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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Quanto vai custar a eutanásia? Quem a poderá praticar? O que muda nos seguros? 10 dúvidas sobre a despenalização da eutanásia

Quanto irá custar ao SNS a morte medicamente assistida? Pode ser praticada por qualquer médico? Como é o medicamento? E o que muda nos seguros de vida e de saúde? As respostas dos especialistas.

Qualquer médico vai poder antecipar a morte de um doente, independentemente da especialidade? Como é administrada a medicação? Quem é elegível? Quanto é que essa prática irá custar ao Serviço Nacional de Saúde (SNS)? Que alterações jurídicas terão de ser feitas para que o ato não entre em conflito com outros dispositivos legais? E os seguros de saúde e de vida serão alterados?

Estas são apenas algumas das dúvidas que surgem, agora que foram aprovados os cinco projetos de lei do Bloco de Esquerda (BE), do PS, do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), do PAN e do Iniciativa Liberal, que preveem a despenalização da morte medicamente assistida. Ainda há um longo caminho a percorrer para que se possa antecipar a morte a um doente em Portugal, mas desde já surgem questões que terão de ser respondidas na elaboração da lei. Falámos com vários especialistas — médicos, um ex-governante, um advogado e um especialista em Economia da Saúde, entre outros — para tentar esclarecer 10 grandes dúvidas.

Eutanásia. Todos os projetos que despenalizam a morte assistida em Portugal foram aprovados

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A eutanásia poderá ser aplicada por um médico de qualquer especialidade?

Os cinco projetos de lei não referem que a morte medicamente assistida tenha de ser praticada por um médico em especifico. Falam em médico da escolha do doente, “médico da patologia” específica de que padece o paciente e em psiquiatras — e mesmo estas terminologias variam de diploma para diploma. A única ressalva — que só não aparece no projeto de lei do PEV — é que os profissionais de saúde (sejam médicos ou enfermeiros) que participem no processo têm de estar inscritos nas respetivas ordens, sendo que os enfermeiros têm de ser supervisionados por médicos.

Situações que mereceram críticas por parte do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV): nos pareceres, os conselheiros referiram que era “redutor” o facto de os diplomas só exigirem que os médicos e os enfermeiros estejam inscritos nas ordens e criticou ainda a formulação ‘supervisão dos enfermeiros’, considerando-a “manifestamente excessiva”, porque se trata de uma profissão autónoma.

"Os enfermeiros sabem colocar o soro, sabem preparar o medicamento. Os médicos, de uma maneira geral, também conseguem fazer isso e podem administrar a medicação com alguma facilidade"
Gilberto Couto, médico a favor da eutanásia

O médico Gilberto Couto, que é a favor da eutanásia, considera que “de uma maneira geral” todos os médicos e enfermeiros estão preparados para praticarem o tipo de procedimentos previstos em casos de morte medicamente assistida, seja na forma de eutanásia ou enquanto suicídio medicamente assistido.

No fundo, trata-se da administração de um medicamento por via de uma veia. Os enfermeiros sabem colocar uma veia, sabem colocar o soro, sabem preparar o medicamento. Os médicos, de uma maneira geral, também conseguem fazer isso e podem administrar a medicação com alguma facilidade”, afirma ao Observador o especialista em Gastroenterologia, acrescentando, ainda assim, que tem vindo a ser reclamada “alguma formação por mínima que seja”, devido à especificidade dos atos — “para manipular o medicamento” e para estudar e prevenir as complicações que possam advir da medicação.

No entanto, o médico sublinha que há especialidades que estão mais habituadas a administrar fármacos através de acessos venosos, como é o caso dos anestesistas. “Há especialidades que estão relativamente autónomas, mas há outras que não”, admite Gilberto Couto, e por isso, mesmo ressalvando que noutros países a morte medicamente assistida é praticada por médicos de família, na sua ótica, o ideal seria haver um médico e um enfermeiro a participar no ato de morte antecipada.

Segundo a entidade, Portugal ainda não tem uma cultura de notificação plenamente implementada

Para Gilberto Couto, o ideal seria haver um médico e um enfermeiro a participar no ato de morte antecipada

CARLOS BARROSO/LUSA

Quem tem uma visão oposta é Miguel Oliveira da Silva, que é contra a eutanásia. O professor de Ética Médica defende que nem todos os médicos a podem praticar: “Não vai ser um obstetra ou um pediatra ou um otorrino ou um dermatologista. Tem de ser um médico dos cuidados intensivos, se ele quiser.”

