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O que acontece às medidas promulgadas por Marcelo se não houver Orçamento aprovado? Doutrina divide-se
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O que acontece às medidas promulgadas por Marcelo se não houver Orçamento aprovado? Doutrina divide-se

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O que acontece às medidas promulgadas por Marcelo se não houver Orçamento aprovado? Doutrina divide-se

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Que medidas aprovadas e promulgadas por Marcelo ficam em suspenso se houver chumbo do Orçamento e duodécimos?

Orçamento em duodécimos ameaça fim das SCUT. Mas medidas que mexem na receita, como o IVA da luz, não estão em risco, dizem especialistas. Banca, farmacêuticas e setor energético podem sair a ganhar.

As negociações do Orçamento do Estado estão em pausa para férias e só retomam em setembro, mas pelo meio uma decisão presidencial fez as partes acentuarem o drama da viabilização. Não há certezas sobre o Orçamento para 2025 e existe o risco de o país entrar em regime de duodécimos — hipótese que Luís Montenegro nunca descartou (pelo contrário). Esse cenário levanta, no entanto, riscos sobre a concretização de medidas que foram aprovadas e promulgadas por Marcelo Rebelo de Sousa para vigorar em 2025, incluindo algumas do Governo.

Se o Orçamento do Estado for chumbado, o atual é prolongado em regime de duodécimos (o que significa que os gastos previstos ficam limitados mensalmente a um doze avos do aprovado para o ano anterior),  até existir um novo em condições de entrar em vigor.  Caberá ao Governo, nesse caso, aprovar um decreto “com as normas estritamente necessárias para a execução do orçamento transitório”, de acordo com a lei de enquadramento orçamental.

A dúvida é sobre o que acontece aos diplomas programados para entrarem em vigor a partir do dia 1 de janeiro de 2025. Mais concretamente, o que será da redução do IRS, das deduções fiscais para as rendas, da redução do IVA do eletricidade para consumos mais elevados, do fim da taxa para o alojamento local e das SCUT do interior e até dos aumentos para polícias e professores.

A resposta divide os políticos, os especialistas em processos orçamentais e também em direito constitucional que foram contactados pelo Observador. “A certeza que tenho é que a solução não é simples. E daria trabalho ao Tribunal Constitucional”, sintetiza a constitucionalista Teresa Violante. “Não temos experiência, não há doutrina”, atira uma fonte parlamentar. “Caminhamos sob gelo fino”, comenta um elemento social-democrata, admitindo que não há “respostas fechadas”.

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Já outro constitucionalista, Tiago Duarte, não mostra dúvidas sobre o que acontece a medidas projetadas para 2025 se o Orçamento em vigor continuar a ser o de 2024: “As alterações legislativas foram aprovadas para entrar em vigor a 1 de janeiro, logo, para ser no contexto do novo Orçamento. Não poderão ser executadas em 2025 enquanto estivermos com o Orçamento de 2024″. As medidas, diz ao Observador, “estão a impactar um OE em que não estão contempladas. Só se o Governo as acolher”, acrescenta apontando os condicionalismos impostos pela norma travão.

Segundo essa norma constitucional, o Parlamento não pode “apresentar projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”. Se for o Governo a decidir esse aumento ou diminuição, isso já pode acontecer. No fundo, é a discussão que se coloca atualmente em relação à redução do IRS: só o Governo pode decidir sobre a sua aplicação já este ano porque isso tem impacto no Orçamento do “ano económico em curso”.

O caso que poderia ser mais bicudo aplicar sem um orçamento novo é o fim das SCUT, que o PS estima ter um custo de 160 milhões (o Governo apontou para 180 milhões), já que pode vir a implicar um pagamento de compensação às concessionárias das rodovias que vão passar a ter isenção de portagens para os utilizadores. Se Orçamento for chumbado, a medida, por implicar aumento de despesa, pode não sobreviver

Dúvidas sobre aumento para professores e polícias

O socialista Vitalino Canas, especialista em direito constitucional, também considera como “princípio geral” que as medidas aprovadas este ano com impacto no próximo Orçamento terão de ser “acomodadas” num novo exercício orçamental. “As medidas que só entrem em vigor em 2025 não levantam dúvidas sobre a lei travão, porque só serão refletidas no Orçamento de 2025. Mas isso também significa que, para para serem acomodadas, tem de existir uma nova norma orçamental. Se não existir um novo Orçamento, não é possível passá-las à prática”.

Na linha de raciocínio do socialista, podem não se salvar sequer as medidas que saíram de iniciativa do Governo, já que o Executivo também tem tectos de despesa para respeitar. “Não está inibido pela lei travão, mas está pelo enquadramento orçamental, já que têm de existir verbas para esse cabimento [orçamental]”, argumenta.

E ainda que Vitalino considere que “todas as medidas com impacto calculado já este ano possam continuar em duodécimos”, coloca dúvidas quanto aos aumentos de professores e polícias. E isto porque mesmo que já tenham aplicação no ano em curso, implicarão “uma nova tranche no Orçamento de 2025”. “Se não existir novo Orçamento, não podem ser pagas”. Um socialista também aponta estas mesmas medidas como as “mais difíceis” de aplicar em caso de duodécimos: “Só se existir margem nos tectos de despesa deste ano”.

