O grande segredo da campanha do PS nas legislativas de 2022, já assumido pelo principal consultor de António Costa, foi saber o que pensavam os eleitores. E isso teve, literalmente, um preço. O PS gastou mais de 737 mil euros em “estudos de apoio à comunicação”, o que é quatro vezes mais do que gastou em 2019 e oito vezes mais do que o segundo partido mais votado na mesma eleição. O PSD de Rui Rio, gastou, no total, com agências de comunicação 88.363 euros. Nos gastos totais, o PS foi também o partido que teve a maior despesa: 3,38 milhões de euros.
As contas da campanha das legislativas de 2022 foram divulgadas praticamente um ano depois do escrutínio, já em fevereiro de 2023, mas o Observador fez uma análise mais fina à lista de ações e meios que permitem perceber mais concretamente quais foram os gastos dos partidos, desde a comunicação aos tradicionais brindes, presentes nas campanhas desde os anos 70.
PS gastou 737 mil euros em estudos (que apontaram uma TAP maldita)
Voltando à comunicação, numa visão mais global e abrangente, os gastos dividem-se por várias rubricas: os “gastos com a campanha, com as agências de comunicação e estudos de mercado”, mas também na “propaganda, comunicação impressa e digital”. O mesmo pode aplicar-se em gastos com cartazes e comícios ou até os brindes, que transportam slogans e cores que são também eles formas de comunicar.
Olhando para os dados entregues pelos partidos ao Tribunal Constitucional salta, porém, à vista um gasto do PS que foge do habitual. É criada uma designação para as faturas que até aqui não existia e que tem como nome “Estudos de Apoio à Comunicação” (nas legislativas de 2019 entravam na área da “Imagem de Campanha”). No total, o PS gastou 737 mil euros neste tipo de estudos, dos quais 578.935 euros foram pagos a agências de comunicação.
O PS apresenta até faturas avultadas com este tipo de despesa. Uma delas, no valor de 172 mil euros, tem a data de 5 de janeiro, um dia depois de António Costa ter começado os debates (contra Jerónimo de Sousa) e na véspera de um outro debate importante (contra André Ventura). Nesse mesmo dia-de-todos-os-estudos, em período de debates, há uma outra fatura no valor de 20.910 euros. A 17 de janeiro, o PS volta a ter outra fatura no valor de 172 mil euros para o mesmo efeito. Estes gastos serviram para ouvir painéis de eleitores sobre vários assuntos (os chamados focus group) e realizar estudos de opinião (via chamadas telefónicas). Depois, foi preciso quem as analisasse.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre os gastos dos partidos com comunicação.
Quanto gastou o PS em comunicação para conseguir a maioria absoluta?
No livro Como perder uma eleição, o consultor de comunicação Luís Paixão Martins elegeu a TAP como o grande calcanhar de Aquiles da campanha do PS e a única verdadeira ameaça à maioria absoluta. Nesse livro, Paixão Martins escreve que a “companhia aérea portuguesa goza de má reputação entre os nossos concidadãos, conseguindo ter nota negativa quer no serviço que presta (ou não presta a algumas regiões), quer como sorvedouro de dinheiros públicos”. “A culpa é, naturalmente, daquele Governo que está ali à mão, neste caso, culpa maior porque o executivo de António Costa reverteu a privatização da companhia”, refletia o principal consultor de comunicação.
Um ano depois da campanha, em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, Luís Paixão Martins dizia ser o consultor “menos indicado para aconselhar políticos na política” e, mesmo “na comunicação, embora tenha mais algum conhecimento do que na política, basta ligar a televisão à noite e encontro 200 pessoas que sabem mais de comunicação” do que ele próprio. E rematava: “O que acho que introduzo é a matemática, a outra ciência oculta de que ninguém fala”. Ora, é esta ciência, a dureza dos números cruzada com informações qualitativas, que levou o PS a recorrer de forma massiva a estudos de opinião.
Mesmo quando nas sondagens Rui Rio se aproximava de António Costa, foram estes estudos que deram confiança à campanha socialista, já que António Costa era o líder político (diziam esses estudos) que os portugueses acreditavam estar mais bem preparado para chefiar o Governo. A larga distância dos outros. Isso sossegou o PS e levou-o a investir no “fator-Costa”.