Ainda assim, o ex-presidente do CNECV não acredita que esta questão venha a ser especificada na lei, caso ela venha a ser aprovada na especialidade e tenha luz verde do Tribunal Constitucional e do Presidente da República.

Vão ser contratadas equipas ou serão usados recursos humanos dos hospitais?

Nenhum partido refere esta questão nos seus projetos de lei, isto é, se serão médicos dos hospitais que irão fazer as eutanásias e os suicídios medicamente assistidos ou se os estabelecimentos de saúde têm de ter equipas específicas para o procedimento que podem ou não fazer parte dos profissionais de saúde do hospital.

Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde de António Costa e que assume ser contra a eutanásia, não acredita que seja necessário contratar mais profissionais de saúde. “Não me parece. Estamos a falar de um número probabilisticamente que se presume muito baixo e estamos a falar de recursos que, na sua esmagadora maioria, estão dentro do sistema de saúde e do SNS“, diz ao Observador.

Miguel Oliveira da Silva remete esta questão para a objeção de consciência e faz um paralelismo com o aborto. Isto é, se houver um número elevado de médicos a recusarem praticar a morte medicamente assistida, os doentes podem ter de ser encaminhados para outros hospitais onde haja especialistas que não sejam objetores de consciência ou o Estado pode mesmo vir a ter de recorrer a instituições privadas.

"[Pode] não haver médicos em número suficiente no SNS e haver clínicas privadas especializadas em eutanásia, o que eu acho que é uma inevitabilidade"
Miguel Oliveira da Silva, obstetra e professor de Ética Médica

“[No caso do aborto] Na Grande Lisboa, há quatro grandes hospitais do Estado e em dois deles, todos os obstetras são objetores de consciência. As grávidas são enviadas ou para o Hospital de Santa Maria ou para a Maternidade Alfredo da Costa ou para uma clínica privada, a Clínica dos Arcos”, explica o obstetra. “Pode acontecer uma coisa semelhante, se houver uma lei da eutanásia em Portugal? Pode. [Pode] não haver médicos em número suficiente no SNS e haver clínicas privadas especializadas em eutanásia, o que eu acho que é uma inevitabilidade.”

Por via venosa ou com medicação: como poderá ser praticada a eutanásia?

Mais uma vez, nenhum dos projetos de lei fala especificamente de como será feito o procedimento, seja ele eutanásia ou suicídio assistido. Será por via venosa ou apenas por medicação? O tipo de administração varia consoante o ato?

O médico Gilberto Couto explica que o método mais utilizado na morte medicamente assistida é com recurso a um barbitúrico, em particular o pentotal — também conhecido como pentobarbital de sódio.

“[Os barbitúricos são] uma classe de calmantes e sedativos. Eram medicamentos muito utilizados para dormir nos anos 50/60, mas como tinham um poder sedativo-hipnótico muito forte, começaram a ser pouco utilizados”, indica o especialista, acrescentando que atualmente já não estão disponíveis em Portugal. “Hoje em dia praticamente foram retirados do mercado, precisamente devido à toxicidade associada, no sentido em que podiam provocar uma depressão respiratória grave e conduzir à morte do doente.”

"Hoje em dia [os barbitúricos] praticamente foram retirados do mercado, precisamente devido à toxicidade associada, no sentido em que podiam provocar uma depressão respiratória grave e conduzir à morte do doente"
Gilberto Couto, médico a favor da eutanásia

Se em Portugal se recorrer a este medicamento como acontece noutros países, o fármaco terá de ser introduzido no mercado pelo INFARMED. A partir daqui, depende se o doente quiser recorrer à eutanásia ou ao suicídio medicamente assistido, ou seja, se é o paciente a tomar os medicamentos por via oral ou se será um médico ou um enfermeiro — ou os dois — a administrar o fármaco por via endovenosa.

De acordo com Gilberto Couto, a eutanásia é “mais rápida e mais segura” e é precisamente por isso que é a forma mais utilizada para antecipar a morte: “O pentotal, no início, pode dar náuseas e vómitos. Pode ser complicado o doente estar sozinho, porque pode vomitar e pode ficar num estado semicomatoso e não morrer”, explica o médico pró-eutanásia, referindo que “90% ou mais” dos pacientes “escolhe a eutanásia voluntária ativa”.

