Se tivesse de escolher entre os sete pecados mortais, qual seria para si o pior? A gula é tolerada porque temos de comer. Para a preguiça arranjamos uma desculpa. E até a luxúria é permitida, em certo ponto. Somos, no entanto, muito menos tolerantes com a agressividade (pecado da ira) ou com a inveja. Mas nenhum destes é o verdadeiro rei dos pecados mortais, pelo menos para o neurobiólogo Jack Lewis, que dedicou um livro inteiro ao assunto.
Uma coisa é certa e não vale a pena tentar negar: somos todos pecadores. “Os sete pecados mortais são apenas sete tipos de comportamentos que todos os seres humanos têm, não importa aquilo em que acreditem”, diz Jack Lewis ao Observador. Na verdade, esses comportamentos são importantes para a nossa vida e para o nosso dia a dia, e foram eles que garantiram a sobrevivência do homem das cavernas. “O problema com estes sete comportamentos são os extremos.” E é quando chegamos aos extremos que podemos realmente falar de pecados capitais. A dificuldade é perceber quando estes comportamentos ultrapassam a fronteira entre o bom e o mau.
Para a sua análise, o neurobiólogo escolheu os sete pecados mortais dos cristãos, embora muitas outras religiões tenham figuras semelhantes, mas o que lhe interessa realmente não é ver se chegamos ao céu ou acabamos no inferno — até porque nem sequer acredita nisso. A escolha, defende, está entre tornar a nossa vida na Terra um paraíso ou um martírio. “Há pessoas que acreditam que existe vida depois da morte. OK! Não quero mudar as suas crenças em relação à vida depois da morte, quero mudar as suas crenças em relação ao que existe na Terra.”
Ainda que todos estes comportamentos, quando levados ao extremo (os tais pecados), sejam negativos, há alguns que têm impacto maior do que os outros. Até sair a primeira edição do livro “A Ciência do Pecado”, em julho do ano passado, Jack Lewis acreditava que o orgulho era o rei de todos os pecados. Se deixássemos o orgulho controlar a nossa vida, então perderíamos o controlo sobre os restantes pecados. E continua a achar que assim é, mas só em termos individuais.
Quando pensa em termos da sociedade, conclui que o pior é mesmo a avareza, porque foi com um objetivo ganancioso, para obter mais lucros, que as grandes empresas exploraram cada um dos pecados mortais. “A avareza não só torna os outros pecados piores, porque os encoraja, como mata o planeta pelo caminho”, diz ao Observador. “Queremos mais e mais de tudo e não pensamos realmente nas consequências dessa busca sem fim.”
Mas se os tratamos como “pecados” e até dizemos que são mortais, por que razão não lhes resistimos? Em “A Ciência do Pecado”, Jack Lewis explica como tudo começou na pré-história e ficou gravado no nosso cérebro, mas também alerta como as empresas e as redes sociais podem estar a fazer com que tenhamos mais dificuldades em controlar a tentação.
Gula
“São várias as motivações psicológicas mais comuns para comer demasiado, mas normalmente refletem um conjunto de respostas a emoções negativas, por vezes geradas pelos problemas com a imagem corporal. O que começa como um impulso de comer enquanto método de autogestão emocional pode em breve transformar-se numa resposta automática compulsiva a sentimentos de tristeza e ansiedade.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
Se alguns dos sete pecados mortais podem não ser assim tão fáceis de detetar, a gula é praticamente impossível de esconder, porque uma das consequências é a obesidade. Claro que acusar uma pessoa do pecado da gula só com base no peso e formato do corpo é injusto, porque só peca aquele que escolhe deliberadamente fazer alguma coisa. “E as últimas imagens recolhidas dos cérebros de pessoas clinicamente obesas sugerem que a sua capacidade de exercerem livre-arbítrio quanto à ingestão de comida pode estar permanentemente comprometida”, escreve Jack Lewis.
Mas a sociedade também não tem ajudado a que as pessoas evitem este tipo de pecado. Passámos de uma época em que as modelos eram excessivamente magras e isso podia estar a potenciar os distúrbios alimentares nas jovens, para uma altura em que se defende que as modelos devem ser mulheres normais. A questão aqui, diz Jack Lewis, é que depende do que se entenda por mulher normal. “Normal é a maioria, mas se a maioria tem excesso de peso, há uma definição médica que diz que há uma incidência acrescida de doenças cardiovasculares e cancro.”
