Enviado especial do Observador em Paris, França
Depois dos dois bronzes de Kirsten Vlieghuis em Atlanta, nos EUA, os Jogos de Sidney-2000 marcaram uma viragem de página para a natação dos Países Baixos. Uma viragem e grande: Pieter van den Hoogenband de ouro nos 100 e 200 livres com bronze nos 50, bronze na estafeta 4×200 metros livres masculina, ouro nos 50 e 100 livres e nos 100 mariposa para Inge de Bruijn, prata nos 4×100 metros livres femininos. Estava então lançada a base para um período de domínio nas disciplinas de velocidade, que teve ainda mais um capítulo de van den Hoogenband e Inge de Bruijn e um ouro na estafeta dos 4×100 livres de Pequim. Agora as feições mudaram, com Arno Kamminga, prata nos 100 e 200 bruços, a ser uma exceção entre o domínio nas águas abertas com Ferry Weertman e Sharon van Rouwendaal. Pelo meio, houve Ranomi Kromowidjojo.
Com um apelido que deu sempre nas vistas nas provas internacionais e fazia com que fizesse ainda menos esquecida (como se não bastasse o que fazia nas piscinas), que se explica pelas origens do Suriname javanês do pai, a atleta neerlandesa nascida em Sauwerd começou por dar nas vistas ainda nos Europeus de juniores de 2005 e 2006, onde ganhou o ouro nos 50 livres e mariposa, e participou pela primeira vez nos Jogos em 2008, na edição de Pequim, onde ganhou o ouro nos 4×100. O currículo foi longo, com 18 medalhas só em Campeonatos do Mundo de piscina longa (um ouro em provas individuais, em 2013), mais 28 em Mundiais em piscina curta (14 ouros), mais 14 em Europeus de piscina longa, mais 26 em Europeus de piscina curta. Apesar de tudo isso, e falamos em mais de 80 pódios, foi nos Jogos Olímpicos que teve os seus marcos.
Em Londres-2012, Ranomi Kromowidjojo foi uma das grandes estrelas nas provas de natação, conquistando a medalha de ouro nos 50 e nos 100 livres além da prata nos 4×100 livres. No Rio-2016, passou do melhor ao pior, falhando o pódio nas duas finais individuais e também na estafeta, que terminou na quarta posição. Só mais tarde viria a terminar a carreira mas as experiências olímpicas acabariam por aí. Hoje com 33 anos, casada com o também campeão olímpico Ferry Weertman, a vida da neerlandesa mudou. Formou-se na Universidade de Gestão de Eindhoven, entrou num programa por cá pouco conhecido mas que tem sucesso nos Países Baixos e na Bélgica, o “Wie is de Mol?”, tornou-se de forma “datada” uma… jornalista.
Tudo ajudou um pouco para assumir esse papel nos Jogos de Paris para a HBO na natação. Por um lado, o convite em si e a experiência. Depois, o facto de conhecer tão bem o outro lado do atleta, no melhor e no pior no que toca à relação com a imprensa. Por fim, e isso também se nota também, para manter aquela ligação que todos gostam de ter com uma modalidade que se tornou sua por mérito próprio. Foi nessa condição que falou ao Observador em Paris, antes do arranque da edição de 2024, assumindo esse papel mais de jornalista do que de uma mera comentadora. Foi nessa condição também que a conversa chegou a Diogo Ribeiro.
“A importância da idade para estar mais próximo ou não de ganhar depende de pessoa para pessoa. Temos pessoas que são muito fortes com 15 anos, há outras que ficam melhores depois dos 30, mas para nós sermos atletas de alta competição preparados para os Jogos Olímpicos é algo que demora alguns anos. Quando nós olhamos alguém que ganha uma medalha, especialmente na natação, sabemos que teve todo esse trabalho. São muitas horas e muitos metros na piscina para poder depois chegar ao topo”, começou por referir em relação à primeira experiência olímpica à beira de fazer 18 anos, já com alguns ensinamentos retirados do karaté que praticou por influência do pai e impossibilidade de conciliar horários. “Houve coisas que me foram ajudando na natação, entre a fixação dos pés e a própria postura do corpo. Ainda hoje o meu pai tem algo que sigo, que é descobrir alegria na mera procura de um maior perfecionismo todos os dias”, conta.
“Quando vi os Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, comecei por pensar que era uma vida demasiado dura, que temos de treinar muitas e muitas horas. Acho que só mesmo quando tinha uns 15 ou 16 anos, quando entrei nos Europeus juniores de natação e ganhei uma medalha é que comecei a pensar pela primeira vez em trabalhar mais e estar mais focada no que fazia para poder também ganhar mais. Trabalhei muito para chegar onde cheguei mas também tenho de ser sincera, sendo uma sprinter [de distâncias curtas] nunca fiz por exemplo um treino de sete quilómetros. Casei com um nadador das águas abertas e ele sim tem muitos mais quilómetros do que eu. Aquilo que mais treinava era a qualidade, mais do que a quantidade mas nem por isso deixa de ser 24/7, 24 horas nos sete dias da semana. Até num dia de folga temos de estar preocupados com o descanso, com o que comemos, com quem nos encontramos… Não é só a questão do treino, da parte física, é tudo o que nos rodeia”, salientou sobre todo o trabalho invisível a fazer.
Hoje, sobram as memórias dos Jogos. E são memórias fáceis de “arrumar” na cabeça. “As melhores são as de Londres-2012, ganhar duas medalhas de ouro. As piores são mesmo as do Rio-2016… Houve muita coisa antes, problemas na equipas dos Países Baixos, o meu avô morreu, tive lesões que nunca quis passar para fora, que a imprensa não sabia. Então, como não ganhei nenhuma medalha, foi quase como se devesse uma explicação ao país por não ter chegado ao pódio… Senti-me terrível. Os jornalistas nos Países Baixos… foi difícil. Mas fez-me mais forte, perceber a minha história, quem eu sou… Claro que foi mais fácil falar quando ganhei, claro que queria voltar a ganhar mas se vir toda a minha carreira, eu perdi mais vezes do que ganhei mas olham só para o que fiz nos Jogos Olímpicos”, apontou a neerlandesa.
E agora na nova função, como será? “Tudo isso foi também uma aprendizagem para estar agora deste lado. Gostava de usar tudo isso, o que fiz e o que senti para poder contar as histórias das pessoas. Há o nadador mas também há uma pessoa além do nadador, não tanto nessa parte do ser bom ou mau, ganhar ou perder, mas na perspetiva das histórias. Todos os que estão nos Jogos são vencedores, a diferença é que só um pode ganhar a medalha de ouro”, aponta, deixando já traços daquilo que iria estar a fazer em Paris antes de uma mudança de conversa para Diogo Ribeiro, nadador português que se estreia esta terça-feira.
“Que conselhos podia dar a alguém como o Diogo Ribeiro? Bem, quando tu fazes os primeiros Jogos nunca sabes se vai haver depois uns segundos Jogos, é por isso que não sou capaz de dizer que os primeiros são para aprender e só depois pensar em ganhar. Ele tem as experiências de ter sido campeão mundial e europeu mas apesar disso as coisas são diferentes. Por exemplo, não há 50 e 100 mariposa, há apenas 100 mariposa. De certeza que ele e o seu treinador têm um plano de preparação para isso. Por isso, só posso dizer para nunca se distrair, manter sempre o foco, fazer o melhor e seguir para aquilo que é o objetivo quando se chega aos primeiros Jogos Olímpicos. O Diogo não se pode distrair com as expetativas de todo o país porque as pessoas estão orgulhosas dele, ele vai ser sempre um orgulho nacional”, destaca.
“Os 100 livres e mariposa são eventos complicados, muitos nadadores a competir, às vezes temos dois ou três favoritos, vai ser aberto e disputado. Portanto, primeiro chegar às qualificações e entrar numa vaga das meias-finais, esse tem de ser logo o primeiro objetivo e pensar só nisso. A seguir, perceber onde está e lutar por ser um dos oito melhores. Por fim, quando estás numa final, chegando lá, logo se vê”, acrescenta.
Ainda assim, sobra a dúvida: tendo em conta os tempos da última edição de Tóquio-2020, como é que Diogo Ribeiro conseguiria tirar tempo aos seus melhores registos para ter uma entrada na final? “Primeiro tens de começar a gravar as tuas corridas, depois passa tudo por um analista que começa a ver os movimentos que fazes e sabemos depois aquilo para onde temos de olhar, do início ao fim, as braçadas, o ritmo, a frequência, mais rápido ou não… Esses dados depois dão-te imensa informação para nos meses seguintes, neste caso até aos Jogos, trabalhares sobre isso. Acredito que o Diogo e o seu treinador tiveram um plano de fevereiro até agora sabendo naquilo em que se têm de focar. Tu não te podes focar em tudo, não vale a pena. Tens de olhar apenas para duas ou três coisas, velocidade, força, ginásio, técnica… Não sei qual foi o foco dele mas se falar com ele também vou querer saber isso porque acho que o Diogo ainda não está no topo daquilo que pode fazer, vai haver coisas em que dará o salto. Até a parte mental, pela experiência de todas as provas, a luta pela qualificação por finais, nadar de manhã ou à noite…”, aponta Ranomi Kromowidjojo ao Observador.
No final, a expetativa do que pode continuar a acontecer. O foco em Katie Ledecky não se confirmou tanto nos resultados, mas todas as emoções nas finais de bruços e costas foram um palpite em cheio. O que pode ter feito a diferença? Algo que nunca deixa de abordar: “A experiência conta, sim. Às vezes não vemos uma estrela muito nova a nadar de uma forma fantástica mas de repente desaparece. Popovici? Sim, é um bom exemplo. Apareceu, caiu, voltou. É aí que as coisas começam mais a sério”, conclui a ex-atleta.