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As contas foram feitas para não ter surpresas desagradáveis, admite, e uma notícia melhor cai sempre bem entre os contribuintes. A dedução fixa por filho pela qual o Governo substituiu o mal-amado (entre o PS) quociente familiar subirá com certeza, garante Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em entrevista ao Observador.
O fiscalista quer, o governante nem sempre pode. O governante não acredita que as taxas reduzidas de IVA tenham o efeito redistributivo que se pressupõe e diz até que a taxa reduzida podia ser eliminada. Se o vai fazer como governante? Nem está no programa, nem os seus colegas no debate interno concordam com ele. Mas gostava de ver o debate feito, apesar de não ter muitas esperanças que venha a acontecer.
Sobre o IRS, admite que para aumentar o número de escalões é preciso tempo para estudar, até porque a perda de receita tem de ser compensada, mesmo que a ideia não seja baixar os impostos. Já para os escalões mais altos, não acredita que as taxas devam ser aumentadas, mas sim que se deve ir buscar essa tributação a quem está a fugir para o IRC, motivado pelas taxas mais baixas e ajudado pela possibilidade de usar as empresas para financiar despesas pessoais com tratamento fiscal favorável.
Passadas as urgências do orçamento, as prioridades estão definidas: a progressividade e escalões de IRS, a progressividade do IMI e o imposto sucessório.
Porquê aumentar os impostos sobre os combustíveis, tabaco e selo e não outros? Foram escolhas económicas ou políticas?
A insistência nestes impostos indiretos tem razões de eficiência. E, por outro lado, não contraria a ideia básica de aumentar o rendimento disponível.
A eficiência resulta da circunstância de estes impostos terem uma natureza relativamente virtuosa. Isto é mais evidente no ISP (imposto petrolífero) e no ISV (imposto sobre veículos). No tabaco não há uma eficiência económica, a finalidade é mais individual. E no imposto de selo há também uma componente importante de agravamento do crédito ao consumo. Estamos a prosseguir finalidades ambientais e de reequilíbrio da balança comercial e de incentivo ao não endividamento das famílias.
Considerando as pressões de Bruxelas, até que ponto as questões orçamentais pesaram mais na decisão de elevar estes impostos?
No caso do ISP, justificava-se sempre um aumento de impostos, mas talvez não desta dimensão. Se não fosse a necessidade de medidas adicionais, poderiam ter baixado mais outros impostos.
A receita dos impostos sobre os combustíveis e o tabaco ficou abaixo das previsões feitas no ano passado. Que garantia tem de que as contas vão bater certo?
O imposto sobre o tabaco tem uma receita muito concentrada nos últimos meses do ano antes da entrada em vigor de novas taxas, porque os distribuidores carregam os maços de tabaco para poder vender nos primeiros meses do ano seguinte ao preço do ano anterior.
No ano passado, este efeito não se verificou e a receita é excecionalmente baixa. Este ano vai-se verificar o efeito duas vezes. A base da receita média deste imposto será a de 2014 quando foram cobrados 1400 milhões de euros.
O aumento de imposto representa um pouco mais do que isso. Admitimos até alguma queda do consumo. E há 50 a 100 milhões de euros na previsão que são o efeito puramente conjuntural. Acho que a receita do tabaco não está sobreavaliada.
Mas as coisas podem correr mal em qualquer imposto. Acho que não temos estimativas excessivamente otimistas. Agora se o cenário macro não for o que supomos, isso irá afetar quase uniformemente todos os impostos que têm a ver com a despesa.
Os impostos são a forma mais rápida e fácil de conseguir receita. Há margem para aumentar mais impostos até ao final de ano se for necessário?
No princípio do ano podem fazer-se ajustamentos com base nas alterações à lei fiscal. No final do ano, isso não tem um efeito significativo. Portanto, no fundamental, este quadro fiscal que o governo desenhou no OE é o quadro com que planeia viver até dezembro.
