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Yevgeny Prigozhin "continua os seus esforços para aumentar o seu estatuto entre as elites russas e a sua presença em São Petersburgo"
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Yevgeny Prigozhin "continua os seus esforços para aumentar o seu estatuto entre as elites russas e a sua presença em São Petersburgo"

Yevgeny Prigozhin "continua os seus esforços para aumentar o seu estatuto entre as elites russas e a sua presença em São Petersburgo"

"Quer poder e influência." Com a hipótese de Putin ficar fora de cena, poderá o líder do grupo Wagner tornar-se o seu sucessor?

A ganhar relevo com a guerra na Ucrânia, o líder do grupo paramilitar Wagner está a ser apontado como um possível sucessor a Putin. Mas prioridade de Prigozhin estará mais no Ministério da Defesa.

Artigo originalmente publicado a 7 de janeiro de 2023 e recuperado no dia 24 de junho de 2023, depois de Prigozhin declarar insurreição contra o Ministério da Defesa russo

Foi no mundo da restauração que os destinos de Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin se cruzaram: os dois conheceram-se num restaurante de luxo em São Petersburgo de que Prigozhin era proprietário. Desde aí, a relação foi de vento em popa com o Presidente russo a assinar vários contratos com a empresa de catering detida por aquele que havia de ser designado como o seu “chef”. Nos últimos anos, o cozinheiro foi estendendo a sua atividade para as áreas militares e fundou uma milícia privada, que desempenha um papel fundamental em vários conflitos em todo o globo, incluindo na guerra da Ucrânia. Agora, o “ambicioso” líder do grupo Wagner é um dos nomes mais falados para chegar à presidência russa, principalmente numa altura em que se avolumam os rumores de que Putin poderá estar doente com um cancro terminal.

“Prigozhin pode ter uma visão clara sobre qual será o futuro político da Rússia”, admite, ao Observador, Mikhail Troitskiy, analista de Assuntos Internacionais sediado em Moscovo, acrescentando que nesse futuro o líder do grupo Wagner pode transformar-se num dos “possíveis protagonistas” na corrida pela sucessão no Kremlin. Esta corrida pode mesmo já ter começado, algo defendido pelo veterano do exército russo e ex-dirigente dos serviços de informações, Igor Strelkov: “A luta pelo Olimpo político já arrancou” na Rússia.

O tiro de partida da sucessão da presidência russa pode já ter sido dado nos bastidores e ser até um tema de conversa nos corredores do Kremlin, mas publicamente Vladimir Putin continua a ser única figura indiscutível à frente dos desígnios políticos da Rússia. Contudo, isto não impede que os seus possíveis sucessores, incluindo Yevgeny Prigozhin, façam um difícil jogo de equilíbrio, tentando balancear entre aquilo a que aspiram e os favores que têm de retribuir ao Presidente russo, de modo a não serem completamente afastados da bolha de Moscovo.

Russian President Vladimir Putin Attends Saint Petersburg International Economic Forum

Yevgeny Prigozhin pode ser um dos sucessores de Putin

Getty Images

“Se ele parecer demasiado ambicioso, Yevgeny Prigozhin pode muito bem ser afastado por Putin”, nota, em declarações ao Observador, Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa do David Center, pertencente à Universidade de Harvard. “Putin é conhecido por desgostar ou mesmo temer as pessoas que tentam assumir-se como as suas sucessoras.”

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Prigozhin? “Tentar ser uma alternativa a Putin é um jogo bastante perigoso”

Certo é que as derrotas sucessivas das forças russas na Ucrânia originam alguma insatisfação entre o círculo mais próximo do Presidente russo e isso pode dar azo a que se comecem a formular conspirações contra si. Uma investigação do órgão independente russo Meduza divulgava, em maio, que “praticamente nenhum” oligarca estava satisfeito com o estado do conflito e muitos queixavam-se das sanções aplicadas pelo Ocidente. Murmuravam-se inclusive possíveis sucessores, mas, curiosamente, nessa lista não estava o nome do líder do grupo Wagner.

