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NUNO NEVES/OBSERVADOR

NUNO NEVES/OBSERVADOR

Reportagem especial nas pedreiras. Há casas e cemitérios à beira do precipício, estradas prestes a ruir e um buraco mesmo à beira da A1

Especial. Depois de Borba, o Governo apontou 191 pedreiras críticas. Mas há mais: cemitérios, casas e estradas coladas ao risco — até mesmo a A1. Veja os vídeos impressionantes feitos por drone.

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[Durante vários meses, o Observador andou pelo país a fazer o raio-x das pedreiras. Foram realizadas dezenas de entrevistas, percorridas centenas de quilómetros e realizadas inúmeras horas de filmagem com recurso a um drone. Estes dois trabalhos especiais multimédia com um retrato da situação das pedreiras depois do acidente em Borba em novembro do ano passado, foram publicados em agosto. Agora que o Governo apresentou queixa contra 21 pedreiras ao Ministério Público, voltamos a publicá-los. Pode ler a segunda parte deste trabalho aqui]

Dois quilómetros pela estrada nacional 254, que liga Vila Viçosa a Bencatel, no Alentejo, e o sinal vermelho dá ordem para parar. Não é o excesso de velocidade que o determina, mas o facto de a via do lado oposto estar cortada. A circulação faz-se, por isso, de forma alternada.

É difícil perceber de imediato porquê. À primeira vista, a estrada parece estar intacta e os arbustos da propriedade colada à berma não permitem ver logo o que se passa do outro lado. Mas basta entrar por um dos caminhos de terra batida para perceber que a causa daquele condicionamento é a pedreira que está para lá da vegetação. As gruas enferrujadas e o buraco cheio de água deixam antever que a exploração está abandonada — tal como o Observador veio a confirmar mais tarde.

Antes de a circulação na estrada ser condicionada, quem ali passava todos os dias não fazia ideia do que se encontrava do lado de lá. Muitos continuam sem saber exatamente — não tiveram a curiosidade de espreitar entre os arbustos —, mas o simples facto de a via estar semi-cortada já os deixa preocupados. “Agora temos mais receio”, diz Maria José. “Se está vedada, é por alguma coisa”, acrescenta Vicência Ramalho. O medo aumentou depois do acidente em Borba, em novembro do ano passado, admitem as duas funcionárias da Cáritas, sentadas na carrinha da instituição. Continuam a passar por ali porque dizem que não têm caminho alternativo para a área que lhes foi atribuída. “As pessoas estão mais preocupadas depois de Borba, mas é só até se esquecerem”, contrapõe Joaquim José Raimundo, dono de um restaurante em Bencatel.

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“As pessoas estão mais preocupadas depois de Borba, mas é só até se esquecerem.”
Joaquim José Raimundo, dono de um restaurante em Bencatel

A queda da estrada 255, que liga Borba a Vila Viçosa, em novembro do ano passado, voltou a acordar o país — e o Governo — para os riscos associados à exploração das pedreiras e para a série de incumprimentos e exceções à regra que podiam levar a acidentes daquele tipo. A reação foi imediata — e, como se verá, apressada e descoordenada. Avançaram para o terreno todas as entidades fiscalizadoras depois de terem morrido cinco pessoas num local que há muito estava sinalizado, mas sobre o qual ainda pouco ou nada se tinha feito. Em poucos meses, já havia estradas cortadas pela Infraestruturas de Portugal (IP) e um Plano de Intervenção em Pedreiras em Situação Crítica, aprovado em Conselho de Ministros. O resultado, porém, está longe de traduzir uma radiografia completa, detalhada ou sequer rigorosa do problema — e os empresários a quem foi ordenado que corrigissem alguns erros dizem que ou não podem ou não conseguem fazê-lo. O Observador procurou analisar o plano com tanto pormenor quanto lhe foi permitido e acabou a somar as lacunas e incongruências nas medidas implementadas pelos vários organismos do Estado.

Na urgência de se apresentarem medidas imediatas, não foram visitadas todas as pedreiras legais e ilegais do país, ativas ou abandonadas, nem tão pouco as 1.426 que são licenciadas e fiscalizadas pela administração central. A tal lista das “Pedreiras em Situação Crítica”, preparada pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que indicou 191 pedreiras nessa situação, foi, afinal, feita por amostragem. Não há registo de que todas as pedreiras tenham sido visitadas ou analisadas. Além disso, há erros difíceis de compreender. O plano define “as medidas prioritárias, urgentes e extraordinárias” a implementar já em 2019, mas nesta lista cabe, por exemplo, uma pedreira que já está totalmente tapada.

O Observador foi visitar vários casos pelo país também e percebeu que há muitas situações em falta na lista do Governo, como pedreiras à beira da estrada sem qualquer identificação de que ali se encontra um buraco, a não serem os blocos de pedra abandonados na paisagem. Como se isso não bastasse, as instruções dadas pela DGEG e pela IP às pedreiras que analisaram não são compatíveis: uns pedem estudos para viabilizar a exploração, os outros mandam tapar rapidamente.

Apanhados de surpresa com as notificações, os empresários queixam-se da mudança de atitude da DGEG depois do acidente de Borba. Contam que a entidade reguladora tinha, no passado, uma postura mais compreensiva (e menos exigente) e, agora, parece estar a querer resolver num ano aquilo que não foi feito em vinte. Os trabalhadores que aceitaram falar com o Observador acham que é um exagero e não consideram que os locais onde trabalham corram o mesmo risco. “Medo? Medo de quê? Continuamos a trabalhar normalmente”, afirma Joaquim Nobre, encarregado de pedreiras em Pardais (Vila Viçosa). São os anos de trabalho, muitas vezes desde que eram crianças, que lhes trazem essa confiança. “Nasci nisto. Não me assusta”, diz Nuno Moura, que trabalha em pedreiras no norte do país há 24 anos, desde os 14. Já entre as pessoas que vivem junto às explorações, as opiniões dividem-se: dos que só se queixam do pó, aos que estão dispostos a levar a luta contra as minas a céu aberto até às últimas instâncias.