Os combustíveis. E o sobe a desce do imposto
O governo admite descer o imposto petrolífero, mas isso quase nunca aconteceu. Nos últimos 20 anos, lembro-me de uma.
Independentemente da necessidade e possibilidade de se aliviar um futuro aumento do preço dos combustíveis, há uma correção que se pode fazer de forma neutra. Se os combustíveis subirem três ou quatro cêntimos, podemos descer logo um cêntimo (o imposto) sem renunciar a qualquer receita (porque se recupera no IVA). Podemos é ter que descer mais do que um cêntimo porque o preço do petróleo está a subir excessivamente. Mas temos de ser claros, a possibilidade de descer este imposto também tem a ver com a execução do resto do orçamento.
Se a execução orçamental estiver sob pressão, a subida do petróleo não será suficiente para baixar o imposto?
Pode-se sempre baixar um cêntimo, por cada quatro cêntimos de subida se estiver assegurada a neutralidade fiscal (ou seja, se o Estado não perder receita). Agora tudo o que seja mais do que isso, exige que exista folga na execução orçamental. Uma descida do ISP (imposto petrolífero) que se traduza numa perda de receita fiscal só será possível se a execução orçamental o permitir.
Das conversas mantidas com a Comissão Europeia até que ponto a margem fiscal está esgotada para acomodar eventuais medidas adicionais?
A tendência geral da consolidação orçamental não se fará pelo aumento da receita fiscal até porque as possibilidades estão em grande parte esgotadas. Os aumentos de impostos sobre o consumo podem parecer muito significativos, mas todo o aumento do ISP é menos que uma subida de 1% no IVA.
É relativamente consensual que os níveis de pressão fiscal nos principais impostos são muito grandes se comparados com o nível de rendimento do país. Temos uma prioridade que se concretizará no ano que vem com mais uma descida do IRS – a extinção da sobretaxa. Nada está previsto, nem creio que exista qualquer margem, para subir o IVA. Também não antecipo que seja uma prioridade descer o IVA, em relação ao IRS.
A consolidação orçamental terá que ser feita em outros lados porque as medidas tenderão a reduzir a carga fiscal.
Então estes aumentos de impostos foram a exceção que confirma a regra?
Estas subidas de imposto não estavam no nosso cenário base e foram fundamentalmente feitas para incorporar as descidas de receita no IRS e no IRC. Quando a Comissão Europeia nos pediu um ajustamento estrutural adicional, discutimos em que ano deveriam ficar as medidas decididas pelo anterior governo que tiveram efeito este ano.
A Comissão Europeia não concordou connosco no que toca ao IRS e ao IRC e as medidas fiscais adicionais foram em grande medida a compensação por estas perdas de receita. As nossas contas sobre a evolução da carga fiscal também incorporam o efeito dessas medidas que não foram decididas por este governo.
Como vão funcionar os benefícios fiscais aos transportes para atenuar o impacto do imposto sobre os combustíveis?
Apresentamos um mecanismo (de benefícios fiscais) baseado no IRC e foi-nos apontado que há um conjunto importante destas empresas que não tem lucro.
A começar pelas empresas públicas de transportes.
Exato. Tivemos uma reunião no final da semana passada para avaliar se se pode complementar ou substituir esta ideia de beneficio fiscal no IRC com outras medidas. É um trabalho que estamos a fazer. Há duas questões essenciais. Do lado dos transportes públicos de passageiros, o aumento dos preços é contraproducente do ponto de vista da finalidade do imposto porque os transportes públicos são a alternativa ao automóvel. Queremos evitar que exista esse efeito por via do aumento fiscal.
É o governo a decidir os preços dos transportes e este ano já decidiu que não sobem.
Fora de Lisboa e Porto, a maior parte dos transportes públicos são municipais. Não me pronuncio sobre cenários de aumentos de preços que não dizem respeito ao Ministério das Finanças. Pronuncio-me sobre a necessidade de criar os mecanismos fiscais que evitem essa necessidade.
