Os suíços decidem este domingo, em referendo, se o país deve criar um rendimento básico incondicional (RBI) — uma espécie de subsídio pago a todos os cidadãos que iria substituir as prestações sociais atuais (desemprego, doença etc.) e “garantir uma igualação material do ponto de partida” económico entre todas as pessoas. A proposta, para um modelo de organização económica, também está a ser estudada na Finlândia e noutros países, como o Canadá e a Holanda, também já foi demonstrado interesse. Em Portugal, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) é um defensor da ideia do RBI.
Numa economia industrial cada vez mais robotizada, há académicos que defendem que não faz sentido continuar a apostar em modelos económicos baseados na ideia do “emprego para todos”. A solução, para estes, pode passar pela distribuição de um subsídio universal a troco de… nada. Toda a gente recebe, quer tenha ou não tenha outros rendimentos ou heranças. Só com a criação desse rendimento universal será possível reduzir as desigualdades que, na opinião destes, os modelos atuais promovem. Os críticos da ideia dizem que seria um estímulo à preguiça e que “uma catástrofe” para a economia.
Controvérsias à parte, a democracia participativa da Suíça, fértil em referendos, vai perguntar neste domingo aos eleitores se a proposta deve ser ponderada. O valor mensal idealizado pelos promotores da proposta equivale a 2.200 euros por mês – o que pode parecer uma quantia elevada mas, no caso da Suíça, apenas garantiria que a pessoa estaria acima do limiar da pobreza (definido como 60% da média do rendimento disponível no país). 30 mil francos suíços por ano para ter uma “existência decente”, dizem os promotores.
Os estudos de opinião indicam que, apesar de conseguido ter recolhido as 100 mil assinaturas necessárias para ir a referendo, a proposta deverá ser chumbada. Como é regra nos referendos suíços, o governo teve de se pronunciar sobre os impactos da proposta e a conclusão não foi favorável: “Concluímos que uma iniciativa deste género iria enfraquecer a nossa economia”, afirmou o relatório governamental, alertando que a proposta levaria a aumentos de impostos e criaria desincentivos para o trabalho e para a formação e especialização.
No resto da Europa, foi aberta em 2013 uma Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE) neste sentido, mas esta fechou com menos de um terço das assinaturas necessárias para que a medida fosse estudada e discutida pelo Parlamento Europeu (seria necessário um milhão de assinaturas). Ainda assim, uma sondagem recentemente feita a nível europeu revelou que 58% dos inquiridos sabem do que se trata quando se fala em RBI e 64% dizem que votariam a favor se fossem diretamente consultados sobre o tema. A ideia parece ser particularmente bem recebida em Espanha e Itália.
Faz sentido pensar num RBI?
O Estado já gasta vários milhares de milhões de euros em prestações sociais, a cada ano. Mas no modelo atual que prevalece nos países desenvolvidos os subsídios são direcionados para cidadãos específicos, conforme a situação em que se encontram e que justifica a transferência desse subsídio. O Rendimento Básico Incondicional, que já tem um movimento em Portugal, propõe um mecanismo diferente, sem burocracia e, sobretudo, sem estigmas.
O movimento, que já conseguiu mais de 4.400 assinaturas em Portugal, admite várias formas distintas de financiar a atribuição de um subsídio que, ajustado à realidade portuguesa, poderia rondar os 435 euros por pessoa. Uma das propostas é que o Estado abdique de coletar IRS e administre um fundo que receberia os descontos e faria a distribuição universal do valor.
Os promotores do movimento defendem que com o RBI é dada a oportunidade a cada um de “escolher livremente um trabalho verdadeiramente gratificante, social e economicamente produtivo ou outras formas não remuneradas de contribuir para a sociedade“. “O RBI também liberta tempo para dar um novo fôlego à atividade associativa, ao envolvimento cívico, aos projetos profissionais e à criação artística, recriando laços sociais, familiares e de confiança nas nossas cidades, bairros e aldeias”, acrescentam.
O objetivo é levar o RBI a ser debatido na Assembleia da República. Uma meta que é partilhada pelo partido PAN. No início do ano, o PAN — Pessoas, Animais, Natureza promoveu um debate de dois dias sobre o tema e anunciou que iria levar a proposta ao parlamento, propondo “pelo menos um projeto de resolução”, disse, na altura, à agência Lusa o porta-voz do partido e Comissário Político Nacional, Jorge Silva.
“O Rendimento Básico incondicional ajudará a prevenir a pobreza e a assegurar a liberdade a cada indivíduo, a determinar a sua vida, e a fortalecer a participação de todos na sociedade. Ajudará a evitar divisões sociais, debates baseados na inveja e na injúria e as suas consequências, assim como uma burocracia de controlo e inspeção superfluamente dispendiosa, repressiva e excludente. Enquanto pagamento por transferência livre de discriminação e estigmatização, o Rendimento Básico incondicional previne a pobreza oculta e diferentes tipos de doença.” Estes são os principais argumentos dos defensores do RBI.
Num texto académico recente, o investigador Roberto Merrill acrescenta que o RBI seria um meio de “redução dos fossos de riqueza para criar uma sociedade de iguais e permitir aos indivíduos ter os meios necessários para as suas livres iniciativas”. Seria uma medida “preventiva de justiça social”, em contraste com as medidas a posteriori como o subsídio de desemprego, por exemplo. Mesmo o português Rendimento Social de Inserção, lançado durante o governo de António Guterres, é um subsídio não-universal a posteriori, ou seja, não é atribuído a todos os cidadãos — tenham ou não outros rendimentos ou heranças.
RBI: Cada vez mais países interessados (em estudar)
Chegou a ser noticiado pela imprensa internacional, em dezembro, que a Finlândia se preparava para dar a todos os cidadãos um rendimento básico universal de 800 euros, substituindo as prestações sociais comuns. Na verdade, não era bem assim: apenas foi lançado, nessa altura, um estudo experimental sobre que possibilidades poderiam ser viáveis a este nível, com confirmou o líder do estudo académico, Olli Kangas.
A investigação, para já, é apenas académica. Só em 2017, se o governo quiser, poderá haver iniciativas reais, com pessoas a receberem dinheiro.
No Canadá o Partido Liberal local conseguiu aprovar uma resolução que prevê um rendimento mínimo sem burocracias. Mas o país aparentemente mais próximo de vir a tentar um mecanismo deste género é a Namíbia. O governo do país vizinho de Angola (a sul), e especialmente o ministro com a pasta da Erradicação da Pobreza, indicou no ano passado que está a ser “seriamente equacionada” a atribuição de um rendimento básico à população. Ainda não é claro os moldes em que isso acontecerá, mas nos próximos meses o ministro Zephania Kameeta deverá terminar o estudo que fundamentará a medida.
Uma “catástrofe” para a economia e um incentivo à preguiça
Mas tantos quantos os apoiantes são os críticos da proposta. Uma ideia que, diga-se, não é nova — e há muito gera paixões (boas e más) em todo o espetro de sensibilidades ideológicas, da esquerda à direita.
Segundo o The Guardian, a primeira referência a uma proposta deste género surgiu ainda antes do ano de 1800. Thomas Paine propôs um sistema de “Justiça Agrária” em que na chegada à maioridade todos os cidadãos deveriam receber um subsídio igual para todos. Foi em 1797.
No ano passado, em Utrecht, na Holanda, foi concebido um projeto-piloto para testar os possíveis benefícios (e eventuais malefícios) da ideia. Mas a expressão rendimento incondicional teve de ser retirada da proposta, porque “as pessoas assumem logo que é uma questão de dar dinheiro de graça às pessoas para que estas fiquem em casa a ver televisão”, afirmou Heleen de Boer, que pertence ao partido dos Verdes em Utrecht.
O plano ainda não arrancou – só em 2017 – mas já se sabe que, para já, vai envolver pessoas que já estão sob a alçada de prestações sociais neste momento. Vão ser formados dois grupos, sendo que num deles mesmo que arranjem emprego remunerado, as pessoas não deixam de ter a segurança daquele rendimento. Um economista prestigiado estará encarregue de avaliar os resultados do estudo e avaliar se o RBI pode ajudar a combater a “armadilha de pobreza” em que, na opinião dos proponentes, os beneficiários de prestações sociais convencionais — a posteriori — tendem a cair.
Porém, se para alguns intelectuais, o RBI é a solução para a “armadilha de pobreza”, para outros a proposta, a ser aplicada, seria uma “catástrofe” para a economia. O governo suíço, no seu relatório antes do referendo de domingo, já avisava que a medida seria prejudicial. Mas os intelectuais mais críticos vão mais longe e dizem que a proposta do RBI não é mais do que “um conto de fadas socialista“.
Essa é a opinião dos conservadores suecos, na reação à proposta do partido dos Verdes locais. A defesa de um rendimento incondicional mostra, na opinião dos críticos da proposta, que os partidos que a defendem têm uma visão “descolada do mundo” e que a obtenção dos rendimentos deixaria de ser o incentivo normal que está na base da organização económica que conhecemos.
No fundo, dinheiro a troco de nada colocaria em causa a própria noção de dinheiro como incentivo e como instrumento para promover o trabalho e o progresso.