Se for um profissional de saúde a administrar o procedimento, é possível controlar as complicações. “Pode dar um produto para que o doente não vomite, depois pode dar um sedativo ligeiro para o doente adormecer e em seguida administra o pentotal. De maneira geral, em 30 minutos acaba por se dar uma paragem cardiorespiratória e o doente acaba por morrer. Isto pode levar mais tempo se o doente for entregue a si próprio e tomar os comprimidos.”

Este procedimento recorrendo ao uso do pentotal terá de vir a ser regulamentado — e Gilberto Couto não tem dúvidas de que o será: “Penso que não haverá grandes dificuldades, uma vez que tem sido claramente unânime a utilização do fármaco.”

"O pentotal, no início, pode dar náuseas e vómitos. Pode ser complicado o doente estar sozinho, porque pode vomitar e pode ficar num estado semicomatoso e não morrer"
Gilberto Couto, médico a favor da eutanásia

Já Miguel Oliveira da Silva entende que a forma como é feita a eutanásia é “uma decisão médica” e que pode variar de caso para caso, pelo que não tem de ficar definida na lei.

Quem é elegível para a aplicação da eutanásia?

As palavras específicas mudam consoante o diploma de cada partido, mas a ideia é a mesma: só os doentes com uma lesão ou doença definitiva ou incurável e que estejam sujeitos a um sofrimento insuportável é que podem ser submetidos à morte medicamente assistida. Apenas o PAN especifica que pode tratar-se de um “sofrimento físico ou psicológico intenso”. Nenhum dos cinco diplomas especifica uma patologia. Isso poderá acontecer quando os projetos de lei forem discutidos na especialidade?

A lei não pode indicar patologias concretas. Não pode dizer se é apenas uma esclerose em placas, ou se é apenas um cancro disseminado, ou se inclui a depressão crónica”, defende Miguel Oliveira da Silva, nem que seja porque se houvesse uma lista específica, ela teria de ser constantemente atualizada, acrescenta o professor de Ética Médica.

Para o antigo presidente do CNECV, é preciso fazer uma análise caso a caso: “Depende dos médicos e da comissão, mas o sofrimento é muito subjetivo.”

Gilberto Couto reforça que todos os projetos de lei referem o sofrimento, mas admite que a questão do tipo de patologias é “a mais polémica”. Ainda assim, considera que os diplomas incluem, por exemplo, as doenças neurodegenerativas graves como a Esclerose Lateral Amiotrófica: “São doenças extremamente incapacitantes, incuráveis nesta fase, irreversíveis e que, a dada altura, podem provocar um sofrimento bastante grande ao doente.”

Apenas o PAN, liderado por André Silva (na fotografia), especifica que pode tratar-se de um "sofrimento físico ou psicológico intenso"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Independentemente de se especificarem patologias ou não, Gilberto Couto sublinha que qualquer doente “pode achar que tem direito” à morte medicamente assistida e isso não ser necessariamente verdade. Os pedidos terão sempre de passar pelo crivo dos médicos e são eles que têm a última palavra, depois de ponderar toda a situação do doente.

“A pessoa pode achar que tem o direito, mas não tem necessariamente. Isto tudo é uma questão de ir somando: o doente tem de ter uma doença incurável e definitiva e tem de estar em sofrimento muito grande. Não pode ser “ou”, tem de ser “e”. Depois o médico tem de avaliar se isto tudo é verdade, se faz sentido, ou se não há outro tipo de tratamento de que o doente possa beneficiar antes de recorrer à morte.”

Que alterações jurídicas serão necessárias fazer?

Todos os projetos de lei que foram aprovados esta quinta-feira referem a alteração aos artigos 134.º e 135.º do Código Penal, que dizem respeito ao “Homicídio a pedido da vítima” e ao “Incitamento ou ajuda ao suicídio” respetivamente.

De acordo com Daniel Torres Gonçalves, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e presidente da AMEDIJURIS – Associação Portuguesa Direito e Medicina, com a aprovação da despenalização da morte medicamente assistida, terão de ser feitas várias alterações jurídicas: “Temos um conjunto de alterações que [terão de ser feitas] não são só ao nível penal. São num âmbito muito amplo e só com a discussão na especialidade é que vamos conseguir perceber quais é que vão ser essas alterações em concreto“, defende o advogado.

Alterações ou “certos ajustes” que podem ocorrer, seja a nível da especialidade, seja no momento da regulamentação da lei, acrescenta o docente.