A outra questão que está em causa é a competitividade da indústria nacional e do setor exportador, cuja produção é escoada para a Europa por via rodoviária, e também da indústria, cujos custos são aumentados pelo transporte de mercadorias.
No passado, este tipo de medidas foi muito discutido e não avançou por causa dos custos.
É verdade. Se fosse fácil já estava feito.
Mas essa solução vai entrar em vigor na mesma altura que o aumento de imposto?
A solução não pode demorar muito tempo porque a nossa intenção é que seja incorporada no Orçamento do Estado, que segue para a aprovação do Presidente da República no final de março (deve entrar em vigor em abril.)
Porque é o governo optou por penalizar mais os imposto sobre a banca em vez de onerar as empresas de energia, onde supostamente estão os lucros excessivos?
No cenário fiscal que existia em 2015 (do anterior governo), a contribuição sobre a energia (paga pela EDP, Galp e REN) era reduzida este ano em 50%. E houve uma intervenção legislativa logo em dezembro para manter essa contribuição estável. Não houve um aumento nominal, mas uma correção da descida que estava prevista no cenário anterior.
A contribuição sobre o setor bancário vai para um fundo que alimenta responsabilidades dos bancos. E por razões que são conhecidas (intervenção no Novo Banco) as necessidades do dito fundo aumentaram. Ao reforçar o Fundo de Resolução, a contribuição também ajuda os bancos porque as responsabilidades do fundo refletem-se negativamente na situação líquida dos bancos.
No caso da banca, o reforço da tributação também está a ser feito do lado do imposto de selo que incide sobre as comissões cobradas em transações do setor financeiro. Limitamo-nos a esclarecer uma interpretação da lei que já existia.
Quem ganha e quem perde com a dedução por filho no IRS
Há uma discussão entre governo e fiscalistas sobre quem ganha e quem perde no IRS com a mudança do quociente familiar para a dedução de 550 euros por filho. Afinal, quem é a classe média?
Uma conta frequentemente usada diz que a classe média está acima da mediana. Só na metade de cima é que está a classe média, depois de excluídos os últimos 10%.
Isto significa que o terceiro, o quarto e o quinto escalões já não são classe média. Ou seja acima de 20 mil euros de rendimento tributável ou de dois mil euros de salário mensal, já ninguém é classe média porque estão nos 10% do topo. Não estou a dizer que é uma classificação boa, mas é uma que existe.
Em contrapartida, a classe média começará na mediana dos rendimentos de trabalho, que anda pelos 700 e tal euros mensais. Não creio que os rendimentos mensais dos comentadores das televisões andem na mediana dos rendimentos de trabalho. Acontece-me o mesmo. Digo aos meus colegas do governo que quase todas as pessoas que conheço, e que têm filhos, são prejudicadas por este sistema.
E os outros são mesmo beneficiados? As pessoas de rendimentos mais baixos só beneficiam se pagarem IRS e tiverem um nível suficiente de despesas.
Todos os filhos dão despesas e não há razão para considerar que os filhos das pessoas com mais rendimentos dão mais despesas, ou pelo menos mais despesas que contam para o sistema fiscal, do que os filhos das pessoas com menos rendimentos.
A primeira questão é muito pertinente porque tem a ver com o cálculo do valor da dedução fixa. Uma família com um rendimento bruto de 16.200 euros, e pouco mais de 8.000 de rendimento de trabalho anual, que tenha dois filhos e use todas as suas deduções para despesas gerais familiares não pagaria IRS. É ai que está o limiar inferior.
Estamos a olhar agora para este novo regime de despesas gerais familiares. Será que a generalidade das pessoas as utiliza?
A segunda questão é a de saber se essas pessoas têm despesas com educação ou saúde que ainda lhes deem mais 100 ou 200 euros. Essa conta vai-nos dar o limiar inferior das pessoas que podem sair beneficiadas com a dedução de 550 euros por filho.
