No Largo do Rato já se temiam os efeitos da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, mas não se sonhava que a estratégia traçada fosse engolida — como tem sido — por (mais) episódios vindos de dentro do próprio Governo. “O que tem de parar é esta instabilidade”, comenta um dirigente do partido com o Observador, sintetizando o sentimento geral de ansiedade entre socialistas com o que mais pode sair da ferida exposta no inquérito parlamentar. É por isso que o PS quer que os trabalhos da comissão fiquem concluídos rapidamente para, depois disso, tentar passar para outra fase — de preferência com uma remodelação no Governo, de acordo com as várias fontes ouvidas pelo Observador.
Esse capítulo é deixado em aberto pelos socialistas mesmo depois da resistência do primeiro-ministro em aproveitar o caso Galamba para mexer no elenco que tem no Conselho de Ministros. E a começar pela mudança do próprio ministro das Infraestruturas — cuja “credibilidade”, “confiabilidade” e “autoridade” foram arrasadas pelo Presidente da República.
“Logo se vê se vai na leva” depois do inquérito, comenta um alto dirigente do partido com o Observador, apontando para a possibilidade de existir um lote mais alargado de saídas precisamente no momento do calendário político pelo qual os socialistas anseiam — sem conhecerem ainda a data (ler mais abaixo neste artigo). “Vai mandar embora o Galamba“, acrescenta outro dirigente do partido apontando o mesmo timing, o fim da comissão de inquérito.
A remodelação foi colocada de forma clara pelo presidente do PS, Carlos César, numa entrevista ao Público onde também defendeu que Galamba não fosse demitido — como Costa acabou por fazer contra a expectativa da maioria dos que ouviu e surpreendendo o Presidente da República. César veio já depois deste episódio reafirmar a necessidade de se estar “sempre atento para mudar o que é possível e para melhorar o que é necessário, estejamos nós a falar de políticas ou de políticos”. E não está sozinho no partido.
“Agora não, mas é preciso“, comenta um socialista sobre a necessidade do tal “refrescamento”. “Os governos precisam sempre em algum momento”, dispara outro. “Devia mexer em alguns”, comenta ainda outro socialista que aponta mesmo pastas: “Defesa, Negócios Estrangeiros e Educação”. Ainda assim, o entendimento é que Costa não o podia fazer neste altura, sob pena de parecer que ia a reboque da vontade do Presidente da República. “Não demite o Galamba por causa dele”, sugere mesmo um socialista. “Costa usou-o como escudo“, refere outro elemento do PS, que vê mais no ministro das Infraestruturas uma espécie de peão numa jogada mais abrangente do líder socialista.
É, no entanto, um factor que preocupa os socialistas, como já avançou o Observador. “Pôr o pescoço no cepo pelo Galamba é um risco enorme”, acrescenta um socialista, que, ainda que pouco crente numa remodelação nesta altura, não descarta que o ministro possa sair no futuro. A mesma fonte diz mesmo que existe, neste momento, “um temor muito grande” dentro do Governo sobre o ministro das Infraestruturas.
PS continua a pedir alteração de elenco. Mas existem riscos
Não seria a primeira remodelação programada de António Costa, conhecido como um conservador nesta matéria, nem sequer a primeira que surgia afastada do momento mais quente. Quando mexeu, aproveitou sempre para juntar a necessidade com os pedidos para sair ou problemas que já trazia em carteira. Em 2018, por exemplo, quando Azeredo Lopes saiu da Defesa (na sequência do caso Tancos), o primeiro-ministro aproveitou para mudar também os ministros da Saúde, Cultura e Economia.
Em 2019, tinha preparado muitos meses antes a saída de Pedro Marques, das Infraestruturas para ser cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, e as movimentações que isso implicaria (promover Pedro Nuno Santos e Mariana Vieira da Silva a ministros e Duarte Cordeiro a secretário de Estado). E depois houve também a saída de Mário Centeno das Finanças, programada com antecedência para acontecer depois de entregue o Orçamento Suplementar e em cima do final do mandato do ministro das Finanças português à frente do Eurogrupo.
Assim, não espanta os socialistas ouvidos pelo Observador que o mesmo possa estar a ser preparado nesta altura. Até porque o desgaste do Governo não é só um apontamento do Presidente da República. É sentido pelo próprio PS, que tem surgido várias vezes insatisfeito com a falta de coordenação política e de coesão entre ministros e, mais recentemente, com a “falta de debate interno” — e aqui pela voz de um experiente ex-ministro de Costa José António Vieira da Silva, que aconselhou, na mesma entrevista, “mais maturidade” ao Governo.
Mas o capítulo da remodelação levanta outras dúvidas. “É preciso ter alguma ponderação quanto ao timing do refrescamento”, acrescenta um socialista, sem esconder “reservas” sobre alterações do Executivo “nesta fase crítica do PRR e de outros instrumentos financeiros”. “Um recomeço pode significar atrasos em processos já em andamento”, aponta um dirigente do partido. E mais, acrescenta: “Se o Governo é remodelado a cada episódio que surge, ficamos reféns da espuma dos dias”.
