A movimentação do PSD sobre o IRC esvaziou um dos temas que foi uma incógnita até ao último dia de apresentação de propostas de alteração do Orçamento do Estado: as pensões e a forma como PS e Chega podem unir-se numa coligação negativa contra a vontade do Governo. Mas, tudo somado, parece estar mesmo a encaminhar-se para acontecer.
Como era previsto, PS e Chega chegaram-se à frente com duas propostas para um aumento permanente e estrutural das pensões mais baixas. O que os divide são 0,25 pontos percentuais e para que o aumento chegue às pessoas é preciso que o Chega dê o braço a torcer, já que os socialistas resolveram o assunto ainda antes do arranque da especialidade, com Alexandra Leitão, líder parlamentar socialista, a assegurar que apenas votará a sua proposta das pensões e não as dos outros partidos.
Na conferência de imprensa onde apresentou as 38 propostas de alteração do PS, Alexandra Leitão falou logo nessa à cabeça, contabilizou-lhe um impacto de 265 milhões de euros e disse que tudo era possível sem furar o excedente de 0,3% previsto pelo Governo, já que o recuo na proposta inicial do IRS Jovem tinha deixado disponível uma folga suficiente para acomodar propostas como esta.
O PS quer aumentar em 1,25 pontos percentuais as pensões que vão até três IAS, ou seja, que estejam na ordem dos 1500 euros mensais. A proposta do Chega consiste em que as pensões até 1018,52 euros, duas vezes o IAS, sejam aumentadas em 1,5 pontos percentuais, sem prejuízo da atualização já prevista na lei. Segundo André Ventura, a proposta seria para “aplicar já no início do próximo ano” — o líder do Chega assegurou que esta atualização pode ser feita apenas com o “excedente” da Segurança Social.
No entanto, os socialistas definiram uma regra em relação ao partido de André Ventura, que é a que têm seguido sempre e não terá desvio durante a votação do Orçamento na especialidade: nada do que vier do Chega é para aprovar. E nesta matéria concreta das pensões, a regra cruza com outra que o PS definiu também para a especialidade: não votar propostas em matérias em que o partido tem propostas próprias.
Assim, o PS não aprovará a proposta de aumento das pensões do Chega, ainda que saiba que só com o partido liderado por André Ventura conseguirá fazer passar a sua medida no Parlamento. A distância política entre os dois partidos é acentuada, mas a aritmética parlamentar coloca PS e Chega na mesma equação em matéria de pensões. Se a esquerda viabilizar a proposta do PS – o que é provável que aconteça tendo em conta que tanto PCP como BE também têm propostas para uma aumento extraordinário das pensões –, a abstenção do Chega será suficiente para viabilizar a alteração socialista.
Chega abre portas à viabilização da proposta do PS
Ao contrário do PS, André Ventura deixou a porta aberta à viabilização de propostas de outros partidos. Na altura da conferência de imprensa, quando questionado sobre a possibilidade de aprovar a proposta do PS para as pensões, referiu que seria preciso avaliá-la e que mais tarde anunciaria o sentido de voto. Mas deixou tudo em aberto quando se referia tanto às pensões como ao IRC (antes das mudanças):
“Evidentemente que em política há a proposta e há o sentido da proposta e nós, tendo uma proposta, queremos que esta proposta seja aprovada. Mas, em princípio, pugnaremos para que as propostas que vão no sentido das nossas propostas tenham um… que haja eficácia nessas propostas mesmo que não sejam tão ambiciosas como gostaríamos que fossem.”
A mensagem do presidente do Chega foi clara: “As pensões têm de aumentar”. Essa afirmação dá ainda mais força à possibilidade de vir a viabilizar uma proposta que não a sua. Já no passado, a propósito da questão do IRS, Ventura optou por se abster nas várias propostas que foram a votos, o que possibilitou aprovar a do PS, que contou também com os votos a favor da esquerda e da IL. Desta vez, num cenário idêntico, pelo menos contando com os partidos de esquerda, podia chegar-se a uma realidade parecida e o Governo poderia ficar mesmo com um aumento de pensões que não deseja nas mãos.
Cenário de chumbo orçamental e de crise política volta a estar em cima da mesa
Esquerda com propostas acima de mil milhões. PS não vai viabilizar
Já quanto às propostas da esquerda, podem não ter o mesmo caminho. O Bloco de Esquerda pretende um aumento de 50 euros para todos os pensionistas e que quem tem pelo menos 20 anos de desconto não tenha uma pensão menor do que o limiar da pobreza. O custo da medida é contabilizado em 1.252 milhões de euros. Já a proposta do PCP, de aumentar em 5% as pensões, em montante não inferior a 70 euros, foi contabilizada em quatro mil milhões de euros, a que se teria de somar outras propostas relativas a prestações sociais.
Durante as audições parlamentares desta semana, a ministra do Trabalho e Segurança Social, Rosário Palma Ramalho, queixou-se das iniciativas nesta matéria, sobretudo pelo impacto orçamental que aportavam. Um tema que também é sensível ao PS que se comprometeu a “não desvirtuar” o saldo orçamental previsto pelo Governo de 0,3%.
Ora, o PS moldou a sua proposta para um impacto de 265 milhões de euros, para caber na folga deixada pela alteração do modelo do IRS Jovem. A alteração nessa proposta do Governo passou a custar 525 milhões de euros, uma diferença de 475 milhões face ao que custava a versão original, contabilizou o PS para justificar o avanço com uma proposta de quase 300 milhões de euros.
Já as da esquerda esbarram em duas regras que o PS traz para a especialidade: a tal linha de não aprovar nada em matéria onde também tem propostas e alinhar em propostas de alteração dos restantes partidos que possam colocar em causa o excedente.
Aliás, sobre as pensões, a líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, foi logo clara na conferência de imprensa desta sexta-feira quando disse que a bancada não votaria a favor de mais nenhuma proposta para além da que foi apresentada pelo PS.
Quanto ao resto das propostas que surjam na especialidade, a abertura socialista vai ser gerida entre duas linhas: medir o impacto orçamental e não votar contra propostas dos outros partidos com as quais concorda (desde que dentro da primeira linha). “Atuaremos sempre tendo em conta o interesse público e a responsabilidade de não desvirtuar o Orçamento”, garantiu Alexandra Leitão quando foi questionada sobre este ponto concreto.
Mas Alexandra Leitão também disse que ainda é “prematuro” dizer o que fará com cada uma das propostas que vierem das outras bancadas (que não a do Chega), até porque os socialistas vão ter de fazer uma análise fina de tudo que estiver em cima da mesa se não quiserem correr o risco de pisar a regra que definiram para si próprios.