Nesta matéria concreta, uma fonte conhecedora do processo orçamental alerta, no entanto, para um dado. A revisão da lei de enquadramento orçamental de 2022, feita pelo anterior Governo, aumentou as exceções ao regime de duodécimos. Se a versão anterior excecionava dos duodécimos despesas com beneficiários da segurança social, passaram também a estar excecionadas, entre outras, despesas referentes a direitos dos trabalhadores, onde se enquadrariam estas medidas. Isto quer dizer que nesse caso pode ser excedido o duodécimo da despesa total.

A mesma fonte também difere das anteriores sobre o destino das medidas agora promulgadas em caso de duodécimos e isto porque as medidas aprovadas pela oposição são praticamente todas de impacto nas receitas fiscais. O que os orçamentos determinam é uma projeção de receita e não um limite, como acontece com as despesas. Outra fonte conhecedora destes processos aponta para esta mesma questão, dizendo que “em matéria orçamental o Parlamento (apesar de aprovar um orçamento completo) só aprova com carácter obrigatório os tectos de despesa e de endividamento“.

Ora, existe quem, no PSD, entenda exatamente o mesmo — prova de que as dúvidas sobre esta matéria não são exclusivamente uma questão de cor partidária. “Aquilo que temos no Orçamento do Estado é apenas previsão de receita. É uma projeção. As receitas orçamentadas podem perfeitamente ficar aquém do projetado. Ora, havendo novas normas fiscais que impliquem perda de receita, elas aplicam-se na mesma”, argumenta em declarações ao Observador o antigo deputado do PSD Duarte Pacheco.

Coisa diferente é o aumento da despesa, salvaguarda Duarte Pacheco, que também manifesta algumas dúvidas de que o Orçamento tenha enquadramento para acomodar os aumentos para professores e polícias. Ao mesmo tempo, um elemento do PSD, que preferiu o anonimato, vai na direção completamente oposta: não só as medidas que implicam redução de receita estão protegidas pelo regime de duodécimos, como as medidas que já foram aprovadas para entrar em vigor este ano (professores e polícias) também não estarão em risco. “Agora, há que não esquecer que um regime de duodécimos limita e muito negociações com outras carreiras da Administração Pública”, alerta a mesma fonte social-democrata.

Quer o alargamento do IVA na eletricidade (com uma redução de receita em sede de IVA estimada em 90 milhões), a mudança nas taxas de IRS (com redução da receita com este imposto de quase 500 milhões), o aumento das deduções específicas do IRS, o aumento das deduções com os gastos de rendas no IRS são todas medidas que reduzem a receita. E estarão previstas em diplomas que serão publicados este ano, ainda que com aplicação prática em 2025.

Existe outra hipótese, para já, académica que vai servindo de argumento para alimentar a discussão do lado social-democrata: se o Orçamento do Estado for chumbado e passar a vigorar o regime de duodécimos for chumbado, as contribuições sobre setor bancário, a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica e, por exemplo, a contribuição extraordinária sobre o setor energético podem cair, o que significaria uma perda de receita de quase 400 milhões de euros

Fim das SCUT pode não sobreviver a duodécimos

O caso que poderia ser mais bicudo aplicar sem um orçamento novo é o da isenção de portagens, que o PS estima ter um custo de 160 milhões (o Governo apontou para 180 milhões), já que pode vir a implicar um pagamento de compensação às concessionárias das rodovias que vão passar a ter isenção de portagens para os utilizadores.

Só que, realça um fonte já citada, essa compensação pode não acontecer em 2025. Por um lado, tem de haver negociações para fixar o montante de compensação e essas negociações podem gerar um acordo que passe por outra solução que não o pagamento da compensação (por exemplo extensão dos prazos de concessão ou revisão dos contratos de manutenção) ou mesmo não gerar qualquer acordo, levando o caso para Tribunal Arbitral e, com isso, atirar ainda mais para a frente o pagamento.

A constitucionalista Teresa Violante não tem uma interpretação fechada sobre a margem para aplicação das medidas promulgadas em caso de duodécimos, ainda assim diz ao Observador que essas medidas “não são normas orçamentais, entrarão em vigor normalmente (a não ser que haja uma previsão expressa que estabeleça que entram em vigor com o próximo Orçamento)”.

Para a constitucionalista, não está em causa a lei travão que visa impedir um aumento da despesa no mesmo ano orçamental e sobre esta norma alerta que “o Parlamento não pode violar a margem do Governo, mas também não pode ficar de mãos atadas por vicissitudes decorrentes no processo orçamental”. Faz até um exercício que é imaginar que que o Governo não apresentava a proposta de Orçamento, como está obrigado a fazer.

Nessa caso, diz Teresa Violante, “a Assembleia da República não conseguiria aprovar nova lei do Orçamento. Isso coartaria a liberdade futura do Parlamento que ficaria vinculado à lei travão, a um orçamento aprovado para um ano, que continuaria a vigorar para os anos seguintes por inação do Governo”.