De Marco de Canaveses a Vila Viçosa, com umas paragens pelo centro do país, o Observador foi visitar algumas das 191 pedreiras de risco indicadas pelo Governo. Encontrámos quintais prestes a cair para dentro das explorações, estradas quase sem margem de segurança para as minas — até mesmo autoestradas, como a A1 —, buracos gigantescos e cheios de água, empresários que se sentem injustiçados e moradores revoltados. E também encontrámos explorações abandonadas, sem vedações nem sinalização, que não vêm indicadas no plano de intervenção.

Quando da janela só se vê um buraco enorme

Abriu a porta, no cimo da escadas, estranhando os desconhecidos que subiam e desciam a rua a bater à porta dos vizinhos. “Somos jornalistas. Andamos a fazer uma reportagem sobre pedreiras. Quer falar connosco sobre esta pedreira?” “Oh se quero!”, respondeu Maria Constantino Coelho, enquanto descia as escadas em direção ao portão que dava acesso à rua. O marido saiu por outro portão, o do quintal, mas preferiu não falar.

A pedreira era aquela que fazia paredes meias com a pequena horta ao lado da casa. Paredes meias é forma de dizer, porque parede não existe e o pequeno muro que divide os dois espaços — e que veda apenas uma parte da horta — de nada serviria se o terreno abatesse, se o trator do marido se descontrolasse ou se Maria, de 85 anos, se desequilibrasse enquanto anda nas suas lides. Aquele pequeno muro é a única coisa que a separa de um precipício de dezenas de metros. A moradora de Ataíja-de-Cima, concelho de Alcobaça, confessa que tem medo de andar na horta, mas isso até nem é o que mais a apoquenta. O pior mesmo é o pó.

Maria Constantino Coelho tem medo do buraco da pedreira ao lado da horta em Ataíja-de-Cima (Alcobaça), mas, habituada à proximidade da exploração, queixa-se sobretudo do pó — JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“No outro dia, até me vieram as lágrimas aos olhos. Estava tudo branco”, conta, enquanto mostra com orgulho as couves que plantou no quintal. “Disse ao inspetor que aqui esteve para me porem aqui uns blocos, daqueles que não vão ser aproveitados, e redes, para não passar tanto pó.” Rosa Sousa, uma das donas da pedreira Vale Cordeiro, garante ao Observador que o muro vai ser construído. A empresa Sousa & Catarino já tinha tentado comprar a casa de Maria Constantino Coelho, como fez com a casa do lado, também no limite da exploração, mas o casal não quis vender.

Há quase 60 anos, quando ali fizeram casa, a pedreira já existia, mas o buraco ficava lá ao longe e, até à habitação, havia um terreno cultivado. Os limites da pedreira foram, porém, sendo alargados, até ficarem, como estão, ali mesmo ao lado. Admite que nunca se queixou aos responsáveis da empresa, nem o marido quer — afinal, também ele trabalhou naquele ofício, até ter tido um acidente que o deixou dependente das muletas para o resto da vida. De uma forma ou de outra, as pedreiras dão emprego a muita gente na região — como confirma também uma vizinha, do outro lado da rua. Delfina Branco não tem nenhum familiar a trabalhar como cabouqueiro, mas um dos filhos é comercial e o outro trabalha numa empresa de transformação da pedra.

A proximidade da pedreira não é um problema apenas por causa das casas. Está colada também a uma rua que dá acesso a outras moradias naquela zona e a mais pedreiras. À empresa Sousa & Catarino foram dados quatro meses para apresentar um plano para repor a distância à estrada, conforme exigência da DGEG.

Daquele caminho público só se vê um muro alto, mas, vista de dentro (ou por cima), fica claro que a empresa não deixou os 15 metros de distância de segurança em relação à estrada — nem perto disso. A última legislação, de 2007, definia a distância que devia ser deixada a estradas, casas e outras construções, e que todas as pedreiras deveriam cumprir. Se já tivessem explorado tanto que a zona de defesa já não existisse, teriam de a repor, exceto se perturbasse os trabalhos da pedreira. Mas, agora, as alterações exigidas na pedreira Vale Cordeiro vão ter de ser feitas, mesmo perturbando os trabalhos, diz Rosa Sousa. A empresa vai ter de tapar o buraco, criar a distância de segurança e desviar o acesso à exploração — como já está a fazer.

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A dona da empresa lamenta que seja “preciso haver um acidente grande”, como o de Borba, para fazerem “este tipo de vistorias”. Na verdade, vistorias sempre houve, mas, pelo que a proprietária deu a entender, nunca tinha sido avisada para fazer estas alterações. Rosa Sousa acrescenta que, se houve uma altura em que a fiscalização era “tolerante” e “fechava os olhos” a algumas coisas, agora foi “tudo visto ao pormenor”. “Mas eles é que são os fiscalizadores e nós vamos cumprir”, garante.

A pedreira avançou até lhe roubar uma parede da garagem

Uma casa com vista para a pedreira não é um direito exclusivo da freguesia de Aljubarrota. O Observador encontrou outro caso assim no concelho de Marco de Canaveses. Benilde Cândida Azevedo, de 78 anos, cedeu a casa à filha e vive agora do outro lado da rua das Lages, mas também ela viveu paredes meias com a pedreira — desta vez, a expressão aplica-se e é tão real que uma parte da parede da garagem, um anexo no terreno, caiu no fundo da mina. Reclamou do problema, mas o que lhe ofereceram não chegava para mudar o anexo de sítio. Ainda assim, não quer que a exploração feche: “Tomara que continue. Dá trabalho às pessoas.” Opinião diferente tem a filha, Luísa Couto, de 54 anos, que agora vive na casa: “Devia ser fechada”.

