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Dez dias. Foi quanto o governo ucraniano, a braços com a invasão russa, demorou a preencher o longo e complexo questionário que lhe tinha sido entregue no início do mês pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. As muitas perguntas do documento têm um objetivo: conhecer a fundo o regime ucraniano e começar a desenhar um retrato pormenorizado do país com vista à possível abertura das negociações de adesão à União Europeia (UE), um desejo antigo da Ucrânia (que já assinou um acordo de associação com a UE, que esteve no centro da revolução de 2014) e agora reforçado por Volodymyr Zelensky durante a invasão da Rússia. O questionário voltou a Bruxelas ainda antes de o mês acabar, marcando o ritmo de uma adesão que tanto Zelensky como von der Leyen já deram sinais de quer que seja concretizada no mínimo tempo possível.
Mas, afinal, em que ponto está o processo? Quais as perspetivas para a adesão? O Observador procura respostas a sete perguntas fundamentais num processo político central nesta guerra.
Zelensky já devolveu o questionário a Bruxelas. Isto significa que a Ucrânia está quase a entrar na UE?
Não. Longe disso, até.
O processo continua ainda no início e, mesmo que de ambos os lados haja o compromisso de conduzir o processo com a maior rapidez possível, o caminho que falta percorrer é ainda muito longo.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, encontrou-se na segunda-feira em Kiev com Matti Maasikas, o diplomata estónio que lidera a delegação da União Europeia na Ucrânia, e entregou-lhe em mãos um longuíssimo questionário já preenchido, que representa um passo fundamental no caminho negocial que poderá levar a Ucrânia a aderir à União Europeia.
O questionário tinha sido entregue, também em mãos, a Volodymyr Zelensky pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, exatamente dez dias antes, a 8 de abril, quando von der Leyen visitou Kiev. O preenchimento deste questionário por parte do governo ucraniano é essencial para que Bruxelas possa avaliar se a Ucrânia cumpre ou não os complexos critérios de adesão à UE — e para que sejam identificadas as reformas que Kiev precisa de implementar antes dessa adesão.
Nessa visita, Ursula von der Leyen foi generosa nas palavras que dirigiu a Zelensky. “Estamos convosco quando sonham com a Europa”, disse a líder do executivo europeu. “Volodymyr, a minha mensagem hoje é muito simples: a Ucrânia pertence à família europeia. Ouvimos claramente o vosso pedido. Hoje, estamos aqui para te dar uma primeira resposta positiva. Neste envelope, caro Volodymyr, está um passo importante rumo à pertença à UE. O questionário que aqui está é a base para a nossa discussão nas próximas semanas. É onde o vosso caminho rumo à UE começa.”
Além disso, a presidente da Comissão Europeia garantiu também que o processo de adesão da Ucrânia à UE será mais rápido do que o habitual, o que se começará a notar já nesta primeira fase, em que a Comissão Europeia deve emitir um parecer inicial: “Não será, como habitualmente, uma questão de anos até estar formada esta opinião, mas uma questão de semanas, se trabalharmos em conjunto.”
Quando recebeu o envelope com o questionário, Zelensky garantiu que não seria Kiev a motivar qualquer atraso: “Teremos as respostas prontas numa semana, Ursula.”
Não foi uma semana, mas foram dez dias. “Hoje, é um dos passos para o nosso país aderir à União Europeia, uma aspiração pela qual o nosso povo anseia e luta”, disse Zelensky durante o encontro com o diplomata europeu. “Acreditamos que vamos ter apoio e tornar-nos um país candidato à adesão. Aí vai começar o próximo passo, o passo final. Acreditamos fortemente que este procedimento vai ocorrer nas próximas semanas e que será positivo para a história do nosso povo, dado o preço que pagou no caminho rumo à independência e à democracia.”