Sanções e falta de resultados na guerra colocam Putin sob pressão. Oligarcas russos já estudam sucessão no Kremlin

Em contrapartida, a propaganda russa continua a transmitir a imagem de que a base de apoio de Putin permanece intacta quer no que diz respeito à guerra quer no que concerne à sua taxa de aprovação. A investigação da Meduza também dava conta de que, apesar da contestação dos oligarcas, não estava em marcha a preparação de um golpe de Estado. Porém, mesmo que o Presidente russo nunca seja deposto, pode haver um revés precipite a corrida da sucessão ao Kremlin: o alegado cancro de que padece Putin.

"Se ele parecer demasiado ambicioso, Yevgeny Prigozhin pode muito bem ser afastado por Putin. Putin é conhecido por desgostar ou mesmo temer as pessoas que tentam assumir-se como as suas sucessoras."
Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa no David Center pertencente à Universidade de Harvard

Putin estará doente e perto da morte?

O boato de que Vladimir Putin sofre de uma doença em fase terminal não é novo, tendo circulado desde o início da guerra. Os serviços de informações ucranianos têm veiculado esta tese e apontam para alguns sinais que revelam a suposta debilidade física do chefe de Estado russo, tais como o facto de não ter estado presente num tornei de hóquei e a postura corporal alegadamente estranha do líder da Rússia em algumas ocasiões.

Numa entrevista divulgada esta quarta-feira pela ABC News, o chefe dos serviços de informações militares ucranianos, Kyrylo Budanov, reiterou que Vladimir Putin está muito doente com um cancro — e que o seu estado de saúde já está a deteriorar-se “há muito tempo”. “Vai morrer brevemente, espero”, vaticinou o responsável, que antevê dois cenários: ou uma “transferência de poder” ou a possibilidade de o Presidente russo morrer “antes” de o conflito terminar.

Confrontado sobre como é que obteve essa informação, Budanov fechou-se em copas, atirando apenas: “Sabemos isso.” Depois, lá concedeu e assinalou que tinha tido acesso ao alegado estado de saúde de Vladimir Putin através de “fontes humanas”.  

Comparado com uma entrevista à Sky News divulgada em maio, o discurso Kyrylo Budanov não mudou uma vírgula, insistindo na tese de que Putin está muito doente com um cancro terminal. Na altura, ainda detalhou que o Presidente russo estava “numa condição física e psicológica muito má”. Por essa altura, outros meios de comunicação apontavam também que o chefe de Estado da Rússia estaria doente — havia referências a uma leucemia e à doença de Parkinson.

Em maio, Kyrylo Budanov fez outras previsões, antecipando que a “maior parte das ações de combate” terminariam no final de 2022 — o que acabou por não concretizar-se, já que, em janeiro de 2023, grande parte do Donbass e a Crimeia ainda são controlados pelas forças russas. Mas o responsável militar não ficou longe nas previsões, ao dizer que o ponto de viragem da guerra ocorreria em agosto — muitos especialistas apontam que aconteceu um mês depois, com a reconquista surpreendente e eficaz de todo o oblast de Kharkiv.

Cancro, perda de visão e tremores no corpo. Aumentam as suspeitas de que Vladimir Putin “está perto do fim”

Por sua vez, os responsáveis diplomáticos do Ocidente têm optado por manter o silêncio sobre o estado de saúde de Putin. Confrontada com as declarações de Kyrylo Budanov, a ministra dos Negócios Estrangeiros francesa, Catherine Colonna, disse apenas que é uma informação que não está “confirmada”, apesar de não a negar categoricamente. “Não é algo que esteja a ser partilhado com os aliados com quem trabalhamos”, sinalizou a governante em entrevista esta quinta-feira ao canal de televisão LCI, assegurando que “não tem conhecimento” do assunto.

