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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A história dos dois cunhados arrastados pela derrocada, contada por quem os viu cair

José e Carlos não conseguiram parar a carrinha a tempo. O condutor que seguia atrás deles ficou a 7 metros da queda. Só percebeu depois que os conhecia: "Ia lá um colega meu que entrava hoje às 7h".

Gertrudes já não conseguia disfarçar a aflição. Cinco da tarde de segunda-feira, saiu porta fora para despejar o lixo. Ou, talvez, para procurar algum vizinho que quisesse ouvir-lhe as preocupações. Encontrou: “Ai, estou a tremer toda. Ai, não sei, ele não me aparece“. Àquela hora, já tinha visto as notícias na televisão: um troço da antiga estrada nacional 255, que liga Borba a Vila Viçosa, tinha desabado e caído no poço da pedreira. “Ai, o Zé foi a Borba. Ai, o Zé foi a Borba. O Zé passou naquela estrada”, disse à vizinha que acabou por encontrar e que relata a conversa ao Observador.

José Rocha — ou o Zé Algarvio, como é conhecido em Bencatel, freguesia de Vila Viçosa — é uma das três pessoas dadas como desaparecidas por familiares que acreditam que os seus maridos, irmãos, pais ou tios estariam naquela estrada no momento em que o piso cedeu. Foram à GNR comunicar isso mesmo: acreditam que podem ser eles as vítimas que a Proteção Civil procura, submersas na água da chuva que se acumulou no fundo da pedreira. A água, tão turva como está, não permite tirar essa dúvida — os veículos que lá podem ter caído, como as próprias autoridades admitem, não se veem. Ainda assim, Gestrudes acredita que tem lá o marido e o irmão, Carlos Andrade, de 30 e poucos anos, que seguia com José numa carrinha cinzenta.

Duas viaturas terão sido arrastadas com o deslizamento de massas para o poço da pedreira (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Tinham almoçado juntos, os três, horas antes. José Rocha, de 53 anos, aproveitou, depois, para dormir a sesta, enquanto a mulher fazia uma limpeza à casa. Deixou-lhe um pedido: “Se me deixar dormir, chama-me lá para as quatro horas, que eu tenho que ir lá a Borba e levo o teu irmão comigo”. Não foi preciso. O marido acordou antes do que era suposto e seguiu caminho.

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Dono de uma empresa de comercialização de mármores, ia ao contabilista. “Devem-lhe muito dinheiro”, explicou ao Observador Maria da Conceição, uma vizinha do casal que esteve “toda a manhã” com os familiares dos dois desaparecidos. O marido dela, conta, era o melhor amigo do Zé Algarvio.

José ligava a Gestrudes frequentemente quando não estava perto dela. “Quando ia para o Norte, por causa da empresa, telefonava-lhe sempre. Às vezes, quando chegava a hora de almoço, ligava-lhe a dizer: ‘Olha, Gertrudes, estou aqui a almoçar””, explica Maria da Conceição. Vai-se atropelando nas palavras. “Desculpe lá, eu estou nervosa”, justifica. Esta segunda-feira, a chamada habitual do marido não chegou. “Ela tentava ligar-lhe, mas ele tinha o telemóvel desligado. Já lá estava…”, aponta, encolhendo os ombros e contendo as lágrimas.

Maria da Conceição vive em Bencatel desde que nasceu e conhecia as vítimas do acidente (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Tive muita sorte. Dois segundos teriam sido suficientes para…”

A temer o pior, mas incapaz de aceitar a certeza da perda do marido, José, e do irmão, Carlos, Gertrudes continua na incerteza. Mas, aos olhos do condutor que seguia naquela estrada, atrás da carrinha cinzenta, no momento da derrocada, a dúvida já não existe. “Vi-a cair lá para baixo. Ia lá um colega meu de trabalho que entrava hoje [terça-feira] às sete”, conta o funcionário do supermercado em Vila Viçosa onde Carlos Andrade trabalhava.

Na segunda-feira, Fábio (nome fictício desse funcionário, que prefere não ser identificado) passou naquela mesma estrada, como fazia todos os dias, a caminho do trabalho. Ficou a sete metros do sítio onde o piso desabou. “Tive muita sorte”, explica ao Observador. “Creio que dois segundos teriam sido o suficientes para...”, diz, sem conseguir terminar a frase.

Lembra-se de ver a tal carrinha cinzenta, à frente dele, “desesperadamente a tentar travar”. Não foi suficiente. Ainda dentro do carro, ouviu o barulho da carrinha a bater, à medida que ia caindo, contra a mármore das paredes da pedereira e, finalmente, na água acumulada no poço. “Saí do carro, fui espreitar e só se via água lá em baixo. E nunca mais se viu a carrinha. Até hoje”, recorda. Estava sozinho na estrada. Ficou alguns segundos, talvez minutos, a “espreitar” lá para baixo. “Quando fui espreitar, pareciam-me pequenas explosões de água. O senhor atrás de mim fez-me sinal e então tive consciência”, recorda.

