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Um país como o Brasil, infindável e apinhado de gente, dificilmente poderia ser outra coisa que não um viveiro de talentos musicais. Os aficionados garantem que está ali a melhor música popular do mundo. E o passado e as suas maravilhas — da MPB ao tropicalismo, do samba à bossa nova, do soul e disco funk ao hip-hop — dão força à tese.

Fazer um manual da nova música brasileira que vai despontando seria uma tarefa hercúlea e interminável. Portanto, o que aqui se propõe é uma seleção limitada dos sons do Brasil que estão a emergir e que prometem vir a deixar marcas no património musical do país, por um lado, e a, por outro lado, atravessar o oceano e maravilhar Portugal no futuro. Uma seleção idealmente interessante, necessariamente incompleta.

Numa altura em que Portugal vai receber concertos de alguns artistas brasileiros que estão em franca afirmação e crescimento mediático no país — Rincon Sapiência, príncipe “novo” do rap, atua a 30 de outubro em Lisboa (Musicbox); Luiza Lian atua na mesma cidade e sala de concertos na próxima sexta-feira, dia 22; e Tagua Tagua (Felipe Puperi) começa esta terça-feira uma digressão por Portugal —, decidimos olhar para o presente e futuro da música brasileira.

De fora da lista ficaram artistas com uma produção discográfica sólida e iniciada menos recentemente (como os maravilhosos Carne Doce), que já fizeram o seu caminho em Portugal e já conquistaram aqui o seu público — caso dos Boogarins, de Cícero Rosa Lins, de Rubel ou de Tim Bernardes e a sua banda O Terno, apenas para citar alguns — e que estão a despontar a partir de Portugal, como Luca Argel, Tiago Nacarato ou Tainá.

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[Esta playlist serve de apresentação às 20 vozes novas do Brasil selecionadas para este artigo:]

Amaro Freitas

Primeiro lemos as descrições. E as descrições dizem muita coisa promissora: que Amaro Freitas está a ser pioneiro de um “novo som no jazz brasileiro”, que já em pequeno era um “pianista prodigioso”, que a sua abordagem ao jazz é “altamente percussiva” e que esta deve tanto à “tradições de Pernambuco” — os ritmos carnavalescos, o frevo e o baião — quanto a John Coltrane, Charlie Parker e Thelonious Monk.

Tudo isto deixa a pulga atrás da orelha mas há mais detalhes curiosos na história. Ao que parece, Amaro Freitas chegou a frequentar o Conservatório de Pernambuco mas teve de desistir porque a família não se podia dar ao luxo de gastar dinheiro no passe de autocarro. Depois disso, Amaro tocou em casamentos e trabalhou em call centers até ter descoberto um DVD de um concerto de Chick Corea que o extasiou.

Sem piano em casa, dedicou-se ao estudo imaginando que tinha as teclas à frente, até finalmente conseguir praticar no piano de um restaurante antes da hora de abertura ao público. Foi-se depois especializando, tornou-se pianista residente de um bar de jazz famoso na região (o Mingus), encontrou colaboradores e formou um trio. Em 2016 editou um primeiro álbum, Sangue Negro. Em 2018 chegou o segundo, Rasif. Este ano chegou Sankofa, disco que promete levar a carreira de Amaro Freitas ainda mais longe. Para qualquer apreciador de jazz é um espanto. Para quem além disso quiser uma abordagem jazzística com originalidade e personalidade, com alguns ritmos e nuances próprias (que Amaro Freitas vai buscar à música que também cresceu a ouvir), é uma revelação autêntica.

Ana Frango Elétrico

Ao princípio foi uma canção a conquistar-nos: “Promessas e Previsões”, incluída no segundo álbum de Ana Frango Elétrico (Ana Faria Fainguelernt), intitulado Little Electric Chicken Heart e editado em 2019, apenas um ano depois do primeiro álbum (Mormaço Queima). Só que entretanto, já depois do segundo disco, ouvimos no ano passado “Mulher Homem Bicho”, um delicioso rebuçado pop com cordas, mimos prometidos e teclas borbulhantes a rebentar de sensualidade e sexualidade:

Quem me dera morder sua orelha
Cafungar seu pescoço
Te roer até o osso
Feito cachorro
(…)
Somos feitas da lama das fêmeas molhadas
Na chama ou na cama refeita calmada
Nosso amor é agora

São quatro minutos e 46 segundos da pop mais viciante que temos ouvido, de uma artista que no ano passado apareceu nas nomeações a um Grammy Latino (pelo álbum editado em 2019) e editou um outro single a apontar maravilhosamente ao futuro, “Mama Planta Baby”. Já chamaram à música que faz “nova MPB”, Ana Frango Elétrico não gostou e pediu para lhe chamarem antes “pós MPB” ou “bossa pop rock decadente com pinceladas de punk”. Aqui entre nós, que ninguém nos lê: chamem-lhe o que quiserem desde que a oiçam.

