Ainda está fresca na memória a lembrança de um dos últimos Conselhos Nacionais, em janeiro, quando Luís Montenegro desafiou a liderança de Rui Rio e o partido se dividiu ao meio. Foram precisas muitas negociações à boca pequena, uma minuciosa contagem de espingardas que durou até ao derradeiro minuto e até um debate aceso sobre metodologia de votação (braço no ar ou voto secreto?). Rui Rio saiu dali com a liderança relegitimada e Luís Montenegro, o derrotado, saiu com o direito de dizer “eu avisei”.
Esta terça-feira à noite, em Guimarães, tudo indica que o PSD se prepara para uma noite parecida, pelo menos em termos de agitação política. Basta ouvir os lamentos dos críticos. Queixosos de que o próprio Rui Rio apenas participou por interposta pessoa no processo de negociação com as distritais para elaboração das listas de candidatos à Assembleia da República, vários são os líderes distritais e deputados afastados que afirmam agora ao Observador que vão à reunião dizer o que ainda não tiveram oportunidade de dizer, cara a cara, ao presidente do partido. “Quero perceber as razões que levaram o líder a conduzir um processo que tem servido para dividir ainda mais o partido e para conduzir o partido para o abismo. E se o que prejudica o partido prejudica o líder, ‘porquê? Para quê?'”, ouviu o Observador de um líder distrital.
Em causa está o facto de as reuniões da direção com as distritais, nas últimas semanas, terem sido encabeçadas pelo secretário-geral e por alguns vices de Rio, e nunca terem sido conclusivas. Outro líder distrital diz ao Observador que, em todas as reuniões, o secretário-geral anunciava que tinha de levar as informações dali saídas ao presidente do partido para receberem, ou não, luz verde.
Uma crítica que Rui Rio rebateu logo na entrevista que deu na semana passada ao Observador, onde rejeitou a ideia de estar a guardar o jogo para o fim para evitar movimentações de voto contra. “Não estou a conduzir isso porque, por norma, não é o presidente do partido que faz isso, mas o secretário-geral. Não deixo para o fim nada, muitas listas estão fechadas. É normal que quando se chega ao fim haja acertos para fazer”, disse Rio ao Observador.
Certo é que uma parte do jogo — tanto as listas de deputados como o programa eleitoral, que só esta terça-feira vai ser distribuído aos conselheiros — vai estar escondida até ao último minuto. Na véspera do Conselho Nacional, o secretário-geral do partido, José Silvano, diz ao Observador que as “listas de Lisboa e Porto ainda não estão fechadas”, estando apenas fechados os nomes que foram negociados com as respetivas distritais. Incógnitas há muitas. Os acertos, às listas e ao programa, vão ser feitos nas reuniões da direção que antecedem o Conselho Nacional (a reunião da Comissão Permanente, núcleo duro, é às 13h, a da direção mais alargada, a Comissão Política Nacional, é às 16h, e o Conselho Nacional às 21h).
Para já, o xadrez é jogado com pinças e a direção fará tudo para chegar à derradeira reunião, às 21h, com as contas a bater certo. Isto é, com a certeza de que a maioria dos 140 conselheiros com direito a voto vão votar a favor das listas e do programa eleitoral. E, desta vez, a votação será mesmo de braço no ar (isso ficou logo garantido no rescaldo do chamado ‘golpe de Estado’ de janeiro, na sequência de uma alteração aos estatutos).
Programa eleitoral. Em cima da hora e com novidades
“O programa está pronto, está a ser paginado”, respondeu ao Observador David Justino esta segunda-feira, explicando que na terça-feira os conselheiros terão o documento em mãos para o analisar e votar. A dúvida é se o programa vai ser impresso e distribuído ou se vai seguir por via digital para os conselheiros. Segundo explica o vice e coordenador do Conselho Estratégico, o objetivo foi evitar fugas de informação até ao último dia para o partido gerir a seu gosto a divulgação das propostas eleitorais. Missão cumprida: zero fugas de informação. Questionado sobre se os conselheiros, assim sendo, não vão ter pouco tempo para analisar o programa, David Justino admitiu que sim. “Acho que é pouco tempo, mas não havia grandes condições porque senão havia fugas de informação, e assim não houve”, disse.
Ao que o Observador apurou, para além dos capítulos da redução da carga fiscal, da agricultura, alterações climáticas e Saúde, que já foram conhecidos através de apresentações públicas com Rui Rio, também o capítulo da Justiça vai estar contemplado no programa eleitoral — embora esse não tenha sido alvo de uma apresentação pública. Mas isso não é problema para o coordenador do CEN, que diz serem bem conhecidas as visões de Rio para a Justiça. “Teremos propostas construtivas”, disse apenas.