“Uma pessoa obesa com 40 anos ainda tem tempo para fazer a diferença antes de transtornar realmente a sua vida. Mas se lhes disserem, aos 40 anos: ‘Não faz mal, as pessoas são de todos os tamanhos e formatos’, onde está o incentivo para começar a pensar no balanço de calorias que entram e que saem?”, questiona o neurobiólogo. “Se lhe tirarmos esse incentivo, não estamos a fazer-lhe nenhum favor, porque vai acabar com outras comorbidades que lhe impedem de ter uma vida normal.”
Para agravar, a gula — à semelhança da avareza, como veremos — é um pecado difícil de controlar. O nosso cérebro foi programado há centenas de milhares de anos para armazenar recursos quando havia abundância, de forma a conseguirmos enfrentar os tempos de escassez. As marcas de alimentos sabem-no muito bem e aproveitam-se disso.
“A propensão para comer demais quando a comida estava disponível era boa, podíamos armazenar comida à volta dos órgãos, acumular gordura por baixo da pele, porque, se a comida não estivesse disponível durante um certo número de semanas, não morreríamos de fome, podíamos usar essa gordura armazenada para produzir energia e podíamos sobreviver até a comida estar disponível outra vez.”
Os cérebros mantiveram esta característica, mas o ambiente em que vivem os humanos mudou completamente: agora a comida está sempre disponível — pelo menos, nos países desenvolvidos. “Pela primeira vez na história da humanidade, a probabilidade de morrermos de doenças relacionadas com a obesidade é superior à de morrermos de fome”, escreve o autor. Para tornar a questão ainda mais desafiante, vivemos numa época em que precisamos de recompensas imediatas, em não paramos para pensar nas consequências e em que somos constantemente aliciados pelas marcas que conhecem as nossas fraquezas.
Luxúria
“O problema apresentado aos viciados em pornografia online é que está a desviar o tempo, a dedicação e a inclinação que as pessoas podiam dirigir à sua vida sexual de verdade e, mesmo quando se envolvem na vida real, o hábito de assistir a pornografia pode causar o caos no seu desempenho entre os lençóis.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
Não é só a gula que vive de impulsos não controlados — a luxúria também. Mas também esta foi importante para a evolução. No limite, se tivesse sido possível abolir a luxúria, teríamos corrido o risco de não sermos capazes de perpetuar a espécie — é que o desejo sexual tem um papel importante na reprodução da espécie humana. O problema são os comportamentos desviantes e os excessos, como Jack Lewis explorou no livro. A pornografia é só um exemplo.
“Mamas superinfladas, muito maiores do que seria possível na vida real”, “pénis demasiado grandes, do tipo que se veem muito nos filmes pornográficos, mas que é pouco provável encontrarmos na vida real” e todo o tipo de “pornografia que os humanos alguma vez sonharam — e há alguns humanos doentes por aí”, podem fazer com que quem passa muito tempo agarrado à pornografia deixe ter noção do que existe na vida real e o que pode esperar de uma relação sexual, alerta Jack Lewis.
As relações sexuais da vida real fazem-se de carinhos, carícias e emoções, que permitem que as pessoas se liguem de uma forma mais profunda, diz o neurobiólogo. “Não acho que haja qualquer problema que um adulto veja pornografia, desde que não interfira com a vida sexual da vida real. “ Agora, se a pessoa “desenvolveu um gosto invulgar por atividades sexuais pouco prováveis de encontrar na vida real”, então existe um problema. Não só porque se têm expectativas não cumpridas em relação aos formatos do corpo, mas porque, muitas vezes, os comportamentos na pornografia são abusivos e agressivos e não podem ser considerados um comportamento normal.
“Uma enorme sondagem sobre os comportamentos sexuais de rapazes adolescentes entre os 14 e os 17 anos em cinco países europeus concluiu que um consumo regular de pornografia está relacionado com um aumento na incidência de coerção sexual e vitimização, um aumento na aceitação de atividades sexuais com temas agressivos como a norma e uma redução do uso de preservativo”, escreveu o autor.
