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Costa contra Rio e Rio contra Costa, o mano-a-mano dominou
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Costa contra Rio e Rio contra Costa, o mano-a-mano dominou

Costa contra Rio e Rio contra Costa, o mano-a-mano dominou

Quem atacou quem na primeira semana de campanha: Rio e Costa mano-a-mano no ringue, esquerda não poupa PS

António Costa foi atacado por todos menos por Sousa Real. Rio e Costa quase só se atacam mutuamente. A esquerda não poupou Costa um único dia. Quem, afinal, atacou quem na primeira semana de campanha?

Abriu o tiro ao alvo logo na primeira semana de campanha, em ataques que denunciam estratégias. Rui Rio e António Costa — que querem acabar com o voto útil — atacaram-se quase exclusivamente um ao outro numa tentativa de bipolarização da campanha. Não houve um único dia — em que o Observador analisou todos os ataques — em que os dois não se atacassem mutuamente. Get a ring: os dois candidatos a primeiro-ministro precisam de um ringue.

António Costa ainda teve uma irritação com Catarina Martins (“não aceito lições de Catarina Martins”, disse irritado), mas provou mesmo ser obssessivo-rioista. Já Rio só atacou mesmo um adversário diretamente: o líder do PS. Uma pequena exceção, muito pequena, para o facto ter reduzido uma ambição de Ventura de ser vice-primeiro-ministro a piada — o que não configura bem um ataque.

António Costa foi também alvo preferido dos antigos parceiros de geringonça. Catarina Martins atacou o PS todos os dias, na tentativa de evitar uma eventual maioria absoluta. Isto apesar de — em dois dias seguidos, logo no início da semana — se ter focado no ataque ao Chega, promovendo ações de campanha (como a do Bairro da Jamaica com a família Coxi) que eram campo aberto para tiro a André Ventura. A ideia é: votem BE, para o “racista” (Ventura) não ficar em terceiro lugar.

Também João Oliveira, da CDU, elegeu o PS de António Costa como principal alvo, mesmo num equilíbrio difícil entre a crítica e o não-fechar portas à convergência. Lá surgiu, no fim da semana, um ataque aos sucedâneos e “mordenaços”, como a Iniciativa Liberal. Mas nos sete dias em análise, não houve um único em que CDU e BE não atacassem Costa.

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Já o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, disparou em praticamente todas as direções. A maioria dos ataques foram, sem surpresa, para António Costa. Às críticas a Rio, o líder centrista optou por lhes chamar nuances, e não deixou de atacar, claro, o PAN na defesa do “mundo rural”. Colou a Iniciativa Liberal, como habitual, ao Bloco de Esquerda, e voltou a alertar para o fanatismo do Chega. Uma nota: atacou Costa durante seis dias e Ventura também durante seis dias.

A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, foi quem menos atacou e a única dos oito principais partidos que não visou António Costa. Atacou Ventura e Rodrigues dos Santos, em resposta aos ataques que lhe são feitos, e ainda a CDU e BE, por terem chumbado o orçamento que precipitou estas eleições antecipadas.

Sem surpresas, a Iniciativa Liberal elegeu o PS como principal adversário e o Chega, PCP e Bloco de Esquerda passaram a ser os alvos de ataque apenas na altura da semana em que as sondagens colocaram o partido com a hipótese de alcançar o terceiro lugar.

Ao seu estilo corrosivo, André Ventura mandou Rio para casa, depois de ter dito que não se deviam criar elementos de fricção para não destruir pontes entre os partidos à direita. Atacou também Passos Coelho para, de forma indireta, atacar Rui Rio. Com o PS utilizou tudo o que costuma utilizar, de Sócrates à Casa Pia.

Em resumo, António Costa foi o mais atacado: todos, à exceção de Sousa Real, o atacaram. Dos outros seis líderes que o tiveram como alvo, cinco deles atacaram-no todos os dias e outro deles cinco: foi André Ventura.

Afinal, como foi a primeira semana de ataques? Quem atacou quem? O Observador fez as contas.