Uma das novidades do programa vão ser as propostas do PSD para uma reforma do sistema político e eleitoral, com o partido a defender a “reconfiguração dos círculos eleitorais”, nomeadamente através de uma mistura entre círculos uninominais e plurinominais mais pequenos (os círculos eleitorais mais populosos deverão ser repartidos em círculos mais pequenos), e a “consideração do problema dos votos brancos”, que pode passar por uma redistribuição dos votos brancos ou por uma solução semelhante à das “cadeiras vazias” defendida por Rui Rio. Em todo o caso, a proposta que constará do programa eleitoral do PSD não será definitiva mas apontará para a necessidade de um consenso alargado nesta matéria.
O momento mais quente da noite
A aprovação das linhas gerais do programa eleitoral do PSD é o segundo ponto da agenda do Conselho Nacional que deverá começar com a eleição do novo vice-presidente da Comissão Política Nacional, José Manuel Bolieiro, escolhido para substituir Manuel Castro Almeida, que se demitiu da direção.
Mas não é em nenhum destes pontos que se prevê maior agitação. É precisamente no último ponto da agenda, quando se discutir o puzzle das listas de deputados que, até à véspera da reunião, tinha ainda muitas peças por mexer.
Esta segunda-feira, a Rádio Renascença avançou que Rodrigo Gonçalves, antigo presidente interino da concelhia de Lisboa, e até há pouco consultor de comunicação para as redes sociais do PSD, pode vir a integrar a lista de Lisboa (em 12º lugar) pela quota nacional. Rodrigo Gonçalves esteve ao lado de Rio nos dois embates do seu mandato e tem uma particularidade que o torna um potencial candidato diferente dos outros: foi condenado em 2015 por agredir um autarca de Benfica.
Como contrapartida, o nome de Ricardo Batista Leite, que, na atual legislatura, foi a voz de Rui Rio no Parlamento para a área da Saúde, poderá vir a cair. Outra incógnita é o nome de Luís Marques Guedes, histórico deputado que desde 1995 tem ido nas listas do PSD (à exceção de 2011, mas acabou por ir para o Governo), mas que desta vez deverá ficar fora. João Montenegro, ex-passista e ex-santanista que entretanto se posicionou ao lado de Rio no episódio do ‘golpe de Estado’, era um dos que Rio queria recompensar, mas não deverá ir na lista de Viseu por oposição da distrital e porque o cabeça de lista, Fernando Ruas, também se opôs veemente. O mesmo para Feliciano Barreiras Duarte, ex-secretário-geral do partido que Rio tentou pôr na lista de Leiria, mas que encontrou oposição total da distrital.
Os casos bicudos foram empurrados até à última. Depois de ter afirmado, em entrevista à TVI, que iria incluir críticos nas listas deputados, em entrevista ao Observador na passada quinta-feira Rui Rio recusou-se a apontar qualquer nome nessa situação, mas assegurou que as listas de candidatos a deputados do PSD “não estão a ser feitas numa lógica de quem foi crítico ou não”.
Pedro Pinto, líder da distrital de Lisboa, até foi um dos promotores do movimento anti-Rio em janeiro, mas vai estar em terceiro lugar na lista de Lisboa por indicação da distrital, que preside. E Duarte Marques, que não é particularmente alinhado com Rio, também deverá integrar o terceiro lugar na lista de Santarém, mas por finca-pé do vice-presidente Morais Sarmento.
Na entrevista da semana passada ao Observador, Rio resumiu assim o processo bicudo de elaboração das listas de deputados que obriga a um entendimento com as estruturas locais do partido: “Conseguir abrir o partido à sociedade é o que mais desejo, porque senão os partidos vão continuar a definhar. A própria estrutura partidária tem de perceber isto. Se não percebe, posso esforçar-me por explicar, mas não irei explicar 20 vezes”. Quais são, afinal, as peças do puzzle mais difíceis de mover e que vão estar em jogo esta terça-feira, na noite longa de Guimarães?
Os que não tiveram lugar nas listas (também conhecidos como “os mártires”)
Hugo Soares – Foi um dos nomes proposto pela estrutura de Braga, a par do nome de João Granja, mas ambos foram vetados pela direção de Rui Rio. A decisão foi comunicada à distrital pelo secretário-geral do partido, José Silvano, que terá dito que o chumbo dos nomes propostos acontecia por vontade do presidente do partido e por ratificação da comissão permanente. Em vez de Hugo Soares, a direção do PSD escolheu o atual vice-presidente da câmara de Braga, Firmino Marques, para ir no seu lugar.