Crianças e jovens que assistem regularmente a pornografia podem comprometer todo o seu desenvolvimento sexual, alerta Jack Lewis. As crianças, muito antes de chegarem à puberdade, têm acesso fácil aos sites de pornografia e consumem horas e horas destes vídeos, diz. Quando finalmente têm a primeira experiência sexual, levam uma ideia deturpada do que é o sexo na vida real. “É terrível que o desenvolvimento sexual possa descarrilar por se ter uma fixação em formas de pornografia extrema”, lamenta o neurobiólogo. “Há uma série de situações em que jovens rapazes pela Europa veem tanta pornografia que a primeira vez que vão para a cama com alguém não conseguem ter uma ereção.”
Preguiça
“Se o orgulho é o pai de todos os pecados, então a gula e a luxúria são as impulsivas irmãs gémeas nesta desprezível família de sete. Enquanto podem ser vorazes no seu apetite por comida e por sexo, respetivamente, o próximo pecado mortal tem um problema exatamente oposto. A preguiça nem sequer se dá ao trabalho de sair da cama pela manhã.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
A preguiça é o tipo de pecado que oscila entre o aceitável e o reprovável. Quem não gosta de aproveitar o sábado de manhã para dormir mais umas horas depois de uma semana cansativa? Mas passar as tardes deitado no sofá a ver televisão já ultrapassa as marcas. A preguiça é um comportamento que, normalmente, afeta o próprio, mas, à semelhança dos outros pecados, pode acabar por afastar as outras pessoas.
“No contexto de trabalho em excesso, um pouco de preguiça é saudável”, diz Jack Lewis, que vê as pessoas cada vez mais agarradas à tecnologia, a nunca conseguirem desligar do trabalho e a começar a lerem e-mails assim que acordam de manhã. Estas pessoas estão num nível de stress elevado, o metabolismo parece o motor de um carro sempre em altas rotações. “Se fosse num carro, o motor estoirava. No nosso corpo acontece o mesmo, é por isso que sofremos de esgotamentos.”
O mecanismo no organismo está bem montado: a hormona cortisol responde ao stress, aumentando a pressão arterial e os níveis de açúcar no sangue. Ao mesmo tempo, “também inibe o sistema imunitário e os níveis de dor, de forma a que consiga cumprir o que está a fazer e não se distraída com ficar doente ou sentir dor numa parte do corpo”. Era suposto que, assim que o problema estivesse resolvido, os níveis de cortisol voltassem ao normal, mas num contexto de excesso de trabalho, os níveis de stress estão sempre altos. Dormir 20 minutos de sesta todos os dias, tirar um par de horas todos os fins de semanas sem atividades programadas e ter pelo menos uma semana de férias em que não faz nada são alguns do conselhos do neurobiólogo.
Mas a preguiça tem um lado mau e nem sempre é culpa da pessoa que sofre dele. As pessoas desempregadas vão perdendo o hábito de serem produtivas, vão perdendo a motivação e vão ficando mais letárgicas à medida que o tempo passa sem conseguirem encontrar emprego — mesmo aquelas que inicialmente são muito proactivas. Quando a preguiça se instala, deixam simplesmente de se dar ao trabalho de fazer seja o que for. “Eu entendo. Se tivesse no lugar deles, provavelmente acabaria por me sentir assim.”
Mas provavelmente optaria por ler em vez de passar hora inúteis nas redes sociais. No livro, Jack Lewis explica que o tempo passado no smartphone só aumenta a preguiça. O autor entende que é uma forma de desperdiçar tempo, numa busca constante das pessoas por encontrarem recompensas fáceis — os likes.
