É muito mais aquilo que os une do que aquilo que os separa. A frase batida ajuda a sintetizar o que está em causa nas eleições diretas do PSD: mais do que divisões programáticas de fundo, a 27 de novembro os militantes sociais-democratas vão escolher um estilo de liderança e uma forma de estar na política.
Numa altura em que as candidaturas de Rui Rio e Paulo Rangel ultimam o programa com que vão a votos — e que servirá necessariamente de antecâmara para o programa eleitoral com que um dos dois vai enfrentar António Costa — há, para já, uma evidência: a receita de ambos não é assim tão diferente.
A grande prioridade dos dois, aliás, é a mesma: tornar a economia mais competitiva (com uma fiscalidade mais amiga das empresas e redução de custos de contexto) de forma a superar aquilo que consideram ser o maior obstáculo para o desenvolvimento do país: uma economia assente em baixos salários e empregos precários, em particular junto dos mais jovens.
Rui Rio, sabe o Observador, vai recuperar grande parte do programa com que foi a votos em 2019 e adaptá-lo às novas circunstâncias pós-pandémicas — uma economia mais endividada, em défice e com PIB ainda mais tímido, tudo num contexto internacional bem menos otimista do que há dois anos.
O “choque fiscal” proposto originalmente pelo líder social-democrata vai, por isso, ficar na gaveta. A prioridade de Rui Rio continua a ser a redução de impostos, em particular do IRC, mas nunca na dimensão proposta em há dois anos. O país e o mundo mudaram e já não é exequível avançar com uma redução de impostos na magnitude pensada para o ciclo 2019-2023.
Ainda assim, não desapareceram as grandes prioridades: redução de custos de contexto, simplificação do sistema fiscal, criação de instrumentos para atração de investimento, combate à morosidade da justiça, criação de linhas de capitalização verdadeiramente eficazes por oposição ao modelo atual do banco de fomento, internacionalização das empresas de forma a dar escala e dimensão a um tecido muito dependente de micro, pequenas e médias empresas, e investimento na melhoria dos serviços públicos.
Já as grandes linhas de orientação de Paulo Rangel não serão muito diferentes. O eurodeputado quer um programa voltado para o crescimento económico, onde o grande esforço vai ser colocado ao serviço do investimento em setores que tragam valor acrescentado (e não necessariamente em áreas como o Turismo, por exemplo), a redução de impostos para as empresas e a diminuição dos custos de contexto; para a reforma da qualidade das instituições, despartidarizando o Estado e fazendo uma aposta decisiva no combate à corrupção.
Mas Rangel quer olhar sobretudo para a questão da mobilidade social, o que passa necessariamente pela aposta numa economia com melhores empregos e melhores salários. A reparação do elevador social é, aliás, o ponto orientador da proposta de Rangel para o país. No dia em que apresentou publicamente a sua candidatura ao cargo de presidente do PSD, o eurodeputado disse isso mesmo.
“Portugal é um país pobre, profundamente desigual, sem igualdade de oportunidades, onde o elevador social só funciona para pessoas com capacidades excecionais, mas não serve as cidadãs e os cidadãos médios que arrancam dos níveis mais baixos da sociedade. O grande desígnio do PSD e de um projeto galvanizador e vencedor para o país só pode ser e será sempre para mim: a mobilidade social. Ou usando uma expressão popular: temos de criar as condições para que todos os portugueses possam subir na vida”, sintetizou.
Homens de Passos e Moedas ao lado de Rangel
A pouco mais de dois meses das próximas eleições legislativas, as duas candidaturas à liderança do PSD estão bem cientes de que o tempo é o maior adversário. Rui Rio ou Paulo Rangel, um dos dois, terão poucas semanas para apresentarem as suas ideias ao país. A ordem é, por isso, arrepiar caminho.