"Temos um conjunto de alterações que [terão de ser feitas] não só ao nível penal"
Daniel Torres Gonçalves, advogado e presidente da AMEDIJURIS – Associação Portuguesa Direito e Medicina

A questão das diretivas antecipadas de vontade — ou Testamento Vital — é um dos exemplos dessas disposições. O advogado explica que os projetos de lei “não concretizam muito esta questão” e terá de ser mais uma situação a ser abordada na especialidade.

Os certificados de óbitos são outra situação que terá de ser analisada: “Levantam-se algumas questões para percebermos se esta lei pode colidir com a lei que existe relativamente a certificar a morte e com os procedimentos que existem já implementados para certificar a morte. No fundo, temos aqui uma situação que é inédita e que temos de perceber como é que vai ser vai ser tratada.”

O que muda nos Estatutos e nos Códigos Deontológicos dos médicos e enfermeiros?

A morte medicamente assistida choca de frente com os Estatutos e os Códigos Deontológicos das Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros. Com a aprovação dos diplomas que preveem a despenalização da prática, fica agora por perceber o que irá acontecer.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, já veio a público dizer que não será necessário alterar o Código Deontológico.

Eutanásia. Bastonário diz que não é preciso rever o Código Deontológico dos médicos

“Eles não podem mexer no nosso código”, defende Germano de Sousa, antigo bastonário da Ordem dos Médicos.

O que irá então acontecer aos médicos que pratiquem este ato? Segundo Miguel Guimarães, não serão penalizados, já que a lei está acima do código. “Os médicos que praticarem a eutanásia não correm o risco de serem sancionados [pela Ordem dos Médicos], porque serão sempre despenalizados através da lei. A lei está acima do código deontológico em termos de prevalência”, clarificou Miguel Guimarães, citado pela Lusa, reforçando que não será necessária uma “revisão do Código Deontológico dos Médicos”,

Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros explica que os estatutos das duas ordens profissionais “são leis da Assembleia da República” e em ambos os casos está especificada a questão da “proteção da vida, a promoção do direito à vida e a proteção do direito à vida”. Tendo isto em conta, Ana Rita Cavaco diz que não é possível prever o que terá de ser alterado.

Temos essa dúvida jurídica. Nós não sabemos se vai ser preciso alterar ou se, de alguma forma, a aprovação desses diplomas implica a alteração do estatuto e do respetivo código deontológico”, afirma a bastonária, acrescentando que cabe à Assembleia da República informar os enfermeiros, já que a alteração dos estatutos não pode ser iniciativa das ordens.

“Quem faz a alteração tem de ser a Assembleia da República ou por proposta do Governo ou por iniciativa da própria Assembleia. Não são as ordens sozinhas que podem promover a alteração do seu estatuto. Podemos propor, mas pode ser aceite ou não.”

Quanto poderá custar ao SNS a aplicação da eutanásia?

Uma das críticas do CNECV aos projetos de lei aprovados esta quinta-feira é o facto de não serem conhecidos “os encargos organizacionais e financeiros” que ficarão a cargo do Serviço Nacional de Saúde “ao acrescentar a prestação de novos serviços e ao adicionar novas exigências em recursos físicos e humanos (…)”.

As consultas, a eventual contratação de médicos e enfermeiros e a compra de fármacos são apenas alguns dos custos a ter em conta. “A maior parte das propostas prevê consultas com especialistas e isto está associado às consultas de especialidade, e [há ainda] os fármacos depois para administrar a eutanásia“, explica Mário Amorim Lopes, especialista em Economia da Saúde.

"Explorar a dimensão dos custos nesta matéria não é muito relevante"
Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde

Tal como referiu Gilberto Couto, o fármaco mais utilizado nos países que já praticam a morte medicamente assistida não está disponível em Portugal, pelo que terá de ser disponibilizado e adquirido pelos hospitais e farmácias. Ou seja, uma vez que não é algo habitualmente utilizado nos cuidados de saúde, os hospitais terão sempre que ter em conta esse custo adicional.

Mas será significativo? “Não sei os preços dos fármacos, mas imagino que não devam ser caros, portanto não estará aí a questão do custo significativo”, considera Amorim Lopes.