Além do cabeça de lista escolhido por Rio, André Coelho Lima, a lista de Braga deverá englobar ainda nomes como o da atual deputada Clara Marques Mendes (irmã do comentador da SIC Luís Marques Mendes, muito crítico da atual liderança), ou Carlos Eduardo Reis, que detém 13 importantes votos no Conselho Nacional, que Rui Rio não se pode dar ao luxo de desperdiçar.
Maria Luís Albuquerque – O caso da ex-ministra das Finanças, a par do de Hugo Soares, foi dos que mais contribuiu para a criação da ideia de que há um “grupo dos mártires”, grupo de atuais deputados críticos da liderança de Rio que se deixaram ficar para serem corridos. O nome de Maria Luís foi indicado pela distrital de Setúbal, mas não só a direção nacional não aceitou como acabou por delegar a tarefa de elaboração da lista de Setúbal ao cabeça de lista, Nuno Carvalho, e ao número dois, o líder parlamentar Fernando Negrão — uma decisão que deixou a distrital em alvoroço por considerar que esses dois nomes não têm “legitimidade” eleitoral para escolher os candidatos a deputados por aquele círculo. “Quem é que diz que eles têm legitimidade para ordenar o distrito? Quem os legitimou? Não foram mandatados pelo distrito de Setúbal”, disse Bruno Vitorino ao Observador, defendendo que Negrão e Nuno Carvalho terão de ser “responsabilizados pelos resultados eleitorais” que o PSD obtiver no distrito de Setúbal.
Miguel Pinto Luz – Era a primeira indicação da distrital de Lisboa para a lista de deputados, mas numa das últimas reuniões a direção do PSD afirmou que, por indicação do presidente do partido, o ex-líder da distrital e atual vice da câmara de Cascais “não seria uma prioridade”. Ou seja, estava excluído. Ao Observador, José Silvano não confirma que outros nomes foram incluídos na lista, limitando-se a dizer que a lista de Lisboa ainda só tem definidos os nomes que foram negociados com a distrital, onde Pedro Pinto (líder distrital) aparece em terceiro lugar e Sandra Pereira em sétimo. Não há sinais de Pinto Luz.
Miguel Pinto Luz: “Não será um veto que me irá fazer recuar”
José Matos Rosa – Não entra exatamente no clube dos mártires, mas merece referência. O nome de José Matos Rosa, ex-secretário-geral de Passos Coelho, não foi um dos nomes indicados pela distrital de Lisboa, tendo sido apenas a terceira indicação da concelhia de Vila Franca de Xira, e é um facto que não aparece na lista. Este fim de semana, o Expresso noticiou o afastamento do ex-secretário-geral natural de Portalegre, mas como o Observador confirmou, o seu nome era apenas a terceira indicação de uma concelhia de Lisboa, não sendo uma indicação de primeira linha. No máximo, Rui Rio podia tê-lo repescado na quota nacional, mas não o fez, até porque não tem uma ligação particular com o atual deputado considerado próximo de Passos Coelho.
Ricardo Batista Leite – Foi o deputado que deu a cara pela comissão da Saúde nesta legislatura, tendo sido um dos escolhidos de Rui Rio para integrar o grupo de porta-vozes do Conselho Estratégico Nacional. Ou seja, era alinhado com a atual direção. Ainda assim, e apesar disso, Ricardo Batista Leite pode estar em risco de perder o lugar na lista de Lisboa para caberem outros nomes que Rui Rio quer lançar. É o caso de Rodrigo Gonçalves ou de Pedro Rodrigues.
As incógnitas. Rodrigo Gonçalves na lista de Lisboa?
Rodrigo Gonçalves – É um dos nomes mais controversos dentro do PSD e pode estar prestes a entrar na lista de Lisboa por indicação de Rui Rio. Tido em tempos como um dos maiores caciques de Lisboa, que domina um dos núcleos daquela distrital, foi o escolhido por Rio para dinamizar as redes sociais do PSD, tendo entretanto abandonado as funções por ser um dos visados no escândalo da criação de perfis falsos no Twitter. Em 2015, viu-se também envolvido num caso de agressões a um autarca da junta de Benfica, tendo sido constituído arguido. Agora, poderá entrar em 12º lugar na lista de Lisboa (em 2015, o PSD, sozinho, elegeu 13 nomes, sendo essa a meta que está a ser traçada).