Também Matti Maasikas se mostrou confiante na rapidez do processo. “Mais um passo no caminho da Ucrânia rumo à UE”, escreveu no Twitter, dizendo-se “honrado ao receber de Volodymyr Zelensky as respostas ao questionário da Comissão Europeia, entregue há dez dias por Ursula von der Leyen”. Para “tempos extraordinários”, disse Maasikas, exigem-se “passos extraordinários e uma velocidade extraordinária”.
Another step on Ukraine's EU path. Honoured to receive from @ZelenskyyUa the answers to @EU_Commission questionnaire, handed over by @vonderleyen only 10 days ago. Extraordinary times take extraordinary steps and extraordinary speed. @Denys_Shmyhal @StefanishynaO @AndriyYermak pic.twitter.com/UaNPOrhPST
— Matti Maasikas (@MattiMaasikas) April 18, 2022
Apesar das promessas de rapidez dadas por Kiev e pela líder do executivo europeu, o que é certo é que o processo vai demorar, uma vez que implica um conjunto de negociações longas e complexas — e, sobretudo, a aprovação unânime de todos os Estados-membros da UE em cada um dos muitos passos que ainda é necessário dar.
Como funciona o processo para decidir quem entra e quem fica de fora da UE?
O processo de adesão de um país à União Europeia é longo, complexo e cheio de obstáculos pelo caminho. Contudo, a União Europeia é clara quando diz que qualquer país europeu pode candidatar-se à adesão. “Qualquer país que satisfaça as condições de adesão pode candidatar-se”, lê-se na página que explica os detalhes da entrada de um novo Estado-membro no bloco europeu. “Estas condições são conhecidas como ‘critérios de Copenhaga’ e incluem uma economia de mercado funcional, uma democracia estável, o Estado de direito e a aceitação de toda a legislação da UE, incluindo o euro.”
Ucrânia quer aderir à UE. Quais são os perigos e resistências?
Depois, entrar na União Europeia implica aceitar e adotar tudo aquilo que os Estados-membros negociaram desde a criação do bloco europeu na década de 1950. É o chamado aquis communautaire, ou “acervo comunitário”, uma longuíssima compilação documental que inclui:
- Os conteúdos, princípios e objetivos políticos dos tratados que regem o funcionamento da UE;
- A legislação adotada no âmbito dos tratados e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, o supremo tribunal da UE;
- As declarações e resoluções adotadas pela União Europeia;
- Os instrumentos adotados ao abrigo da política comum de negócios estrangeiros e segurança;
- Os instrumentos adotados ao abrigo da política de justiça e assuntos internos;
- Os acordos internacionais celebrados pela União Europeia e os acordos celebrados pelos Estados-membros, entre si, dentro da esfera das atividades da União.
Na prática, um país que queira aderir à União Europeia deve aceitar e adotar tudo aquilo que ao longo das décadas foi acrescentado ao Jornal Oficial da UE, uma espécie de Diário da República com toda a documentação oficial do bloco comunitário e que rege cada detalhe da vida da União Europeia. São dezenas de milhares de páginas que têm de ser transpostas para a legislação nacional do país em questão, desde os assuntos mais estruturais (como o Estado de direito e o funcionamento das instituições democráticas) aos mais quotidianos (como as regras para os rótulos das embalagens), passando, naturalmente, pela política económica e monetária associada à entrada futura no espaço do euro.
Para que o país candidato esteja totalmente em conformidade com o acquis communautaire, é necessário um longo e complexo processo de negociação em que, na verdade, os conteúdos do acervo comunitário não são negociáveis. Como explica a UE, o que é negociado são “as condições e o calendário da adoção, implementação e aplicação por parte do candidato das atuais regras da UE”. Tudo isto é negociado através de um processo longo e por etapas, dividido em 35 áreas temáticas que abrangem todo o acquis. Estas áreas são negociadas por uma ordem definida e um dossiê só é aberto quando o anterior fica definitivamente fechado — e, para encerrar um dossiê, é preciso a aprovação por unanimidade de todos os Estados-membros da UE.