Adalberto Campos Fernandes é da mesma opinião. O ex-ministro da Saúde admite que a legalização da morte medicamente assistida terá custos, mas serão residuais. “Explorar a dimensão dos custos nesta matéria não é muito relevante. Primeiro, porque provavelmente e felizmente, o número de casos que chegarão a uma solução final serão muito reduzidos — provavelmente umas dezenas de casos. Segundo, porque infelizmente para este propósito, o custo dos fármacos é irrelevante”, afirma Campos Fernandes ao Observador.

Para o antigo governante, a questão organizacional será possivelmente a parte mais complexa. “O que será talvez mais complicado é a organização e a construção das equipas e dos grupos das comissões. São pessoas que trabalham no sistema de saúde, são pessoas que estão enquadradas nos hospitais, portanto é mais uma questão organizacional.”

“Isto vai ter um impacto orçamental extraordinário?”, questiona Campos Fernandes. “Calculo que não tenha. Do ponto de vista da organização dos serviços e da alteração de um dispositivo interno de resposta nos serviços, claro isso vai  ter de acontecer, mas creio que não será relevante”, acrescenta Campos Fernandes.

"Não vão poder fazer isto na enfermaria diante de outros doentes. E tudo isto envolve custos que têm de ser pensados", diz Germano de Sousa

LUSA

Há projetos de lei que referem a necessidade de se providenciar locais adequados à prática. Germano de Sousa levanta a hipótese de serem criados locais específicos: “Não vão poder fazer isto na enfermaria diante de outros doentes. E tudo isto envolve custos que têm de ser pensados.” De acordo com Adalberto Campos Fernandes, esta é uma questão que será abordada na especialidade e “numa fase de finalização do processo legislativo”.

Para o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, a constituição da comissão que irá supervisionar os processos de antecipação da morte terá um custo. E destaca ainda os gastos que possam estar associados à contratação de outros profissionais de saúde por parte dos hospitais, caso os da casa sejam todos objetores de consciência.

Miguel Oliveira da Silva acha que os custos associados à morte medicamente assistida “são mínimos”. Aliás, refere mesmo que são muito inferiores aos cuidados paliativos ou aos cuidados em fim de vida, por exemplo. “Eu não quero ser cínico, mas isto não tem custos, isto tem uma grande poupança. Se houver umas centenas de doentes a morrerem umas semanas ou uns meses mais cedo do que morreriam por morte natural, obviamente que o Estado poupa. Toda a gente sabe que os grandes custos com os internamentos hospitalares são com o final de vida.”

Amorim Lopes faz a mesma analogia: “Esta não deve ser a análise que deve ser feita para decidir sobre eutanásia, mas seja como for, se quisermos calcular todos os custos, na verdade [comparando] com cuidados paliativos, poupa-se dinheiro. Essa é a realidade dos factos.”

"Eu não quero ser cínico, mas isto não tem custos, isto tem uma grande poupança"
Miguel Oliveira da Silva, obstetra e professor de Ética Médica

Se o Estado tiver de recorrer ao privado por falta de opções no SNS, a conversa é outra: “Se [o Estado] tiver de recorrer a clínicas privadas especializadas em eutanásia — como eu acho que vai poder muito bem acontecer —, aí não sei quais são os honorários desses profissionais de saúde, mas não serão baratos com certeza”, diz Miguel Oliveira da Silva.

Os hospitais privados podem ser obrigados a praticar a morte medicamente assistida?

Apenas o projeto de lei do Partido Ecologista Os Verdes refere que a morte medicamente assistida deve ser praticada em estabelecimentos do SNS. Os restantes partidos preveem a possibilidade de se praticar no setor privado e social, sendo que, para o Iniciativa Liberal, pode ser o doente a escolher o local — até pode ser em casa, desde que não seja em local público.

O grupo José de Mello Saúde, que detém os hospitais CUF, e a Luz Saúde já fizeram saber que não irão autorizar a eutanásia nos seus estabelecimentos.

CUF e Luz Saúde recusam aplicar eutanásia

O advogado Daniel Torres Gonçalves não acredita que seja possível obrigar os grupos privados a fazerem procedimentos de morte medicamente assistida, se não quiserem e apesar da haver uma lei a permitir a prática. “Nem me parece que isso fosse aceitável ao nível legislativo“, acrescenta.

Mas levanta uma questão já mencionada por Miguel Oliveira da Silva: “O que é curioso é percebermos de que forma é que o Estado vai assegurar o cumprimento do direito que está em vias de criar, na eventualidade de, no Sistema Nacional de Saúde, não existirem profissionais disponíveis para cumprirem aquilo que agora se está a estipular“, diz um dos conselheiros do CNECV. “Se nós tivermos todos os profissionais de saúde, em particular os médicos, como objetores de consciência, há que questionar de que forma é que o Estado pretende cumprir aquilo a que se está a propor.”