Quando a casa foi construída, em 1967, o buraco da pedreira Lages n.º 5 (no concelho de Marco de Canaveses) ainda estava longe — NUNO NEVES/OBSERVADOR

NUNO NEVES/OBSERVADOR

Quando a casa foi construída, em 1967, a pedreira já ali estava, mas — tal como no caso de Maria Constantino Coelho — mais longe. Aliás, tinha sido licenciada seis anos antes, segundo Miguel Carneiro, presidente da Junta de Freguesia de Vila Boa do Bispo, que abrange aquela zona. O autarca conta, no entanto, que o edifício que existia no local onde agora está a casa era conhecido como “cantina”, sendo provável que fosse essa a função do espaço. De “cantina” passou a casa de habitação e, recentemente, a moradia que agora pertence a Luísa Couto sofreu obras de remodelação e ampliação — ainda que sem licença. “Quanto às obras de remodelação, alteração e ampliação, não foi dada qualquer autorização por parte da Câmara Municipal, tendo sido objeto de participação pelo serviço de fiscalização e respetivo processo de contraordenação”, esclareceu a autarquia de Marco de Canaveses. Seja a construção legal ou ilegal, o problema mantém-se: a pedreira está mesmo ali, praticamente colada a uma casa habitada.

“Vivo aqui há tantos anos e nunca ouvi uma pega [explosão] como esta.”
Luísa Couto, moradora de Vila Boa do Bispo

Benilde Cândida Azevedo lembra-se de ver como a pedreira Lages n.º 5, aquela que fica mais próxima da sua casa, foi afundando e alargando, até o buraco chegar mesmo até aos limites da moradia — passou a tocar no muro do quintal e na parede da garagem. Ainda assim, nunca reclamou, confessa.

A filha Luísa também não se queixa tanto da proximidade à pedreira como se queixa das explosões de pólvora (usada para partir grandes blocos de pedra). Uma das explosões mais recentes estalou-lhe os vidros e fez cair as lâmpadas, conta. “Vivo aqui há tantos anos e nunca ouvi uma pega [explosão] como esta.” Carlos Barbosa, encarregado na empresa RG Rogranit Grantax, desvaloriza e diz que a quantidade de pólvora usada não foi assim tão grande.

O Observador testemunhou os constantes “tiros de pólvora” e ouviu as queixas dos vizinhos, mas também os ouviu reconhecer que as explosões de agora em nada se comparam com as do passado, quando tocava uma corneta para as pessoas da aldeia se abrigarem e as pedras partiam as telhas das casas. Chegou a morrer gente assim, como um jovem trabalhador que escolheu o sítio errado para se abrigar e lhe caiu uma pedra na cabeça, conta Benilde Cândida Azevedo. Ela própria por pouco não levou com uma, quando andava a tratar dos coelhos no quintal. “Agora as pedras não chegam aqui.”

Benilde Cândida Azevedo nunca se queixou da pedreira, na zona de Marco de Canaveses, que via aproximar-se da casa, afinal, o marido tinha em tempos sido sócio da empresa — Octavio Passos/Observador

Octavio Passos/Observador

Na altura, cuidava-se menos da segurança, mas não era só culpa dos donos das pedreiras, diz a moradora. “Os patrões ralhavam pela segurança e os empregados não ligavam. Os patrões proibiam de beber e eles bebiam.” Foi essa mesma falta de cuidado que lhe levou um irmão e deixou outro ferido. “Os rapazes foram-se abrigar porque estava a chover e começaram a fumar lá dentro.” Os rapazes, como conta Benilde, eram trabalhadores numa pedreira do marido e tinham ido fumar para dentro do armazém onde se guardava a pólvora, provocando uma explosão.

Uma vizinha da pedreira com medo de usar o caminho

Quem sobe a rua do Guieiro, com a pedreira Lages n.º 5 à esquerda, percebe que a rede que estabelece o limite entre o caminho e a exploração é toda nova — tem agora cerca de dois metros de altura — e que sinalização não lhe falta. Foi tudo colocado ali depois de as pedreiras terem começado a ser notificadas para fazerem correções, na sequência da lista que consta da Resolução do Conselho de Ministros.

A nova cerca e a farta sinalização não resolveram, porém, o facto de a mina ter sido explorada até aos limites do caminho, pondo em causa a segurança da via, pelo menos considerando as distâncias que deviam ter sido respeitadas. A empresa SPM, dona da pedreira, não quis dizer ao Observador se tinha recebido alguma notificação da DGEG relacionada com essa via ou que indicações lhe tinham sido dadas. Só a empresa RG Rogranit Grantax, dona da pedreira no fim do caminho, admitiu ter recebido um aviso sobre a estrada: tinha de arranjar um caminho alternativo para chegar à propriedade.

Tirando os funcionários da pedreira e a dona do terreno do lado direito, quem ali vai são sobretudo curiosos. Os carros que sobem a rua mais não podem fazer do que dar a volta e regressar à estrada principal, porque um dos troços, uns metros mais à frente, foi definitivamente encerrado, em 2015, por falta de segurança.

“Tenho ali os terrenos encravados porque ninguém os quer comprar para ali fazer uma casa.”
Proprietária de terreno junto a estrada em risco por causa da pedreira

Em tempos, esta via também era usada por quem tinha pomares, hortas ou outros terrenos do lado de lá das minas. Mas as explorações chegaram tão perto do caminho que este deixou de ser seguro e foi encerrado mais ou menos a meio do percurso. Agora as duas empresas estão a aproveitar a pedra da estreita parede que existia por baixo da estrada. Quem ainda precisa de chegar aos terrenos do outro lado, usa um caminho alternativo, contornando a Lages n.º 5 pela parte de baixo.

Mas há quem tenha mesmo de usar a rua do Guieiro — no troço que ainda resta. “Tenho de fazer aquela estrada para chegar aos terrenos e tenho medo”, diz a vizinha que tem a propriedade do lado direito da rua. “Tenho ali os terrenos encravados porque ninguém os quer comprar para ali fazer uma casa.” Ela própria não vive ali. Ana (nome fictício) e a filha herdaram a casa da sogra e até já a tentaram vender à RG Rogranit Grantax (dona da pedreira de cima, a Quinta do Guieiro), mas as partes não chegaram a acordo. A sogra, que “não era pessoa de conflitos”, nunca se queixou nem reivindicou, conta Ana, e até cedeu uma parte do terreno para se alargar a rua e permitir a passagem de camiões para a pedreira.