O PS acredita que foi este conhecimento do eleitorado que levou António Costa a conseguir a maioria absoluta e quis replicar agora, em março de 2023, o modelo para a segurar. Luís Paixão Martins, como noticiou a Visão, foi contratado para fazer o mesmo trabalho que fazia na campanha, mas agora no PS e fora do período eleitoral. Ao Expresso, Luís Paixão Martins disse que trabalha com a GFK, empresa especialista em estudos de mercado e de opinião.
Ao Observador o PS não quis revelar quanto gastou com esta contratação, pelo que será necessário esperar pelas contas anuais de 2023 que, na melhor das hipóteses, serão divulgadas lá para 2024 ou mesmo 2025. Sem colaboração, só a lei obrigará o PS a responder.
Por oposição, o PSD de Rui Rio gastou muito pouco com agências de comunicação (88.363 euros) e ainda menos em estudos de opinião, que são praticamente inexistentes. Percebe-se pelas faturas do PSD que os gastos são para pagar o trabalho de agências nas tarefas mais comuns de assessoria de imprensa (de relação com a imprensa e os media, aconselhamento ou redes sociais). A exceção são escassos milhares de euros para empresas que trabalham com call centers. A pouca utilização de estudos de opinião foi uma marca do então presidente do PSD. O antecessor de Rui Rio, Pedro Passos Coelho, pedia muito mais sondagens do que o candidato do PSD em 2022, o que, aliás, é também notório nos gastos do partido fora do período eleitoral.
Alargando as despesas à rubrica que inclui a conceção de campanha, agências de comunicação e estudos de mercado, o PSD gastou um pouco mais (131.687 euros), mas continua muito atrás do PS. O Chega ficou, aliás, muito próximo desse gasto social-democrata: 113.879 euros. A IL, que é vista como o partido da comunicação, ficou-se pelos 72 895 euros — o que se justifica por a maior parte dos “marqueteiros” trabalharem de forma voluntária para o partido.
PS com mais despesa. “Centrão” gastou quase o dobro dos outros todos
O PS, que nos últimos anos tem enfrentado uma situação financeira debilitada (estando vários anos em falência técnica) não poupou na hora de ir atrás da maioria absoluta. Mais votos também significa mais subvenção, logo o gasto pode ser também visto como um investimento. Fazendo zoom out, as contas globais permitem ver que o PS foi, no geral, o partido que mais dinheiro gastou na campanha das legislativas de 2022.
O custo da campanha que levou António Costa à maioria foi de 3 388 778 euros, mais 1,5 milhões de euros do que o PSD de Rui Rio, que foi o segundo que mais gastou (1 856 880 euros). Curioso é que os dois partidos do “centrão” político gastaram em conjunto quase o dobro (5 245 658 euros) do que os outros seis partidos que elegeram deputados (2 668 271 euros).
Outra curiosidade é que se se fizer um ranking com os gastos globais dos oito partidos com representação parlamentar, percebe-se que o lugar em que ficam em termos de despesa é o lugar em que ficaram na votação final. Por exemplo: o Chega foi o terceiro partido que mais gastou (615 390 euros) e ficou em terceiro lugar; a IL foi o quarto partido que mais gastou e ficou em quarto lugar (599 002 euros). O mesmo acontece descendo nessa tabela: BE, em quinto com 590 428 euros; CDU, em sexto com 551. 771 euros; PAN em sétimo com 252 030 euros; e Livre em oitavo com 59.650 euros.
Comícios. Nem o Ritmo do Kuduro apanhou o PS
Na campanha das legislativas, sem surpresas, as caravanas de PS e PSD eram as mais profissionais. Foi nas campanhas de Costa e Rio que se encontravam os espectáculos mais bem preparados e as tendas ou púlpitos mais vistosos — no design e na dimensão. A campanha do PS acabou, neste particular, por ser aquela que mais gastou. Na rubrica “comícios, espectáculos e caravanas”, o PS gastou pouco mais de um milhão de euros (com precisão: 1 071 362 euros).
O PSD decidiu apostar forte nos comícios, mas nem assim ultrapassou o PS. A campanha de Rui Rio gastou 565 945 euros, o que significou um aumento de 212 202 euros (60%) face à despesa de 2019 nesta mesma rubrica. Só 79 faturas foram passadas em nome da empresa 29 Graus, uma “agência de entertainment, experiências e eventos” do grupo de João Tocha (F5C), o principal consultor que trabalhava com Rui Rio. Custo: 174 825 euros.