Após todos os rumores, e consciente de que uma eventual fragilidade de Putin poderia causar um enfraquecimento no campo de batalha e na projeção internacional da Rússia, o Kremlin rebateu a ideia de que o líder russo está doente. O porta-voz do Kremlin, instado a comentar estas informações, referiu, em julho, que “estava tudo bem com a saúde” do Presidente russo. E apontou o dedo aos “especialistas de informação dos Estados Unidos e do Reino Unido”, que têm divulgado “várias notícias falsas sobre o estado de saúde do Presidente nos últimos meses”. “Não é nada a não ser desinformação.”

Yevgeny Prigozhin pode colocar-se na corrida para suceder a Putin?

Mesmo que Putin não esteja doente, ou que um golpe de Estado possa (pelo menos para já) parecer improvável, a questão da sucessão de Vladimir Putin não é completamente colocada de parte, assim como o que será da Rússia sem a sua gestão. O Presidente russo já está desde 2000 nos principais cargos políticos do país (ainda que, de 2008 a 2012, tenha sido apenas primeiro-ministro, visto que a legislação russa, entretanto alterada, apenas permitia dois mandatos presidenciais de quatro anos) e foi quem definiu as linhas-mestres da gestão do país após a queda da União Soviética. Assim sendo, existe uma grande incógnita sobre como será a Rússia após o putinismo, principalmente depois do conflito na Ucrânia — que pode ser fundamental para o futuro da política externa russa.

Num país em que existe a tradição de um providencialismo de um homem só, a orientação do futuro político de Moscovo depois de Putin deverá basear-se essencialmente nas ideias do próximo líder e do seu círculo mais restrito, o que concede uma elevada importância a quem tomará posse após o Presidente russo sair de cena.

Entre os sucessores de Putin, fala-se em nomes como o do atual vice-presidente do Conselho de Segurança russo e ex-Presidente, Dmitry Medvedev, o autarca de Moscovo, Sergei Sobyanin, o vice-chefe de administração presidencial russa e ex-primeiro-ministro russo, Sergei Kiriyenko, e o atual secretário do Conselho de Segurança russo e ex-líder dos serviços de informações, Nikolai Patrushev. Mais recentemente, o burburinho nos corredores do Kremlin parece apontar também para Yevgeny Prigozhin, que foi saindo das sombras nestes últimos meses.

epa10324967 Russian President Vladimir Putin attends the 2022 Artificial Intelligence Journey (AI Journey) international conference in Moscow, Russia, 24 November 2022.  EPA/PAVEL BEDNYAKOV / KREMLIN POOL / SPUTNIK MANDATORY CREDIT

Há já vários nomes para suceder a Putin

PAVEL BEDNYAKOV / KREMLIN POOL / SPUTNIK/EPA

Num artigo de opinião no Al Jazeera, a cientista política russa e professora no King’s College em London, Gulnaz Sharafutdinova, admite que “existem alguns sinais” que indiciam que o líder do grupo Wagner quer entrar “na política russa mais abertamente” e “talvez até lançar uma candidatura presidencial em 2024”. “O Kremlin pode empoderá-lo e também a outros atores como uma maneira de preservar a coesão entre as elites”, prossegue a especialista.

A mesma posição é expressa por Peter Rough, diretor do Centro da Europa e da Eurásia no Instituto Hudson, e Can Kasapoglu, diretor na área da defesa no Centro Económico e de Política Externa EDAM. Os dois especialistas estabelecem que o facto de “Putin continuar no topo do sistema russo permanece incontestado”. No entanto, enquanto a guerra na Ucrânia continua “e acelera mudanças inesperadas nas dinâmicas de poder russo”, há um trio que se destaca: Yevgeny Prigozhin, Ramzan Kadyrov, o líder checheno, e Sergei Surovikin, comandante das forças russas em solo ucraniano.

“São o novo eixo de poder que emergiu”, definem Peter Rough e Can Kasapoglu, que indicam que estes três nomes ainda não se aventuram a “desafiar Putin” — ainda que “as perspetivas de influência destes três nomes esteja a crescer”.