A outra dúvida levantada sobre a remodelação nesta fase é sobre a capacidade que Costa ainda mantém de atrair os melhores para o Governo. “Ele [Costa] não está interessado nisso, gosta de pessoas com estas características”, atira um destacado socialista, que acredita que o primeiro-ministro “não quer no Governo figuras com autonomia política”. “Não vejo vontade nem margem de manobra”, aponta a mesma fonte e explica porquê: “Como é que vai atrair agora pessoas politicamente fortes ou profissionalmente fortes numa fase declinante?” Para este socialista, se, no partido, Costa “já não tem margem” para esse recrutamento ao mais alto nível, “fora ainda deve ser pior”.
“O fundamental, mais do que mudar de protagonistas é estabilizar dossiês e entregar resultados da governação”, acrescenta mais um socialista ouvido pelo Observador. “O que tem de parar é esta instabilidade”, assume, mesmo apontando a comissão parlamentar como um foco de problemas. “Enquanto durar a comissão de inquérito ainda vão ser meses de grande instabilidade”, acrescenta a mesma fonte, referindo as audições que ainda faltam, nomeadamente de João Galamba, de Pedro Nuno Santos ou até do ex-adjunto do atual ministro das Infraestruturas que esteve no centro da polémica mais recente.
Objetivo: “Matar já” o inquérito parlamentar
Na direção socialista, o entendimento é não deixar arrastar a comissão parlamentar, embora exista abertura para prolongar para lá do prazo (termina a 23 de maio). O regime jurídico dos inquéritos parlamentares diz expressamente que, “a requerimento fundamentado da comissão, o Plenário pode conceder ainda um prazo adicional de 90 dias”. Mas o PS não quererá tanto tempo, até porque mais três meses acabariam por empurrar a questão para a sessão seguinte.
Esta questão foi, precisamente, um dos pontos da reunião de coordenadores da comissão que aconteceu esta terça-feira, mas não teve uma decisão conclusiva, de acordo com o próprio presidente da comissão parlamentar, Jorge Seguro Sanches. “Não há boa razão para que se prolongue para lá da sessão legislativa”, atira um dirigente do PS, deixando clara a pressa em fechar o dossier no próximo mês e meio (a sessão acaba no final de julho).
“A comissão de inquérito é um problema”, diz um deputado. “É para matar já“, acrescenta outro, que aponta as vantagens “do ponto de vista técnico e do ponto de vista político”. Os socialistas estão assustados com uma comissão que “começou na indemnização de Alexandra Reis e que já está a discutir acontecimentos da semana passada”, numa referência ao “episódio deplorável” — a classificação é de António Costa — que aconteceu a 26 de abril no Ministério das Infraestruturas.
Um dirigente diz ter “dúvidas se a comissão de inquérito vai fazer mais mossa de que já fez“, ainda que consciente dos “momentos mais mediáticos de audições que ainda venham a acontecer”. A expectativa é que os apoios que vão chegar ao bolso dos portugueses nos próximos meses possam contribuir para equilibrar a imagem do Governo.
“A comissão de inquérito tem provado ser muito mediática, mas há um ponto entre esse efeito mediático e o que as pessoas sentem quanto ao seu bem estar”, espera a mesma fonte. Com fé “no crescimento da economia e na desaceleração da inflação”, mas também nos efeitos do IVA zero, nos aumentos intercalares para pensionistas e funcionários públicos (que chegam, respetivamente, em julho e maio), no reforço no abono de família (maio), no apoio às rendas (maio) e, ainda, nas bonificações dos juros do crédito à habitação (maio).
Ainda assim, pelo meio de tudo isto, existe agora um Presidente da República hostil. No PS, existe o reconhecimento de que tudo o que faça nesta altura será “ultrainterpretado” e que a tensão entre palácios será uma permanente fonte de notícias. O partido está a “esperar para ver” o que virá de Belém, depois de Marcelo ter vindo dizer, na sequência do caso Galamba, que vai fiscalizar “ainda mais” “quem manda”.
Para um socialista ouvido pelo Observador, a dissolução ficou mais próxima. “Até aqui falava-se muito, mas toda a gente sabia que não ia acontecer. A partir de agora, vai falar-se menos, mas é muito mais provável que ocorra“. “Estamos nas mãos das sondagens”, assume este socialista, que acredita que Marcelo dissolverá assim que a direita (“sem o Chega”, sublinha) mostrar que consegue uma maioria.
Mas aqui a teoria socialista multiplica-se tanto quantas as fontes ouvidas. Um dirigente acredita, por seu lado, que “a direita se encontra na posição mais difícil de sempre”: a liderança do PSD é questionada publicamente pelo próprio Marcelo e continua sem resolver a relação com a extrema direita; isso, sugere a mesma fonte, “retira margem de manobra ao Presidente para uma intervenção maior”. Pelo menos por agora.