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A solução para reduzir os riscos associados ao caminho pode voltar a estar neste terreno, diz Miguel Carneiro, presidente da Junta de Freguesia. Isto se Ana, a filha e as empresas chegarem a acordo. Certo é que a DGEG considerou que a estrada não tinha condições de segurança e que as empresas — pelo menos a RG Rogranit Grantax, com quem o Observador falou — têm de arranjar uma alternativa. Só não estabeleceu um prazo para o fazer.

Um buraco gigantesco à beira da principal autoestrada do país

Desengane-se quem pensa que os casos de pedreiras próximas demais das estradas só acontecem nos caminhos municipais ou secundários. O Observador encontrou o mesmo cenário na A1, a principal e mais movimentada autoestrada do país.

Pouco antes da saída para Fátima, no sentido sul/norte, uma parede de pedra com cerca de 10 metros acompanha a berma. É impossível, por isso, perceber que, do outro lado, está uma pedreira com cerca de 50 metros de profundidade: a Cova da Feitosa. A exploração já existe naquele lugar há mais de 70 anos, dizem os moradores, mas o troço da autoestrada que ali passa só abriu em 1991.

A pedreira fica a menos de 50 metros da A1, pouco antes da saída para Fátima, no sentido sul/norte. As regras atuais obrigam a que esteja, pelo menos, a 70 metros — NUNO NEVES/OBSERVADOR

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Manuel Vieira Luís lembra-se de quando a pedreira ainda era uma coisa pequena e a pedra era apanhada à mão. Ele próprio chegou a trabalhar por lá, quando saiu da escola, aos 12 anos, mas só por um ou dois meses — era aguadeiro e moço de fretes. Da exploração, não tem razões de queixa. E vive ali perto. “Há 20 ou 30 anos, faziam rebentamentos e estragaram cisternas e paredes de casas”, recorda. “Mas as pessoas queixaram-se ainda mais dos rebentamentos para fazer o troço da autoestrada.”

Lado a lado, pedreira e autoestrada não estão sequer a 50 metros de distância uma da outra — o mínimo que estava definido para vias públicas desde 1976. Em alguns pontos, aliás, está longe de cumprir essa margem. A lei, entretanto, mudou e é agora ainda mais exigente: obriga a que a distância de segurança seja de 70 metros — o que significa que, mesmo que a pedreira cumprisse os 50 metros definidos em 1976, neste momento estaria sempre, pelo menos, 20 metros mais perto da autoestrada do que deveria, pelas regras atuais. O Observador não conseguiu confirmar se foi a pedreira que se aproximou da estrada ou se a estrada foi construída já sem ter em conta a distância necessária em relação à pedreira. Facto é que não cumpre os limites que, segundo a lei, garantem a segurança de forma rigorosa.

A Cova da Feitosa está na lista das pedreiras em situação crítica, mas com um grau de intervenção baixo. António Almeida, gestor da empresa Pedralime, não quis entrar em pormenores sobre o que foi pedido, mas garante que está dentro do tipo de notificações que costumam receber: “Nada de extraordinário”. Já o Ministério do Ambiente informa que “foi solicitada apresentação de projeto de execução que identifique a melhor solução técnica para as intervenções de caráter estrutural, de reposição das zonas de defesa à A1”. Ou seja, a empresa terá 120 dias (a julgar pelos prazos que foram dados a outros proprietários) para apresentar um plano de como pensa repôr o terreno e garantir a distância de segurança à autoestrada que é definida por lei.

Já a Infraestruturas de Portugal, que tem competência para fiscalizar a segurança das estradas e que andou a notificar pedreiras no Alentejo, nada fez em relação a esta exploração perto de Fátima. Ao Observador, disse que a autoestrada foi concessionada à Brisa e que “a entidade que regula o setor das infraestruturas rodoviárias é o IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes]”. A Brisa, por sua vez, diz não ter conhecimento das pedreiras que existem naquela zona. E o IMT diz que, ainda que caiba à concessionária comunicar as violações do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, “quem zela pelo seu cumprimento é a administração rodoviária, que corresponde à Infraestruturas de Portugal”.

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Nem a IP, nem o Ministério das Infraestruturas e Habitação, prestaram mais esclarecimentos sobre esta situação. É certo que o facto de a pedreira não estar a cumprir a margem que a lei considera ser a necessária para garantir a segurança não significa, necessariamente, que representa um risco para quem circula na autoestrada. Mas a ordem, agora, é para repor o terreno em falta.

Uma aldeia no meio dos buracos das pedreiras

Maria nasceu ali, em Moleanos (a apenas alguns quilómetros de Ataíja-de-Cima), há já 80 anos, naquela mesma casa onde recebeu o Observador. Quando foi para Lisboa, aos 19 anos, depois de casar, ainda não existia a pedreira que agora vê da janela da cozinha. Mas aqueles passaram a ser os seus vizinhos desde que voltou à terra, há 30 anos. Agora viúva, e com o único filho ainda a viver em Lisboa, assume sozinha as queixas que tem da exploração, mas diz que os lamentos não têm sido acolhidos pelos donos. “Ainda no outro dia disse ao Silvino [um dos donos] que tinha a casa toda rachada e ele respondeu-me que a casa dele também está rachada. Se isto é resposta que se dê…”, desabafa.

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A pedreira mais próxima da casa de Maria, a Cavada n.º 2, pertence à empresa Sousa & Catarino (a mesma da aldeia de Ataíja-de-cima), que ocupa uma pequena área do buraco escavado no meio da aldeia, onde cabem pelo menos quatro pedreiras em funcionamento, de três empresas diferentes. Destas, só a que fica mais próxima da casa de Maria da Silva Ferreira — a da Sousa & Catarino — é que não foi notificada pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Às restantes foram dados 30 dias para vedarem melhor os limites exteriores, 60 dias para criarem mais áreas de proteção na parte de dentro e 120 dias para apresentarem um projeto em relação a uma estrada que passa mesmo ao lado do buraco, conta Mário Germano, da empresa Germano & Cordeiro, com duas pedreiras nesse limite.