PS. Rio, Rio, Rio e mais Rio. Costa tem alvo-único

O quadro de ataques de António Costa é quase unidirecional. Mas houve alguns momentos, nesta primeira semana de campanha, em que ainda foi ao ataque à esquerda, por tática ou por simples irritação momentânea.

O ataque à líder do Bloco de Esquerda que surgiu este domingo – com Costa a não aceitar “lições” de Catarina Martins — é uma raridade, assim de forma tão direta. Não que as relações não andem tensas ao ponto de justificarem este tipo de reação mais a quente e adversa com o BE, mas não tem sido o Bloco um alvo preferencial. Esse é, sem sombra de dúvida, Rui Rio. Todos os dias, em cada intervenção, em cada local, Costa refere sempre o programa de Rio e as suas medidas (ou ausência delas) em matéria de aumento do salário mínimo, da redução do IRS ou do modelo que o social-democrata defende para a Saúde e Segurança Social.

E no início da semana, na segunda-feira, ainda aproveitou a questão da prisão perpétua, para tentar colar o candidato do PSD à extrema-direita. Essa radicalização de Rio, a insensibilidade social e até o seu feitio “conflituoso” foram referências que ganharam espaço no decorrer da semana. Na Madeira, logo na terça-feira, o líder do PS já tinha também ensaiado uma colagem de Rio ao PSD de Passos e ao histórico da troika. No final de semana, era já referência insistente nas suas intervenções.

Na caravana socialista jura-se que esta obsessão com Rio não é uma reação às sondagens e antes garantem que a bipolarização e exploração da ideia de quem tem mais perfil de primeiro-ministro fazem parte de uma estratégia que já estava alinhada para ocupar boa parte das intervenções do partido e do seu líder à medida que a campanha avançava. E que apenas coincidiu com a aproximação do social-democrata nas intenções de voto. A esquerda e o seu chumbo, ao lado da direita, do Orçamento do Estado, continuam a ser recordadas, mas aqui e ali, e sem a intensidade de outras fases.

Rui Rio. O tiro ao alvo a Costa em modo português suave

Rui Rio não ataca. Rui Rio é atacado. Pelo menos, é essa a narrativa que o líder social-democrata se tem esforçado por vender nesta campanha para as legislativas. Não é exatamente assim que acontece, naturalmente. De domingo a domingo, o presidente do PSD não deixou escapar um dia sem praticar o tiro ao alvo a António Costa.

Domingo: “O PS quer mentir e amedrontar as pessoas”. Segunda: “Se António Costa continuar desta forma vai ficar a falar sozinho”. Terça: “No tempo de Sócrates distribuiu o que tinha e o que não tinha, agora digamos que distribui o que tem”. Quarta: “A troika é filha do facilitismo [do PS]”. Quinta: “Alguém que teve a governação que teve nos últimos seis anos, ainda achar que o povo está disponível para lhe dar a maioria absoluta é muito arriscado”. Sexta: “Com este nível de elevação não vamos muito longe, Não vejo outra alternativa que não seja deixar António Costa a falar sozinho”. Sábado: “António Costa está objetivamente a enganar as pessoas [sobre as propostas do PSD para a Justiça]”. Domingo: “Aquilo que António Costa tem feito é deturpar as nossas propostas. Já não consegue ir lá pela positiva; está a baixar os braços”.

Tem sido sempre assim, com mais uns pózinhos de críticas à forma como os governos socialistas têm conduzido o país à estagnação ou como este Governo em particular foi imprudente no Novo Banco, inábil na gestão do SNS, incompetente no dossiê da TAP, corporativista na Justiça, despesista na Administração Pública e inerte em tudo o resto que verdadeiramente importa ao país. “Quando o PS nos diz que vai continuar com as mesmas políticas, quer dizer que vamos continuar a empobrecer alegremente. O PS vai pelo facilitismo, mas nós preferimos ir pelo rigor”, tem repetido Rui Rio pelo país fora.