Este sábado, Rui Rio deu o tiro de partida e reuniu o Conselho Estratégico Nacional (CEN) do partido, coordenado por Joaquim Miranda Sarmento. À saída, aos jornalistas, o líder social-democrata sintetizou as grandes bandeiras do partido: melhoria de salários, da competitividade da economia e dos serviços públicos.
O líder social-democrata convocou coordenadores e vice-coordenadores de todas as áreas do CEN para que pudessem elencar as grandes propostas setoriais do partido e será depois David Justino, vice-presidente do PSD, a coordenar a moção estratégica global de Rui Rio ao congresso do partido.
De resto, o facto de Rui Rio ter convocado o CEN em plena campanha interna do PSD causou mal-estar junto dos homens de Rangel, que viram nesta reunião mais um aproveitamento de Rio no duplo fato que vai vestindo — o de líder social-democrata e recandidato a presidente do partido.
Joaquim Miranda Sarmento, presidente do CEN e um dos quadros do rioísmo que Rangel vai querer repescar se for eleito líder do PSD, quer ficar à margem da disputa interna e já foi fazendo saber que estes contributos do CEN são património do partido e servirão, assim o entendam, de base programática quer para o incumbente quer para o challenger.
Rangel, por sua vez, tem procurado fazer um percurso semelhante. Depois de uma fase inicial marcada pelas questiúnculas internas, o eurodeputado vai tentar focar-se na afirmação das suas ideias para o país.
Em entrevista ao Expresso, publicada este sábado, Rangel assumiu que quer avançar com uma redução dos impostos sobre empresas, ainda que longe do choque fiscal que seria desejável, algum alívio fiscal para as famílias, em particular para os mais jovens, reduzir os custos de contexto da economia e aumentar a celeridade da justiça.
Nos próximos dias, é de esperar que os dois venham a falar mais do país e do que pretendem para as próximas legislativas. Rui Rio, como explicava o Observador, quer deixar de falar para dentro do partido porque acredita que isso é dar palco ao adversário — e porque entende que vai conseguir conquistar o PSD de fora para dentro e não o contrário.
Rangel deverá fazer o mesmo, mas por motivos estratégicos diferentes. Na máquina do eurodeputado, existe a consciência de que a possível falta de notoriedade e de reconhecimento das ideias de Rangel para lá da bolha política e mediática podem ser um obstáculo para a necessária afirmação do social-democrata no país.
“Rangel não tem ainda o perfil de executivo. É um parlamentar, um académico, um pensador, até diletante, no melhor sentido do termo”, reconhecia ao Observador um dos mais próximos do eurodeputado social-democrata. “É preciso trabalhar a outra dimensão, a de candidato a primeiro-ministro.”
Além de Miguel Poiares Maduro, ex-ministro de Pedro Passos Coelho, Rangel entregou a coordenação das linhas programáticas com que se vai apresentar ao país ao economista Fernando Alexandre. Mas há muitas outras personalidades a colaborar, entre quadros do PSD e figuras da sociedade civil, que preferem o anonimato por entenderem que ainda não é o momento de se envolverem politicamente com o que é ainda e apenas uma candidatura à liderança de um partido.
Paulo Magro da Luz, da Quadrantis Capital, amigo de longa data de Carlos Moedas e peça importante na elaboração do programa eleitoral do agora presidente da Câmara de Lisboa, está também trabalhar de perto com Paulo Rangel. Figuras do passismo, como Pedro Lomba e António Leitão Amaro, ambos secretários de Estado no primeiro Governo de Pedro Passos Coelho, também estão a ajudar a construir o documento estratégico, tal como Miguel Morgado, ex-deputado e antigo assessor político de Passos Coelho.
O objetivo, sabe o Observador, é criar um documento mais sintético, diferenciador e com identidade, à semelhança do que acontece noutras democracias e não tanto um documento eleitoral denso e exaustivo, que, de tão genérico, nunca chega verdadeiramente a responsabilizar quem o apresenta. O documento final será apresentado depois das eleições internas — assim Rangel seja coroado líder do PSD.