Essa estrada — na verdade, um caminho vicinal (da responsabilidade da Junta de Freguesia) — já tinha sido identificada num levantamento feito pela Câmara Municipal de Alcobaça, diz o presidente Paulo Inácio. O troço da Travessa da Igreja foi, segundo o autarca, o único sinalizado no concelho como apresentando um risco potencial para veículos pesados, a médio-longo prazo. “Se houvesse perigo imediato, já tínhamos tomado medidas, mas não há perigo imediato para o sistema rodoviário municipal”, assegura.

“Se houvesse perigo imediato, já tínhamos tomado medidas, mas não há perigo imediato para o sistema rodoviário municipal.”
Paulo Inácio, presidente da Câmara Municipal de Alcobaça

O caminho vicinal está, na verdade, entalado entre pedreiras: de um lado, o buraco que junta as quatro já referidas; do outro, uma quinta pedreira, também em exploração. Todas estão tapadas com muros de cerca de dois metros de altura, feitos para cumprir a primeira medida imposta pela entidade que licencia e fiscaliza estas pedreiras. São esses muros que impedem que, a partir da rua — que praticamente só é usada por quem quer aceder às explorações — se consiga ver que as empresas exploraram mais do que permitia a lei e que as pedreiras já não têm os 15 metros de distância até ao caminho que deveriam ter.

A todos os proprietários foram dados quatro meses para apresentarem um projeto para resolver o problema — que pode significar encher os buracos para reporem as zonas de defesa. Do lado onde existe apenas uma pedreira, o proprietário diz que já começou a fazer esse trabalho. Do outro lado, porém, ainda há muito trabalho a fazer pelas duas empresas que têm três pedreiras encostadas à estrada. E vai levar tempo. A pedreira Moleanos n.º 4, da Mármores Vigário, que só toca na estrada ao longo de cerca de 30 metros, prevê que, para cumprir a sua parte, possa demorar entre seis meses a um ano. Já a Germano & Cordeiro, que tem as pedreiras Germano e Rochipedra, terá mais de 250 metros em contacto com a estrada, pelos cálculos do Observador.

Seja qual for o plano apresentado, terá sempre de ser avaliado e aprovado pela DGEG e poderá passar pela interdição temporária do caminho.

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A Germano & Cordeiro tem ainda outra opção: comprou um terreno, do outro lado da estrada, perto da Rochipedra. Assim, pode mudar o traçado ao caminho e garantir os tais 15 metros de zona de defesa, sem ter de tapar a pedreira. “Gastámos 300 mil euros, 375% a mais do que o valor normal [cerca de 80 mil euros]”, diz Mário Germano. E mudar o caminho vai mesmo ser o único propósito do terreno, porque não têm autorização para o explorar como pedreira.

Para os donos desta empresa, este é um bom exemplo de que muitos proprietários não vão ter condições financeiras para cumprir as regras mais apertadas aplicadas pela DGEG — regras essas que existem desde 2001 e que as empresas já deveriam estar a cumprir. Filipe Miguel, dono da Marfilpe (que tem a tal pedreira isolada), dá outro exemplo: para garantir as condições de segurança e para poder continuar a exploração da pedreira pelo menos nos próximos 20 anos, já comprou, desde 2007, cinco casas e terrenos que estavam na proximidade. O explorador assegura que gastou 3,5 milhões de euros nestas aquisições e impostos associados. “Pagámos quatro a cinco vezes o que as casas podiam valer.”

Além das dificuldades financeiras, também aqui os proprietários dizem que não percebem os critérios que levaram o Governo a decretar diferentes níveis de intervenção entre pedreiras. Rosa Sousa, da Sousa & Catarino — que também é dona da pedreira Vale Cordeiro, que fica colada a uma casa, em Ataíja-de-Cima — não entende como é que em duas situações, para si, equivalentes, a DGEG classifica uma pedreira com grau de intervenção moderado (a de Moleanos) e outra com grau elevado (a de Ataíja-de-Cima). O Ministério do Ambiente, contudo, explicou ao Observador que a pedreira com grau de intervenção elevado tem um “desnível maior” e “está mais próxima da povoação” do que a pedreira de Moleanos. Além disso, na pedreira de Ataíja-de-cima, “junto ao caminho, existem condutas de gás e postes de baixa tensão”, situação que não se verifica na outra pedreira.

“Nem as fiscalizações se preocupavam tanto com a segurança. Agora, apertaram o cerco, mas não estamos em perigo iminente.”
José Lourenço Severino, presidente da Junta de Freguesia de Aljubarrota

José Lourenço Severino já é presidente de Junta de Freguesia há mais de 15 anos — três mandatos na Junta dos Prazeres e, depois da fusão, já vai no segundo na de Aljubarrota, mas sempre com Moleanos no território — e diz que nunca recebeu queixas da população relacionadas com a segurança. “O problema com as questões de segurança só veio depois da queda da estrada no Alentejo”, diz. “Nem as fiscalizações se preocupavam tanto com a segurança. Agora, apertaram o cerco, mas não estamos em perigo iminente.”

A pedreira mesmo do lado de lá do muro do cemitério

Também Estremoz divide o território com pedreiras e mesmo no meio da localidade. Visto a partir do estaleiro da Câmara Municipal, com um muro que chega apenas à altura da cintura, o fundo da pedreira que ali está colada — a pelo menos 70 metros de profundidade e onde as máquinas parecem brinquedos — é impróprio para quem sofre de vertigens. Mas Márcio Molhinho, de 39 anos, trabalhador do estaleiro, sente-se seguro. “Em 2008 ou 2009, houve uma derrocada no terreno da Marmoz e foi interdita para exploração”, conta, apontando para as rochas do lado oposto ao do estaleiro. “Mas, deste lado, a pedra é compacta e [os bordos] foram reforçadas com cimento. Acho que está seguro.” O lado do estaleiro é o mesmo lado do cemitério de Estremoz, cujo muro alinha com os limites da pedreira. É exatamente assim: o cemitério, um muro e o precipício, sem cumprir a margem mínima de segurança — que devia ser de 50 metros. “Sempre ouvi dizer que o cemitério estava em risco, mas nunca aconteceu nada”, diz Márcio Molhinho.

