Falar para e sobre o país e ignorar o adversário interno. Com o pretexto do curto prazo para preparar o partido para as próximas eleições legislativas, Rui Rio retirou-se da campanha e matou dois coelhos de uma cajadada só: por um lado, evita pôr-se no mesmo patamar de Paulo Rangel e projeta a imagem do verdadeiro candidato a primeiro-ministro; e, por outro lado, retira espaço mediático ao challenger esvaziando o interesse da comunicação social no bate boca e na comparação entre os dois. Os apoiantes de Rangel reconhecem o golpe, mas não invertem a trajetória — a ordem continua a ser palmilhar o país de lés a lés.

“É evidente que Rui Rio quis criar uma barreira mediática para fingir que as eleições internas não existem para o mundo. E claro que o facto de não existirem debates nos traz maiores dificuldades. Mas a máquina não vai parar”, assegura ao Observador um dos homens mais influentes da campanha de Rangel.

Mesmo admitindo o sentido tático da estratégia de Rui Rio, os apoiantes do eurodeputado entendem que o pretexto usado pelo líder social-democrata para suspender a sua participação na campanha interna é pouco mais do que um logro: Rio, argumentam, saiu da rua porque não tem rua onde andar.

“Vai fazer campanha interna onde? Em Ovar? Barcelos?”, ironiza um dos operacionais de Rangel, referindo-se à (teórica) falta de tração de Rio no aparelho social-democrata e ao (aparente) conforto de Paulo Rangel junto das maiores estruturas do partido. “As contas dele são muito dramáticas. A nossa vantagem é demolidora. Ele não tem onde fazer campanha”, insiste outro dos operacionais de Rangel.

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Rio irrita Rangel

Ainda assim, o facto de se apresentar publicamente como presidente do PSD e não como recandidato à liderança dá a Rio uma óbvia vantagem: está em condições de usar os meios do partido em proveito próprio sob o pretexto de estar a representar institucionalmente o PSD.

Os adversários internos de Rio estão a perder a paciência com a confusão (deliberada, insistem) entre os dois papéis. O líder social-democrata tem usado os carros ao serviço do PSD para se deslocar para ações de uma campanha-que-não-é-campanha, anunciou a entrevista à RTP3 através do email institucional e ainda transmitiu a entrevista nas redes sociais do PSD. Pode parecer um pormenor, mas não é: só no Facebook, os sociais-democratas têm mais de 150 mil seguidores.

Rangel não tem carro dado pelo partido, não tem o email institucional e também não tem a possibilidade de partilhar a sua campanha à liderança do partido através das redes sociais do PSD — e o “irritante” vai crescendo. Apesar de tudo, os operacionais do eurodeputado está a resistir em fazer disso um tema da campanha. Para já, a discussão está circunscrita à comissão eleitoral, onde os membros das duas duas equipas acompanham as diretas.

Lembrar Passos para conquistar o país

Tudo somado, os estrategas de Paulo Rangel reconhecem que o eurodeputado tem uma montanha difícil de escalar. Não tanto pela batalha interna — porque acreditam que a vitória já não foge — mas de afirmação no país. Apesar de conhecido nos corredores mediáticos e políticos, não existem garantias do valor de Rangel para lá da bolha e ninguém ignora que ir a votos tão cedo é efetivamente um volte-face na estratégia.

Os resultados eleitorais de Rangel, de resto, podem prestar-se a leituras muito diferentes. Em 2009, venceu as europeias num ciclo particularmente negativo de José Sócrates. Em 2014, perdeu mas precipitou o fim de António José Seguro e a saga do “poucochinho” de António Costa. Em 2019, teve o pior resultado da história do PSD, depois de uma campanha particularmente agressiva e num contexto de grande popularidade de António Costa.

Falta saber o que vale verdadeiramente Paulo Rangel em legislativas. De resto, as sondagens até agora realizadas mostram uma tendência: Rio parece ser o favorito para ir a votos contra António Costa e o candidato que está em melhores condições de o derrotar. Ou seja, Rangel arrisca ganhar o partido e perder no país.