Orgulho
“Se São Gregório estava certo e o orgulho é de facto o rei de todos os pecados, podemos antecipar que a epidemia de narcisistas em que nos encontramos mergulhados atualmente pode fazer com que todos os sete pecados mortais se tornem ainda mais problemáticos. Por outro lado, se conseguíssemos encontrar uma forma de extinguir o narcisismo, talvez conseguíssemos também acabar com os restantes vícios capitais ainda em florescimento.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
O neurobiólogo, autor, consultor e figura pública assume que o pecado que mais o preocupa no dia a dia é o orgulho. “Sou apresentador de televisão e a maior parte dos meus rendimentos vem de viajar pela Europa a dar palestras. Isso requer um certo grau de vaidade, que é uma das sete facetas do narcisismo.” No livro, agora editado pela Saída de Emergência, Jack Lewis usa o narcisismo como uma forma de medir o pecado do orgulho. “O narcisismo envolve uma sensação exagerada de auto-importância e grandiosidade, frequentemente acompanhada por dificuldades severas de empatia que conduzem a problemas na criação de ligações significativas com os outros”, escreve. Uma coisa tão simples como a frase “o cliente tem sempre razão”, podem ser o suficiente para exacerbar o narcisismo.
Apesar de considerar que tem este pecado sobre controlo, deixa-se vacilar quando pensa que pode estar apenas a criar desculpas para si próprio para tornar a vaidade aceitável. “É importante que esteja bem arranjado em frente à minha audiência, mostra respeito, ou estou a fazê-lo apenas porque quero ficar bem?”
Mesmo com este receio em mente, não hesita em dizer que um pouco de orgulho é positivo, porque faz-nos sentir bem quando nos esforçamos por apresentar um bom trabalho. “Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, conquistar o medo pode muito bem ser um dos principais motivos de orgulho para o ser humano.” É orgulho que nos ajuda a melhorar o desempenho e a ultrapassar obstáculos.
Mas se caímos no extremo, se nos tornamos demasiado arrogantes, acabamos por afastar as pessoas. “Ter orgulho em alguma coisa é útil quando nos serve de ferramenta para ajudar a melhorar o nosso desempenho ou a ultrapassar obstáculos, mas ser gabarolas sobre aquilo que conseguimos alcançar como resultado desta estratégia já não é nem um pouco útil”, escreveu o autor no livro.
Jack Lewis confessa que sempre teve medo de ser considerado arrogante por isso esforçou-se por manter essa característica sob controlo. “Posso não ter sido sempre bem sucedido a fazê-lo na adolescência, mas certamente que na idade adulta é aquilo a que presto mais atenção”, diz. “Talvez um dos outros seis sejam o meu maior problema e eu ainda nem me tenha apercebido.”
Avareza
“Há esperança para uma economia motivada pela cooperação e não por uma avareza pura e inalterada. Ainda bem que é assim, porque se continuarmos com a nossa trajetória atual, estamos no bom caminho para uma catástrofe global.”
A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
Entre todos os pecados capitais, Jack Lewis não acredita que a avareza seja um daqueles que mereça a sua atenção pessoal. “Não sou uma pessoa muito materialista.” Não sente falta de ter o sucesso, o dinheiro ou os bens materiais que vê nos amigos. Contenta-se com ler um bom livro e fazer exercício, o que de facto não encaixa nas características deste pecado. “O maior problema com a avareza é que não importa quanto se tenha, quer-se sempre mais.”
Este querer mais pode, de facto, ter melhorado as probabilidades de sobrevivência dos nossos antepassados, porque acumulavam um excesso de recursos, sobretudo alimentares, para as épocas de maior escassez. O autor acautela que esta é uma visão simplista, porque quem fosse excessivamente ganancioso acabaria por ter problemas a longo prazo. “Para criaturas tão altamente dependentes da cooperação com outros humanos, ganhar uma má reputação por açambarcar sempre mais do que a sua justa parte podia ser letal para todos os membros de qualquer clã pré-histórico”, escreveu.
Assim, o problema não é o desejo de riqueza e de bens materiais só por si, mas sim o excesso a que se pode chegar. “Quando a aquisição de riqueza se torna no objetivo principal da vida de uma pessoa, ela pode inspirar uma série de comportamentos antissociais”, escreve no livro. É que, lembra o autor, as pessoas ainda têm a ilusão de que os problemas são mais fáceis de resolver.
Mas não são só os comportamentos antissociais e a distribuição desigual a colocarem o pecado da avareza no saco dos maus comportamentos. “Há argumentos bastante convincentes que sugerem que a avareza é a derradeira causa de toda a fraude, corrupção e roubos.”
