui para a quebra das cadeias de transmissão da doença, pelo menos relativamente às variáveis conhecidas, em particular a Delta, contribuindo, deste modo, para um significativo atenuar da pandemia, uma vez que os dados epidemiológicos revelam uma alta transmissibilidade da doença nesta faixa etária”.

Mas, no entendimento de Maria do Céu Patrão Neves, esta alegação “transmite a ideia inaceitável do ponto de vista ético de que a vacinação das crianças se faz para benefício dos adultos“. Isso seria uma “instrumentalização das crianças a bem da saúde dos adultos”: “As crianças dos cinco aos 11 anos devem efetivamente ser vacinadas, mas com base no superior interesse da própria criança, individualmente considerada e para o conjunto de crianças”.

A presidente do CNECV também discorda do parecer de Helena Pereira de Melo no que toca ao respeito pelo princípio da autonomia. A diretora da Associação Portuguesa de Bioética que ele “não é convocado” porque as crianças desta idade não têm maturidade para consentir ou não sobre a administração da vacina. Mas Maria do Céu Patrão Neves discorda: ele até é “duplamente convocado” — ora pelo lado dos pais, que exercem “autonomia por substituição dos filhos menores”; ora porque os menores devem ser envolvidos nas decisões de saúde que lhes digam respeito, desde que com uma linguagem adaptada ao seu nível de maturidade.