O Cemitério de Estremoz, à entrada da cidade, está mesmo ao lado do buraco da pedreira (à esquerda)

NUNO NEVES/OBSERVADOR

“O teto desta sala tem mais risco de cair do que o cemitério”, contrapõe Francisco Ramos, presidente da Câmara Municipal de Estremoz, ao telefone com o Observador. “Risco potencial há sempre, mas o cemitério está seguro. É um bloco de mármore único, sem cortes transversais”, acrescenta o autarca, embora admita que não existem estudos aprofundados sobre a estabilidade daquele talude da pedreira.

Ao Observador, o presidente do Grupo Galrão, dono de uma das explorações ainda em atividade, também atesta a segurança da zona junto ao cemitério: “Geologicamente, não há risco de derrocadas da parte do cemitério, é um maciço rochoso compacto”, confirma Jorge Galrão. No caso da sua empresa, que explora a zona mais perto do estaleiro, diz que a DGEG pediu apenas que aumentassem a sinalização.

Aquele espaço é dividido por três empresas: a Galrão e a Batanete, coladas ao estaleiro; e a Marmoz, colada ao cemitério. Estas duas últimas exploravam terrenos pertencentes à autarquia, mas “os contratos de concessão terminaram há imenso tempo”, diz o autarca. Na impossibilidade de contactar as empresas exploradoras, o Ministério do Ambiente notifica o dono do terreno — ou seja, a Câmara. Francisco Ramos confirma que a autarquia já foi notificada pela DGEG para fazer um estudo de estabilidade nas pedreiras. Neste momento, estão a avaliar os orçamentos de três entidades diferentes para poderem adjudicar um deles, mas já sabe que rondará os 10 a 12 mil euros.

A zona da exploração da Galrão também cola com a Estrada Nacional 4. Para esse local, a Infraestruturas de Portugal (IP) ordenou que tapasse parte do buraco (até garantir uma distância de 75 metros até à estrada), coisa que já está a fazer há sete ou oito anos, com autorização da entidade competente, e que, garante Jorge Galrão, nunca poderia ser feita em 45 dias, como a IP exigiu. E poderá ainda haver outro problema: o Ministério do Ambiente lembra que, caso o enchimento do buraco não esteja previsto no Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística, qualquer alteração à exploração ou ao plano de recuperação só pode ser feita com autorização. E tapar o buraco, como ordenou a IP, pode constituir precisamente uma alteração para a qual a pedreira não pediu autorização. O Observador questionou o Ministério do Ambiente sobre se a IP podia, sem pedir autorização para alteração dos planos, fazer este tipo de intervenção, mas não obteve resposta.

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Quem passa na estrada nem imagina o que existe uns metros ao lado

Zelinda Agostinho estava sozinha atrás do balcão da Cafetaria Palma. Já não mora ali, em Fonte Soeiro, e só lá vai de visita, mas o tempo não lhe apagou da memória a queda de uma estrada há mais de 20 anos. “Não pensávamos que pudesse cair. Víamos as máquinas a usar aquela estrada”, recorda. A referida estrada passava entre duas pedreiras, mesmo às portas daquela localidade alentejana, e também Zelinda e os vizinhos chegaram a passar por ela a pé. A sorte, conta a mulher de 81 anos, é que a estrada caiu durante a noite e não houve mortos nem feridos.

De um lado e do outro da estrada que caiu, escavavam-se agora os buracos explorados pela empresa F.J. Cochicho & Filho. Zelinda Agostinho conta que a empresa “deu uma boa conta à Câmara” para comprar a estrada, que era pública, e comprometeu-se a fazer uma estrada alternativa — aquela que, agora, passa do outro lado do monte e permite chegar à povoação. A derrocada da estrada permitiu explorar a pedra dessa parede e os dois buracos passaram a ser só um. Mas, na altura, não era tão grande como aquele que agora se vê — mais de 200 metros de uma ponta à outra.

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As enormes gruas que se destacam no bordo da exploração permitem perceber por que é que a exploração é tão grande: a pedreira de Fonte da Moura tem um buraco único, mas são três as empresas a tirar dali mármore — F.J. Cochicho & Filho, Cochicho (ou Calimal, que pertence ao mesmo dono) e Mármores Galrão.

Esta última foi a única que aceitou falar com o Observador. E também foi a única que não recebeu uma notificação da DGEG para fazer correções, mas nem o próprio dono da empresa, Jorge Galrão, entende porquê. “Até estamos a pensar fazer um estudo de sustentabilidade conjunto, por causa da profundidade.” Isto porque o buraco já tem mais 80 metros e a ideia é continuar a afundar.

Visto de cima, aquele lugar é, na prática, uma rede de caminhos estreitos, ladeados por pedreiras que podem ter 100 ou mais metros de profundidade. Zonas de defesa até à estrada não se veem, mas também não foi possível confirmar na legislação ou junto do Ministério do Ambiente se existe uma distância de segurança definida para estes caminhos privados de serventia às pedreiras. Certo é que são usados diariamente pelos trabalhadores, clientes e camiões que podem pesar mais de 40 toneladas.

“Uma pessoa habitua-se”, diz Luís Pego, que conduz a carrinha que transporta os trabalhadores para uma das pedreiras. Mas nem todos. Que o diga Jorge Pinguicha, que trabalha neste ramo desde os 16 anos — já lá vão 20 — e que está desejoso de encontrar outro emprego. “Aquela rua, qualquer dia acontece o mesmo que em Borba”, diz sobre a estrada de terra batida próxima do local onde trabalha. A tocar nos limites desta estrada estão pedreiras das empresas Cochicho, Calimal e Euromármores, todas do mesmo dono, que não quis responder às perguntas do Observador. Uma destas pedreiras não foi notificada para fazer qualquer correção, apesar de, aos olhos de um leigo, todas parecerem ter o mesmo impacto no referido caminho.