Conclusão: cumprindo-se tudo o que está estipulado na lei europeia, não há maneira de o processo de adesão ser concluído em poucas semanas. Em suma, no caminho da Ucrânia rumo à pertença à UE, podemos encontrar nove fases e a Ucrânia ainda se encontra na terceira:
- Um país que pretende aderir à União Europeia submete um pedido formal ao Conselho da UE. Foi isso que a Ucrânia fez a 28 de fevereiro, quatro dias depois da invasão russa, quando Volodymyr Zelensky assinou e remeteu para Bruxelas o pedido formal de adesão à UE.
- O Conselho da UE (composto pelos governos de todos os Estados-membros) recebe o pedido, reflete sobre ele e, de seguida, pede à Comissão Europeia que avalie a compatibilidade entre o país requerente e as condições de adesão à UE. Foi o que aconteceu a 11 de março, quando o Conselho, reunido em Versalhes numa noite descrita como “histórica”, encarregou a Comissão de preparar esse parecer.
- A Comissão prepara o parecer sobre a compatibilidade entre o país e as condições de adesão, num processo que implica um contacto permanente com o governo do país em questão. No caso ucraniano, em 8 de abril, Ursula von der Leyen visitou Kiev e entregou a Volodymyr Zelensky o longo questionário a que o governo ucraniano teria de responder para que Bruxelas começasse a traçar um primeiro retrato da Ucrânia com vista à adesão. Em 18 de abril, Kiev afirmou que já tinha entregue esse questionário, preenchido, a Bruxelas, passando a bola para o lado da União Europeia. É nesta fase que o processo ucraniano ainda se encontra — mas ainda falta muito caminho.
- Com base em todas as informações recolhidas junto da Ucrânia, a Comissão vai preparar um relatório final que será apresentado ao Conselho da UE. Esse relatório analisa o país em várias áreas, incluindo o sistema de leis, a organização do regime, a implementação do Estado de direito, a disponibilidade para adaptar o funcionamento do Estado às normas da UE, etc. O relatório inclui uma recomendação ao Conselho, que pode ir num de dois sentidos: abrir as negociações formais (se o país for considerado pronto a aderir à UE) ou exigir o cumprimento de determinadas condições por parte da Ucrânia antes de as negociações formais serem abertas.
- Recebido o relatório da Comissão Europeia, o Conselho da UE pode atribuir oficialmente o estatuto de país candidato ao país em questão, determinando que podem ser abertas as negociações formais com vista à adesão. Esta decisão tem de ser tomada por unanimidade por todos os governos da União Europeia (poderá estar aqui o primeiro grande desafio na adesão da Ucrânia à UE). A declaração do estatuto de país candidato não significa, de todo, que a adesão esteja para breve. O caso mais paradigmático é a Turquia, que recebeu esse estatuto em 1999. Em 2005, a Macedónia do Norte foi formalmente declarada país candidato. O mesmo aconteceu com Montenegro em 2010, com a Sérvia em 2012 e com a Albânia em 2014. Ainda assim, a atribuição do estatuto oficial de país candidato poderá ser benéfica para a Ucrânia: durante este período em que decorrem as negociações, o país terá de começar gradualmente a implementar reformas que o aproximem da compatibilização com as normas europeias, mas poderá receber ajuda financeira nesse processo.
- Atribuído o estatuto de país candidato, são abertas as negociações formais entre a União Europeia e a Ucrânia, tendo de ser negociados detalhadamente todos os pormenores da adesão do país — que terá de se adaptar a todas as regras comunitárias, em 35 temas organizados em seis áreas temáticas: questões fundamentais; mercado interno; competitividade e crescimento inclusivo; agenda verde e conetividade sustentável; recursos, agricultura e coesão; relações externas.