Baco Exu do Blues

Nos últimos cinco anos, Diogo Moncorvo — mais conhecido pelo nome artístico Baco Exu do Blues — tornou-se protagonista entre os novos artistas não apenas do hip-hop mas de toda a música brasileira. Tudo começou com o sucesso de um tema de 2016, “Sulicídio”, a que se seguiram mais sucessos (desde logo a canção “Te Amo Disgraça”) e três álbuns de estúdio: Esú, de 2017, Bluesman, de 2018 e Não Tem Bacanal na Quarentena, de 2020.

Não é fácil encontrar rótulos ou gavetas estilísticas óbvias para a sua música, já que o hip-hop de Baco Exu do Blues é tudo menos monoestilístico ou simplista. Ao invés, é inclusivo, dialoga com estéticas sonoras muito diferentes, espraia-se por ritmos inesperados para um rapper tradicional e tem a sua âncora em letras desconcertantes, tão capazes de utilizar o calão e expressões coloquiais como de revelar erudição e cultura literária. É, em suma, um festim rítmico que o hip-hop brasileiro ainda não tinha conhecido e um festim rítmico e lírico que não deixa pedra sobre pedra.

Djonga

A entrada a pés juntos no hip-hop brasileiro fez-se com Heresia, álbum editado há quatro anos, em 2017 — e desde aí Djonga nunca mais parou de crescer, lançando discos como O Menino Que Queria Ser Deus (2018), Ladrão (2019), Histórias da Minha Área (2020) e, já este ano, NU.

Capaz como poucos de conciliar um olhar atento e crítico sobre o que o rodeia a um discurso lírico e rítmico festivo e de celebração, Djonga é hoje um dos rappers mais ouvidos do país, o “cara do momento” como descreve este ano no tema “Xapralá”. Deem-lhe só a batida, o microfone e Djonga faz uma festa sem poupar ninguém — inclusive ele mesmo, como se percebe num álbum recente (o de este ano) muito auto-crítico e virado para si mesmo.

Drik Barbosa

Um álbum — homónimo e editado em 2019, com participações de Luedji Luna, Karol Conká, Emicida e Rael (entre outros) — é o bastante para atribuirmos a Drik Barbosa papel principal no panorama do novo hip-hop e R&B brasileiro.

Isto diz muito do disco desta rapper e cantora nascida em São Paulo, que já tinha feito antes um EP intitulado Espelho (2018) e que confirmou nesse ano seguinte todas as expectativas em si colocadas. Temas como “Luz”, com Emicida e Rael como convidados, “Rosas” e “Sonhando” mostram que Drik Barbosa chegou para mandar nisto tudo. Quem começa um tema assim não deixa margem para grandes dúvidas:

Eu sou um pequeno sonho de quebrada
Roda de rima, eu e as mina na calçada
Madrugada gelada na escala na calada
Como o livro diz: “Um dia algo vem do nada”
Cortei o céu voando como fada

Duda Beat

“Botaram-me o título de Rainha da Sofrência Pop”, dizia há dois anos ao Observador Eduarda Bittencourt, a mulher nascida no Recife que na música o Brasil conhece como Duda Beat. Explicava-se então: Duda é “a rainha do sofrimento e da celebração”, uma artista “que embateu como um meteoro no Brasil, um país igualmente despedaçado, sentado de alegria e amor”.

No disco novo, Te Amo Lá Fora (lançado este ano e o segundo da sua carreira a solo), Eduarda canta: “Já sofri de mais / já chorei mas não me entreguei, não”. Toda a música de Duda Beat é mais ou menos assim: batida, ritmo e voz a dançarem com as tristezas. As palavras são setas de cupido para quem já sofreu de amor e busca consolo na música, mas os ritmos são de quem quer bailar e planar por cima disso. “Apesar de ser música de sofrência, é animado, é dançante”, dizia ainda Duda Beat há dois anos. É, pois. E bom.