É preciso compreender que há uma gigantesca concentração de rendimentos entre estes 8000 euros de rendimento bruto anual — pouco mais de 600 euros mensais — e os mil euros de rendimento mensal bruto. Esta classe é imensa. Ainda que o rendimento dos beneficiados comece nos 8.200, 8.300, 8.400, continua a haver aqui imensa gente. Isso vai refletir-se no montante da dedução que havemos de apurar e que terá neutralidade fiscal face ao quociente familiar.
Então a dedução por filho pode ser superior aos 550 euros?
Para não ter de recuar para um número mais baixo, que seria bastante desagradável (risos), o número que avancei era a estimativa mais conservadora, 550 euros por filho. Pode ir uma dezenas de euros para cima daquele valor. Tenho a certeza que é mais de 550 já neste momento.
E vai ou não haver adiamento de entrega das declarações de IRS de 2015?
Eu fui alertado que o sistema, sobretudo no IRS, inclui um conjunto de deveres acessórios que são novos para toda a gente. Tanto os contribuintes, como a Administração Tributária, vão tendo dificuldade em adaptarem-se ao novo sistema. Mas o país gastou muitos recursos neste sistema — o e-fatura — e não tenho problemas nenhuns em assumir, mesmo não tendo as mesmas cores políticas, que a ideia é boa, desde que funcione, mas é preciso avaliar isso.
Vamos assumir que há prazos que precisam de ser adiados, porque quer os contribuintes, quer a AT, estão a ter dificuldades. No máximo na próxima semana temos de ter os prazos definidos.
O governo mantém a intenção de mexer nos escalões de IRS em 2017 ao mesmo tempo que elimina a sobretaxa?
Disse logo que isso era algo que não aconteceria em 2016 porque tivemos de fazer um orçamento em 60 dias. Não sei ainda muitos detalhes porque ainda ninguém começou seriamente a trabalhar nisso.
O próximo pode ser o ano da enorme descida de impostos no IRS?
Nunca assumi que o aumento de escalões era para reduzir em termos gerais o IRS. O objetivo é aumentar a progressividade. Mas tendo em contas as taxas marginais que existem no IRS, é muito difícil fazer um ajustamento de escalões que não passe por uma redução da receita.
Podemos encontrar mecanismos de correção para os rendimentos que entendemos como subtributados, não em função do seu volume, mas em função do seu tipo. Talvez se encontrem aí formas de compensação.
Mais escalões em 2017. Rendimentos em empresas podem voltar ao IRS
Está a falar de aumentos de taxas?
Não, não. As taxas no IRS estão encostadas aos seus limites, com a sobretaxa. Eu filosoficamente acho que taxa máxima devia ser 49% (é de 53% sem a sobretaxa). Não sei se estou em condições de propor uma redução da taxa máxima, mas não há grande margem para aumentar outras taxas. O efeito da redução do ajustamento dos escalões, traduzir-se-á numa baixa de receita fiscal que pode ser compensada por outra via dentro do IRS.
Menos deduções e menos benefícios?
Há duas vias pelas quais uma grande quantidade de rendimento pessoal escapa neste momento à tributação. Uma recebeu mais atenção nas últimas semanas por causa da intervenção do ex-diretor geral da AT (Azevedo Pereira) e tem a ver com os contribuintes de mais elevado rendimento e património (e o seu baixo contributo para o IRS)
Mas isso resolve-se a nível de IRS?
Não. A outra questão, que se agrava quando o IRC tem uma taxa muito mais baixa que o IRS, é a migração dos rendimentos pessoais para rendimentos societários. Esta situação é agravada com a possibilidade, pouco contrariada, de haver um conjunto de despesas pessoais que são depois consideradas custos ao nível da sociedade.
Se conseguirmos recuperar, não digo a totalidade porque isso seria o santo graal da tributação direta, mas qualquer coisa nesse domínio… Só seria possível assegurar a neutralidade fiscal de uma reformulação dos escalões por via destes mecanismos, e não pelo aumento das taxas.
Mas isso implica mexer no IRC outra vez?