“Aquela rua, qualquer dia acontece o mesmo que em Borba. Há máquinas com 40 toneladas ou mais a passar por ali o dia todo.”
Jorge Pinguicha, maquinista numa pedreira

Desde este aglomerado de pedreiras até Vila Viçosa havia duas estradas municipais, mas estão ambas fechadas por questões de segurança: uma passa junto aos aterros com os restos da pedra, com várias dezenas de metros de altura; a outra passa pelo meio de outras pedreiras, quase todas inativas. Só a São Marcos n.º 9, uma pedreira da empresa A. Bento Vermelho, continua a trabalhar. E assim esteve até à queda da estrada de Borba, a uns quilómetros dali. Depois do acidente, o dono mandou os homens trabalhar noutro local, com medo de que aquela estrada municipal tivesse um desfecho semelhante.

“Não achava que a estrada de Borba pudesse cair. Só naquele dia passei lá umas 10 vezes”, conta. Manuel Simões tinha negócios de um e de outro lado do troço da estrada nacional 255 que ruiu, o que o obrigava a andar de um lado para o outro. Depois de ver o que aconteceu com uma estrada de 30 metros de largura, teve mais receio do que poderia acontecer com aquela, junto a São Marcos, que tem apenas seis metros. A estrada está cortada há mais de 15 anos, mas o dono da empresa continua à espera que a Câmara Municipal de Vila Viçosa dê uma solução ao problema, porque o risco de ruir não desapareceu só porque a circulação foi interrompida. O Observador passou vários meses a tentar contactar o presidente da Câmara, Manuel Condenado, por email, telefone e até presencialmente, mas nunca conseguiu qualquer resposta.

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Com uma estrada em situação de risco já identificado, seria de esperar que a pedreira São Marcos n.º 9 estivesse na lista do Governo. E está, mas não no grupo das que precisam de intervenção mais urgente (está num nível intermédio) e sem referência ao problema da estrada. O Ministério do Ambiente diz que a classificação de intervenção moderada justifica-se porque “a estrada já estava interditada”. Assim, a pedreira com 120 metros recebeu indicação para colocar vedações, restringir o acesso de pessoas que não pertençam às pedreiras e para fazer um estudo de estabilidade do maciço rochoso (o bloco de rocha que compõe as paredes da mina), mas nada foi dito sobre a estrada.

“Se a estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”

Com as estradas municipais para Vila Viçosa cortadas, a única hipótese é ir pela estrada nacional que vem do Alandroal até Borba. Mas, a poucos metros do cruzamento para Pardais, o Observador encontrou mais uma situação de alerta: a estrada tem uma via fechada — a que fica mais perto de uma pedreira — e a circulação faz-se alternadamente pela outra via. “Se a estrada tiver de cair, não cai pelo picotado”, diz, de forma irónica, Inácio Esperança. O presidente da Junta de Freguesia de Pardais refere-se ao facto de o limite da zona interdita ser a linha tracejada que divide as duas vias da estrada. Se há risco, a estrada devia ser desviada, contesta. “Já perguntámos à IP [Infraestruturas de Portugal] o que se passa e não tivemos resposta nenhuma. Não sabemos sequer o que se passa no nosso território.” Ao Observador, a IP confirmou que se trata de uma “medida preventiva”, mas não quis dar mais informações.

Este troço da nacional 255 não é o único “cortado pelo picotado”. Quando se vira em direção a Bencatel, encontra-se uma situação equivalente, poucos quilómetros depois. Fernando (nome fictício), não acredita que a estrada caia, mas acha que, se caísse, seria nas duas vias. Para o trabalhador da pedra, que não se quis identificar, é mais arriscado obrigar os carros e os camiões a ficarem parados à espera que abra o sinal. “Sem falar que só dificulta a vida às pessoas. Passamos ali muitas vezes, são horas perdidas no sinal.” Essa é a principal queixa de quem trabalha: as horas perdidas. Quem não trabalha na pedra e não conhece as pedreiras, nem onde se localizam, tem medo, sobretudo desde Borba. “As pessoas nem sabem o que há para aí”, diz a dona de uma padaria em Bencatel que todos os dias vem de Vila Viçosa para trabalhar.

Muitas das pessoas que passam na estrada nacional 254, próximo de Bencatel, não fazem ideia que a pedreira se encontra tão próxima da via — NUNO NEVES/OBSERVADOR

NUNO NEVES/OBSERVADOR

Também aqui a circulação alternada foi imposta pela IP por causa da pedreira Cagadinhas, cujo corte faz um bico em direção ao caminho. À empresa Galegos, a IP pediu que tapasse o buraco de forma a deixar, do bordo até à estrada, uma distância que fosse três vezes maior do que a profundidade do poço — qualquer coisa como 60 metros. O problema é que a exploração está parada há quase 15 anos e a empresa à qual a pedreira pertencia faliu. No espaço ao lado da pedreira já só está Joaquim Galego, a cortar mármore sozinho. Como é dono do terreno onde se encontra o buraco, cabe ao agora empresário em nome individual resolver o problema.

O homem de 53 anos desvaloriza o risco para a estrada. “A parede está assim, com aqueles dois pedaços de terra em falta, há mais de 30 anos”, diz, enquanto mostra as fotografias que tem guardadas no telemóvel. Não reclamou da notificação, nem deu resposta à IP nas duas semanas em que podia fazê-lo, mas também não vai cumprir os 45 dias que lhe deram para tapar o buraco. Diz que já estava a enchê-lo antes, com o que sobra do corte da pedra, mas a verdade é que isso mal chega à superfície do lago azul turquesa que se formou no fundo. E, mais do que isso, garante que não consegue. “Se eu não cumprir, vêm eles [a IP ou outro regulador] tapar e depois cobram. Vou ter de assaltar um banco para conseguir pagar ou então podem ficar com isto tudo.”