- As negociações são conduzidas com base num quadro negocial preparado pela Comissão Europeia e aprovado por todos os Estados-membros. Durante o processo negocial, o país candidato vai modificando gradualmente a sua legislação e o funcionamento das suas instituições, de modo a estar preparado para implementar as regras comunitárias no momento da adesão. Em cada um dos capítulos negociados, é necessária a unanimidade de todos os Estados-membros na confirmação de que o país candidato cumpre os requisitos.
- No fim das negociações, a Comissão Europeia emite um parecer sobre a adequação do país candidato aos critérios de adesão. Com base nesse parecer, os Estados-membros determinam o encerramento formal das negociações. O Parlamento Europeu pronuncia-se depois, tendo de dar parecer favorável no sentido de validar tudo o que foi negociado.
- Por fim, é assinado o Tratado de Adesão entre a Ucrânia e todos os Estados-membros da UE, onde todas as partes concordam nos detalhes da adesão do país à UE, incluindo as reformas necessárias e a data de entrada. Até essa data, o país torna-se um país em adesão. Nesse período intermédio, antes de se tornar um membro de pleno direito da UE, o país em adesão beneficia de um estatuto especial em que já pode ter acesso e dar parecer, não vinculativo, sobre as propostas, comunicações, recomendações e iniciativas comunitárias, além de já ter um estatuto de “observador ativo”, ou seja, podendo pronunciar-se, mas não votar, nas agências e organizações da UE.
A que regras é preciso atender para ser membro da União Europeia?
Em primeiro lugar, antes de qualquer negociação ser iniciada e antes sequer de ser considerado um candidato, um país que queira aderir à União Europeia tem de respeitar os chamados “critérios de Copenhaga”, assim chamados por terem sido fixados na cimeira do Conselho Europeu que decorreu em junho de 1993 na capital dinamarquesa. Esses critérios estão resumidos num parágrafo único do documento final de que constam as conclusões da cimeira de Copenhaga:
“A adesão exige que o país candidato disponha de instituições estáveis que garantam a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos, o respeito pelas minorias e sua proteção, bem como uma economia de mercado em funcionamento, e capacidade para responder à pressão da concorrência e às forças do mercado dentro da União. A adesão pressupõe a capacidade dos candidatos para assumirem as obrigações dela decorrentes, incluindo a adesão aos objetivos de união política, económica e monetária.”
As conclusões de Copenhaga acrescentam ainda que “a capacidade da União para absorver novas adesões, mantendo simultaneamente a dinâmica da integração europeia, constitui também um importante fator de interesse geral tanto para a União como para os países candidatos”.
Cumpridos estes pré-requisitos, as negociações centram-se, depois, em torno do acquis communautaire, composto por 35 capítulos que incluem assuntos tão variados como a livre circulação de bens, pessoas e capitais, o direito comunitário, a justiça, os impostos, a comunicação social, a ciência, a educação, a cultura, a energia, os transportes, a alimentação, as pescas, a agricultura, entre outros assuntos. Se todos os Estados-membros concordarem — e, aqui, a unanimidade é mesmo fundamental — que o país candidato cumpre escrupulosamente todas as condições para pertencer à UE e está preparado para transpor para a sua legislação as normas europeias, então a Ucrânia poderá assinar um tratado de adesão com os países da UE.
Quanto tempo pode demorar este processo?
“Tornar-se membro da UE é um procedimento complexo que não acontece do dia para a noite”, esclarece a União Europeia. “Assim que um país requerente cumpre as condições para a adesão, tem de implementar as regras e regulamentos da UE em todas as áreas.”
Na verdade, apesar de o debate em torno da possível adesão da Ucrânia à UE estar a ser levado a cabo como se o processo pudesse estar concluído nas próximas semanas, estamos a falar de processos que não demoram dias, semanas ou meses: trata-se, na verdade, de uma negociação com potencial para durar vários anos, provavelmente uma década. Basta olhar para o que tem sido a história dos alargamentos da União Europeia para concluir que dificilmente um processo destes pode ser concluído em menos de um par de anos.