Leaders of The Commonwealth of Independent States meeting in Russia
Yevgeny Prigozhin, o 'chef' do Kremlin
Getty Images
Russian President Vladimir Putin Receives King Salman Of Saudi Arabia At The Kremlin
Ramzan Kadyrov, líder checheno
Getty Images
Top Russian military announce virtual end of civil war in Syria
Sergei Surovikin, comandante das forças russas na Ucrânia
TASS via Getty Images

Igualmente, o think tank norte-americano Instituto para a Guerra sublinhou, num relatório publicado a 31 de outubro, que Yevgeny Prigozhin “continua os seus esforços para aumentar o seu estatuto entre as elites russas e a sua presença em São Petersburgo”. Adicionalmente, o documento dá conta de que a popularidade do antigo cozinheiro estava a “aumentar exponencialmente” e que isso poderá levar a uma legitimidade para que assuma a vontade de se arriscar em voos mais altos. 

Ainda assim, o líder da milícia privada já admitiu que não quer trilhar um caminho na política russa, assinalando que a sua tarefa consiste em “cumprir o seu dever” com a pátria. “Não pretendo fundar partido político nenhum, muito menos entrar na política”, garantiu. Mas o próprio relatório do instituto norte-americano insiste que, embora o líder do grupo Wagner tenha assegurado que não almeja desempenhar funções executivas, Yevgeny Prigozhin “pode estabelecer-se enquanto força política, usando a sua popularidade e a sua afiliação aos Wagner para criticar os seus oponentes dentro das elites e institucionalizar a sua própria autoridade”.

Os especialistas ouvidos pelo Observador parecem concordar com as reais intenções do ex-cozinheiro. Na leitura de Dmitry Gorenburg, ainda não é claro o que o líder do grupo Wagner fará no futuro. Porém, as atuais “manobras” de Yevgeny Prigozhin no seio do Kremlin não estarão relacionadas com a “sucessão”, mas antes, como apontam alguns especialistas, com os “esforços para aumentar a sua influência e o seu estatuto dentro do círculo restrito de Putin”. “Se isso eventualmente levará à possibilidade de sucessão na presidência russa, ainda é incerto.” 

"Há esforços [de Yevgeny Prigozhin] para aumentar a sua influência e o seu estatuto dentro do círculo restrito de Putin. Se isso eventualmente levar à possibilidade de sucessão na presidência russa ainda é incerto." 
Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa no David Center pertencente à Universidade de Harvard

Mais categórica é a posição de Mikhail Troitskiy, que diz ao Observador que não acredita que o “senhor Prigozhin esteja a procurar tornar-se o sucessor de Vladimir Putin enquanto Presidente”. Primeiro, porque “ainda não há sinais claros de que Putin queira renunciar”; depois, porque o líder do grupo Wagner está mais inclinado a “preparar-se para assumir já um papel importante na política russa”.

Sucessão a Putin ou a Shoigu?

O líder do grupo Wagner tem outro cargo na mira, defende o especialista em assuntos internacionais: o de ministro da Defesa. A prioridade passa então por substituir o atual governante, Sergei Shoigu, que tem sido muito criticado pela gestão da guerra. E o seu papel enquanto chefe de uma milícia privada que “tem milhares de homens” na Ucrânia ajuda-o a ganhar “crédito”, “reconhecimento” e “legitimidade” para assumir esse cargo. “A narrativa favorece-o, já que existe a ideia de que o grupo Wagner tem sido muito mais bem-sucedido no campo de batalha do que as tropas regulares russas”, explica Mikhail Troitskiy.

A situação não é inédita: Prigozhin e Shoigu estão já há algum tempo em rota de colisão. O governo ucraniano revelou, na quinta-feira, que existem “contradições entre a liderança militar da Federação Russa”, com o líder do grupo Wagner a criticar a atuação do ministro da Defesa russo. Mas já passou a fase das simples divergências: o assunto ganhou seriedade, dado que o antigo cozinheiro já encara o governante, com quem Putin tem uma relação de proximidade, como um alvo a abater. 