Esta é precisamente uma das críticas do CNECV aos projetos de lei, acrescenta o advogado: não existem estudos que digam qual a capacidade de resposta do Estado. “Não temos ideia do número de profissionais disponíveis para o efeito.”

Os seguros de vida e de saúde vão ter de contemplar a morte medicamente assistida?

O advogado Daniel Torres Gonçalves não tem dúvidas de que será necessário rever a questão dos seguros de vida com a despenalização da morte medicamente assistida. Atualmente, o suicídio é “uma causa de exclusão” e no caso da eutanásia, em que há uma pessoa a causar a morte a outra, “coloca-se a questão de saber se isso está ou não coberto pelo seguro de vida”.

O que se irá determinar relativamente à certificação de óbito será essencial: “A partir do momento em que a lei determine que a morte por eutanásia é para todos os efeitos considerada morte natural — é uma das possibilidades em cima da mesa —, isto tem impacto. Vai fazer ativar todos os seguros de vida por morte“, afirma. O PAN, por exemplo, quer que na certidão de óbito surja a patologia de que padecia o doente e não o procedimento que antecipou a sua morte.

"[O Estado] deve intervir o mínimo possível naquilo que é o mercado nomeadamente dos seguros de saúde"
Daniel Torres Gonçalves, advogado e presidente da AMEDIJURIS – Associação Portuguesa Direito e Medicina

Além de que, de acordo com Daniel Torres Gonçalves, será necessário também perceber como se irá proceder “no caso das apólices que estão em vigor neste momento, porque os seguros existem e serão omissos nesta parte“.

A questão dos seguros de saúde também terá de ser estudada: “Quando falamos de seguros [de saúde], vai ser uma questão comercial saber se essa será uma prática abrangida ou não. Aquilo que parece claro é que o SNS irá, à luz dos diplomas em debate [e entretanto aprovados], proporcionar essa possibilidade.”

O advogado é da opinião de que o Estado “deve intervir o mínimo possível naquilo que é o mercado, nomeadamente dos seguros de saúde”: “Da mesma forma que eu vejo dificuldade em que se obrigue os privados a praticar a eutanásia e o suicídio assistido, também vejo com dificuldade que isso seja uma cobertura obrigatória. Não me parece que o Estado deva impor aos privados, nomeadamente aos seguros, obrigatoriedade de ter essa cobertura.”

A situação muda de figura no caso da ADSE, por exemplo: “Aí o Estado tem uma palavra a dizer. Aí terá que ser a instituição a determinar como é que isso é gerido“. Mas isto terá de ser uma discussão a ser feita já em fase de regulamentação da lei, considera Torres Gonçalves.

O Testamento Vital vai poder incluir a eutanásia? E se o doente ficar inconsciente?

Apenas o Bloco de Esquerda contempla, no texto da lei, o testamento vital: no caso de o doente ficar inconsciente antes do dia em que iria proceder à antecipação da morte, o procedimento de morte medicamente assistida pode continuar se não “estiver disposto diversamente em Declaração de Vontade Antecipada constante do respetivo Testamento Vital”.

Para Daniel Torres Gonçalves, se for respeitada a questão da “atualidade da vontade” que é tão referida nos projetos de lei, esta questão nem se coloca. Isto é, os diplomas preveem que o doente tenha de manifestar várias vezes ao longo do processo o desejo de morte antecipada e isto pode ser posto em causa se se permitir que uma pessoa deixe escrito antecipadamente que deseja a morte medicamente assistida.

O Bloco de Esquerda, liderado por Catarina Martins (na fotografia), é o único partido que fala do Testamento Vital na texto da lei

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Se respeitarmos o requisito da atualidade e a necessidade da atualidade do pedido, a questão da alteração da lei do testamento vital não se coloca necessariamente. Agora em concreto, vamos ver quais vão ser as posições dos partidos [na especialidade]”, afirma o advogado especialista em Direito na Medicina.

Ainda que a questão do testamento vital não se ponha agora, o advogado admite que ela possa vir a ser levantada posteriormente e que se configure num caso de rampa deslizante. “São situações que não estão a ser discutidas, mas com a normalização da prática, podem vir a ser admitidas e eventualmente podem vir a ser legisladas.”

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