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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Quando aquilo se deu, fugi. Mas ele quis tirar a máquina e já não teve tempo". Entrevista a um dos trabalhadores da pedreira

Joaquim estava na pedreira quando a estrada ruiu, há mais de uma semana. Ao Observador, conta como foi e diz que "há muito tempo" falou-se no risco, mas "ficou-se sem saber nada".

Sente-se “doído por dentro”. No rosto, as rugas vincadas pelos 22 anos de trabalho em pedreiras. Joaquim Saragoza, de 55, já viu alguns acidentes acontecerem à sua frente, mas nunca “uma coisa assim tão grande”. Há dias em que não consegue dormir. “Um gajo fica com isto metido na cabeça”, admite. Era um dos seis operários que se encontravam naquela zona da pedreira quando a derrocada aconteceu. Assim que se apercebeu que a estrada ia cair sobre si, fugiu. Um dos colegas, Gualdino Pita, começou por fazer o mesmo, mas um impulso levou-o voltar para trás: queria salvar também a retroescavadora, onde viria a ser encontrado morto, no dia seguinte.

Foi também Joaquim que ajudou a retirar o corpo do colega da retroescavadora. “Fui eu que liguei o cabo da grua para o tirar de lá”. Conhecia-o desde que foi trabalhar para aquela pedreira, há 16 anos. Passou mais de uma semana desde que a estrada nacional 255 desabou sobre a pedreira onde Joaquim e outros cinco operários trabalhavam. Quatro conseguiram fugir. Dois ficaram soterrados e já foram retirados: Gualdino Pita de 49 anos e João Xavier, de 58. Depois da tragédia, Joaquim continuou a lá ir, para ajudar os bombeiros — “Conheço bem aquilo”, garante –, todos os dias, das 8h às 17h. Na terça-feira, no dia seguinte à derrocada, saiu mais cedo para ir ao funeral do colega. Depois, contou ao Observador o “terror” que viveu nos minutos em que a estrada ruiu.

Joaquim Saragoza era um dos seis trabalhadores que estavam na zona da pedreira quando a estrada ruiu (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Era um dia de trabalho normal, para si?
Sim. Entrei às 8h da manhã. Estava a trabalhar com o martelo, no piso de cima, com o mestre e o rapazito [Gualdino Pita] que morreu dentro da máquina. Estava mesmo ao lado dele. Estávamos a trabalhar ao pé da retroescavadora.

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Viu a estrada a ruir?
Sim. Primeiro caiu uma parte e depois é que caiu outra. Primeiro a parte da pedreira que está desativada e depois a nossa. Ouvimos um barulho e ficámos sem saber o que era e o que não era.

Quando é que se apercebeu da derrocada?
Quando vimos a água toda no ar — uma coisa enorme, parecia um tsunami. Ficámos ali parados sem saber o que havíamos de fazer. Os nosso colegas que estavam do lado de lá começaram aos gritos para a gente fugir.

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E fugiu?
Quando aquilo se deu, fugi logo e disse-lhes para fugirem. O mestre já tinha fugido, já tinha abalado. Depois abalei eu. Mas o meu outro colega quis tirar a máquina e voltou para trás. Já não teve tempo. Ainda o vi a vir atrás de mim, mas depois lembrou-se da máquina e voltou para trás. Só tive tempo de me esconder. Fugi pela rampa por onde os bombeiros estão agora a descer.

Olhou para trás à procura do seu colega?
Quando olhei, já ele estava a subir para dentro da máquina. Depois, aquilo passou. Já não havia mais nada. Fui ver os meus colegas. Ficaram lá só dois: um ficou dentro da máquina, onde ela está agora, e o outro está lá debaixo das pedras ainda. A retroescavadora foi arrastada e caiu dois pisos para baixo do sítio onde estava.

O corpo de Gualdino Pita, de 49 anos, foi retirado esta terça-feira da retroescavadora (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Porque havia mais pessoas na pedreira, noutros pisos.
Sim, o outro rapaz que morreu estava na parte de baixo, três pisos mais abaixo de nós, onde está agora a água. Antes não havia água nenhuma. A água veio depois da derrocada, saltou para ali. Do nível da água até ao fundo tem cerca de seis metros. Nesse piso, estavam lá três colegas. Dois conseguiram fugir e meter-se ali para um buraco. Eles nem sabem para onde se meteram. Um mandou-se para um buraco onde está a bomba agora a tirar a água. As pedras não calharam ir para aquele lado. Só o outro é que não conseguiu. Está lá debaixo das pedras ainda. Fazia ontem 58 anos.

Apercebeu-se dos carros que caíram?
Já tinha abatido a estrada quando os carros caíram. Não conseguiram travar. Só vi cair o segundo carro — um Opel Astra ou o que era. Dizem que uma pessoa àquela distância não consegue ver a marca do carro. Assim que caiu, nunca mais se viu. Até hoje. É que, depois dos carros, ainda caiu muito entulho. Do nível da água para baixo, tem aí uns 50 metros.

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Quando é que conseguiu falar com os seus familiares?
O meu telefone não dava. Ficou sem rede lá em baixo. Ficaram todos preocupados. Só consegui falar com eles quando cheguei à vila.

Já voltou à pedreira?
Fui lá ontem tirá-lo [ao colega] de dentro da máquina. O corpo estava à vista. Foi só tirá-lo. Teve de se levantar a cabine da máquina. Fui eu que liguei o cabo da grua para o tirar de lá. Todos os dias, às 8h da manhã, estou lá. Tenho andado a ajudar os bombeiros. Conheço bem aquilo.

Joaquim Saragoza trabalha há 16 anos na pedreira onde a estrada ruiu, embora trabalhe há 22 anos na área (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Vai conseguir a continuar a trabalhar lá?
Sim, então, se aquilo continuar. Vou para onde? Se for com medo, não me governo. Quando se entra para o fundo da pedreira, a gente fica em risco. Não com uma coisa destas assim: mas ou uma pedra de um lado ou um cabo ou uma peça que se solta. Está-se sempre em risco.

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Já se tinha ouvido falar sobre a possibilidade de uma derrocada? Nunca teve medo que algo pudesse acontecer?
Aí há muito tempo tinham falado. Mas isso… ficou-se sem saber nada. A gente sabia que umas pedras podiam cair mas era do outro lado, longe de nós. Nunca tive medo. E, como a vida está tão difícil, temos de nos governar em algum lado, não é? Se não for trabalhando, não comemos, não pagamos a renda. Mas não esperávamos que era uma coisa assim tão grande.

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