O valor avultado é justificado por comícios em cidades como Porto, Aveiro, Coimbra, Fundão, Leiria, Lisboa, Viana do Castelo, Viseu ou Évora. Além de gastos com iluminação, sons, motoristas e rendas, é possível ver quanto foi gasto com pessoal contratado para espectáculos: 24 907 euros.
O valor pago a artistas era habitualmente de 2 460 euros por comício, o que incluía o pagamento a dois atores (Carla Vasconcelos e Mário Bomba) que animavam a sessão num misto de stand up moderno e humor de inspiração rural. Em Évora, o gasto subiu para 4 489 euros, precisamente numa das cidades onde atuou o músico Emanuel, autor da música Pimba Pimba que deu nome ao estilo de música ligeira popular que a caracteriza. Durante o comício de Évora, Emanuel disse que “este homem [Rui Rio] vai chegar longe” e cantou, entre outras músicas, o êxito Ritmo do Kuduro.
Sem berros, com gatos, sem erros e com Emanuel. PSD acredita que vitória já não foge
Nos restantes partidos, os gastos foram mais comedidos nesta rubrica: o Chega ficou-se pelo 53 350 euros, a Iniciativa Liberal pelos 128 483 euros, o Bloco pelos 110 783 euros e a CDU pelos 56.393.
É lápis, é caneta, é o fim da campanha
Os brindes já não têm o peso de outros tempos, mas são uma espécie de desbloqueador de conversa (ou de simples contacto) durante as ações de rua. Se um político levar um brinde, como por exemplo um lápis ou uma caneta, a aceitação é muito maior por parte do eleitor. Os estrategas reconhecem que é “old-fashioned”, mas, ao mesmo tempo, que nunca deixou de estar atual.
O PS voltou a ser o partido que mais gastou em brindes: 171 214 euros, muito mais do que os 43 837 euros gastos pelo PSD (que reaproveitou muitas sobras de outras campanhas). Os tipos de elementos mais comuns são lápis e canetas, mas não são colocados limites à criatividade.
O Chega conseguiu ultrapassar o PSD nesta rubrica e, com uma despesa de mais de 115 mil euros, foi o segundo partido que mais gastou. Entre os brindes destacava-se um cachecol branco com o símbolo do Chega. Pelas campanhas foram sendo vistos abre-caricas, réguas, rebuçados, pen drives e, uma vez que a campanha foi em janeiro, fizeram sucesso os guarda-chuvas. Isto sem esquecer as máscaras, já que a campanha decorreu em janeiro e ainda com as apertadas regras da pandemia.
Há partidos que continuam a encarar os brindes como um gasto supérfluo e, simbolicamente, não tiveram qualquer gasto com esta rubrica, como foi o caso de Bloco de Esquerda e Livre. Além disso, partidos como IL (1948 euros), CDU (818 euros) e PAN (8826 euros) tiveram gastos muito pouco significativos.
Bastidores em vídeo. Como se desenham as campanhas de PS e PSD
Particularidades: a segurança de Ventura e os funcionários do PCP
Há gastos que mostram as particularidades de cada partido. O Chega de André Ventura, por exemplo, considera que existe uma ameaça real ao seu líder e por isso contratou três seguranças para todos os eventos de campanha. A empresa B Security — que tem como um dos mais conhecidos trabalhadores o antigo lançador do peso Marco Fortes — cobrou ao Chega 19 455 euros pela segurança em 25 eventos de campanha.
No caso da CDU, salta à vista outra rúbrica: os custos administrativos e operacionais. Os comunistas recorrem mais aos funcionários do partido do que a empresas externas, pelo que foram a segunda força política que mais gastou neste particular: 296 476 euros. Ficou à frente dos 167 622 euros gastos pelo PSD e apenas atrás 383 883 euros que o PS teve em custos administrativos. O Bloco de Esquerda também ficou à frente do PSD neste tipo de gastos, o que não acontece em nenhuma das outras grandes rubricas.
Só em “despesas com funcionários do PCP”, foram gastos 198 mil euros durante a campanha. A fatura foi passada em nome do partido, não ficando claro que se o dinheiro foi diretamente para pagar as horas extras desses trabalhadores entre 1 de outubro e 31 de janeiro ou se foi para os cofres do partido.
Ainda falta sair o relatório da Entidade das Contas sobre estes gastos e, mais tarde, o acórdão final, num processo que chega a demorar anos.