Por exemplo, o último país a entrar na UE foi a Croácia, em 2013. Mas o processo começou muito antes. O pedido formal de adesão à UE foi feito pela Croácia em fevereiro de 2003; a Comissão Europeia aprovou-o mais de um ano depois, em abril de 2004; em junho de 2004, a Croácia recebeu o estatuto de país candidato; as negociações formais de adesão começaram em 2005 e o último capítulo negocial só foi fechado em 2011. Finalmente, em dezembro de 2011, foi assinado o tratado de adesão, que entrou em vigor em 1 de julho de 2013, data a partir da qual a Croácia passou a ser um Estado-membro de pleno direito da UE. Feitas as contas, passaram dez anos entre o pedido formal de adesão e a entrada do país na UE.
Mas o caso da Croácia está longe de ser único. O alargamento anterior, em 2007, tinha aberto a porta de entrada na UE à Roménia e à Bulgária. Em ambos casos, o pedido formal de adesão tinha sido feito em 1995, as negociações tinham durado entre 1998 e 2004 e a adesão decorreu em 2007 — ou seja, cerca de 12 anos para todo o processo.
O grande alargamento de 2004, no qual entraram dez novos Estados-membros, também foi um processo muito longo. Os pedidos formais de adesão à UE foram apresentados ainda durante a década de 1990: Chipre e Malta em 1990; Polónia e Hungria em 1994; Estónia, Letónia, Lituânia e Eslováquia em 1995; República Checa e Eslovénia em 1996. As negociações decorreram entre 1998 e 2002 e a adesão foi finalmente consumada em 2004. Olhando em conjunto para os casos dos dez países, o processo durou em média dez anos entre o pedido e a entrada na UE.
Antes disso, em 1995, a entrada da Áustria, Suécia e Finlândia tinha sido mais célere. No caso da Áustria, o pedido foi feito em 1989, as negociações decorreram entre 1993 e 1994 e a entrada do país na UE deu-se em 1995, totalizando apenas seis anos entre o pedido e a adesão. Na Suécia, o pedido foi feito em 1991 (quatro anos no total) e, na Finlândia, o pedido chegou em 1992 (três anos de processo no total). Nestes casos, contudo, o cumprimento dos pré-requisitos e a compatibilização com os critérios de Copenhaga foi mais expedita, uma vez que se tratava de países com economias abertas, já próximos da economia europeia — e havia o interesse por parte de países como a Dinamarca e a Alemanha em que os nórdicos e a Áustria aderissem à UE. Ainda assim, o processo durou entre três e seis anos.
Zelensky assina pedido formal de adesão à União Europeia e pede rapidez. E agora?
O caso português também ajuda a ter uma ideia de que o processo de adesão sempre foi demorado. Portugal e Espanha, ambos libertados da ditadura a meio da década de 1970, viram a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE) como um modo de consolidar a sua transição para a democracia. Ambos os países enviaram um pedido formal para aderir à comunidade em 1977, tendo as negociações depois durado até 1984. Só em 1985, oito anos depois do pedido formal, é que o Tratado de Adesão de Portugal à CEE foi assinado no Mosteiro dos Jerónimos — e a entrada propriamente dita aconteceu em 1986.
É possível que seja mais rápido que o normal?
Sim. Da parte de responsáveis políticos em Bruxelas têm chegado vários sinais de que o processo relativo à Ucrânia acontecerá mais rapidamente do que o normal, devido à urgência motivada pela guerra. A própria Ursula von der Leyen disse que, no que toca à elaboração do parecer da Comissão Europeia, será “uma questão de semanas”, em vez de anos.
Ainda assim, mesmo que esta primeira fase avance com uma rapidez acima do normal e a Ucrânia receba o estatuto oficial de país candidato ainda durante os próximos meses, as negociações formais com vista à adesão da Ucrânia à União Europeia serão necessariamente longas, uma vez que implicam a concordância por unanimidade de todos os Estados-membros em relação à preparação do país para entrar na UE — uma realidade que será naturalmente prejudicada pelo facto de o país se encontrar em guerra, sem a sua integridade territorial estabelecida e com um regime instável. Mesmo que o processo seja mais rápido do que o normal, demorará sempre anos.