Fran

Não é só Caetano Veloso que tem descendentes com jeito para a música. Na família de Gilberto Gil, há um rapaz que vai dando sinais de que poderá ser um dos artistas emergentes do Brasil. Chama-se Francisco Gil, é neto de Gilberto Gil e filho de Preta Gil e na música apresenta-se com o nome artístico Fran. No ano passado editou inclusivamente um primeiro álbum, intitulado raiz.

O disco grita Bahia por todos os lados — e este “menino baiano” também tem encantos que o ouvido deteta rapidamente. Editado com o seu nome, mas construído na sua maioria com o apoio de um trio na produção e composição (Pablo Bispo, Ruxell e Sergio Santos), raiz está cheio de swing, congas, percussões, chamegos, ginga afro-cool, samba e detalhes eletrónicos.

Fran até se aproxima do reggae naquele que é o momento mais infeliz (“eu mais tu”) do álbum de estreia, que ainda assim não chega para tornar este primeiro disco — que tem convidados de peso como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Russo Passapusso, este último membro da banda BaianaSystem — uma apresentação menos promissora.

João Selva

Filho de um pastor de Ipanema, João Selva é um moço com privilégios artísticos prematuros: desde criança que pegava em guitarras em boa companhia, com a veterana Wanda Sá — artista incontornável da Bossa Nova — por perto. O apreço do pai por música, uma boa coleção de discos de família e a vontade de pôr desde cedo a mochila às costas para dar música aos outros fizeram o resto.

A biografia oficial diz que João Selva andou por África, pela América do Sul e pelas Caraíbas antes de se fixar em Lyon, mostrando aos franceses que na ginga rítmica o Brasil é rei e senhor. Antes de se apresentar mais seriamente a solo, ainda teve com o DJ, etnomusicólogo e produtor musical norte-americano Maga Bo um projeto chamado Sociedade Recreativa, que misturava ritmos tradicionais brasileiros com música eletrónica. Projeto que aliás continua paralelamente à sua música a solo.

Já com o seu nome artístico, João Selva lançou dois discos maravilhosos, que misturam pop, tropicalismo, samba, soul, “vintage funk” (supomos que a expressão seja usada para não criar confusões com o “baile funk”) e orquestrações jazzísticas. Natureza, de 2017, e o mais recente Navegar, lançado já este ano, mergulham de cabeça no vasto património rítmico brasileiro e tiram dali inspiração para canções novas tão perfeitas quanto uma canção o pode ser. Balançando o corpo ao ritmo de João Selva, com o groove e ritmo certos para nos embalar tempos sem fim, vamos sempre bem. E até nos canta em “Navegar”:

Beijo na boca de Lisboa
tem poesia em Portugal

Letrux

No cosmos que é a nova canção brasileira, Letrux é a garota carioca que desliza pelas melhores batidas pop, a letrista que é capaz de dar vestes instrumentais e melódicas absolutamente modernas àquela dança de chinelo no pé ao começo da noite. Está tudo no balanço, ou melhor, quase tudo, porque as letras são boas o suficiente para incomodarem o mundo-macho. E alguém que começa uma canção com os versos “eu te vi nas artes plásticas / você mexeu de mais comigo / tu é o revival do marinheiro” merece respeito.

Depois de uns quantos anos a dar-nos música na banda Letuce, Letícia Pinheiro de Novaes arrumou trouxas, atirou os foguetes, apanhou as canas e soltou-se na balada com bom gosto. A festa de Letrux em Noite de Climão e Letrux Aos Prantos, discos respetivamente de 2017 e 2020, mostra que é possível dançar ao som de letras feministas, livres, desafiadoras. Melhor ainda: tudo com um equilíbrio notável entre a palavra, a melodia e a batida.

Luedji Luna

Na tradição da Música Popular Brasileira (MPB), no modelo de canção que lembra os grandes cantores e compositores brasileiros, Luedji Luna é uma das melhores descendentes originais. Nas suas canções vão-se misturando ritmos mais tradicionalmente brasileiros, uma “leveza” muito próprio da canção do Brasil mas também — e esse é o traço distintivo — um flirt com alguns géneros como o jazz e o R&B mais espreguiçado (oiça-se “Ain’t Got No”, colaboração recente com Conceição Evaristo).

Nascida em Salvador da Bahia, tendo a música como herança familiar já que o pai fez parte do grupo Raciocínio Lento, Luedji Luna mudou-se para São Paulo há seis anos e canta sobre temas sérios — o racismo, o sexismo, a desigualdade entre homens e mulheres e entre homens e mulheres negras — mas com um groove e subtilezas muito sul-americanas. Foi já em São Paulo que editou os dois álbuns de estúdio que lançou até ao momento: Um Corpo no Mundo, de 2017, e Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água, de 2019. Já passou por Portugal, por salas como o B.Leza (Lisboa) e Casa da Música (Porto).

Luiza Lian

A batida eletrónica, os arranjos sempre surpreendentes, a voz frágil e doce e as palavras desempoeiradas e livres. Tudo se conjuga no universo musical de Luiza Lian, desaguando nas canções de uma paulista que é também artista visual e que chega agora a Portugal para atuar em Lisboa, no clube Musicbox, na próxima sexta-feira, 22 de outubro (estreia em solo nacional).

A carreira de Luiza Lian na música começou em 2015, ano em que revelou os primeiros singles e o primeiro álbum completo, homónimo. O sucesso, porém, só começou a acentuar-se com o segundo disco (Oyá Tempo, de 2017), reforçando-se com o excelente Azul Moderno, de 2018 (produzido por Charles Tixier e Tim Bernardes, este último um amigo e parceiro musical de longa data). Pode ficar a conhecê-la melhor aqui.

Dúvidas? Oiça-se “Sou Yabá”, pop eletrónica com groove e pinta infinitas, a mais lenta mas sensual “Pomba Gira do Luar”, o embalo dengoso de “larinhas” ou a parceria (mais recente) com Bixiga 70, “Alumiô”, que deixa água na boca e antevê um futuro ainda mais gostoso.

Rincon Sapiência

Pode-se ser um artista aclamado e consolidado, com um sucesso estrondoso no seu país, fazer música há 20 anos e ainda ser uma voz nova que promete surpreender no futuro? Pode, pois: que o diga Rincon Sapiência.

Rapper proeminente da música de São Paulo, Rincon é uma figura com alguma notoriedade no hip-hop brasileiro desde 2009, altura em que lançou o single “Elegância”. E no entanto, ainda hoje, em 2021, não sabemos exatamente qual o limite para o crescimento mediático (internacional) e artístico de Rincon Sapiência. Ou que ritmos vai surfar nas rimas.

Há cinco anos lançou o single “Ponta de Lança – Verso Livre” e no ano seguinte (em 2017) lançou o seu primeiro álbum completo, Galanga Livre, um sucesso imediato. Desde aí não faltaram canções e mais um disco (Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps, de 2019) mas o talento de Rincon Sapiência para a escrita e para dicção faz acreditar que o futuro será ainda mais brilhante e que o hip-hop eclético de Rincon, tão capaz de salgar as feridas do racismo como de pôr quem o ouve a dançar com as desigualdades, pode assolar o mundo como um furacão.

Sain

O ditado que diz que filho de peixe sabe nadar nem sempre se confirma, mas algumas vezes (não tão poucas assim) prova-se verdadeiro. É assim com Sain, filho de uma das grandes figuras da música brasileira e do hip-hop lusófono — Marcelo D2 — que decidiu enveredar pelo caminho da música tal como o pai.

Carioca, Sain editou em 2017 o seu primeiro álbum, Dose de Adrelina, mas foi o segundo álbum — Slow Flow, de 2019 — a confirmar que é nome a ter em grande conta no hip-hop. Mal se ouve a “Intro” percebe-se que este é um hip-hop diferente do que é hoje mais popular (clássico até ao osso). Adianta-se o disco e reconhece-se que Slow Flow, uma referência a uma forma de rimar mais arrastada do que malabarista, também não é mero pastiche do hip-hop dos anos 90: as batidas trazem alguns aromas originais. Já os raps são de quem domina bem a caneta e o verso (oiça-se “Rosas e Rimas”). Mas fica quer a impressão que isto é só a apresentação quer a curiosidade para ver até onde chegará Sain.

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo

De 2021 chega um disco que apresenta ao mundo uma nova banda brasileira, que até nos simplificou o trabalho dando ao álbum de estreia o título do grupo: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.

Formada em São Paulo e com quatro elementos — Sophia Chablau na voz e guitarra, Téo Serson no baixo, Theo Ceccato na bateria e Vicente Tassara entre os teclados e a guitarra —, a banda foi para estúdio em 2019 gravar as nove canções que integram este primeiro álbum.

A produção ficou entregue a Ana Frango Elétrico e é difícil não ficar curioso com o que poderá ser o futuro desta pandilha paulista da canção brasileira e do rock independente, capaz de nos oferecer um bocadinho de tudo: guitarras sujas, letras poéticas, som lo-fi e experimental (“Deus Lindo”) e canções que se espreguiçam longamente com voz e melodias de embalo.

Souto MC

No estado de São Paulo vai também despontando uma das mais talentosas MC de uma nova geração do hip-hop brasileiro. Chama-se Caroline Souto mas dá pelo nome de Souto MC e a sua carta de apresentação mais afirmativa chegou há dois anos, com o álbum Ritual, um disco em que mistura hip-hop, alguns refrões e ritmos tipicamente brasileiros (fazendo uma ponte com o samba) e uma verve dotada nas rimas.

Com ascendência indígena — o pai cresceu junto do povo Kairiri, como a rapper aliás refere no tema “Reconquista” —, Souto MC tem um discurso interventivo sobre a necessidade de proteção destas populações e sobre uma “ancestralidade” de que sente ter sido afastada. Um pouco à semelhança do rapper indígena Kunumi MC, mas com uma força lírica e uma musicalidade muito própria, Souto MC vai deixando sinais de que o futuro é dela em temas como “Retorno”, “Festa e Fartura” (que tem Bia Ferreira e Kunumi MC como convidados) e a recente “Talismã”, uma colaboração com DJ Caique.

Tagua Tagua

É autor de um dos discos brasileiros mais surpreendentes e subvalorizados dos últimos anos — e é também um dos renovadores do património musical brasileiro que poderá ser visto em Portugal nos próximos dias.

Tagua Tagua, projeto musical do produtor, guitarrista e vocalista Felipe Puperi, poderá ser visto ao vivo em Portugal numa digressão que vai passar por Porto (esta terça-feira, 19), Guarda (4ª, 20) Ovar (5ª, 21), Santarém (sábado, 23), Castelo Branco (domingo, 24), Beja (quarta-feira, 27) e Lisboa (quinta-feira, 28).

Na bagagem Filipe Puperi leva dois EPs, um primeiro álbum completo que merece atenção (Inteiro Metade) e alguns parceiros musicais que se lhe juntam em palco: Leo Mattos na bateria, Jojo na guitarra e sintetizadores e Rafael Findans no baixo. No caso do concerto em Lisboa, que acontecerá na Casa do Capitão no dia 28, promete-se ainda a aparição de um “naipe de sopros local”.

Merece a maior atenção, até porque o disco que editou no ano passado e que o deu a conhecer a um público um pouco mais alargado no Brasil está cheio de swing e groove, de batidas eletrónicas e teclados dançantes. Numa havaiana estão as lições do passado da MPB e da escrita de canções hoje tidas como tropi-clássicas, na outra as percussões e ritmos eletrónicos e da pop psicadélica mais moderna. Conciliar tudo de forma original e com alguma classe é um feito que nos faz acreditar na canção tropical de Tagua Tagua (Felipe Puperi).

Tom Veloso, “Zé” Ibarra e os Dônica

O pai Caetano andou por aí há bem pouco tempo com os filhos ao lado — já não às costas —, a mostrar que os Veloso são família de muitos talentos. O mais velho, Moreno, já tem há muito a carreira a solo consolidada como músico e produtor. Zeca, o do meio, apareceu agora qual meteoro graças a uma canção chamada “Todo Homem”. Não é portanto de estranhar que o mais novo seja o menos mediático.

No ano passado Tom Veloso, o caçula do clã, lançou com o pai Caetano uma canção nova chamada “Talvez”, um dueto em que trabalhou na composição. Mas a melhor carta de apresentação musical do Veloso júnior é a sua banda Dônica.

O grupo, que tem um álbum completo editado (Continuidade dos Parques, 2015), é formado por cinco elementos: Lucas Nunes, Miguima, André Almeida e a dupla que faz de motor na composição, Tom Veloso e “Zé” Ibarra. Dada a qualidade das composições dos temas do primeiro disco, um tratado da nova canção brasileira de recorte clássico — entre a MPB e um “psicodelismo” gentil —, muito se espera de um segundo álbum que tarda em chegar.

O que é certo é que o talento para a composição da dupla Tom Veloso e Zé Ibarra promete marcar a próxima era do Brasil: menos do que serem chamados de “Lennon-McCartney da América Latina” daqui a umas décadas é derrota. Até porque Zé Ibarra, sem apelido famoso, é um estupendo cantor e uma promessa retumbante da música brasileira, como se comprova paralelamente pelo início de um percurso a solo. Venham mais canções dos Dônica e, aí ou fora da banda, mais provas do talento desta dupla maravilha. Do talento do filho, o mestre Caetano não tem dúvidas: em 2019 dizia ao Observador que é por exemplo aquele que “toca melhor” guitarra do clã Veloso. Sem pressão…

Zeca Veloso

Às vezes basta uma canção para o mundo se render — e foi assim com Zeca Veloso. Uma canção, emoção a transbordar e uma voz-falsete que derrete corações. A canção chamava-se “Todo Homem” e o mais curioso é isto: o mundo lusófono ficou a conhecer Zeca Veloso através deste sucesso estrondoso quando até “Todo Homem”, Zeca, que nem sequer é o mais novo dos três irmãos, era um desconhecido.

Em 2019, Caetano Veloso contava ao Observador que o espectáculo ao vivo que montou com os filhos — “Ofertório”, devidamente gravado e editado em disco — só se materializou depois de convencer Zeca Veloso a participar, o que não foi fácil. Inicialmente o filho “recusou” e levou “um bom tempo” a mudar de ideias, contava Caetano. Que o mundo se tenha maravilhado com ele precisamente devido a uma canção desse espectáculo é só uma deliciosa ironia.

A história de Zeca Veloso foi contada em parte pelo pai Caetano ao Observador. Na adolescência, “quis aproximar-se da música eletrónica” e “antes de fazer 18 anos tocava em lugares, em mini raves, até em clubes noturnos, mentindo sobre a idade”. Só depois de adulto “começou a fazer essas canções que vão direto ao coração da gente”.

Hoje Zeca Veloso tem 29 anos e o pai ficou “maravilhado ao ver que milhões de pessoas que não conheciam o Zeca tenham captado o essencial do que ele é”. Mais: “A canção é tão ele, que pensei que só alguém que o conhecia tão bem como eu a poderia entender. Tom foi a primeira pessoa a ouvi-la: eu estava dormindo e Zeca, tendo acabado de a compor, sentiu necessidade de mostrar e foi à praia, onde sabia que Tom estaria, e finalmente a cantou para o irmão. Este ouviu calado e disse: meu pai vai gostar”. Depois de tudo isto há-de chegar um disco a solo, mas de uma coisa já ninguém tem dúvidas: está encontrado o novo menino bonito da pop brasileira.

Zé Leônidas

Apresenta-se como “músico multi-instrumentista, compositor e cantor”. Começou a apresentar-se ao público com colaborações e com uma participação num disco de 2017 (Gafieira para Dominguinhos) do Grupo João de Barro, formação dedicada à revisitação das raízes da música popular brasileira — mas sobretudo pela participação no concerto “Tom Jobim visita Chico Buarque”, conduzido pela Orquestra Jovem Tom Jobim e pela cantora Mônica Salmaso.

Em 2020, Zé Leônidas, proveniente de São Paulo, editou um primeiro álbum de estúdio em nome próprio que leva a crer que será nome a ter em grande conta no futuro da música brasileira. O disco, repleto de participações, sucede ao EP Fiz um Samba pra Você (2018) e a Sou Linda – ao Vivo (2019) e é uma pequena maravilha brasileira de batuque, samba e canções de estirpe clássica. Já este ano ouvimos um single que ainda eleva a fasquia: “Baco Vai Sair Babá”, uma colaboração com o bloco de rua Baco do Parangolé. Que beleza.

Zudizilla

As primeiras mixtapes já são antigas mas a carreira tornou-se mais sólida em 2016, depois da edição do disco Faça a Coisa Certa. Desde então, portanto nos últimos cinco anos, Zudizilla tornou-se um dos nomes mais promissores do novo hip-hop brasileiro, tendo lançado em 2019 um EP muito recomendável (JazzKilla) e um disco completo intitulado Zulu, Vol. 1: De Onde Eu Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão, que deverá ter sucessor muito em breve.

A voz ligeiramente rouca e as batidas mais sombrias e “sujas” por comparação com os ritmos do hip-hop mais popular por estes dias tornam a música deste rapper e cantor gaúcho que vive em São Paulo (também devido à relação que mantém com a cantora Luedji Luna) muito distintiva. Depois há as rimas, departamento em que este rapaz se mede com os melhores: quem duvidar do talento de Zudizilla que oiça aqui em baixo “Sintonize” ou outros temas do seu último álbum, como “Steez”.