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A destruição da barragem não foi reivindicada por nenhum dos lados, com trocas de acusações pelo meio

Global Images Ukraine via Getty

A destruição da barragem não foi reivindicada por nenhum dos lados, com trocas de acusações pelo meio

Global Images Ukraine via Getty

Quem mais ganha com explosão da barragem? Tudo aponta para a Rússia, que rejeita e fala em "sabotagem" de Kiev

Ataque à barragem de Nova Kakhovka pode fazer com que contraofensiva ucraniana estagne, tornando avanços no sul difíceis. Mas Rússia insiste em culpar Kiev e argumenta com a água que chega à Crimeia.

Uma faca de dois gumes. A inesperada explosão da barragem e da central termoelétrica de Nova Kakhovka, situada na margem oriental rio Dniepre, traz vantagens estratégicas para a Rússia, num plano meramente teórico. Trava o ímpeto mediático da alegada contraofensiva, impede a Ucrânia de avançar no sul do seu território e obriga a uma reformulação dos planos que Kiev tinha para recuperar os territórios perdidos. Ainda assim, Moscovo não assumiu a autoria do ataque, lembrando que o ataque à infraestrutura também acaba por prejudicar as localidades que ocupa no país vizinho, nomeadamente a Crimeia. E as autoridades russas têm aproveitado exatamente esse argumento para apontarem o dedo aos ucranianos.

À luz da estratégica militar, a decisão até pode fazer algum sentido. Contudo, noutros domínios, a explosão da barragem constitui um acidente que gera consequências muito graves para o meio ambiente e para as populações locais — a última contabilização dá conta de que milhares de pessoas já tinham abandonado a região de Kherson, onde se localiza a infraestrutura. O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chegou mesmo a classificar o sucedido como um “ecocídio”, um ato ilegal que origina a destruição total ou parcial dos ecossistemas.

Os ataques a barragens, uma técnica militar que já foi utilizada outras vezes ao longo da história, destrói a fauna e a flora das zonas envolventes, assim como obriga à retirada de pessoas por conta das cheias. Neste caso, a principal região afetada é Kherson, mas também originará impactos em Zaporíjia, onde está localizada a maior central nuclear da Europa e que utiliza a água armazenada na infraestrutura de Nova Kakhovka para arrefecer os reatores. Para já, a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, sigla em inglês) está a avaliar os danos, se bem que tenha destacado que não há “qualquer risco de segurança iminente”.

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Mapa das explosões

Anadolu Agency via Getty Images

As trocas de acusações entre Kiev e Moscovo

A destruição da barragem não foi reivindicada por nenhum dos lados, com trocas de acusações pelo meio. Na sua conta pessoal do Twitter, Volodymyr Zelensky culpou os “terroristas russos” pelo sucedido. “Este é um dia da agressão russa. É um ato do terrorismo russo. Este é apenas um dos crimes de guerra russos. Agora a Rússia é culpada por um ecocídio brutal. Quaisquer comentários são supérfluos”, atirou o Chefe de Estado da Ucrânia, que apelou igualmente a uma reação da comunidade internacional.

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Para além disso, o Presidente ucraniano lembrou que é Moscovo quem “controla a barragem” — há “mais de um ano”. “É fisicamente impossível que seja destruída ao longe. Foi minada pelos ocupantes russos. E eles rebentaram com ela”, justificou Volodymyr Zelensky, que sublinhou que este é “o maior desastre ambiental causado pelo Homem em décadas na Europa” — e reforçou a responsabilidade da Rússia, o “terrorista mais perigoso” no seio da comunidade internacional.

Por sua vez, o porta-voz do Kremlin, Dmytro Peskov, declarou “oficialmente” que Moscovo rejeita “de forma categórica” as acusações da Ucrânia. “Estamos aqui a falar claramente de uma sabotagem deliberada pelo lado ucraniano, que foi planeada e levada a cabo seguindo as ordem de Kiev, do regime de Kiev”, acusou o responsável da presidência russa, levantando ainda a possibilidade de este ato “ter a ver com o facto de a operação ofensiva em larga escala lançada pelas forças armadas ucranianas há dois dias não estar a alcançar os seus objetivos”. 

Porém, o discurso russo sobre o que aconteceu não é completamente linear. Por um lado, à semelhança de Dmytro Peskov, alguns dirigentes locais ligados à Rússia responsabilizam a Ucrânia pelo sucedido; por outro, outros dizem que a barragem explodiu por conta dos confrontos que ocorrem na região e que não ocorreu necessariamente um ataque lançado por Kiev, como frisa a Al Jazeera.

De acordo com as imagens de satélite consultadas pela CNN internacional, a ponte que atravessa a barragem terá começado a ficar danificada a partir de 1 de junho, o que pressupõe que pode ter sido um ataque planeado com antecedência. Ora, a versão oficial — quer da Rússia, quer da Ucrânia — é de que a infraestrutura em Nova Kakhovka foi destruída após várias explosões.

As autoridades ucranianas explicaram que os “terroristas russos levaram a cabo uma explosão nas estruturas internas da central termoelétrica”, enquanto as russas garantiram que existiram “bombardeamentos massivos” para destruir a infraestrutura. Adicionalmente, a Rússia acusa a Ucrânia de usar a barragem de Dnipro, controlada por Kiev, para influenciar os níveis de armazenamento de água da infraestrutura de Nova Kakhovka, de modo a causar danos ainda mais substanciais.

A barragem de Nova Kakhovka estava com níveis de armazenamento de água acima do normal. A 4 de maio, o governador pró-russo de Zaporíjia, Vladimir Rogov, avisou que havia um excesso de água, que estava a “níveis recordes”. “Está nos 17 metros, que é 2,5 metros acima da média”, explicou na altura o responsável, lembrando que isso poderia implicar riscos para as populações.

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O que a Rússia tem a ganhar com a explosão da barragem?

Ao levar a cabo esta ação, a Rússia consegue travar os avanços das tropas ucranianas no sul do país. Esta é, pelo menos, a convicção do conselheiro da presidência ucraniana Mykhailo Podolyak. “Os objetivos são óbvios: criar obstáculos intransponíveis no caminho das forças armadas ucranianas, intercetar o espaço mediático e retardar o final da guerra”, escreveu na sua conta pessoal do Twitter.

Mais tarde, em declarações à CNN, Mykhailo Podolyak considerou que a Rússia, ao ter alegadamente destruído a infraestrutura, não “pensa estrategicamente”. Em vez disso, Moscovo avalia somente as “vantagens situacionais a curto prazo”. Realçando que as consequências são “catastróficas”, o braço direito do Chefe de Estado ucraniano sugere que esta é uma prova do “pânico” que as autoridades russas sentem com uma possível ofensiva da Ucrânia.

A barragem após a explosão

via REUTERS

Elaborando o raciocínio de Mykhailo Podolyak, o analista militar Mykola Bieleskov comentou, ao Observador, que existem “muitas razões pelas quais a Rússia teme o avanço das forças armadas ucranianas no sul”, incluindo a possível “recuperação de territórios aráveis e a perda da central nuclear de Zaporíjia”. Para mais, explica o mesmo especialista, existe um “sério risco” de Kiev poder vir a controlar as vias terrestres para a entrada na Crimeia.

Mykola Bieleskov ressalva que a destruição da barragem vai acabar por prejudicar território ocupado pela Rússia e isso é, a seu ver, uma “estupidez”. Mesmo assim, no entender do analista, pesou mais para Moscovo o objetivo de “dificultar o cruzamento das tropas ucranianas”.

Em declarações ao Financial Times, Pavel Luzin, professor universitário na Universidade de Fletcher na área do Direito e da Diplomacia, apresenta outro argumento: a barragem foi construída com materiais resilientes que tornam praticamente impossível que seja destruída com recurso a meras explosões. “Eles tentaram parar os ataques [da Ucrânia] com mais ataques de mísseis. Não funcionou, então decidiram explodir com a barragem“, expõe o especialista.

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As inundações em Kherson

Anadolu Agency via Getty Images

Sobre a resistência da barragem, o vice-presidente da administração pró-Ucrânia de Kherson, Yurii Sobolevsky, assegurava, em declarações no mês de outubro ao jornal Ukrainska Pravda, que a infraestrutura foi construída na década de 50, tendo em consideração possíveis ataques militares no futuro. É, por isso, “muito difícil destrui-la desde fora”. “Seria provavelmente necessário utilizar armas nucleares táticas para o fazer. Mas se houver acesso à barragem, então pode ser minada desde dentro”, justificou, sublinhando que as armas “utilizadas pelos militares ucranianos não são suficientes” para criar esse efeito.

Um membro do governo de Kiev que pertence à Centro de Comunicação Estratégica e Segurança da Informação ucraniano sinalizou, ao Financial Times, que outras das razões para Rússia destruir a barragem consiste no seu “desejo em infligir danos máximos à Ucrânia” num cenário em que os “ocupantes perderam a última esperança de manterem o seu controlo no sul da Ucrânia”. Por outras palavras: face às dificuldades, Moscovo terá aplicado uma política de terra queimada.

O que é que a Ucrânia tinha a ganhar?

Por sua parte, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo explica que a Ucrânia causaria danos à população que vive em Kherson, prejudicando as culturas agrícolas da região. Para além disso, o Kremlin salientou que este ataque à barragem pode levar a que a Crimeia fique sem água potável num futuro próximo.

Porém, o administrador da Crimeia, Sergei Aksyonov, já veio desdramatizar, dizendo que não há qualquer ameaça ao armazenamento de água na península, ainda que não descarte que no futuro possa haver problemas. Para já, assegurou o responsável, há “mais do que água potável”. “Estão a ser realizados esforços para minimizar as perdas da explosão da barragem.”

Michael Kofman, analista militar no think tank do Centro de Análises Navais, também duvida de que esta ação possa beneficiar a Rússia. “Haverá uma destruição da primeira linha da defesa russa junto ao rio Dniepre em Kherson”, argumentou ao Financial Times, garantindo que o desastre “não vai beneficiar ninguém” e “vai afetar especialmente o território ocupado pela Rússia”.

A par da questão da Crimeia, o porta-voz do Kremlin enfatizou que a alegada sabotagem também estará relacionada com o “facto de a ofensiva em larga escala” da Ucrânia “não estar a obter os resultados esperados”. Seria, assim, uma forma de Kiev desviar as atenções de uma contraofensiva que começou apenas há dois dias, tornando o foco mediático na questão da barragem.

Aliás, na ótica do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, o que aconteceu à barragem foi um “ato terrorista” dirigido contra a “infraestrutura civil” — e está enquadrado precisamente na “chamada contraofensiva”. “Foi um ato planeado e deliberado por parte do regime de Kiev”, acusou a diplomacia de Moscovo.

A história dos ataques às barragens

Nesta guerra são conhecidos os casos em que as barragens tiveram um papel determinante, como quando Kiev se protegeu da tomada dos russos, logo em fevereiro de 2022. Mas num passado menos recente, a Rússia já havia acusado igualmente a Ucrânia de bloquear o transporte de água para a Crimeia. Em 2014, meses depois da anexação da península, os dirigentes de Moscovo sublinharam que as intenções dos dirigentes ucranianos visavam criar impactos no setor agrícola e também entre a população civil que vivia na península.

Numa perspetiva mais antiga, e olhando para a II Guerra Mundial, foram dois os momentos em que os ataques a barragens se revelaram preponderantes para o desenrolar daquele conflito. Por exemplo, as tropas russas, aquando da invasão da Alemanha nazi à Ucrânia, destruíram a barragem de Dniepre, localizada no que é hoje em dia o oblast de Zaporíjia, evitando que os alemães conseguissem aproveitar-se da eletricidade gerada pela central termoelétrica.

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As inundações em Kherson

AFP via Getty Images

Ainda na II Guerra Mundial, um ataque britânico contra as barragens, desta vez no território alemão, ficou para a História. Designada como operação Chastise, o Reino Unido atacou três infraestruturas vitais no vale de Ruhr, a zona com maior produção industrial na Alemanha e onde estavam concentradas as fábricas de armamento. Duas barragens foram destruídas, enquanto uma terceira ficou parcialmente danificada — e isso causou danos ao complexo militar nazi.

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