Luís Marques Guedes – Ex-ministro de Passos Coelho, ex-vice do PSD e ex-secretário-geral, no tempo de Ferreira Leite, o nome de Luís Marques Guedes, que é deputado por Lisboa desde 1995, pode mesmo estar na corda bamba. Segundo a Rádio Renascença, Marques Guedes estava inicialmente na lista por Lisboa, em quinto lugar, mas a direção de Rio tentou que aceitasse ser número dois em Leiria, coisa que o candidato não aceitou. Ao Observador, José Silvano não confirmou nem que o nome tivesse estado na lista nem que tivesse deixado de estar, mas ao que tudo indica o nome saltou para a direção poder acomodar em lugar elegível o deputado Duarte Pacheco. Ao início desta semana, o nome continuava sem constar da lista.
João Montenegro – Ex-passista e ex-santanista, João Montenegro esteve ao lado de Santana nas diretas contra Rui Rio mas desde então tem estado ao lado de Rio e poderia agora ser recompensado por isso. A ideia era inclui-lo na lista de Viseu, mas esbarrou frontalmente contra a distrital e contra o próprio cabeça de lista, Fernando Ruas, que ameaçou demitir-se caso João Montenegro seguisse na lista em lugar elegível, empurrando Pedro Alves, líder da distrital, mais para baixo. Segundo José Silvano ao Observador, “neste momento”, o nome de João Montenegro “não consta”. Mas até ao lavar dos cestos é vindima.
Feliciano Barreiras Duarte – Foi afastado do cargo de secretário-geral pouco depois de ter chegado ao cargo, na sequência das notícias que davam conta de várias polémicas relativas às sua carreira académica e a ajudas de custo que recebeu como deputado. Agora, Rui Rio tentou voltar a inclui-lo na lista de Leiria, círculo a que pertence, mas também esbarrou na vontade da distrital. Resta saber quem ganha o braço de ferro.
Duarte Marques – Considerado um não-alinhado, Duarte Marques não foi indicado pelas estruturas locais de Santarém mas pode vir a ser uma imposição da direção nacional por vontade do vice Morais Sarmento. A última reunião da direção com a distrital deu provas disso mesmo, com uma discussão acesa entre o presidente da câmara de Santarém e Nuno Morais Sarmento, que foi apelidado de “padrinho” do atual deputado. Duarte Marques pode mesmo seguir em terceiro na lista.
Lista do Porto – A lista do Porto, por si só, é uma incógnita. À exceção do cabeça de lista escolhido por Rio, o jovem Hugo Carvalho, e à exceção do próprio Rui Rio, que segue em número dois, a distrital tem-se queixado a quem a quer ouvir de que a direção de Rio monopolizou os lugares da lista e pouco deixou para as estruturas. Mais: de um total de 18 concelhos do distrito, pouco mais de cinco estão a conseguir representação eleitoral. A distrital liderada por Alberto Machado não está contente, e nada garante que não vá chumbar a lista em pleno Conselho Nacional, se as suas reivindicações não forem ouvidas.
Os que saíram pelo próprio pé
Ao que tudo indica, Rui Rio vai excluir das listas de candidatos às próximas eleições pelo menos 59 dos 89 deputados que atualmente representam o PSD no Parlamento. As contas foram feitas pelo Jornal de Notícias, que diz ainda haver 14 deputados sociais-democratas em dúvida. Só 16 dos atuais deputados estão, para já, garantidos nas listas do PSD. A renovação vai ser, por isso, muita. Mas além dos que se deixaram ficar para depois verem as distritais a indicar os seus nomes e a direção nacional a chumbá-los, outros houve que, à medida que a legislatura se aproximava, iam anunciando a sua saída pelo próprio pé. Com mais ou menos estrondo.
Foi o caso de Teresa Morais, que anunciou a saída dizendo que não queria “ter rigorosamente nada a ver com quem está a definhar o meu partido, a excluir em vez de acrescentar, a tornar o PSD num partido ‘maneirinho e homogéneo’”. Para a ex-secretária de Estado de Passos Coelho, o partido de Rui Rio é “mediano e ideologicamente puro”, sendo um partido onde “só cabem amigos e acólitos subservientes”, não sendo esse o partido onde se revê. Também nomes como Paula Teixeira da Cruz, José Matos Correia, António Leitão Amaro, Manuel Frexes ou Maurício Marques saíram antecipadamente do primeiro plano do partido, na maior parte dos casos por não se reverem na lógica da atual liderança.
“Não quero ter nada a ver com quem está a definhar o meu partido”. Críticos saem ou esperam para ver