Presidents of Russia and Turkey meet for talks in St Petersburg epa10296353 A handout still image taken from a handout video provided by the Russian Defence ministry press-service shows Russia's Defence Minister Sergei Shoigu listens to a report of the General of the Army Sergei Surovikin, commander of the joint group of troops in the area of ​​the special military operation, about situation in Kherson region, in Moscow, Russia, 09 November 2022. The Russian military will transfer their units to the left bank of the Dnieper river, General of the Army Sergei Surovikin, commander of the joint group of troops in the area of ​​the special military operation, said while reporting to Russian Defense Minister Sergei Shoigu. 'Comprehensively assessing the current situation, it is proposed to take up defense along the left bank of the Dnieper River. I understand that this is a very difficult decision,' Surovikin said.  EPA/RUSSIAN DEFENCE MINISTRY PRESS SERVICE / HANDOUT  HANDOUT EDITORIAL USE ONLY/NO SALES

Prigozhin e Shoigu estão já há algum tempo em rota de colisão

TASS via Getty Images

De acordo com o que Kiev apurou, houve uma reunião informal nos últimos dias entre o líder do grupo Wagner e o chefe de gabinete da presidência russa, Anton Vaino. O tema de conversa? Os falhanços na Ucrânia. Yevgeny Prigozhin foi perentório: Shoigu deve ser responsabilizado pelo que está acontecer na guerra. Apesar de Putin não ser visado diretamente, o antigo cozinheiro também enfatizou que o Presidente russo possui poderes suficientes para alterar o curso do conflito, sugerindo que deveria demitir o seu ministro da Defesa.

Mesmo antes deste encontro, Prigozhin já tinha criticado o Presidente russo pela gestão da guerra, soube o Washington Post junto a duas fontes oficiais. Aliás, a frustração do líder do grupo Wagner com o Ministério da Defesa deu mesmo origem a um relatório dos serviços de informações norte-americanos. 

Preso durante 10 anos, vendedor de cachorros-quentes e a guerra como trampolim para se afirmar

Nascido em 1961 na então designada Leninegrado (atualmente, São Petersburgo), Prigozhin teve uma infância difícil. De acordo com a ABC australiana, foi criado apenas com a mãe, que era assistente num hospital, já que o pai morreu quando era muito novo. O desporto acabou por ser a área onde mais se destacou, tendo-se tornado campeão em esqui de fundo ainda em adolescente.

Some curious people next to a bunch of balloons in Vosstaniya Square in Leningrad

Leningrado em 1960

Mondadori via Getty Images

No entanto, aos 18 anos, a vida de Prigozhin muda radicalmente. Foi condenado a trabalho forçado numa empresa de produtos químicos por roubo. Dois anos mais tarde, voltou a ter problemas legais, desta feita mais graves. Fazendo parte de um gangue, o homem de então 20 anos assaltava mansões e casas na zona mais nobre de São Petersburgo.

Dos cachorros-quentes aos mercenários Wagner. O cozinheiro de Putin ganha poder no Kremlin e o seu exército é ainda fundamental na guerra

A pena não foi leve: Prigozhin foi, em 1981, condenado a 12 anos de prisão por roubo e fraude, tendo sido colocado numa prisão de alta segurança. Não cumpriu a pena integralmente, saindo mais cedo que o previsto, em 1990, numa altura em que a União Soviética estava a desmoronar-se. Tal como a maioria dos oligarcas russos, foi nessa altura que começou a angariar aquilo viria a ser um dia uma fortuna.

Saído da prisão com cadastro, Prigozhin abriu, juntamente com a família, uma banca de cachorros quentes em São Petersburgo que se tornou um sucesso. Citado pelo New York Times, o magnata lembra que recebia mais rublos do que aqueles que a mãe conseguia contar. Era o início de uma carreira promissora na restauração e o sucesso foi tanto que deu origem à abertura de uma empresa de catering, de casinos e de restaurantes.

Saído da prisão com cadastro, Prigozhin abriu, juntamente com a família, uma banca de cachorros quentes em São Petersburgo, que se tornou um sucesso

Anos mais tarde, abriu um dos restaurantes mais conceituados em São Petersburgo: o New Island. Foi aí que conheceu Vladimir Putin, que ficara encantado com a envolvência do espaço. A ligação começou aí e foi-se estendendo até Prigozhin ter começado a servir a sua comida no Kremlin, ora através da sua empresa de catering ora por pratos cozinhados por ele próprio. Em 2003, num jantar entre o então Presidente dos EUA, George W. Bush, e Putin foi o já magnata que serviu os pratos. 

Prigozhin e Putin não se afastaram mais. Mais tarde, a vida do cozinheiro levou uma reviravolta, passando da cozinha para o campo de batalha, nomeadamente com a criação do grupo Wagner em 2014. Inicialmente, ninguém sabia quem estava na liderança dos mercenários nem quais eram os objetivos desta organização. Só no ano passado é que Prigozhin relatou como é que ela surgiu e confessou que a chefiava.

Numa publicação invulgar na conta da empresa de catering na rede social russa VK, o antigo cozinheiro explicou que foi “quando o genocídio da população russa no Donbass começou” que se apercebeu de que teria de “recrutar um grupo” com o objetivo de “proteger os russos”. Além disso, Prigozhin contou que inicialmente enfrentou várias dificuldades — e que perdeu dinheiro pelo meio —, lembrando que ele próprio limpou “armas antigas”, experimentou “coletes antibalas” e contactou “especialistas” para o ajudar.

Serbia Heads Toward General Election

A imagem de forças do grupo Wagner num mural em Belgrado

Getty Images

Mas há uma informação que continua envolta em segredo — a ligação entre o Kremlin e a milícia Wagner, cuja área de combate não ficou circunscrita ao Donbass. O grupo armado combateu em países como a República Centro Africana, a Síria, o Sudão e até Moçambique com o contributo de mercenários e numa aparente desvinculação a qualquer Estado.

No entanto, muitos analistas interpretam o grupo Wagner como um braço armado privado de Vladimir Putin, mais que não seja pela aparente amizade que liga o Presidente russo a Prigozhin, que deu a entender isso mesmo na publicação na rede social. Manifestando-se orgulhoso ter sido “capaz de proteger os interesses” da Rússia, salientou igualmente o papel dos militares — uns “heróis” — que defenderam “o povo sírio, o povo dos países árabes, dos africanos, latino-americanos”. A organização converteu-se, por isso, num “dos pilares da pátria” russa.

A ligação do grupo Wagner a Putin continua ainda por apurar, mas uma coisa é certa: mesmo que não seja público o apoio do Presidente russo, conta pelo menos com a sua aquiescência. E isso tornou-se claro com a guerra da Ucrânia, uma vez que há poucos dias Prigozhin esteve na linha da frente. Numa publicação revelada pela agência de notícias russa RIA, o chefe da organização paramilitar admitiu a existência de dificuldades no terreno, mais concretamente em Bakhmut — em que cada casa que conseguem controlar é uma “fortaleza”.

Grupo Wagner demora semanas a capturar uma única casa em Bakhmut

Bakhmut é, atualmente, o ponto mais quente da guerra na Ucrânia. E esta presença de Prigozhin na linha da frente, que até consegue obter cobertura mediática por parte da máquina de propaganda russa, pode provar que o líder do grupo Wagner sabe bem o que quer para o futuro da Rússia — e que as suas ideias já estarão a ser colocadas em prática. O tempo dirá se os seus desejos passam apenas por ganhar poder, substituir o ministro da Defesa ou se a sua ambição é maior — e passa por ser o próximo Presidente russo.

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