Uma campanha feita em modo equilibrista: ao ataque, mas sem pessoalizar; como líder da oposição, mas vitimizando-se de golpes alheios; com críticas, mas sem “berros”, expressão que Rui Rio usa sempre para se referir ao jeito de fazer campanha do seu adversário; sem o fel que seria expectável, porque é com mel que se capta o eleitorado moderado e indeciso.

E, claro, focada única e exclusivamente em António Costa. Ao contrário do que já aconteceu no passado, Rui Rio deixou em casa as críticas à esquerda e ignora por completo a direita. Há duas explicações para isto: em primeiro lugar, a extinta geringonça está a desgastar-se sozinha, não precisa de ajuda; em segundo lugar, Rio não tem qualquer interesse em tentar esvaziar os partidos à direita porque acredita que a bolsa de votos que verdadeiramente interessa não está aí.

Nota ainda para a relação com o Chega, que desapareceu por completo do discurso de Rui Rio. Tantas vezes acusado de ser ambíguo em relação a André Ventura, o líder do PSD resolveu o assunto ainda a meio da semana. Desafiado a comentar se aceitaria ter André Ventura como número dois de um governo, Rio divertiu-se. “Fui o primeiro a pedir uma campanha com humor. É uma piada”, despachou. E nunca mais se falou de Ventura na caravana do PSD.

BE. Tiro à maioria absoluta, conselhos para Costa e ataques à direita que quer derrotar

Se o papão da maioria absoluta fosse um partido, também entraria nestas contas. Foi a esse fantasma que Catarina Martins apontou baterias durante toda a primeira semana de campanha, o que explica os constantes ataques ao PS, que se repetiram todos os dias – ora fosse para lembrar que os portugueses têm “má memória” das maiorias absolutas, ora para atirar mais diretamente contra a maioria de José Sócrates (o cabeça de lista por Coimbra, José Manuel Pureza, chegou no final da semana a chamar o caso do ex-ministro Manuel Pinho ao barulho, no ataque duro em que concretizou o que Catarina vinha sugerindo há dias: “As maiorias absolutas são o porto de abrigo da alta corrupção”).

O resto dos ataques ao PS foram sempre pela perspetiva de um Bloco que jura querer entendimentos e até construir um “contrato para o país” (leia-se um novo acordo com o PS) a seguir às eleições. Frisando que a “indisponibilidade” é apenas e só do PS e poupando o vizinho da esquerda, o PCP, a qualquer farpa, Catarina rematou a semana aconselhando mesmo Costa a “mudar a agulha” e parar de queimar pontes à esquerda, tendo em conta a viragem à direita que as intenções de voto apontam.

O outro grande alvo, nos primeiros dias, foi André Ventura – o Bloco escolheu como objetivo eleitoral disputar o terceiro lugar com o Chega e não houve momento, no arranque da semana, em que Catarina não aproveitasse para frisar que um voto no Bloco servirá para “derrotar a extrema-direita”. Nos dias seguintes, abriria as críticas à direita, genericamente falando, e apontando a propostas concretas da IL ao PSD – do cheque-ensino aos médicos assistentes – para garantir que a direita quer “destruir os serviços públicos essenciais”.

A única variação dos ataques, que se mantiveram durante toda a semana, teve a ver com outro dos eixos em que o Bloco aposta neste programa eleitoral: o do ambiente. Garantindo que não será com a direita (sugeriu uma espécie de negacionismo dos liberais várias vezes, depois de Cotrim Figueiredo ter recusado o termo emergência climática) que se resolverão os problemas nessa área, e aproveitou para atirar contra o PAN – “os ambientalistas que dizem que podem fazer Governo com essa direita”.

CDU. A difícil tarefa de afugentar o voto útil no PS e tentar ao mesmo tempo reedição da geringonça

Metade da semana dos comunistas foi dedicada a atacar a maioria absoluta que o PS pedia, mas à medida que as sondagens foram saindo — com a direita aparentemente a crescer nas intenções de voto —, a pontaria foi-se virando cada vez mais à direita.

A CDU tem a difícil tarefa nas mãos de tentar demarcar-se do Partido Socialista, evitando que alguns votos fujam da coligação para o voto útil no PS e a tão desejada maioria absoluta de António Costa, mas ainda assim continuar a aliciar os socialistas para uma solução de esquerda tal como a que surgiu em 2015.

Se a primeira ficou batizada de geringonça, esta bem pode chamar-se “convergência”, já que é uma das palavras por estes dias mais dita na caravana comunista. Mas como do outro lado o discurso bate na parede e, ainda pior, vem devolvido em modo hostil, há que carregar nas tintas daquilo que o “PS fez ao lado do PSD” e da “política de direita” que encetou sempre que lhe foi útil, ignorando os parceiros da esquerda.

Coisa que não se tem ouvido — reforçando a porta aberta que os comunistas tentam manter — é o argumento de que a geringonça não foi um governo de esquerda, mas um governo do PS suportado por partidos de esquerda. Um discurso que a CDU usou até aqui.

Para o outro partido que compunha a geringonça, o Bloco de Esquerda, a CDU também tem reservado espaço para críticas. Uma e outra vez, nos discursos, João Oliveira vai lembrando que quando foi altura de viabilizar o Orçamento de Estado Suplementar o BE se colou à direita e fê-lo passar. É com essa referência que reivindica que “o único voto de confiança à esquerda é na CDU”.

E se até domingo os ataques atingiram sempre os mesmos, no comício de domingo à tarde as críticas foram centradas em grande parte na Iniciativa Liberal. O mais comum no PCP é a referência aos partidos à direita do PSD e CDS como “seus sucedâneos”. Num claro endurecer de tom, João Oliveira atirou aos que usam “discursos modernaços”, mas fogem de temas como a habitação ou querem destruir os serviços públicos.

Indo mais longe, alertou que António Costa está disponível para encontrar uma solução com Rui Rio, extrapolando isso para a hipótese de Rio se entender com o Chega, João Oliveira conseguiu colar os socialistas também ao partido de Ventura.

CDS. As “nuances” para o irmão, mas ataques duros em todas as direções

Francisco Rodrigues dos Santos tem o discurso na ponta da língua: praticamente não tem passado um dia em que não repete — aos jornalistas, em discursos ou a potenciais eleitores — que recusa qualquer entendimento com António Costa (a “esquerda”) e os seus “parceiros da extrema-esquerda” (referindo-se ao Bloco e PCP). Insiste que está disponível para uma “nova maioria de direita no Parlamento”, mas para contrariar o apelo ao voto útil de Rui Rio, também deixa críticas — prefere chamar-lhe “nuances” — em relação ao PSD. E sobretudo ao Chega e à Iniciativa Liberal — nestes casos, investidas que têm subido de tom nos últimos dias.

O líder do CDS tem colado António Costa e o PS à “extrema-esquerda”, numa parceria que, aponta, apresenta “uma solução absolutamente esgotada para o país” e traz “mais impostos e taxas e pobreza”. Fê-lo na terça-feira, primeiro no Alqueva, depois num jantar-comício em Albufeira, onde criticou o “aumento da dívida e da carga fiscal” e a “diminuição do investimento” durante a governação à esquerda. Rodrigues dos Santos acusou mesmo a geringonça  de ter “esmagado a economia” e criado um “clima de escravatura fiscal em que trabalhar não compensa”. Mais: “Querem taxar tudo aquilo que mexe”. Especificamente sobre o partido de Catarina Martins, o líder do CDS é mais incisivo, assumindo-se como o “antídoto contra a agenda fraturante do Bloco de Esquerda”.

Mas mais do que os partidos à esquerda do PS, é António Costa quem tem sido o alvo preferencial de Francisco Rodrigues dos Santos. Aconteceu, por exemplo, na polémica com David Neeleman. O líder do CDS disse que o episódio revela um Costa “arrogante, um “papão dos empresários e do investimento estrangeiro”. As farpas ao PS, e especificamente ao Governo, continuaram quando o tema foi o voto dos confinados e a polémica da conferência de imprensa do MAI adiada, Eduardo Cabrita (no capítulo da Segurança), o elevado preço dos combustíveis e o aumento dos custos de produção do leite, com consequências para os produtores que o vendem abaixo do preço de custo. E quando Sócrates deu uma entrevista à CNN sobre as eleições, no final da semana, ‘Chicão’ não deixou de sublinhar como o ex-primeiro-ministro “é o relembrar do que as maiores absolutas do PS significam para o país, arrogâncias absolutas e caos absolutos”.

O alvo inicial do CDS foi, porém, o PAN — precisamente, no Alentejo, onde Francisco Rodrigues dos Santos não se cansou de repetir a intenção de “defender o mundo rural”. As críticas foram intensas ao partido de Inês de Sousa Real, que acusou de ter uma “agenda ditatorial”, “animalista radical”, ao querer “destruir quem trabalha no mundo rural”. O sounbdyte foi mais longe, com Rodrigues dos Santos a apelidar o PAN como uma “brigada de tofu” e um partido “terrorista”. Um dia depois, novas críticas, com o líder centrista a classificar o PAN como um “epifenómeno” e uma “moda que surgiu há dois, três anos”.

Já à direita, tem sido visível a evolução do discurso do CDS perante as reviravoltas nas sondagens, que se têm mostrado favoráveis para alguma direita — leia-se PSD, Chega e IL —, mas não para com o CDS. No início da semana, quando o PS ainda seguia distante do PSD, a crítica aos partidos da direita começou mais ligeira. Primeiro contra o Chega (nome que nunca, ou praticamente nunca, enunciou), no Alentejo, quando reivindicou para si a defesa das forças de segurança, uma luta que, diz, já dura desde a génese do partido, há “quase 50 anos”. Ainda no Alentejo, desta vez junto à barragem do Alqueva, pincelou a direita no quadro das críticas, mas ao de leve: na direita, referiu, há “várias correntes, mas só uma é conservadora nos valores e defende a liberdade económica”, o CDS. Depois, em Albufeira, com uma alfinetada ao Chega, ao observar que o CDS “não é um partido de um homem só”.

Ao longo da semana, o tom com que a direita foi sendo aludida por Rodrigues dos Santos foi subindo. Na quarta-feira, dizia que o CDS se “diferencia de outras direitas que não têm preocupações sociais e esquecem-se que há pessoas que sofrem que precisam dos apoios do Estado”. Com a semana a chegar ao fim, calibrou mais a estratégia. Esta sexta-feira, num jantar-comício em Vila Nova de Gaia, atirou em todas as direções.

A pensar na IL, mas sem a referir, disse que o CDS se assume como um “antídoto contra o liberalismo bloquista” e disse que o “novo liberalismo que se esquece das pessoas para encontrar os mercados”, colando o partido de Cotrim de Figueiredo à esquerda, pela posição em temas como a eutanásia, a legalização das drogas leves ou a prostituição. Ao partido de André Ventura cola o “fanatismo populista” (mais uma vez, sem referir o Chega), que, “em tudo aquilo que é decente copia o CDS” e “em tudo aquilo que não é decente defende tonterias”, como “castrações químicas”, “penas de morte” ou “prisões perpétuas”.

PAN. O PAN não ladra, mas a caravana passa

Foi preciso uma semana de campanha para Inês Sousa Real endurecer o discurso. A porta-voz do PAN tem sido discreta na retórica dos ataques, procurando sobretudo insistir nas “causas” do partido e evitando as perguntas mais atrevidas dos jornalistas. Mas foi também pela mão da comunicação social que a cabeça de lista por Lisboa deixou duas bicadas este domingo — já com oito dias de estrada.

Se até aqui os (poucos) ataques que fez foram sempre à direita, agora também os partidos da esquerda entram na narrativa de Inês Sousa Real de forma mais evidente. Confrontada com o convite feito por Catarina Martins a António Costa, para reunirem no dia 31 de janeiro, a líder do PAN deixou de lado o discurso politicamente correto e apostou em ir com tudo: “Se o Bloco de Esquerda está de alguma forma a lavar a mão daquilo que foi a irresponsabilidade de termos uma crise política em cima de uma crise socioeconómica e sanitária sem precedentes, acho bem que o partido esteja finalmente disponível para dialogar”, atirou Inês Sousa Real, que reforçou — como tem sido também estratégia do PAN — que o partido que lidera “nunca se demitiu desse tipo de reuniões e conversações”.

Horas antes, discurso virado também aos comunistas, desta vez para responder ao ataque feito por João Oliveira, este sábado, que acusou o PAN de ser uma “criação artificial ambientalista” (declarações que acabariam por ser esclarecidas pelo próprio, dizendo não ter sido bem interpretado). Inês Sousa Real contra-atacou e acusou a CDU de “falta de responsabilidade” por “ter deitado abaixo o Orçamento do Estado”, descrevendo ainda os comunistas como “negacionistas das alterações climáticas”.

Foram estes os poucos ataques ouvidos da boca de Inês Sousa Real ao longo desta última semana de campanha. Se até aqui, a líder do PAN preferiu manter-se à margem das típicas bocas de campanha eleitoral, atirando-se a alvos concretos e de fora da bolha (como Cristina Rodrigues ou a Confederação dos Agricultores de Portugal), este domingo pode muito bem marcar um ponto de viragem no discurso e na estratégia da líder, que já começa a mostrar os dentes.

À direita, Chega e CDS também já foram visados nos apontares de dedo de Inês Sousa Real. Em Beja, depois de ter sido vaiada por aficionados da tauromaquia, num protesto em que estavam presentes três elementos com ligações ao Chega, a comitiva do PAN acusou o partido de André Ventura de ter “orquestrado” aquele episódio. Já antes, no debate das rádios, na quinta-feira, Chega e CDS-PP foram descritos como “direita radical e ultraconservadora” na hora de defender a igualdade de género.

Na caravana do PAN, o principal mistério tem sido de resto quem prefere Inês Sousa Real, entre António Costa e Rui Rio, para um eventual acordo pós-eleições. A ausência de grandes ataques a qualquer um destes dois líderes pode fazer parecer que a porta-voz do PAN sabe que não clarificar a questão pode até  beneficiá-la na hora de avaliar eventuais coligações depois de 30 de janeiro.

Contudo, as sondagens poderão trocar as voltas a Inês Sousa Real, nesta última semana que falta até às eleições. A estratégia daqui para a frente poderá ser deixar de “jogar pelo seguro” e endurecer o discurso perante os adversários políticos diretos. Apesar de já se ter atirado a PCP e a Bloco de Esquerda, se os ataques contassem para eleger o vencedor destas legislativas, Inês Sousa Real ficaria atrás na corrida. Resta saber se vai fazer o sprint final nestes últimos dias de campanha.

IL. Uma semana a malhar no PS até chegar aos “extremistas” e “partidos do sistema”

Um, dois, três, quatro. Na primeira semana de campanha, Cotrim Figueiredo passou a 2ª, 3ª, 4ª e 5ª quase sem desviar a mira do socialismo, quase até sem passar cartão aos partidos mais à esquerda. Pareceu estratégia propositada: no arranque, enquanto à direita o CDS-PP e o Chega desferiam ataques àqueles com quem disputam eleitorado (isto é, a Rio e à Iniciativa Liberal, acusada até de ser “de esquerda em tudo menos na economia”), a IL concentrava-se nas suas bandeiras, no tiro ao socialismo e em tentar destacar-se na oposição a Costa.

Ao quarto dia o presidente da Iniciativa Liberal começou timidamente a convidar para a sua ceia de dia 30 os indecisos que fazem parte da família não socialista. Fê-lo lembrando que só a IL defendera desde o princípio a privatização da TAP, tendo-a até proposto em janeiro de 2020. Não precisou de dizer abertamente, porque já o sinalizara num dos debates, que aqueles que hoje defendem o mesmo, PSD e CDS-PP, não votaram na altura a favor da proposta.

Até então, porém, as munições iam todas para o Governo. Cotrim criticava a opacidade do PS em não dizer o que faria se falhasse a maioria absoluta, Costa de ter “vendido a alma ao diabo” — isto é, a BE e PCP — na Lei de Bases da Saúde e no fim das PPP em hospitais que poupavam dinheiro ao Estado. E mantinha-se ao ataque: porque os impostos são altos e o PS gosta de “taxar tudo o que mexe”, pelas “mentiras” de Costa nos debates, porque na TAP o ministro Pedro Nuno Santos “não faz ideia do que está a fazer”, pela “tentativa de controlo do aparelho do Estado”, pela complexidade fiscal da “Autoridade Extorsionária”, pelas “listas de espera” nos hospitais públicos que levam gente a morrer…

Na sexta-feira, porém, tudo começou a mudar. Com sondagens e estudos de opinião que colocavam a IL na luta pelo 3º lugar, Cotrim aproveitava para desviar a mira para Chega, PCP e BE, dizendo que para o país seria bom que “um partido reformista e moderno” superasse “extremistas das várias cores e vários quadrantes, que têm estado todos contentes a disputar esse lugar”.

Também à beira do fim de semana identificava-se outro adversário: o possível voto útil (anti-Costa) no PSD. Na comitiva liberal julga-se que hostilizar o possível parceiro principal para o day after — o PSD — afastaria eleitores. Mas no sábado, véspera de milhares de portugueses irem exercer o direito de voto antecipado, Cotrim ia o mais longe que foi na primeira semana para alertar que o “voto útil” é na IL, até porque o voto nos liberais “nunca irá dar ao Costa” e o voto em Rio “pode eventualmente ir dar” ao PS.

A tirada foi feita num comício onde Cotrim visou ainda os “partidos do sistema” que “perderam exigência, independência, determinação, coragem, frescura, energia e ímpeto reformista”, um “afamado aldrabão” (referia-se a André Ventura) e as ideias bloquistas e comunistas que, quando aplicadas, “só produziram opressão, miséria e ditaduras inimigas das liberdades”. Era véspera de voto antecipado e não era altura de poupar balas.

Certo é que na primeira semana o líder da Iniciativa Liberal raramente tomou a iniciativa de criticar os restantes partidos, à exceção do PS. Fazia-o só quando era questionado pelos jornalistas, mas os adversários foram sobretudo dois: o PS, do início ao fim, e o voto útil, à medida que a campanha avançava. No domingo, aliás, Cotrim disse com todas as letras: “Temos claro na nossa cabeça quem é o adversário político e estratégico nesta eleição: é o Partido Socialista e a visão estatista da sociedade”.

Chega. Uma semana de ataques para todos os gostos, em que ninguém escapou (nem um amigo do passado)

André Ventura passou a semana ao ataque. A intensidade foi variando ao longo dos dias — normalmente ao sabor das outras campanhas — e o pico foi atingido no dia em que Rui Rio tocou num ponto fraco do líder do Chega: a governabilidade e mais especificamente o cargo que Ventura pudesse ter num possível executivo de direita.

Sem referir se exigiria ou não um cargo de vice-primeiro-ministro num cenário pós-eleitoral em que a direita conseguisse uma maioria parlamentar, o presidente do partido nacionalista também não afastou o cenário e disse que “dependeria da votação e da expressão” dos resultados. A ideia fez rir o líder do PSD e puxar do humor — que Ventura até já tinha dito que tem; mas desta vez achou que tinha sido atingido um limite. A postura de Rui Rio irritou o líder do Chega (e nem o próprio o escondeu): “Rui Rio acha graça, pelo que deve achar que as nossas bandeiras são para brincar. Se está aqui para brincar, vá para casa, que já não faz falta.”