Ainda assim, há quem idolatre este tipo de pessoas gananciosas e as coloque num pedestal, porque, muitos deles, vieram do nada, foram bem sucedidos e agora têm muito dinheiro. Como o neurobiólogo admite no livro, no mundo financeiro é difícil separar onde acabam os aspetos virtuosos da avareza e começam os viciosos. “Por isso acho que a avareza é o pecado mais astucioso, porque as pessoas boas e virtuosas podem, de facto, ser profundamente gananciosas”, diz. “A avareza é aquele pecado que se esconde à vista de todos.”
Ira
“Considerando que os impulsos irados nos compelem a entrar diretamente na linha de fogo da agressão das outras pessoas, apesar dos perigos evidentes que isto pode implicar para a nossa sobrevivência, se não existissem benefícios a colher, a ira já teria certamente sido eliminada da herança genética humana há muito, muito tempo.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
Para Jack Lewis, o mais difícil de entender é a ira, porque é realmente má para as relações. “Se uma pessoa é verbalmente agressiva, então inspira medo nas pessoas que a rodeiam, por isso é que vai, mais rapidamente, fazer com que as pessoas se afastem.” Apesar do impacto negativo, o neurobiólogo está moderamente descansado, considera que a maior parte de nós tem a ira sob controlo.
E a verdade é que nem só de aspetos negativos se reveste a ira. Enquanto resposta a uma ameaça, pode ser vista como um mecanismo de defesa. Mais do que irresistível, é, nesses casos, necessária. “A agressividade pode servir para ajudar as pessoas a ultrapassarem os seus medos e a imporem-se quando são maltratadas pelas outras, em vez de tolerarem impassivelmente um comportamento hostil”, escreve o autor. Também é a fúria que nos leva a defender uma pessoa que está a ser injustamente mal-tratada, mesmo sem estarmos diretamente envolvidos.
No extremo oposto, a ira, raiva e agressividade são responsáveis pelo bullying, a violência doméstica ou os homicídios. E mesmo que não se cheguem a situações tão violentas, nem sequer às agressões físicas, as demonstrações de ira deixam marcas mais profundas do que outras interações sociais, explica o neurobiólogo no livro. “A aptidão de controlar devidamente a agressividade é importantíssima para a aproximação das pessoas, e a sua falta tende a separá-las.”
Um dos problemas com a ira é que é um comportamento replicável. Temos tendência a repetir as expressões que vemos nos outros — uma questão de empatia que também evolui connosco —, mas quando do outro lado há agressividade, podemos acabar por dar o mesmo tipo de resposta. Mas, da mesma forma, um sorriso pode ter como resposta uma expressão mais descontraída.
Inveja
“Enquanto a avareza é infinita, sempre à procura de mais, não obstante a riqueza atual, a inveja é inteiramente relativa. Sempre que os sentimentos de inveja são libertados, o estímulo envolve continuamente uma comparação direta entre uma pessoa específica e nós mesmos. Na ausência de alguém no mundo exterior com quem possamos estabelecer esta comparação direta, não existe inveja.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
“De todos os comportamentos descritos pelos pecados capitais, a inveja é certamente o menos divertido”, escreve Jack Lewis. “Ninguém gosta de se sentir pior do que os outros — não há a menor gratificação possível a retirar dos sentimentos de inveja.” A inveja nasce de uma comparação constante com os outros, que faz, muitas vezes, com que nos sintamos inferiores.
Ainda assim, o neurobiólogo reconhece-lhe um lado benigno. “A inveja pode ser encarada como um farol emocional que nos avisa de uma desigualdade que nos deixa em desvantagem.” Ou seja, que nos faz agir. Se agirmos bem, asseguramos o nosso direito a partes iguais e à justiça. Se agirmos mal, e é isso que faz da inveja um pecado tão desprezível, tentamos puxar o alvo da nossa inveja para baixo.
“A inveja é sempre desagradável”, conclui o autor, seja ela ocasional ou mais frequente. Por isso, para Jack Lewis, “é importante chegar ao âmago do que acontece nos cérebros daqueles que têm uma tendência crónica para a inveja, porque ela é associada a uma série de resultados negativos que incluem a depressão, a baixa autoestima e um nível fraco de assiduidade no trabalho”. E o que parece acontecer é que o córtex pré-frontal dorsolateral do cérebro (junto à linha do cabelo, sobre a testa, do lado direito) fique demasiado pequeno nas pessoas que sentem mais inveja e, por isso, tenham mais dificuldade em autorregular as emoções e os comportamentos impulsivos.