Que obstáculos se encontram no caminho da Ucrânia rumo à UE?
Logo à partida, a Ucrânia poderá ter dificuldades até em cumprir os critérios de adesão, uma vez que o regime de Kiev tem graves problemas que toca ao Estado de direito e à democracia, como explica a Euronews, citando vários rankings mundiais. A ONG Freedom House, que avalia o grau de democracia em vários países do mundo, classifica negativamente a Ucrânia com um nível democrático de 39 pontos em 100 — considerando o país como um regime híbrido ou de transição entre o autoritarismo e a democracia. No índice global de liberdade, a Ucrânia tem 61 pontos em 100, sendo considerado um país “parcialmente livre”.
Também o Índice da Democracia da revista The Economist (o mesmo que recentemente colocou Portugal na categoria “democracia com falhas”) classifica a Ucrânia como um regime híbrido entre o autoritarismo e a democracia, recebendo uma classificação de 5,57 pontos em 10. Quanto à liberdade de imprensa, os Repórteres sem Fronteiras classificam o país em 97.º no panorama global, explicando que, apesar de algumas reformas recentes, o universo mediático ucraniano ainda é controlado por um punhado de oligarcas. A Ucrânia é também um dos países onde mais jornalistas foram mortos em 2022 (num total de seis, contabilizando já o período de guerra que se iniciou a 24 de fevereiro e durante o qual se registaram mortes de jornalistas).
Tudo isto são entraves à possível adesão da Ucrânia à UE, uma vez que impedem o país de cumprir os pré-requisitos de Copenhaga relativamente à existência de um regime democrático funcional.
“Depois da revolução de Maidan na Ucrânia, o país está certamente num caminho pró-democracia e pró-Europa”, reconheceu ao Euronews a académica Jana Juzová, investigadora no think-tank Europeum, dedicado aos estudos da integração europeia. “Contudo, a sua democracia ainda é frágil e o Estado de direito não é aplicado corretamente.”
“No que toca à democracia, a Ucrânia tem pontuações semelhantes ou ainda piores que os países dos balcãs ocidentais. A corrupção, o funcionamento e independência do sistema judicial e as fracas instituições democráticas ainda se contam entre os assuntos mais problemáticos”, acrescentou, salientando que há outro problema que pode ser impeditivo da adesão: a existência de regiões separatistas (Lugansk e Donetsk) e a falta de controlo total sobre a Crimeia. “Os candidatos à adesão à UE têm de ter fronteiras claramente definidas e consolidadas e integridade territorial.”
Para Jana Juzová, não há grandes motivos para otimismo em Kiev: “É, por definição, suposto que o processo de adesão à UE seja muito rígido. Não estaria demasiado otimista com a perspetiva de a Ucrânia se juntar à UE no curto prazo.”
O mesmo diz, também à Euronews, a analista Corina Stratulat, investigadora no think-tank European Policy Centre. “Isto não é algo que possa acontecer do dia para a noite. Vai demorar, devido aos desafios práticos atuais e às prioridades da UE. A entrada na UE é um processo, não um acontecimento. Com base no que sabemos até agora, isto significa tempo, paciência e muita preparação de ambos os lados”, diz Stratulat, acrescentando que dificilmente a Ucrânia cumpre, atualmente, os pré-requisitos para entrar na UE.
“É possível que haja um processo mais rápido, se existir vontade política. Contudo, se o processo continuar como é hoje — ou seja, complexo e rigoroso —, uma adesão mais rápida iria obrigar todos os Estados-membros a aprovar rapidamente dezenas de decisões associadas a um país”, disse ainda. “Isso não tem acontecido nos últimos anos, nem sequer para passos simbólicos, como a concessão do estatuto de país candidato a um requerente.”