O homem que mandou Rui Rio para casa foi o homem que, no dia antes, tinha pedido “cuidado” para “não [se] criar mais elementos de fricção e destruição de pontes” entre parceiros que poderão ter de se sentar à mesa no dia seguinte às eleições. Foi o próprio Ventura que não manteve o sangue frio, mas houve uma razão: o líder do Chega estava num jantar-comício, perante algumas dezenas de militantes e a postura que adota nestas circunstâncias é muitas vezes mais exuberante do que aos microfones. Por vezes, até bem mais agressiva.

As críticas ao PSD não se ficaram por Rui Rio, houve um alvo a abater que nem está em jogo: Pedro Passos Coelho e um PSD de que André Ventura fez parte e do qual se procurou distanciar. O PSD que, por mais do que uma vez, culpou pela “enorme carga fiscal” (ao dizer que “não é só responsabilidade do PS”), pelo aumento dos impostos e pela diminuição das pensões. Um PSD ligado à troika e que mereceu um alerta para que Rio “não vá ao engano”: “Não aceitaremos repetir o que foi feito entre 2011 e 2015.”

No fundo, um PSD que era muito mais de André Ventura — apoiante de Pedro Passos Coelho e candidato a Loures a convite daquele que era na altura o presidente social-democrata— do que um PSD de Rui Rio, que nos anos em causa chegou ao fim dos mandatos enquanto presidente da Câmara do Porto e estava afastado da vida política e da vida interna do partido.

Mais discretas (e mais pontuais) foram as críticas ao CDS e à Iniciativa Liberal. Se no primeiro dia de campanha oficial André Ventura disse que “Rui Rio é como o melhoral, não faz bem, nem faz mal” e comparou a “falta de entusiasmo no PSD” com “a do Chiquinho no CDS”, o líder do Chega usou os partidos da direita para falar em “desnorte”. Aos seus olhos, PSD, CDS e IL são “incapazes de falar das pessoas comuns” e tornaram-se “partidos de pequenos segmentos, de pequenas elites”.

O PS foi outro dos alvos preferenciais de André Ventura, até pela necessidade de o Chega se afirmar como “alternativa ao socialismo”. Logo no primeiro dia, o desvendar de um segredo: “O debate com António Costa soube tão bem, aquele minuto final, meu Deus. Às vezes sonho com aquele minuto e meio.” O sonho de André Ventura vai muito mais longe do que aquele minuto em que atacou com o processo Casa Pia, a nomeação de Centeno para o Banco de Portugal e até com os “Sócrates gerados pelo PS”. O objetivo (e esse nem é um segredo bem guardado) é “tirar do poder António Costa”. Da saúde, às portagens, das pensões aos salários, tudo serviu para atacar o “país socialista de António Costa” e para colar o PS a um país que o Chega diz ser de “fraude”, “corrupção” e “clientelismo”. Com tanta crítica, todos os dias serviram para o ataque ao PS.

À esquerda, outro alvo: o Bloco. Se no primeiro culpou o partido de ter mandado abaixo o Governo do PS para agora querer um “acordo escrito”, depois de Catarina Martins ter estado no Bairro da Jamaica — ao lado da família Coxi, que levou Ventura a ser condenado e a pedir desculpa pelo uso da palavra “bandidos” — André Ventura atirou à coordenadora do BE, chamando-a de “beata” e de “Dona Catarina”. “Catarina Martins converteu-se nos últimos tempos”, disse, sobre as referências da coordenadora do BE ao Papa e ao acusar o partido de esquerda de “sacar votos” ao dizer que “dar a vitória ao BE é derrotar o André Ventura neste dia 30”.

Há partidos para quem os ataques são quase inexistentes: só referiu o PCP uma vez (e para falar sobre um acordo à esquerda) e atacou uma vez o PAN, a quem se refere como uma “nova variante” por “estar disposto a governar” com os números dados pelas sondagens.

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