Curiosamente, e apesar do risco identificado pela IP, a Cagadinhas não consta da lista de pedreiras em situação crítica divulgada pelo Governo.

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Seguindo a estrada em direção a Bencatel existia mais um troço com circulação alternada, mas, quando o Observador chegou ao local, já a situação tinha sido resolvida — pelo menos, em parte. De um lado da estrada, a IP mandou a pedreira da empresa Ezequiel Francisco Alves garantir uma margem de 51 metros até à estrada. Do outro lado, a IP queria que a Monte d’El Rei, outra pedreira da mesma empresa, criasse uma zona de defesa de 300 metros. Mas a imposição da Infraestruturas de Portugal é bastante diferente das regras previstas na lei das pedreiras (Decreto-Lei n.º 340/2007): 50 metros para cada lado, ponto.

António Alves, dono da empresa, tapou a primeira, menos funda (com 17 metros de profundidade), mas não tapou a segunda. Ainda assim, e apesar da ordem dada anteriormente, a IP considerou que a empresa tinha garantido “a reposição das condições de segurança para a circulação de pessoas e bens na estrada” e a circulação alternada foi retirada — mesmo com a maior pedreira por tapar.

Sobre a pedreira Monte d’El Rei, que também está na lista das pedreiras em situação crítica do Governo, António Alves diz que vão “fazer um estudo de estabilidade mais específico em relação à estrada”, mas não está disposto a tapar a pedreira com 145 metros de profundidade para a qual ainda tem muitos planos: industriais e de turismo. “Não é a lei que determina se está em risco, são os estudos.” E esses encomendou-os à Universidade de Évora e ao Instituto Superior Técnico (Lisboa). Por um lado, é preciso mostrar que os taludes que ladeiam a pedreira são estáveis. Por outro, há que demonstrar que a exploração que está a fazer em túnel, em direção à estrada, é segura.

O túnel da pedreira que vai ter um altar

No fundo da pedreira Monte d’El Rei, e olhando para cima, o buraco formado pela exploração até parece estreito. Ali, o cenário é surpreendente: a rampa de acesso para camiões, máquinas e trabalhadores vem desde a superfície em espiral e, a dada altura, enfia-se na parede de pedra, através de um túnel. Lá dentro há ainda uma bifurcação: um outro túnel, que está a ser construído para servir de acesso permanente aos camiões, segue para um lado; para o outro, fica a saída provisória. E, aqui, nova perplexidade: essa saída é através de um buraco cavado na parede, em forma de triângulo — mas não um triângulo qualquer. A abertura triangular é tão alta que no interior caberia um prédio de 26 andares (cerca de 78 metros).

A dúvida sobre a segurança daquela estrutura é imediata: um buraco daquelas dimensões e com aquelas características na parede de uma pedreira não põe em risco a estabilidade? Sobretudo tendo em conta que esse triângulo foi cavado abaixo e na direção a uma estrada, que passa ali ao lado? António Alves, dono da empresa, garante que não. Diz que o projeto do engenheiro António Crespo, responsável técnico da pedreira na altura em que a intervenção foi feita, é único no mundo e garante que os estudos que já foram feitos não encontraram problemas no local.

Matilde Costa e Silva, especialista em minas e pedreiras no Instituto Superior Técnico, ouvida pelo Observador, confirma que este tipo de intervenções não se fazem sem que os riscos sejam avaliados antecipadamente, embora não possa dar dados específicos sobre este caso. “Todas as explorações passam por um apertado crivo técnico”, garante. A investigadora, que costuma fazer estudos de estabilidade para as pedreiras, acrescenta que, às vezes, especialmente quando os buracos já estão muito fundos, pode até ser mais seguro trabalhar dentro dos túneis, desde que as rochas sejam estáveis, porque existe uma laje de proteção.

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A verdade é que aquele triângulo foi o início do túnel que António Alves estava a escavar à procura da melhor pedra. Mas com tantos avisos e notificações que acabou por receber, os trabalhos foram interrompidos e os estudos de estabilidade das paredes foram encomendados. No futuro ainda não sabe se vai continuar a escavar o túnel em direção à estrada. Por agora tem uma certeza: vai construir lá dentro um altar com Jesus Cristo na cruz. Uns metros abaixo do altar, planeia fazer uma plataforma de vidro para que os turistas possam ver os homens a tirar pedra no fundo da mina.

“Todas as explorações passam por um apertado crivo técnico.”
Matilde Costa e Silva, especialista em pedreiras no Instituto Superior Técnico

A pedreira Monte d’El Rei surge na lista do Governo com um nível de intervenção “moderado”. Ao Observador, o proprietário confirma que foi notificado para fazer correções, mas não quis dizer quais nem porquê.

Uma lista incompleta, prazos irrealistas e entidades descoordenadas

Apesar dos muitos obstáculos no acesso à informação sobre a forma como foi construída a lista de pedreiras em situação crítica e as lacunas encontradas, a visita a algumas delas e os vários contactos feitos permitem perceber, de forma clara, que são muitas as incongruências e lacunas — e, sobretudo, a descoordenação. Muitas das pedreiras que estão em incumprimento estão assim há vários anos, e com o conhecimento dos inspetores. Aquilo que ainda não tinha sido considerado um problema, agora tornou-se alvo de notificação para resolução com urgência. E a urgência foi tanta depois do acidente em Borba que as entidades competentes não hesitaram em impor alterações às pedreiras, mas de uma forma tão descoordenada que, por vezes, os pedidos de duas entidades (como a DGEG e a IP) chegam a ser incompatíveis.

Na segunda parte desta viagem pelas pedreiras do país, olharemos para essas falhas, que, em alguns casos, podem fazer com que tudo fique na mesma.

Corrigida a profundidade da pedreira Cova da Feitosa, a 22 de agosto
Corrigida a altura do talude junto à A1 e o nome da empresa que está a explorar a pedreira, a 23 de agosto

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