A académica acrescenta que é necessário ter cautela também sobre o modo como uma adesão acelerada poderia ser interpretada pelos países dos Balcãs, “que têm estado à espera há muito tempo e que também já viram a guerra e os riscos da influência russa”.
Além dos desafios práticos, há também a questão política: dentro da UE, os governos dos Estados-membros estão dispostos a apoiar a entrada da Ucrânia? Oito deles já se pronunciaram favoravelmente. Numa carta aberta enviada em fevereiro, os presidentes da Bulgária, República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia defenderam que a Ucrânia “merece receber uma perspetiva de adesão à UE imediata”. Por isso, dizem os oito líderes, os Estados-membros da UE devem avançar no sentido de “atribuir imediatamente à Ucrânia o estatuto de candidato à UE e abrir o processo de negociações”.
Outros líderes europeus, especialmente na Europa ocidental, têm apelado à cautela, dizendo que não devem ser saltadas etapas no processo de adesão. Uma das principais preocupações é a cláusula dos tratados da União Europeia que garante a “ajuda e assistência por todos os meios” a um Estado-membro que seja vítima de uma agressão armada — ou seja, uma cláusula semelhante ao tratado da NATO, que obrigaria todos os Estados-membros da UE a envolverem-se na guerra na Ucrânia caso o país entrasse no bloco ainda durante o conflito.
Para a Europa ocidental, outra das grandes preocupações relativamente à adesão da Ucrânia à UE prende-se com as possíveis retaliações por parte da Rússia, que não gostará de ver o país vizinho afastar-se ainda mais da sua esfera de influência e juntar-se à UE. Ainda assim, entre os cidadãos europeus existe um grande apoio à entrada da Ucrânia na UE. Resta saber se esse apoio popular será suficiente para criar nos líderes europeus a vontade política de permitir a adesão da Ucrânia à UE — sobretudo considerando que existem vários países nessa sala de espera há vários anos.
Qual é, então, a melhor esperança da Ucrânia no curto prazo?
Embora a Comissão Europeia possa influenciar a rapidez do processo acelerando a sua própria intervenção, em última análise é nos governos dos 27 Estados-membros que reside a capacidade de acelerar ou não a adesão da Ucrânia à UE. No que toca a esses líderes, as opiniões dividem-se — o que, num processo que exige unanimidade, significa para já um bloqueio dessa possibilidade. No mês passado, o Presidente francês, Emmanuel Macron, foi claro ao garantir que não seriam abertas exceções aos procedimentos em vigor. “Poderíamos ter medidas excecionais para um país em guerra sem respeitar os critérios? A resposta é não”, afirmou Macron após a cimeira do Conselho Europeu em Versalhes.
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, já afirmou que “não existe um caminho acelerado para a adesão”, enquanto o chanceler alemão tem repetido que o caminho mais acertado é continuar a aprofundar os laços entre Ucrânia e UE a partir do acordo de associação que foi assinado em 2017. Por seu turno, a Hungria de Viktor Orban, que ao longo da última década foi aprofundando relações com Moscovo, já se pronunciou a favor da entrada da Ucrânia na UE.
Com estas opiniões divididas no Conselho Europeu, a melhor esperança para a Ucrânia no curto prazo poderá ser a de receber o estatuto oficial de país candidato — uma decisão essencialmente política que terá algum simbolismo, uma vez que permitirá a abertura formal das negociações, mas que dificilmente ajudará a Ucrânia de modo pragmático. Receber o estatuto de país candidato poderia abrir as portas da Ucrânia ao Instrumento de Assistência na Pré-adesão, um fundo destinado a ajudar financeiramente os países em vias de aderir à UE com vista a apoiar as reformas necessárias no país. Para o período 2021-2027, este instrumento tem um orçamento superior a 14 mil milhões de euros, atualmente divididos por Albânia, Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia.