A reunião com os peritos no Infarmed já estava a terminar quando o primeiro-ministro pediu a palavra para também ele agradecer aos especialistas o apoio científico à decisão política nos últimos dois anos, como já tinha feito antes o Presidente da República. Soava a despedida, tal como Marcelo também já tinha soado, mas António Costa acabou por prevenir que infelizmente ninguém o podia afirmar com segurança. Ficou a ideia, entre os presentes, de que as reuniões serão, no entanto, menos regulares, e que Costa quis sublinhar que é preciso manter a vigilância elevada, sobretudo a auto-vigilância. A propósito o primeiro-ministro até contou a forma casual como descobriu que estava infetado: fez um teste enquanto fazia a barba.

O episódio contado na parte da reunião que foi à porta fechada pretendia passar a ideia da necessidade de cada um ser “diligente e manter a vigilância”, mesmo que as medidas venham a abrandar, segundo conta quem esteve presente. Quando interveio, Costa ainda começou por ir na senda de Marcelo que, antes dele, praticamente se despediu dos especialistas que aconselharam políticos durante estes dois anos: agradeceu o apoio em “dois anos intensos, complexos” e elogiou o “esforço de equipa difícil, aturado, devotado e importante”, apontando também à ministra da Saúde e a Graça Freitas e elogiando a “sabedoria política” de somar os especialistas ao processo de decisão. Mas Costa travou o tom de despedida, segundo os presentes ouvidos pelo Observador. “Disse que gostava de poder dizer que era a última [reunião], mas não podia”, tendo em conta alguma imprevisibilidade que envolve sempre a pandemia.

A ideia que deixou foi que “as reuniões serão menos regulares, mais espaçadas”, acrescenta uma das fontes contactadas pelo Observador. O primeiro-ministro elogiou ainda, segundo contou outra fonte presente ao Observador, a “transparência sobre informação” e o grau de conhecimento que têm sido “muito importantes” na gestão da pandemia. Na curta intervenção, Costa teve tempo para agradecer mais uma vez à ministra da Saúde ter liderado o combate à pandemia, o que sugere que a próxima reunião já poderá ser com o novo Governo (o que não significa que seja com nova ministra).

Outra novidade na parte à porta fechada: esta foi uma das primeiras reuniões do género em que ninguém fez qualquer pergunta, com os partidos que marcaram presença a darem conta sobretudo das condições para que se avance no abrandamento de restrições nesta altura.

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A possibilidade foi, de resto, aberta pela ministra da Saúde, no final da reunião, ao dizer que as medidas vão ser ponderadas no Conselho de Ministros, que tem uma reunião prevista para esta semana. Aliás, Marta Temido utilizou mesmo a expressão “tão rápido quanto possível”, apesar de logo de seguida ter acrescentado as cautelas do epidemiologista Henrique de Barros: “Tão rápido quanto possível e tão devagar quanto necessário”.

“Ainda existe demasiada incerteza” para falar de endemia, exemplificou a ministra Marta Temido quando falava desta questão em concreto, apontando sobretudo para a eventualidade de poder vir a surgir uma nova variante que leve a reequacionar a situação novamente. “Estamos num cenário de incerteza e não num cenário de convívio como temos em relação a outras doenças”, afirmou Temido. Quando ainda não se sabe se  fica no Governo e se fica com a mesma pasta que tem hoje, Marta Temido atirou para o próximo Governo a forma como será feito, daqui em diante, o acompanhamento da situação, embora tenha também referido que o atual modelo “provou bem” ter conseguido responder a uma “circunstância excecional”.

Novas medidas serão conhecidas esta quinta-feira

Quanto medidas concretas a tomar, Temido deu a entender que passará com toda a segurança por uma alteração do “paradigma de testagem, para uma testagem mais focada”. Também são de esperar alterações ao nível da exigência de certificados digitais em determinados espaços e da utilização da máscara em espaços onde se pode estar mais protegido, referiu ainda a ministra da final da reunião.

À porta fechada, segundo a leitura feita por uma das fontes presentes (da oposição), o Governo “não terá dado sinais de querer fazer as coisas de forma mitigada”. Na leitura dessa mesma fonte, haverá uma espécie de evidente libertação das restrições, com “levantamento de máscaras e certificados o quanto antes”, tal como sugerem os especialistas e abordou a ministra. O Observador sabe que o alívio das medidas será apresetado já esta quinta-feira, depois da reunião do Conselho de Ministros.

“Está na altura de aliviar as medidas”. O novo plano quase sem regras proposto na reunião no Infarmed

Ainda assim, o tom que o primeiro-ministro quis deixar foi de alguma cautela. Aliás, pouco depois da reunião terminar, António Costa usou a sua conta oficial do Twitter para dar conta disso mesmo. Agradeceu aos peritos o “trabalho importante” para que “as decisões pudessem ser tomadas com base no conhecimento e na melhor informação científica disponível em cada momento. Escreveu sobre a “experiência intensa” de governar “num quadro de incerteza muito elevado”. Mas acabou a prevenir que “a ameaça persiste enquanto não houver uma vacinação à escala global e, portanto, não podemos dar esta luta por encerrada”.

Na reunião, Ana Paula Rodrigues, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, sugeriu uma vigilância na fase de recuperação da pandemia, onde Portugal entrará “a curto e médio prazo”, a caminho da “normalidade”. O que propôs foi otimizar os recursos que já existem, incluindo-os num novo sistema, o Sistema de Vigilância de Doenças Respiratórias e no Sistema de Vigilância de Doenças Agudas. Ou seja, juntar a Covid-19 ao sistema que já vigia as ondas de gripe. Aliás, a generalidade dos especialistas que intervieram nesta reunião falou na necessidade de manter a monitorização da doença apertada, mesmo que tenham admitido que o país está pronto para entrar numa nova fase da pandemia.

Os partidos saíram a concordar com o levantamento de medidas que se prepara, embora o PSD tenha advertido para a necessidade de fazer tudo “de forma progressiva sem colocar em risco a saúde e segurança das populações”. “O levantamento simultâneo da obrigatoriedade das máscaras e do certificado de vacinação poderá ser um caso que deveria ser repartido em dois momentos distintos. Primeiro as máscaras, depois os certificados depois dependendo das perspetiva de evolução da Covid-19 podermos libertar as restantes restrições”, afirmou Ricardo Batista Leite no final da reunião, em declarações na Assembleia da República. O maior receio do PSD é, nesta altura, evitar “qualquer risco de comprometer o setor de turismo do país para a primavera e verão de 2022”.

Já o Bloco de Esquerda defendeu que as medidas sejam levantadas rapidamente, começando pela questão do uso da máscara em espaços exteriores. O Chega também defende que as máscaras se mantenham “apenas em circunstâncias específicas” e que “os certificados digitais caiam”.

No caso da Iniciativa Liberal, a prioridade em termos de medidas é abolir o uso de máscaras em contexto escolar, argumentando com a questão da “saúde mental”, bem como o “levantamento de restrições para eventos culturais”. Carla Castro discordou ainda do uso da expressão “sabedoria política” por parte do Presidente da República, questionando: “Como se pode falar em sabedoria política quando temos a economia em cacos, as clivagens sociais aumentadas e saúde mental degradada?”.

Artigo atualizado às 18h30 com mais informações sobre a reunião