Pode também atuar-se voltando a imputar certas despesas ou rendimentos ao IRS. Os mecanismos técnicos aí são muitos. Também não pretendo novamente mexer na taxa de IRC, nem num sentido nem noutro.
O programa do governo promete estabilidade fiscal, mas só para as regras deste Governo?
Não necessariamente. No caso do IRC, por exemplo, estamos a sofrer um impacto grande na receita da tributação dos fundos de investimento, e todavia não é revertida essa alteração muito significativa. A taxa de IRC não desce, mas fica como está, e há um conjunto significativo de alterações feitos na última reforma que se mantêm. As alterações que introduzimos são sonoras se calhar, mas o esquema fundamental ficou na mesma.
Mas deixam cair as duas bandeiras que iam tornar o sistema português mais competitivo…
Nunca acreditámos na participation exemption (isenção fiscal para dividendos recebidos por sociedades com 5% do capital e sede no estrangeiro) e votámos contra essa proposta. Na questão do reporte dos prejuízos, e para assegurar a estabilidade, as regras atuais continuam em vigor todo o período que decorre até ao final deste ano. Todas aquelas empresas que fizeram investimentos contando com 12 anos de reporte de prejuízos podem continuar a fazê-lo durante o ano de 2016.
Vão olhar para o regime de ativos por impostos diferidos dos bancos?
Mesmo que não quiséssemos, temos de olhar para isso. Somos um dos últimos países na Europa que tem este regime que a Comissão Europeia vê com antipatia. A questão não é verdadeiramente se vai acabar, mas quando é que vai acabar e o que acontece aos ativos por impostos diferidos presentes neste momento nos balanços dos bancos. A preocupação que tenho de ter é que os efeitos já produzidos pelo regime sejam preservados, caso contrário, seria um problema horrível na contabilidade dos bancos, mas penso que não será um problema.
E em relação ao imposto sobre heranças, que é uma espécie de imposto sobre fortunas…
Disse sempre que não trazia uma lei sobre o imposto sucessório pronta no bolso. É uma solução complexa. A maior parte dos países europeus tem um imposto deste género, e, portanto, muitos dos problemas que se levantam são tratados noutras legislações, devemos estudar essas soluções.
Só tenho o esqueleto e a função da coisa: é mais fácil tributar o património pessoal no momento sucessório do que fazer um imposto sobre o património cobrado anualmente. Esse imposto implicaria a avaliação anual do património. O imposto sobre a sucessão implica tributar uma só vez o património e essa é a facilidade.
Contra as taxas reduzidas do IVA
O Governo anterior fez muitas alterações às taxas de IVA. Pondera recuar em alguns produtos?
Há uma diferença muito significativa entre o que é a cabeça do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o que é a cabeça do Governo. O secretário de Estado é pouco crente nas virtualidades redistributivas das taxas reduzidas do IVA e entende que quando vai jantar fora com os amigos e compra dois quilos de vitela arouquesa ou um robalo de anzol para assar, o subsídio fiscal que o Estado lhe atribui é pouco redistributivo (risos). Na discussão interna, sempre fui contra a ideia de baixar o IVA sobre a eletricidade. Acho que subsidiar fiscalmente o tipo que tem o ar condicionado com a janela aberta é má ideia.
Diz que as suas ideias não são bem as mesmas…
A tarifa social de energia é muito mais lógica do que baixar o IVA da eletricidade. Quanto ao resto, não vejo com simpatia a inclusão de novos produtos na taxa reduzida. Se os vegans bebem outras coisas em vez de leite, não faz sentido pagarem mais IVA que os outros. É uma discriminação em termos de estilos de vida que não fazia sentido.
Acho que há um debate de longo prazo a fazer em Portugal: as taxas reduzidas têm o efeito redistributivo que se lhes atribui? Tenho muitas dúvidas. Sei que esta posição não é partilhada pela generalidade dos meus camaradas de partido.
Nessa posição há margem para eliminar taxas?
Poderia pelo menos eliminar-se uma das taxas, a reduzida, por exemplo. Tenho uma proposta académica e acho que vale a pena discutir a questão.