Mas de quem sentimos inveja? “Temos tendência para sentir a pontada da inveja de modo mais palpável quando consideramos aqueles que evidenciam alguma vantagem sobre nós, mas em relação a quem nos sentimos, no resto, mais ou menos equiparados”, descreve o autor. Ou seja, alguém um pouco melhor que nós, mas não muito melhor. E deixamos que sejam as pequenas coisas a desencadear a inveja, como as fotografias das férias que um amigo pôs no Facebook. Ter um estatuto social equivalente ao da pessoa invejada, achar que esta teve uma vantagem que não foi merecida e encontrar um objeto de inveja que nos seja relevante, mas difícil de alcançar, são alguns dos aspetos psicológicos que condicionam a inveja.
Salvação
“Se toda a gente resistisse a essas sete tentações em particular, a fricção social seria bastante menor, a cooperação seria maior e toda a gente ficava a ganhar. O problema é que a natureza humana implica que alguém irá sempre tentar contornar as regras a seu favor.”
“A Ciência do Pecado”, Jack Lewis
Controlar os sete comportamentos que levam aos sete pecados mortais seria muito mais fácil se as pessoas continuassem a acreditar num deus ou em vários. “Se toda a gente acreditar que um Deus todo-poderoso está sempre a vigiar tudo o que a comunidade inteira faz e se as penalizações para os comportamentos desviantes forem adequadamente severas, cada uma das pessoas irá sentir-se motivada a regular o seu próprio comportamento de forma adequada”, escreve o autor.
Por outro lado, se as pessoas deixam de acreditar numa força natural que esteja sempre a ver o que fazem, “a ilusão quebra-se e não há nenhum verdadeiro motivo para nos autocorrigirmos”, diz Jack Lewis. “Tentei reformulá-lo para que as pessoas o tentassem fazer para o seu próprio bem, em vez de o fazerem para ganhar um lugar no céu ou para evitarem ir para o inferno, porque, em última instância, melhora as ligações sociais.”
As consequências antissociais dos pecados capitais — para quem pratica os excessos e não controla os impulsos — são o maior prejuízo identificado pelo neurobiólogo, porque as ligações sociais são vitais para a saúde do ser humano, defende. E até sugere uma medida para percebermos se ultrapassámos a moderação e entrámos no excesso. As pessoas querem passar tempo connosco? “Se resposta for que ‘não têm muita vontade’, então devemos preocupar-nos com alguns dos excessos.”
E devemos preocupar-nos mesmo, garante o neurobiólogo. “Às vezes as pessoas pensam que manter relações pessoais é bom, mas não é essencial. Mas somos uma espécie tão social que precisamos de outras pessoas, mesmo que não estejam constantemente a ajudar-nos e a fazer-nos favores.” Do ponto de vista da saúde humana, Jack Lewis acrescenta: “As pessoas que vivem isoladas têm uma qualidade de vida pior, tem mais doenças mentais, como depressão e ansiedade, e morrem mais cedo de doenças cardiovasculares e de vários tipos de cancro.”
Jack Lewis alerta que a utilização que fazemos atualmente da tecnologia e das redes sociais pode estar a comprometer as nossas relações e, consequentemente, a nossa saúde. Claro que as redes sociais podem ser usadas como um complemento das ligações, mas não podem substituir os encontros cara a cara, defende. “Quando usado de forma inapropriada, pode fazer-nos sentir miseráveis. Quando bem usado, pode fazer-nos sentir mais felizes.”
O neurobiólogo considera as relações pessoais tão fundamentais para a saúde física e mental que defende que todas as escolhas devem ser feitas a pensar nisso: “Vai melhorar ou estragar as minhas ligações sociais?” Para Jack Lewis, esta é a forma de resistir ao impulso, de resistir à tentação de ter a recompensa naquele exato momento — como um bolo ou uma roupa nova. “Temos de ter a noção que, nos dias em que vivemos, o sistema está montado para termos o que desejamos imediatamente, mas a longo prazo acabamos por sofrer com isso. Sejam bons para a vossa versão daqui a uns meses e não apenas para aquela versão de hoje.”