Até ao momento, apenas o corpo de Gualdino Pita, um dos operadores da retroescavadora, foi retirado (DIOGO VENTURA/OBSERVADOR)

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Na altura em que viu a carrinha a cair à sua frente, não sabia que lá dentro seguia o seu colega se trabalho. “Mas, à tarde, começou a comentar-se que quer um quer outro não atendiam o telefone — o que era muito estranho — e a carrinha coincidia com a descrição”, recorda. Eram várias as coincidências. “Ontem já havia poucas dúvidas. Hoje já se confirmou”, acrescentou. Depois do que viu, Fábio fez inversão de marcha e rumou ao trabalho, por um caminho diferente.

“Lá para a noite…”, começa Maria da Conceição, vizinha da família, antes de se esquecer o que ia dizer. “Tenho de falar mais devagar, que a minha cabeça não está a funcionar”, diz, questionando em voz alta: “Se eu assim estou, como estarão as famílias?”. Retoma: “Foram ao local”. Gertrudes e as duas filhas foram até à pedreira junto à antiga estrada nacional 255, desconfiadas de que seria ali que o familiar se encontrava. Não a deixaram ultrapassar o perímetro de segurança já instalado àquela hora, mas disseram-lhes: uma carrinha cinzenta de caixa aberta tinha caído. “Pronto, ela soube logo que era o marido. Até hoje”, lamenta Maria da Conceição.

Três pessoas da região estavam dadas como desaparecidas. Dois deles são cunhados e viviam em Bencatel (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Buscas poderão demorar semanas. A mãe de Carlos nunca saberá que o filho morreu

Até ao momento, apenas o corpo de Gualdino Pita foi retirado da zona da derrocada. Funcionário da pedreira, de 49 anos, trabalhava ali há mais de 15, mas só recentemente foi também viver para Bencatel. As restantes vítimas — não se sabe com certeza quantas — continuam soterradas ou submersas. José Ribeiro, comandante do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Évora, explicou, num ponto de situação esta terça-feira, que, depois de ter sido resgatado o corpo do operador da retroescavadora, continuam as operações de resgate. Os bombeiros procuram, para já, resgatar também João Xavier, de 58 anos, natural de Pardais, freguesia de Vila Viçosa, que seguiria com o colega no mesmo veículo de trabalho. Os dois trabalhadores são, para já, as duas únicas vítimas mortais que as autoridades dão como confirmadas, depois da certeza, dada pela empresa, de que estavam naquele local na altura da derrocada.

Os relatos feitos do acidente levam a crer que, além da retroescavadora, outras duas viaturas “terão sido arrastadas com o deslizamento de massas e onde se supõe que, no conjunto, possam estar três pessoas”, explicou o comandante das operações. Durante a tarde de terça-feira, a GNR revelou que três pessoas da região estavam dadas como desaparecidas pelos familiares: dois homens de Bencatel — os cunhados que seguiam na carrinha cinzenta — e um homem de 85 anos, do Alandroal, que teria ido, na tarde de segunda-feira, a Vila Viçosa, e que seria o único ocupante de um veículo ligeiro.

Os moradores de Bencatel compreendem que ainda terão de esperar semanas para poderem velar o corpo dos familiares e amigos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

As famílias dos desaparecidos balançam entre a quase certeza e uma réstia de esperança. Apesar da ansiedade natural, os moradores de Bencatel ouvidos pelo Observador compreendem que é possível que tenham esperar dias, ou até semanas, para poderem velar os corpos dos familiares e amigos. Todos os passos são delicados, levam tempo e exigem cuidados redobrados. Foi isso, aliás, que explicou o comandante da Proteção Civil, José Ribeiro, que reforçou que as circunstâncias em que decorrem os trabalhos são muito complexas: “O perímetro é muito instável, com elevado risco de deslizamento de massas, que se foi verificando ao longo do dia e que foi agravada com a precipitação que ocorreu durante a tarde.”

Não por acaso, depois da visita de 15 minutos que fez ao local, o Presidente da República deixou uma mensagem principal: É preciso ter “paciência” porque o risco para as operações de resgate exige “bom senso” no plano para retirar as vítimas daquele local.

Cedo ou tarde, e caso se confirme que os dois cunhados seguiam na carrinha arrastada pela derrocada, a mãe de Carlos nunca saberá que o filho morreu. Tem alzheimer e a família optou por não lhe contar. Alguns moradores de Bencatel, reunidos à frente da porta da Associação Recreativa Bencatelence, duvidam, porém, que a mulher nunca descubra. Acreditam que vai acabar por sentir a sua falta e perguntar por ele. Se não for por mais, será pelo hábito: [O Carlos] costuma receber a mãe no centro de dia às sete horas. Na segunda-feira, não apareceu.”

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