Mas não é uma política do governo discutir a questão?
Acho que pode ser uma política do Governo lançar esse debate, mas não é uma posição do Governo mudar o sistema atual. Não sou excessivamente otimista no que toca a este debate, porque sempre que se fala nisto aparece logo o argumento do leitinho do bebé e dois terços da população ficam logo contra a ideia.
E no debate sobre o aumento da carga fiscal qual é a sua opinião?
Sempre que penso em carga fiscal, não conto com as contribuições sociais, e aí a carga fiscal em percentagem do PIB desce. Mas se há menos desemprego e mais gente a contribuir, o peso das contribuições no produto aumenta. Estamos a discutir uma décima para cima, uma décima para baixo. Do ponto de vista da carga fiscal vista aqui do Ministério das Finanças, há inequivocamente uma baixa do peso dela no PIB e eu acho que deve ser continuado o esforço, nomeadamente no IRS.
O que diria aos partidos da direita que acusam o Governo de criar um enorme aumento de impostos?
As decisões discricionárias aumentam os impostos em 600 milhões, as não discricionárias baixam os impostos em 1200 milhões. Chamar a isto enorme aumento de impostos é esquisito, sobretudo quando a escala da expressão “enorme aumento de impostos” foi fixada nos dois mil e tal milhões de euros. Ainda que não baixássemos imposto nenhum e tivéssemos estes aumentos, estaríamos bastante longe da escala que consagrou a expressão. Aliás, se bem conheço o que pensa o professor Vítor Gaspar, também não seria bem aquilo que ele queria como política económica.
Complemento salarial pode não estar pronto em 2017
O Governo vai tentar aliviar mais a carga fiscal para os rendimentos mais baixos? Vai avançar com o complemento salarial?
A descida da TSU foi adiada para 1 de janeiro de 2017, mas não tem grande dificuldade. O complemento salarial (para trabalhadores com salários mais baixos) é uma medida que tem complexidade técnica e que precisa de ser trabalhada, não garanto que esteja pronta para 2017.
Quando uma pessoa chega ao Governo, as urgências do que tem de ser resolvido para o mês que vem sobrepõem-se ao longo prazo. Assim que acabar o orçamento há um conjunto de questões — a progressividade e escalões de IRS, a progressividade do IMI e o imposto sucessório — que têm de começar a andar.
Encontrou trabalho técnico feito quando chegou à pasta do fisco?
Sim, ao contrário dos meus colegas tive o meu trabalho facilitado. A Autoridade Tributária todos os anos propõe alterações aos códigos fiscais. E Paulo Núncio deixou a incumbência à Autoridade Tributária que fizesse isso. Recebi uma pastinha ótima com pouco menos de 200 páginas de propostas de legislação fiscal.
Aproveitou algumas dessas medidas?
Muitas. Há três novos regimes para pagar dívidas a prestações. Na execução fiscal havia uma coisa extraordinária. Quando éramos citados e pagávamos, o montante da dívida já não era o mesmo, aumentava com as custas do processo. E o euro ou dois euros a mais era o suficiente para fazer seguir o processo e continuar a acumular juros e custas. Esta questão fica resolvida.
E o excesso de zelo na cobrança de dívidas fiscais dos últimos anos. Vai fazer alguma coisa sobre isto?
A administração não deve cobrar dívidas que não são exigíveis. Não será certamente por minha orientação que os contribuintes receberão essas notificações. Também não sei se foi por iniciativa política do meu antecessor que isso aconteceu.
A cláusula de salvaguarda no IMI é para manter?
Tornou-se uma disposição permanente no código do IMI (imposto municipal de imóveis). Este orçamento permite aos municípios pedirem reavaliações, o que pode resultar em alterações de valor tributário que determinam o aumento de IMI. Mantemos o travão dos 75 euros ou um terço, que esgota o seu efeito útil ao fim de três anos para que as expectativas das pessoas não sejam bruscamente alteradas.