Com uma agravante: não há, na história da democracia, um único caso de alguém que, acabado de chegar à liderança do partido, tenha vencido as eleições. Os casos mais encorajadores para Paulo Rangel são os de Cavaco Silva (1985) e de José Sócrates (2005), em que ambos precisaram apenas de cinco meses para ganhar o partido e depois as legislativas, sendo que, no primeiro caso, Cavaco Silva nem sequer se bateu contra um primeiro-ministro em funções e, no segundo, Sócrates foi a votos contra Pedro Santana Lopes, então caído em desgraça. Rangel, se vencer as diretas, tem um mês e meio para derrotar António Costa.

Um argumento recuperado por Rui Rio precisamente na entrevista em que se apresentou não como recandidato à liderança do PSD mas como o presidente do PSD — o que não o impediu de criticar várias vezes o seu adversário interno. O líder social-democrata recuperou este histórico eleitoral e deu mesmo o passo em frente: Rangel “não está preparado” para ser primeiro-ministro.

“O que está aqui em causa é estabelecermos um paralelo entre um candidato que está há quatro anos, que fez um trajeto coerente, que sabe o que quer, ou então alguém que aparece agora. Sempre que alguém se propôs a eleições a um, dois, três meses, perdeu”, continuou Rio, antes de dar o exemplo de Mota Pinto, Almeida Santos e Ferro Rodrigues. “Não se chega ao povo e diz assim: ‘Estou aqui há 60 dias, votem em mim.”

A máquina de Rangel está bem ciente dessa natural dificuldade e vai centrar as suas fichas em duas estratégias: primeiro, se o problema é falta de currículo executivo, é preciso lembrar que Pedro Passos Coelho não tinha desempenhado qualquer cargo dessa natureza quando se propôs a votos e venceu; depois, é preciso acelerar a produção de propostas concretas, facilmente identificáveis, que traduzam a visão do eurodeputado para o país e que lhe resolvam algum défice de notoriedade que possa ter e lhe deem um embrulho mais ministeriavél.

“Rangel não tem ainda o perfil de executivo. É um parlamentar, um académico, um pensador, até diletante, no melhor sentido do termo”, reconhece um dos mais próximos do eurodeputado social-democrata. “É preciso trabalhar a outra dimensão, a de candidato a primeiro-ministro.”

À nossa custa não

Para chegar lá, Rangel, como Rio, precisa de ganhar as diretas. E apesar das várias derrotas internas que já sofreu, o líder social-democrata não vai dar abébias. “Ele estava a ter palco à nossa custa. Se deixarmos de falar sobre ele, não existe. Rangel precisa de notoriedade. Rio não. Foi um rombo na confiança deles”, sintetiza-se no núcleo duro do líder social-democrata. Sem alimentar a campanha interna, acreditam os homens de Rui Rio, o balão do adversário esvazia-se.

Mas esse é apenas o aspeto mais “tático” da estratégia do líder social-democrata. A estratégia é mais abrangente: ao institucionalizar a sua campanha, ao apostar as fichas todas na projeção da imagem de um líder preparado para a ir às legislativas, com uma visão alternativa para o país e um programa e equipa estáveis, Rio tenta conquistar o partido para lá das estruturas partidárias.

“Estão em confronto duas perspetivas diferentes: Rio quer ganhar o partido de fora para dentro; Rangel quer ganhar de dentro para fora”, argumenta fonte da direção social-democrata. A expectativa é que a 27 de novembro os militantes do PSD escolham o “voto seguro” em Rui Rio e não na “incógnita” chamada Paulo Rangel.

Nos próximos dias, o líder social-democrata vai acelerar a agenda, com a reunião do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do partido para apresentar um primeiro conjunto de ideias para o país; e terá também um encontro com a CIP — Confederação Empresarial de Portugal já agendado. “Até ao dia das diretas, Rio tem apresentar ideias e propostas para o país, fazer marcação cerrada a António Costa. Rangel não entra nas nossas contas”, remata a mesma fonte da direção do presidente do PSD.

Baralhando e dando de novo: a rota da carne assada fica para Rangel; Rio já só se põe no patamar de António Costa. Resta saber se os militantes do partido acharão o mesmo.