Banca, farmacêuticas e setor energético podem sair a ganhar

Existe outra hipótese, para já, académica que vai servindo de argumento para alimentar a discussão do lado social-democrata: se o Orçamento do Estado for chumbado e passar a vigorar o regime de duodécimos for chumbado, as contribuições sobre setor bancário, a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica e, por exemplo, a contribuição extraordinária sobre o setor energético podem cair, o que significaria uma perda de receita de quase 400 milhões de euros.

Ora, esta conclusão resulta da interpretação da alínea b)  do número 3 do artigo 53.º, que diz o seguinte: o regime de duodécimos “não abrange a autorização para a cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano económico a que respeitava aquela lei”. De outra forma, sem Orçamento do Estado, sem renovação destas contribuições extraordinárias, o Estado estaria impedido de cobrar estes impostos.

Segundo fontes sociais-democratas, entram neste bolo de impostos que deixaria de ser cobrados a Contribuição sobre o sector bancário, o Adicional de solidariedade sobre o sector bancário, a Contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, a Contribuição extraordinária sobre fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde (ACSS) ou a Contribuição sobre o sector energético (FSSSE), por exemplo. A título de exemplo, em 2023, a Contribuição sobre o sector bancário rendeu 214 milhões de euros e a do sector energético segundo valeu aos cofres do Estado 112 milhões.

O constitucionalista Tiago Duarte não mostra dúvidas sobre o que acontece a medidas projetadas para 2025 se o Orçamento em vigor continuar a ser o de 2024: "As alterações legislativas foram aprovadas para entrar em vigor a 1 de janeiro, logo, para ser no contexto do novo Orçamento. Não poderão ser executadas em 2025 enquanto estivermos com o Orçamento de 2024". Todavia, esta posição não é acolhida por outros especialistas ouvidos pelo Observador

Mais margem de gestão em duodécimos, graças ao anterior Governo

Segundo uma fonte conhecedora dos processos orçamentais, o cenário de duodécimos pode ser limitado para o Governo, condicionando-lhe a capacidade de gestão orçamental, ainda assim considera que o Executivo conservaria mais latitude do que o Parlamento. E isso foi facilitado pela já referida alteração à lei de enquadramento orçamental (em vigor desde janeiro de 2022), que excecionou do limite dos duodécimos não só os direitos dos trabalhadores, como também as aplicações financeiras, encargos da dívida, despesas associadas à execução de fundos europeus, por exemplo.

Ou seja, o atual Governo tem mais margem de gestão do que tiveram anteriores Executivos que tiveram de trabalhar em duodécimos, segundo esta mesma fonte. Seja como for, um Orçamento em duodécimos nunca é visto, à partida, como uma vantagem, mas no atual quadro político não tem sido diabolizado. O Presidente da República tem evitado falar sobre o assunto, embora já tenha vindo dizer que este ano há “mais razões do que havia” em 2021 para ter um Orçamento do Estado — uma afirmação que, na verdade, servia para afastar a possibilidade de um chumbo.

Já o Governo não tira os duodécimos da equação, na tentativa de travar sua própria queda no breve prazo. Como explicava o Observador ainda abril, Luís Montenegro admite ficar em duodécimos, mas vai manter o tabu praticamente até ao fim. Aos olhos dos dirigentes sociais-democratas, governar em duodécimos é teoricamente possível, mas o núcleo duro do Governo não quer alimentar essa tese porque objetivo é pressionar Pedro Nuno Santos e obrigar socialista a decidir o que fará no Orçamento do Estado. Desobrigá-lo demasiado cedo, coloca em risco esta estratégia.

Já à esquerda, ninguém quer ouvir falar de novas desculpas para que não sejam postas em marcha medidas que conseguiu fazer passar na Assembleia da República nestes primeiros meses de legislatura. A postura do PS em relação ao que foi promulgado foi deixada clara ainda esta quinta-feira quando Pedro Nuno Santos falou aos jornalistas e disse que as iniciativas legislativas são para ter efeitos em 2025 “para não haver violação da norma travão”, o que “quer dizer que os efeitos de 2024 dependem de decisão do Governo”.

Pedro Nuno falava muito em concreto da redução do IRS, que tem desafiado o Governo a aplicar já este ano, com a publicação de novas tabelas de retenção do imposto e o efeito imediato sobre os rendimentos dos portugueses. Mas o que o socialista faz com isto é remeter para o Governo a execução desta ou de outras medidas. Afinal, qualquer que seja o Orçamento em vigor, no PS considera-se que com as medidas já promulgadas, basta que exista vontade do Governo para que elas avancem.

E mesmo que estejam em causa tectos de endividamento, num futuro cenário de duodécimos, o PS já deixou clara a sua disponibilidade para avançar com retificativos. Aconteceu logo em abril, no primeiro embate parlamentar com Luís Montenegro e m que desafiou o primeiro-ministro para um retificativo que incluísse cinco medidas concretas — muitas estão no pacote de diplomas promulgado esta semana por Marcelo (caso das portagens, o IVA da eletricidade e o aumento das deduções para as rendas).

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